‘Estamos entre o
pacto suicida da extrema direita e o zumbi neoliberal’, afirma filósofo
Com o retorno de
Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o crescimento da extrema
direita europeia, a eleição de Javier Milei na Argentina e a sobrevida do
bolsonarismo – mesmo após a inelegibilidade de Jair Bolsonaro –, ficou claro
que a extrema direita veio para ficar.
Na opinião do
filósofo Rodrigo Nunes, autor de do Transe à Vertigem e Nem Vertical, Nem
Horizontal, e professor na Universidade de Essex, para a esquerda
conseguir propor alternativas ao neoliberalismo e aos pessimismos, é
preciso, primeiro, ter em mente que “a possibilidade de você fazer alguma coisa
diferente a partir de um único país parece pequena”.
Para Nunes, a crise
de 2008 feriu de morte o neoliberalismo. Uma morte material e simbólica, mas
não política – exigindo alternativas de ruptura com a ordem neoliberal. Porém,
só a extrema direita se apresentou para essa tarefa.
Ficamos, então,
entre a extrema direita e uma frente ampla que representa o zumbi do
neoliberalismo: morto, porém se recusando a ser enterrado. Os pessimismos –
sociais, ambientais, econômicos e políticos – saíram do armário e ocupam o dia
a dia de todas as nossas conversas.
No entanto, o
combalido internacionalismo de esquerda, que teve seu auge com protestos como o
Fórum Social Mundial, também precisa ser repensado.
Uma alternativa,
proposta por Nunes, é “construir entre a população um consenso em torno da
ideia de que nós precisamos rever os nossos padrões de consumo” para enfrentar
a crise climática.
Na crise que traz
um dos maiores desafios da humanidade, segundo o filósofo, a extrema direita
oferece uma resposta mais fácil e palatável para quem pensa em termos de
competição, enquanto a esquerda precisa convencer as pessoas da necessidade de
desacelerar e reduzir o consumo para garantir um futuro.
O “pacto suicida”
que nos impede de agir diante da urgência climática se explica pela inércia e
pela dificuldade de absorver a gravidade da situação.
E reverter essa
inércia “é o maior problema com o qual a humanidade já se deparou”, na
avaliação de Nunes. “E não apenas um problema imenso na sua complexidade, é um
problema para o qual a gente tem um tempo finito e cada vez menor para dar uma
resposta”, aponta. Para ele, a esquerda precisa “começar a fazer isso para
ontem, porque o problema já é agora, e a gente não tem mais como adiar essa
conversa”
<><> A
persistência da extrema direita
Pensar novas
alternativas também passa, segundo Nunes, por entender que a extrema direita é
um fenômeno a ser enfrentado por décadas, e não um simples “fogo de palha”.
Para ele, esse movimento ganha força ao “encarnar uma promessa de ruptura numa
situação em que tem muita gente insatisfeita com o estado de coisas”. Sem outra
alternativa para essa ruptura, a extrema direita persiste.
Nunes ainda observa
que “a extrema direita consegue ser mais convincente quando propõe uma ruptura”
e conta com o apoio do capital quando este não vê outras alternativas viáveis.
“A extrema direita pode fazer isso também porque no fim das contas ela pode
contar com o apoio do capital”, destaca.
“A situação se
agrava à medida que a economia mundial segue perdendo ritmo e ninguém sabe de
onde virá a próxima fase de crescimento da economia mundial, se é que ela
virá”, afirma Nunes.
Essa crise material
é acompanhada por uma crise simbólica, diz ele, onde as promessas de boa vida
do neoliberalismo parecem cada vez mais distantes. No entanto, a esquerda tem
dificuldades em propor alternativas ao neoliberalismo, em parte devido a uma
“perda completa de um horizonte para além do neoliberalismo” e à diminuição da
margem de manobra dos governos nacionais.
>>>> Confira
a seguir a entrevista:
·
Trump
voltou ao poder. A extrema direita veio para ficar?
