sábado, 8 de fevereiro de 2025

Grace Blakeley: Como a esquerda finlandesa está derrotando a extrema direita

Li Andersson não é como a maioria dos políticos de esquerda. Ela é jovem, simpática, carismática e muito pé no chão. Ela também é muito boa em ganhar eleições.

Conheci Andersson no Käänne Festival — uma conferência que ela organizou para unir a esquerda após um excelente desempenho nas recentes eleições para o Parlamento Europeu. Enquanto a extrema direita obteve ganhos em grande parte do bloco, na Finlândia a esquerda contrariou essa tendência. A esquerda obteve 17% dos votos, e Andersson foi eleita MEP com mais votos do que qualquer candidato já recebeu em uma eleição para o Parlamento Europeu na Finlândia.

“Esta é a primeira vez que temos este festival”, ela me disse enquanto nos sentávamos no greenroom da conferência, acima de um restaurante movimentado no centro de Helsinque. “É realmente emocionante para mim.”

Andersson é a ex-liderança da Aliança de Esquerda, o principal partido de esquerda da Finlândia. A esquerda teve um bom desempenho nas eleições de 2019, ganhando 16 cadeiras e entrando em uma coalizão com o Partido Social Democrata (SDP). A coalizão foi liderada por uma das políticas mais conhecidas da Europa, Sanna Marin, do SDP, que você pode ter visto no noticiário depois que ela foi forçada a se desculpar por ir a uma balada durante a COVID-19.

Enquanto nos conversávamos, Andersson acenou para Marin com um sorriso caloroso. As duas tinham acabado de terminar um debate sobre a redução de horas de trabalho (junto com Will Stronge, da Autonomy). Noto a boa vontade que claramente existe entre Andersson e Marin com esse tema — é incomum que social-democratas e militantes da esquerda radical se deem tão bem hoje em dia.

As duas têm bastante em comum. Ambas são mulheres jovens, carismáticas e inteligentes, vistas como modernizadoras dentro de seus respectivos partidos. E elas têm algumas visões comuns quando se trata de política. Andersson participou na coalizão liderada por Marin como ministra da Educação e, na conferência, ambas pareciam muito interessadas na ideia da semana de trabalho de quatro dias.

·        O custo da austeridade

Andersson acredita que o último governo de esquerda não foi longe o suficiente para transformar a economia finlandesa em benefício dos trabalhadores, razão pela qual eles perderam o poder após a crise do custo de vida.

“Você pode ter lido o slogan ‘desemprego prejudica governos, inflação os mata’. Durante o último governo, nós não discutimos ferramentas para lidar com a inflação. Estávamos muito presos à política fiscal e não fazíamos perguntas como ‘usamos limites de preço?’”, disse ela.

Agora a direita está no poder novamente, em uma coalizão com o Partido Finlandês de extrema direita, impondo uma dura agenda de austeridade.

“A austeridade tem sido a principal forma de fazer política econômica desde a crise financeira de 2008. A única exceção desde 2011 foi a coalizão governamental que tivemos de 2019 a 2023″, lembrou ela.

“A fracassada agenda de austeridade estimulou a ascensão da extrema direita.”

“O argumento da direita é que temos que viver dentro de nossos meios; não podemos assumir mais dívidas. Mas, é claro, eles não conseguiram diminuir a taxa da dívida porque a austeridade derrubou o crescimento e aumentou o desemprego”, explicou ela.

A Finlândia é frequentemente colocada junto com os outros países nórdicos como uma economia com direitos trabalhistas sólidos e uma forte rede de segurança social. Mas, graças às políticas de sucessivos governos de direita, Andersson argumenta que essa caracterização não é mais justificada: “Acho que é justo dizer que não somos mais um país com modelo nórdico.”

Numa história que se repetiu inúmeras vezes por toda a Europa, a fracassada agenda de austeridade da direita encorajou a ascensão da extrema direita.

“O combustível para a extrema direita vem da desilusão. Da falta de visão, da falta de esperança. Quando você não tem alternativas confiáveis ​​para um futuro melhor, as pessoas voltam sua raiva e frustração para outros grupos”, explicou Andersson.

A diferença na Finlândia é que a extrema direita está realmente no poder. “Este é um lugar onde vimos exatamente o que a cooperação entre a direita e a extrema direita realmente significa. Eles impuseram cortes históricos na previdência social e na assistência médica e implementaram muitas reformas de direita no mercado de trabalho altamente criticadas.”

