Ilhados na
maior metrópole do país
A casa do copeiro Robson da
Silva Brasílio, de 39 anos, e sua família ficou ilhada desde a madrugada do
sábado, 1 de fevereiro. Naquela noite, ele acordou com a água já na altura do
berço da filha de 9 meses. O grande volume que entrava na casa obrigou Brasílio
a pegar a esposa e os quatro filhos e passar todos pela janela de um dos
quartos. Essa foi a primeira vez que eles passaram por uma enchente tão severa
no bairro do Jardim Helena, extremo da zona leste de São Paulo.
Há seis dias, o bairro do
Jardim Pantanal, que fica no distrito do Jardim Helena, está com as ruas
submersas pelas águas do rio Tietê. A solução apresentada pelo prefeito Ricardo
Nunes (MDB) é esvaziar o bairro, retirando os 45 mil moradores, que seriam
indenizados. A Agência
Pública esteve no Jardim Pantanal e no Jardim Helena na
terça-feira (4) e acompanhou a situação. Os moradores dizem que a enchente
desta semana é a pior desde 2010, quando o volume de chuvas também foi
assustador.
“Se eu soubesse que ia
alagar, teria subido os móveis”, disse Brasílio, que perdeu tudo: roupas,
eletrodomésticos, documentos e a comida na geladeira. “Daqui, eu tirei a minha
esposa e os meus filhos e subi para a casa de um vizinho”, concluiu.
Quem mora na região disse
que não recebeu comunicados da Defesa Civil, durante as chuvas de 31 de janeiro
e 1 de fevereiro, para que deixassem as suas casas, em virtude do risco de
alagamento. O alerta, segundo os moradores, é a intuição de quem vive ali há
anos e sabe que os desastres têm período marcado: o verão. Em dois dias, choveu 65% do
previsto para todo o mês de fevereiro na capital paulista. Ao menos 18 pessoas
morreram por causa das chuvas intensas em todo o estado.
Uma semana antes do alagamento,
os moradores do Jardim Pantanal construíram um barco improvisado com madeiras e
plásticos, apostando que as chuvas de janeiro trariam a tragédia há tempos
conhecida.
“Quando entra dezembro,
janeiro e fevereiro, a gente já sabe que vai acontecer”, disse a comerciante
Jacilene Geraldo dos Santos, de 33 anos, que mora no Jardim Helena.
“Antigamente, [os alagamentos persistentes ocorriam] a cada oito ou dez anos.
Agora, é a cada dois”, afirmou.
“Os bombeiros só vieram aqui no dia em que o
vice [prefeito] veio, tiraram foto e foram embora. Ontem mesmo, pegamos os
barcos com fraldas, água e distribuímos para os moradores ilhados”, denunciou
Jacilene Santos.
O jornalista Rafael Tavares,
de 38 anos, foi abordado pela reportagem enquanto buscava por um dos botes do
Corpo de Bombeiros ou da Defesa Civil que pudesse levar a mãe, de 58 anos, até
o ponto de ônibus mais próximo. Ela tem deficiência visual. Mas, assim como
outros moradores ilhados no Jardim Helena, ele não encontrou representantes dos
órgãos de resgate no bairro.
Tavares precisou seguir a pé
com a mãe, caminhando pelas águas sujas, para que ela não faltasse em mais um
dia de trabalho. Em alguns trechos, a água chegava na cintura e era impossível
distinguir a rua Recife e a margem do rio.
A reportagem esteve no
bairro durante toda a manhã da terça-feira, mas não vimos equipes do Corpo de
Bombeiros e da Defesa Civil de São Paulo para auxiliar na locomoção de
moradores no local. Um homem chegou a cair dentro da água enquanto fazia o
transporte de três crianças em um barco improvisado com uma caixa-d’água. Por
sorte, ele não se machucou.