Rodrigo Nunes
– A extrema direita surge como uma resposta a um sentimento generalizado
de insatisfação com o estado atual das coisas, especialmente em momentos de
crise. Ela se fortalece ao apresentar um discurso de ruptura, se posicionando
como a única alternativa viável, mesmo sem oferecer soluções concretas e
sustentáveis. Desde a crise de 2008, o neoliberalismo foi desacreditado, mas
não substituído por um modelo alternativo claro. Nesse vácuo, a extrema direita
conseguiu consolidar sua presença política, mostrando que sua influência não
foi um fenômeno passageiro, mas uma força com capacidade de adaptação e
permanência no cenário global.
Estamos entre o
pacto suicida da extrema direita e o zumbi neoliberal, então não é surpresa que
o fascismo siga vivo e arrancando vitórias.
·
Contra
a extrema direita, foram formadas alianças imensas, da centro direita até a
esquerda radical. Por que elas têm sido tão frágeis?
As alianças entre
forças de centro e de esquerda, embora estratégicas em curto prazo para barrar
a ascensão da extrema direita, não conseguem se sustentar a longo prazo porque
não oferecem um novo projeto político robusto. Elas funcionam mais como
tentativas de restaurar o centro político perdido, mas esse modelo já perdeu
grande parte de sua capacidade de mobilização. Essas vitórias são temporárias e
limitadas, retardando o avanço da extrema direita sem criar um projeto político
sólido e duradouro. O resultado é que, após um período curto de estabilidade,
os movimentos ultraconservadores retornam com ainda mais força e apelo popular.
·
O
internacionalismo da extrema direita é mais eficiente que o da esquerda?
A extrema direita
soube se articular internacionalmente de forma muito mais eficaz do que a
esquerda nos últimos anos. Criou redes de apoio transnacionais, com cooperação
entre líderes políticos, empresários e influenciadores, além da rápida
disseminação de narrativas e memes que fortalecem seu discurso. Esse sucesso se
deve, em parte, a uma grande disponibilidade de financiamento e ao uso
eficiente dos algoritmos das redes sociais, que amplificam conteúdos
extremistas. Enquanto isso, a esquerda perdeu parte do seu espírito
internacionalista, muitas vezes se restringindo a debates nacionais. Se quiser
recuperar terreno, a esquerda precisa reinventar suas formas de organização
global e adotar estratégias mais eficazes de mobilização digital e
institucional.
·
As
elites podem romper com a extrema direita?
As elites
econômicas tendem a apoiar o que lhes for mais vantajoso em cada momento.
Historicamente, houve momentos em que setores do capital romperam com regimes
autoritários quando perceberam que esses governos colocavam seus interesses em
risco. No Brasil, uma parte significativa da elite empresarial e do agronegócio
se beneficiou da radicalização política e ainda não vê razões para abandoná-la.
No entanto, se a extrema direita ameaçar a estabilidade institucional e
econômica ou se grupos paralelos – como milícias e organizações criminosas –
começarem a ganhar poder demais, pode haver um racha. Nesse caso, uma parte da
elite pode buscar alternativas políticas mais moderadas para garantir
previsibilidade e segurança aos seus negócios.
·
O
que torna o combate à crise climática tão difícil?
O enfrentamento da
crise climática é um desafio global sem precedentes porque exige uma
coordenação internacional de grande complexidade. Os dois principais sistemas
de organização moderna, o mercado capitalista e o sistema de Estados-nações,
são, ao mesmo tempo, responsáveis pela crise ambiental e obstáculos para
resolvê-la. Nenhum país quer ser o primeiro a assumir o ônus das mudanças, pois
teme desvantagens econômicas em relação aos concorrentes. Assim, prevalece uma
inércia perigosa, onde todos aguardam que os outros tomem a iniciativa. A
extrema direita explora essa dificuldade ao negar ou minimizar o problema,
vendendo a ideia de que os custos da transição devem recair sobre os mais
pobres. Construir uma resposta progressista eficaz requer uma abordagem
corajosa e pragmática, que enfrente esse impasse de forma clara e convincente.
¨ Extrema direita brasileira abana o rabinho para Trump,
mas nenhum vira-lata será salvo por ele. Por João Filho
A eleição de Donald
Trump foi a maior vitória do bolsonarismo nos últimos tempos. Num momento
em que golpistas foram para a cadeia e vários outros fazem fila para entrar,
ter de volta o apoio do Tio Sam foi um alívio. Nos sonhos delirantes da nossa
extrema direita de porta de cadeia, a vitória de Trump pode abrir o caminho
para uma anistia aos golpistas e a reversão da inelegibilidade de
Bolsonaro.