“Se você olhar para o resto da Europa, esses partidos ainda têm o luxo de se retratarem como a voz do povo. Mas aqui podemos realmente ver o que esses partidos fazem quando estão no poder. As pessoas sentiram o impacto de suas políticas. É apenas thatcherismo com racismo”, destacou ela.

Andersson compara a experiência finlandesa com a da Suécia, onde o partido de extrema direita se tornou, como ela diz, “o partido de apoio formal do governo”. Essa institucionalização está começando a corroer o apoio ao partido, cuja parcela de votos caiu nas recentes eleições europeias.

·        Reconstruindo o apoio

Andersson observa que tanto na Finlândia como na Suécia, os partidos mais bem posicionados para tirar partidos de extrema-direita da institucionalização são os novos partidos “vermelho-verdes” da esquerda.

“Fizemos o trabalho de criar uma alternativa de esquerda moderna para o maior número possível de eleitores. Combinamos política ambiental com ambiciosas políticas de redistribuição de renda, mas também fomos muito claros quando se trata de direito internacional e direitos humanos”, destacou ela.

A aliança de esquerda tem se concentrado muito em apoiar Gaza e Ucrânia. Andersson diz que a oposição à agressão russa, que é uma questão crítica na política finlandesa, a colocou em desacordo com alguns partidos da “velha esquerda” pela Europa. Mas ela é inflexível que a esquerda europeia tem que deixar de lado suas diferenças e tentar trabalhar em conjunto.

“Um tema realmente unificador para todos nós é desafiar esse modelo econômico quebrado. O mundo está em um estado tão terrível que precisamos construir coalizões amplas sobre os temas que nos unem. Às vezes, a esquerda tende a pensar que cooperação significa que temos que sentar e escrever uma resolução onde todos concordam com cada palavra, mas isso significa que você perde muito tempo e energia em coisas com as quais as pessoas não se importam.”

“Ela está particularmente focada em reformas no mercado de trabalho, como a valorização do salário mínimo e limitações nas horas de trabalho.”

Andersson é rigidamente focada nas coisas com as quais as pessoas se importam. Ela é extremamente bem versada em uma infinidade de questões políticas. Ao longo da nossa conversa, ela falou longamente sobre temas que vão desde a introdução da semana de trabalho de 37,5 horas na Espanha até a proposta de Isabella Weber de usar controles de preços para controlar a inflação.

Quando pergunto a ela sobre suas prioridades políticas, ela diz que o foco está em políticas que proporcionarão uma “vida profissional melhor”. Ela está particularmente focada em reformas no mercado de trabalho, como a valorização do salário mínimo e limitações nas horas de trabalho. Ela também enfatiza a importância de fortalecer os direitos dos trabalhadores, que foram corroídos por sucessivos governos.

“Aqui [o governo] restringiu o direito de greve. Queremos trabalhar para restabelecer o direito de greve, pois ele é muito fundamental. Também estamos trabalhando em questões que têm a ver com representação nas empresas e democracia empresarial”, lembrou ela.

Perguntei a ela como é o relacionamento do partido com os sindicatos que presumivelmente se beneficiariam dessas iniciativas políticas.

“No momento, está muito bom. Houve momentos em que esteve mais distante porque o Partido de Esquerda estava passando por essa transição de incorporar políticas ambientais em nossa agenda. Isso criou tensões com os sindicatos na época. Agora é uma situação muito diferente, porque acho que eles entenderam as implicações do desastre ambiental em que estamos vivendo. E por causa de tudo o que aconteceu [com o governo de extrema direita], agora temos muito em comum em termos de política.”

·        A alternativa

Essa tensão entre os partidos de esquerda modernos e o movimento trabalhista sobre o clima é um problema em todo o mundo (leia este livro para saber como os militantes estão superando essa divisão). Mas Andersson é inflexível no que ela chama de política “vermelho-verde” e garante que é o único caminho a seguir — por razões pragmáticas e ideológicas.

“Acabamos de receber a notícia de que a floresta finlandesa não é mais um sumidouro de carbono porque houve muita exploração madeireira. As florestas agora são uma fonte de emissões. E isso também é uma questão redistributiva, porque é uma fonte de lucro para a indústria madeireira, e as consequências serão pagas pelos contribuintes,” apontou ela.

Quando perguntei a ela sobre qual seria o maior desafio para a esquerda na Finlândia, ela falou sobre a aparente redução do campo “progressista” pela Europa. Claro, os partidos de esquerda finlandeses se saíram bem nas recentes eleições europeias, mas isso ocorreu em um contexto de ressurgimento da direita.