As três crianças no barco
improvisado tinham entre 1 e 7 anos e eram filhas de Samanta Salles, de 23
anos, e do ajudante de pedreiro Edivaldo Silva, 29. Elas estavam ilhadas na
casa que fica às margens do rio Tietê, onde a água chegou na altura do umbigo
de Silva, que tem, aproximadamente, 1,70 metro. A opção de retirá-las de casa
foi para poupá-las do estresse do confinamento e também alimentá-las com as
marmitas doadas por outros moradores.
Há seis meses no Jardim
Helena, o ajudante de pedreiro pensa em voltar para o interior da Paraíba, onde
nasceu, para fugir dos altos custos das moradias de São Paulo e das enchentes.
“Primeira e última vez que nós passamos por isso aqui. Eu prefiro ficar lá no
sol torrando do que passar por isso aqui”, contou Silva.
Em resposta à Pública sobre
a ausência de equipes no bairro, o Corpo de Bombeiros disse que “teve uma
atuação intensa nos últimos cinco dias, atendendo a 128 ocorrências
relacionadas a inundações e enchentes, sendo 70 somente no bairro Jardim
Pantanal”. E que a média diária de ocorrências por inundação, considerando o
período de cinco dias, foi de 25,6 casos por dia na zona leste. A nota fala
também de “dificuldades de utilização de equipamentos específicos, como barcos,
botes, entre outros, e de acesso causadas pelas vias alagadas”. Leia a nota na íntegra.
<><> Por que
isso importa?
·
Moradores do bairro do Jardim Pantanal e do
distrito Jardim Helena, na zona leste de São Paulo, estão ilhados há pelo menos
seis dias. Em dois dias, choveu 65% do esperado para fevereiro na capital.
<><> Atingidos por
enchentes enfrentam truculência da GCM
O prefeito Ricardo Nunes
(MDB) anunciou um auxílio de R$ 1 mil para famílias afetadas pelas
enchentes no Jardim Pantanal, mas nem todos foram contemplados com o benefício
até o dia em que a reportagem esteve na região. Além disso, quem buscava
pelo valor de emergência ou cestas básicas enfrentou hostilidade da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) e filas de cinco horas até que o atendimento
ocorresse na Escola Municipal de Educação Fundamental (Emef) Mururés.
Na terça-feira, 4 de
fevereiro, a GCM de São Paulo lançou
bombas de gás e balas de borracha contra os moradores do Jardim Helena, que
organizaram uma manifestação contra o prefeito Ricardo Nunes, que visitava o
bairro. Nunes fez uma visita à Emef Mururés, onde dezenas de famílias
desalojadas têm se abrigado e serve como ponto de apoio da prefeitura de São
Paulo na emissão do auxílio emergencial e distribuição de cestas básicas.
Em outro episódio de
truculência, Guilherme Martins, de 26 anos, contou à Pública que
guardas civis municipais teriam jogado spray de pimenta em seu rosto, enquanto
tentava entrar com garrafas de água na escola Mururés, que seriam distribuídas
às pessoas abrigadas.
Segundo Martins, ele
transportava um carrinho com as doações quando um grupo de homens da Guarda
Civil Municipal (GCM) impediu a sua entrada. O episódio gerou revolta nos
moradores.
O morador pensou em fazer
denúncia contra a GCM, mas desistiu da ideia por medo de represália. “[Os GCMs]
falaram que sabem onde eu moro e que vão me pegar”, disse.
Enquanto a reportagem
conversava com a população, agentes da GCM tentaram aplicar multa nos carros que
estavam em fila dupla na rua Mururés, que está parcialmente alagada. Os
veículos parados no endereço eram estratégicos aos moradores, pois serviam para
buscar doações aos moradores afetados pela enchente.
A prefeitura de São Paulo
não respondeu aos questionamentos da reportagem até a publicação.