Ao The New York
Times, Bolsonaro não disfarçou a excitação: “Estou me sentindo uma criança
novamente com o convite de Trump. Estou animado. Não tomo mais nem Viagra”. O
ex-presidente não conseguiu comprovar que o convite
era verdadeiro,
mas o viralatismo explícito foi genuíno.
O americano volta
para o segundo mandato ainda mais confiante, já que foi eleito mesmo após
liderar uma invasão golpista ao Capitólio que resultou em quebra-quebra e
morte. É o primeiro presidente da história dos EUA condenado por crimes
federais. Além do respaldo das urnas, o projeto de Trump conta ainda com o
apoio declarado e desavergonhado das big techs. Esse conjunto de fatores
permite que ele pise com ainda mais força no acelerador do banditismo e do
nazifascismo do século XXI. A tragédia está anunciada e a distopia, só começando.
Como um chimpanzé
bêbado jogando War, Trump iniciou uma guerra comercial sem sentido com vários
países — inclusive com os tradicionais aliados — e deixou claro para o mundo o
seu viés nazifascista em temas como imigração e o massacre em Gaza. Esses primeiros
dias da administração Trump jogaram água no chope da festa bolsominion.
Cidadãos brasileiros deportados foram algemados e agredidos por agentes dos
EUA, fazendo até mesmo o deputado Nikolas Ferreira, do PL de MG — um dos
vira-latas complexados que mais abana o rabinho para Trump — chamar de “erro
grave” e admitir que houve violação dos
direitos humanos.
A alegria deu lugar
ao constrangimento entre os políticos bolsonaristas, que estão tendo que
rebolar para manter alguma coerência narrativa entre o seu patriotismo de fachada
e o “Make America Great Again” colocado em prática. Como ser patriota e, ao
mesmo tempo, defender maus tratos aos brasileiros? Como ser ultraliberal e
defender políticas protecionistas agressivas? Trata-se de uma tarefa complicada
até mesmo para esses magos da retórica nonsense.
Perdidos,
parlamentares bolsonaristas encontraram nesta semana uma bóia salva-vidas para
se segurar, ou melhor, uma mamadeira de piroca para mamar. Um desses americanos
doidinhos que integram a fauna nazifascista dos EUA colocou na praça uma nova
teoria da conspiração para adoçar a boca do bolsonarismo. Segundo Michael Benz,
um famoso troll da extrema direita americana que trabalhou no primeiro governo
Trump, Bolsonaro “ainda seria presidente no Brasil” não fosse a interferência
da USAID — a agência do governo voltada para o desenvolvimento internacional e
que financia organizações não governamentais no mundo todo recém-dissolvida por
Trump.
Benz afirmou, de maneira
categórica, que a agência teve “papel crucial” nas últimas eleições e que
financiou esforços para controlar informações e censurar mensagens de apoio a
Bolsonaro. Obviamente, ele não forneceu um mísero indício para sustentar essas
afirmações.
A conspiração foi
divulgada durante uma entrevista dada a Steve Bannon, o guru internacional das
fake news. Não poderia ser mais simbólico. Michael Benz é mais uma dessas
aberrações midiáticas dos novos tempos que circula entre o famoso grupinho da
extrema direita composto por Alex Jones, Joe Rogan, Tucker Carlson e outros
célebres disseminadores de fake news.
A mentira de Benz
foi impulsionada por Elon Musk, virou hit entre o núcleo bolsonarista e levou
vários parlamentares a compartilhar trechos da entrevista. Além de Bolsonaro e
seus filhos, Julia Zanatta, Helio Lopes, Carlos Jordy e muitos outros
engrossaram o coro conspiratório. O site Poder360, que cada vez menos disfarça
o alinhamento editorial ao bolsonarismo, escolheu esse enquadramento para uma
reportagem sobre o assunto a manchete “Bolsonaro era visto como ‘Trump
tropical’ pela USaid”, com a submanchete “Ex-secretário de Trump, Michael Benz
também afirmou que a agência influenciou no resultado das eleições de 2022 no
Brasil”.