“Acho que a Finlândia deveria ser usada como exemplo fora de nossas próprias fronteiras. Espero que não vejamos em outros países a extrema direita chegando ao poder, então deveríamos usar o exemplo finlandês para ajudar as pessoas a entender que as políticas da direita não apoiam trabalhadores e aumentam a igualdade. E a esquerda precisa continuar trabalhando em propostas para um modelo econômico alternativo. Precisamos ser corajosos nisso.”

 

¨      Alemanha mostra que luta contra o fascismo é na rua. Por Nina Lemos

"Defendam-se, resistam contra o fascismo aqui no nosso país. Às barricadas, às barricadas." Talvez você já tenha ouvido essa música nos últimos dias, só que em alemão, e entoada por milhões. A canção Wehrt euch, leitest Widerstand (Defendam-se, resistam) tem sido a trilha sonora das manifestações gigantes que aconteceram na Alemanha nas últimas semanas (e devem continuar) contra a ascensão das ideias de direita radical e alianças com a ultradireita, representada no país pelo partido AfD.

Vídeos de multidões em cidades de todo o país gritando: "Todos juntos contra o fascismo" viralizaram nas redes sociais como uma luz em tempos de trevas. Não por acaso os manifestantes carregavam velas ou tinham seus celulares acesos nas mãos. Uma das ideias parece ser essa mesmo: mostrar que há luz no fim do túnel. E o mundo anda precisando mesmo disso. Ver multidões de pessoas de todas as cidades se levantando contra o fascismo dá um alívio e tanto em um mundo que se vira cada vez mais para a direita e abraça ideias de ódio contra imigrantes e a população LGBTQ+ . A eleição de Trump e suas decisões radicais contra essas populações são o exemplo mais assustador. 

As notícias para aqueles que defendem a democracia e a diversidade são boas: só no último domingo, segundo a polícia, pelo menos 160 mil (250 mil segundo os organizadores) se reuniram em Berlim em uma manifestação com o simbólico nome de "Revolta dos decentes", pela manutenção do "cordão sanitário". No dia anterior, milhares de pessoas tinham ido às ruas em Hamburgo e em Colônia, entre outros lugares. Antes disso, manifestações gigantes também aconteceram em todas as grandes cidades (e não só nelas).

A movimentação em massa e histórica acontece poucas semanas antes das eleições gerais, que serão realizadas no dia 23 de fevereiro e não parece que vão parar até essa data.

O impulso inicial aconteceu quando o candidato que lidera as intenções de voto, Friedrich Merz, da União Democrata Cristã (CDU), partido de centro-direita, deixou claro que aceitaria votos da AfD, de ultradireita, para aprovar um duro pacote anti-imigração. Em reação, manifestações eclodiram no país, já que esse é um tabu sério na democracia alemã. Explico: existe um acordo entre os principais partidos do país de que nenhum deles faria aliança com a ultradireita. No momento, a AfD é o segundo partido na preferência dos eleitores.

No dia 29 de janeiro, Merz fez o que tinha prometido e causou uma fissura grande nesse "cordão sanitário" ao aceitar o apoio da AfD para tentar passar no parlamento seu pacote contra a imigração. O "apoio" causou escândalo em todo país.

Logo após uma moção ser aprovada com o apoio da ultradireita, milhares de pessoas imediatamente rumaram para a sede da CDU em Berlim. Além disso, partes da sociedade civil, como líderes protestantes e católicos e associações judaicas, se manifestaram contra a aproximação com a AfD. Até a ex-chanceler Angela Merkel, que costuma curtir sua aposentadoria longe dos holofotes, divulgou uma nota onde falava que a atitude do colega de partido "era um erro”.

Resultado: na última sexta-feira (31/01), a lei encampada por Merz foi rejeitada no parlamento. Ou seja, a pressão da sociedade e as manifestações surtiram efeito.

Nós somos o muro de contenção

A ideia, agora, é fortalecer o cordão sanitário e exigir, nas ruas, que nenhuma aliança seja feita com a ultradireita e também tentar impedir uma "guinada à direita".

"Nós somos o mundo de contenção" é uma das frases mais usadas nessas grandes manifestações contra a ultradireita. As primeiras aconteceram ano passado, quando dezenas de milhares de pessoas se reuniram em Berlim para se manifestar depois que a imprensa divulgou que membros da AfD teriam se reunido com radicais para discutir um plano de "remigração" – que previa, inclusive, a deportação de estrangeiros que adquiriram a cidadania alemã (ou seja, alemães!).