Danúbia Borges da Silva, de
33 anos, estava de resguardo após o nascimento do seu filho mais novo, há uma
semana. Ela contou que chegou na fila para fazer o cadastro do auxílio da
prefeitura às 7h, mas às 11h30 ainda estava distante do portão onde
poderia fazer o cadastro do benefício e retirar a cesta básica. A casa dela
ficou completamente submersa e todos os móveis e documentos foram perdidos.
“Não dá”, respondeu Danúbia quando questionada
se os R$ 1 mil eram suficientes para reconstruir a vida. “Eu pego o
auxílio e vou juntar pra arrumar a minha geladeira e o fogão”, disse,
contando que tem recebido ajuda das irmãs para comprar o leite do filho
recém-nascido.
“O que é que eu vou fazer com R$ 1 mil? Só se for
pra comprar um alimento. E se eles derem”, disse o auxiliar de confecção
Edilton de Brito Souza, 52 anos. Ele perdeu todos os móveis, o celular e
alimentos no dia em que houve a enchente. Para que pudesse buscar uma solução
para recuperar os seus pertences e fazer a limpeza do lar, já era o terceiro
dia em que ele faltava no trabalho.
O copeiro Robson Brasílio
fez o cadastro no último sábado, 1 de fevereiro, mas, quatro dias depois, o
valor ainda não tinha sido depositado. “Disseram que ia cair hoje, mas eu já
perdi a esperança”, desabafou.
O prefeito de São Paulo,
Ricardo Nunes (MDB), também anunciou que estuda oferecer aos
moradores do Jardim Pantanal indenizações de até R$ 50 mil para retirá-los do
bairro, que é uma área de várzea do rio Tietê.
“Aonde eu vou comprar uma
casa de R$ 20 a 50 mil? Só para construir essa casa, eu gastei R$ 70 mil”,
disse a vendedora de algodão- doce Zenaide de Oliveira Rigueiro, de 55 anos. “A
minha vida inteira eu trabalhei para erguer essa casa”, disse.
Rigueiro se arriscou
inúmeras vezes pela água da enchente, desde sábado, para buscar alimentos e
cesta básica ao filho autista, de 14 anos. Ela é uma das moradoras que ainda
não foram contempladas pelo auxílio emergencial da prefeitura.
·
Moradores
se apoiam
Era 1h50 da madrugada de
sábado, 1 de fevereiro, quando Lucilene dos Santos, de 29 anos, gravou o seu
primeiro vídeo sobre a chuva e publicou na sua conta do Instagram, onde reunia
pouco mais de oito mil seguidores. Em pouco mais de uma hora, a rua onde ela
mora estava submersa e ela alertava os vizinhos de que a acompanham nas redes
sobre o volume da água.
Conforme as suas publicações
ganhavam mais visualizações, a influenciadora Luuh do Babado, como é conhecida,
usava sua popularidade nas redes para pedir ajuda de autoridades e comerciantes
locais que pudessem contribuir com mantimentos.
“Gente, quem puder
compartilhar, compartilhe: a escola Mururés está dando abrigo. Você que conhece
alguém que não tem pra onde ir. A escola Mururés está abrigando”, disparou a
influenciadora.
Com a repercussão dos seus
vídeos que mostravam os impactos das chuvas no bairro, Luuh do Babado começou a
receber e distribuir doações. O número de seguidores dela saltou de oito para
15 mil.
Mãe de quatro filhos, a
influenciadora digital também perdeu tudo em casa e está abrigada
provisoriamente na casa da irmã, na rua Mururés, onde ela e a família montaram
uma cozinha solidária, onde são distribuídos marmitas nas três principais
refeições do dia, lanches pela tarde, água, roupas e kits de higiene doados
pelos comerciantes e moradores.
Até as 14h do dia 5 de
fevereiro, os voluntários e familiares da influenciadora haviam distribuído
aproximadamente 300 marmitas. “A gente está fazendo o que eles [prefeitura e
governo de São Paulo] deveriam fazer”, disse.
Fonte: Por
Rafael Custódio, da Agencia Pública
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