O site trata com a
maior credibilidade a declaração de um notório arruaceiro que trabalhou como um
irrelevante secretário adjunto por menos de dois meses na área de
política de informação do primeiro governo Trump. Depois dessa breve passagem,
Benz, que é advogado de formação, passou a se apresentar como especialista em
tecnologia, censura e ciberpolítica. O fato é que ele não passa de mais um
extremista conhecido por divulgar vídeos racistas, antissemitas e se associar
com grupos neonazistas.
Até pouco tempo,
Benz administrava um perfil anônimo nas redes sociais que disseminava teorias
conspiratórias e defendia abertamente o supremacismo
branco.
Chamado de “Frame Game”, o perfil culpou os judeus por “controlar a mídia” e
pelo declínio da raça branca. “Se não fosse a influência judaica no Ocidente,
os brancos não enfrentariam a ameaça de genocídio branco que enfrentam hoje”,
afirmou Michael Benz, protegido pelo anonimato. É esse o tipo de delinquente
que hoje o jornalismo declaratório do Poder360 fez questão de destacar como
fonte de credibilidade.
Não é de agora que
Michael Benz fabrica teorias da conspiração sob medida para o bolsonarismo. Em
setembro do ano passado, por exemplo, ele afirmou que o Departamento do Estado
dos EUA interferiu nas eleições brasileiras e alegou que as urnas eletrônicas
foram construídas pelo governo americano. Tudo comprovadamente mentira, claro. O roteiro
que se seguiu foi o mesmo: o conteúdo foi impulsionado por Elon Musk e caiu nas
graças dos políticos bolsonaristas.
O mundo se tornou
um lugar mais perigoso com Trump como presidente dos EUA. Iniciou-se uma
distopia com tendências nazifascistas apoiadas pelas big techs. Mesmo assim, o
bolsonarismo não deveria sonhar tão alto. Nada indica que o judiciário
brasileiro se curvará à pressão política externa ou que Trump gastará energia
para salvar um aliado barnabé latino-americano da cadeia. O desdém com que o
núcleo trumpista tratou a comitiva bolsonarista na festa de posse é um
indicativo claro.
Aos olhos de Trump,
Bolsonaro é só um “cucaracha” que eventualmente lhe pode ser útil. O fato é
que, ainda que lentamente, Bolsonaro e sua gangue de golpistas continuam
andando em direção à cadeia e não haverá pressão externa que interfira nos
rumos tomados pela nossa democracia. Trump, Musk e cia podem até nos infernizar
com discursos agressivos, tweets provocativos e teorias da conspiração, mas
dificilmente haverá algo além disso.
Lembremos como Musk
colocou o rabinho entre as pernas e respeitou o judiciário brasileiro depois de
passar meses provocando. Mesmo sabendo de tudo isso, não há dúvidas de que os
bolsonaristas continuarão lambendo o Tio Sam em troca de migalhas. Nós
conhecemos a fidelidade dos nossos vira-latas.
¨ Cesarismo. Por Eugênio Bucci
Em sua coluna dominical em O Globo, a jornalista Dorrit
Harazim vem ajudando a gente a escrutinar o inconcebível. Os artigos que ela
escreveu sobre a pulverização de Gaza fazem e compõem uma antologia definitiva.
Logo mais, alguém se lembrará de publicá-la em livro. Agora, Dorrit Harazim tem
decifrado a vulgar esfinge de Donald Trump.
No domingo passado, num texto intitulado “Com método”, ela demonstrou
que, por trás do caos performático do presidente dos Estados Unidos, com
mentiras intercontinentais e factoides histriônicos, há uma lógica ferina e
fria.
Nas palavras da colunista do Globo, o “objetivo maior e
final de Donald Trump” é “assumir controle pleno, sistemático e duradouro da
máquina federal”. E mais: “o conjunto de ordens executivas e medidas adotadas
nesse sentido nada tem de caótico – são eficazes, precisas e reveladoras de um
planejamento de anos para o desmonte da burocracia qualificada”.
Aí está. Dorrit Harazim não usou a palavra, mas o nome disso é
cesarismo. Ao que você pergunta: “Mas o que é o cesarismo?”. Peço permissão
para responder a sua gentil pergunta com o auxílio de uma reminiscência
ligeira.