Se as manifestações conterão a extrema direita na Alemanha? Tenho esperança que sim. E, mais que isso, não vejo outra maneira eficiente de resistência nesse momento de avanço da extrema direita no mundo todo do que defender a democracia daquela velha maneira, indo às ruas. No mesmo fim de semana que os alemães saíram para defender a democracia e a diversidade, milhares de pessoas se reuniram na Argentina para protestar contra a política anti-diversidade do radical de direita Javier Milei.

"No TikTok e em nosso ambiente está na moda atualmente ser de direita", disse Isabel Raffel, de 15 anos, ao jornal Tagesspiegel. Ela e amigos disseram que estavam na rua para tentar mudar isso.

Acho que elas estão certas. Vale muito mais se reunir com outras "pessoas decentes" e ir para a rua do que ficar em casa reclamando nas redes sociais. 

¨      Vendas da Tesla caem na Alemanha após apoio de Musk à AfD

A montadora de carros elétricos americana Tesla teve uma queda de 59,5% em suas vendas na Alemanha em janeiro, em comparação com o mesmo mês do ano anterior, de acordo com dados do Departamento Federal Alemão de Veículos Motorizados (KBA) divulgados nesta quarta-feira (07/01).

Essa tendência de recuo de vendas de carros elétricos não foi observada no setor, que registrou uma alta na procura neste período. De acordo com o KBA, as vendas totais de carros de passeio elétricos aumentaram 53,5% em janeiro deste ano, em comparação com o mesmo período de 2024.

A queda das vendas na Tesla foi registrada após o dono da montadora, o bilionário americano Elon Musk, ter declarado apoio ao partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) nas eleições gerais que ocorrem no país europeu em 23 de fevereiro.

Em geral, as vendas de carros elétricos caíram na Alemanha no passado, após o governo federal retirar os subsídios ao setor e em meio a uma desaceleração mais ampla na demanda por veículos elétricos na Europa. No entanto, nenhuma outra montadora perdeu tanto no volume de vendas quanto a Tesla, que possui sua única fábrica europeia em Grünheide, próximo a Berlim.

Em 2022, a Tesla lidera as vendas de carros elétricos na Alemanha. Em 2024, ela caiu para o terceiro lugar em 2024, com uma participação de mercado de 9,9%. No ano passado, os novos registros da Tesla caíram em cerca de 26 mil, para pouco menos de 38 mil.

<><> Posições do dono

Observadores do mercado automotivo atribuíram as dificuldades da Tesla na Alemanha a um problema grave de imagem devido ao envolvimento muito próximo de Musk com o presidente dos EUA, Donald Trump, e seu endosso à AfD. O apoio de Musk à ultradireita alemã causou indignação no país e a preocupação sobre abuso de influência.

O bilionário dos EUA tem reiterado seu apoio à líder da AfD, Alice Weidel, e chegou a fazer uma polêmica live em sua rede social, o X, com a candidata alemã. Atualmente, a sigla de ultradireita aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, com 21%, atrás apenas dos conservadores da União Democrata Cristã (CDU), com 31%.

O apoio de Musk à AfD ocorre mesmo com o partido sendo abertamente cético em relação aos veículos elétricos, bem como à transição para as energias renováveis.

O bilionário também já criticou políticos alemães do governo e chegou a chamar o atual chanceler federal, o social-democrata Olaf Scholz, de "tolo".

Para o diretor do Instituto de Pesquisa Automotiva da Alemanha, Ferdinand Dudenhöffer, o comportamento de Musk é "extremamente prejudicial". "Ninguém quer ser associado a isso. Tesla e Musk estão quase inextricavelmente ligados", acrescentou.

<><> Polêmicas mundiais

O endosso de Musk à AfD se soma a outros episódios registrados em 2024 no qual o bilionário de origem sul-africana se envolveu em questões políticas. Nos EUA, ele declarou abertamente seu apoio à eleição do republicano Donald Trump, na esteira da tentativa de assassinato em julho.

Musk acabou direcionando milhões de dólares para a campanha, chegando a liderar esforços locais para conquistar votos, especialmente no estado da Pensilvânia. Alguns desses esforços chegaram a levantar acusações de compra de votos.

O bilionário também se envolveu em disputar judiciais no Brasil, direcionando críticas ao Supremo Tribunal Federal. Também protagonizou embates como governo da Austrália, após as autoridades do país promoverem um projeto de lei para tentar coibir disseminação de desinformação em redes sociais.

Musk também recebeu críticas após fazer um gesto na posse de Trump, em janeiro, que lembrava uma saudação nazista.

 

Fonte: Jacobin Brasil – Tradução de Caue Seigner Ameni/DW Brasil

 

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