No início de 1988, eu e o sociólogo Eder Sader entrevistamos o professor
Antonio Candido para a revista Teoria e Debate. Eu era o editor da
revista, que tínhamos lançado no finzinho de 1987. Eder Sader integrava o nosso
conselho de redação. Ele morreria poucos meses depois, em maio de 1988, aos 46
anos.
Hemofílico, tinha contraído o vírus da Aids numa transfusão de sangue,
provavelmente em 1985, e não conseguiu vencer a doença (naquele tempo, ninguém
conseguia). Guardo dele a imagem luminosa de um homem bem-humorado, leve,
inteligente e, acima de tudo, generoso com os mais jovens. Cabelos
embranquecidos, sobrancelhas negras, sorriso desprendido.
Nossa conversa com Antonio Candido também foi iluminadora: transcorreu
com leveza, inteligência e generosidade. Quando lhe perguntamos sobre a
revista Clima, que ele e Paulo Emílio Salles Gomes editaram na
década de 1940, ele nos contou uma história e tanto. Foi nessa resposta que ele
falou sobre o cesarismo. Eu nunca mais esqueci.
Eis o que ele disse: “No começo [a revista] era deliberadamente
apolítica, tendo inclusive colaboradores integralistas. A virada foi em 1942,
quando o Brasil entrou na guerra. Nós assinamos um manifesto redigido por Paulo
Emílio assinalando a nossa posição antifascista e dizendo que agora tinha
acabado a isenção e começava a luta, atacando inclusive os integralistas.
Alguns dos nossos colaboradores deste naipe brigaram conosco. O nosso manifesto
causou certo barulho e foi comentado, entre outros, por Astrojildo Pereira, que
assinalou o seu caráter puramente negativo. Então resolvemos tentar uma
definição positiva, que foi obra de Paulo Emílio, sob a forma de um
“Comentário” publicado no número 12, já em 1942”.
“Este documento ainda tem interesse, e para mim foi o fixador de ideias,
o definidor da posição política. Foi certamente ele que me levou a não ficar
nem stalinista nem trotskista, mas aceitar a posição preconizada por Paulo, de
um socialismo democrático desinteressado das Internacionais, procurando
soluções adequadas ao país, empenhado na luta contra o fascismo, porque esta
era a manifestação contemporânea do cesarismo oposto à tradição humanista, que
provinha do cristianismo por meio das revoluções dos séculos XVIII, XIX e XX. (…)
Este documento foi decisivo para mim e outros. A partir dele entrei para valer
na militância.”
Antonio Candido virou militante para combater o fascismo. Bom motivo.
Foi ele quem primeiro me ensinou sobre cesarismo: um tipo de arbítrio que é o
oposto da “tradição humanista, que provinha do cristianismo”. Há quem diga que
o cesarismo constitua um autoritarismo estatal, mas essa conceituação é falha,
pois perde de vista a chaga escura que Paulo Emílio denunciou. O César romano
(de ondem descendem as palavras “Kaiser” e “Czar”) exercia seu mando em
permanente prontidão guerreira, como um chefe de gangue.
O cesarismo, portanto, não se tece por meio do Estado, mas por cima do
Estado e contra a institucionalidade de um Estado não selvagem. O cesarismo é o
“desmonte da burocracia qualificada” (cito Dorrit Harazim outra vez), aquela
mesma burocracia na qual Max Weber identificou um ponto positivo do Estado
moderno. O cesarismo funda a genealogia do fascismo e do trumpismo.
Agora, Donald Trump anunciou que vai intervir em Gaza. Em outra frente,
já começou a mandar imigrantes deportados para as masmorras de Guantánamo, onde
já se documentaram sessões de tortura. Guantánamo será a versão trumpista dos
campos de concentração.
O que ele quer com tudo isso? Desorientar os aliados? Sim, mas não só.
Quer atemorizar a comunidade internacional? Também. E para quê? Ora, para dizer
que nada mais será limite para os abusos que inventar. Ele quer ser não apenas
o rei da América, mas o seu César. Reduzirá a América a um nome de golfo.
Isolado. Incrível como ainda existe gente que olha com naturalidade (fake)
para investidas tão acintosas.
Fonte: The
Intercept/A Tera é Redonda
Nenhum comentário:
Postar um comentário