segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Conflito Israelense-Palestino: Compreendendo a história de Gaza

Em 4 de fevereiro, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que os Estados Unidos iriam “assumir o controle da Faixa de Gaza”, o território palestino devastado pela guerra desencadeada pelo ataque do Hamas em solo israelense em 7 de outubro de 2023. Esta estreita faixa de terra, lar de mais de 2 milhões de palestinos hoje , passou por várias mãos desde a queda do Império Otomano: primeiro sob mandato britânico, depois soberania egípcia, seguida pela ocupação israelense e, finalmente, controle do Hamas. A área está sob bloqueio israelense desde 2007.

<><> 1920: Gaza sob domínio britânico

Em 2 de novembro de 1917, o Secretário de Relações Exteriores britânico Lord Balfour emitiu uma declaração apoiando “o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu”. Na década de 1920, a Liga das Nações colocou a Palestina — incluindo Gaza — sob mandato britânico, ao lado de outros antigos territórios otomanos. Ao contrário de outros mandatos, a Palestina nunca se tornou um estado independente.

À medida que imigrantes judeus fugindo da perseguição chegavam — primeiro da Europa Oriental e depois de todo o continente — as tensões aumentaram com a população árabe, levando a repetidas revoltas. Em 1947, incapaz de resolver o conflito, a Grã-Bretanha entregou a questão às recém-formadas Nações Unidas.

<><> 1948: Gaza torna-se parte do Egito

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a ONU propôs um plano de partição para a Palestina, aprovado em 29 de novembro de 1947. O plano pedia estados judeus e árabes separados, com Jerusalém designada como uma cidade internacional. Os líderes palestinos rejeitaram o plano, vendo-o como uma divisão injusta de suas terras.

À medida que as forças britânicas se retiravam, uma guerra civil eclodiu entre milícias judaicas e palestinas. Em 14 de maio de 1948, o Estado de Israel foi declarado, ocupando 77% do antigo mandato britânico. Quase metade da população palestina foi deslocada. Em resposta, Egito, Iraque, Síria e outros estados árabes invadiram o recém-formado Israel, mas foram derrotados. O resultado da guerra deixou Gaza sob controle egípcio, enquanto a Jordânia anexou a Cisjordânia.

<><> 1967: Israel toma Gaza na Guerra dos Seis Dias

Em junho de 1967, Israel lançou um ataque preventivo contra o Egito, Síria e Jordânia, capturando vastos territórios em apenas seis dias. O exército israelense tomou o controle de Gaza e da Península do Sinai do Egito, da Cisjordânia e Jerusalém Oriental da Jordânia, e das Colinas de Golã da Síria.

Embora Israel tenha devolvido o Sinai ao Egito em 1980 e se retirado de Gaza em 2005, ainda controla Jerusalém Oriental e as Colinas de Golã — anexações não reconhecidas pela comunidade internacional.

<><> 2007: O Hamas toma conta de Gaza

Após a retirada de Israel de Gaza em 2005, o grupo militante Hamas, que clama pela destruição de Israel, ganhou poder. O Hamas venceu as eleições legislativas palestinas de 2006 e tomou o controle total de Gaza em 2007 após confrontos violentos com seu rival, Fatah.

Os Estados Unidos designaram o Hamas como uma organização terrorista em 1997, citando seu histórico de atentados suicidas, tomada de reféns e ataques com foguetes. Desde 2007, o Hamas lançou milhares de foguetes em território israelense, enquanto Israel impôs um bloqueio rigoroso em Gaza, citando preocupações de segurança.

<><> 2008: Começa a primeira guerra de Gaza

Em dezembro de 2008, Israel lançou a “Operação Chumbo Fundido”, uma campanha militar de três semanas com o objetivo de deter o lançamento de foguetes do Hamas e desmantelar túneis de contrabando ao longo da fronteira egípcia. A ofensiva resultou na morte de aproximadamente 1.400 palestinos e 13 israelenses, de acordo com a Anistia Internacional, que acusou ambos os lados de potenciais crimes de guerra.

Apesar da ação militar de Israel, o Hamas permaneceu no poder, e conflitos repetidos eclodiram nos anos seguintes.

<><> 2023: Ataque do Hamas e retaliação israelense

Em 7 de outubro de 2023, o Hamas lançou um ataque terrorista sem precedentes, infiltrando comunidades israelenses perto de Gaza e massacrando civis, incluindo participantes de um festival de música. O ataque deixou aproximadamente 1.200 israelenses mortos e 251 pessoas foram feitas reféns.

Israel respondeu com uma ofensiva militar maciça em Gaza, que, de acordo com as autoridades de saúde administradas pelo Hamas — cujos números são considerados confiáveis pela ONU — resultou em mais de 47.000 mortes de palestinos, a maioria deles civis.

<><> 2025: Cessar-fogo e caminho para a reconstrução

Após 15 meses de guerra, um cessar-fogo entre Israel e o Hamas entrou em vigor em 19 de janeiro de 2025. Sob a primeira fase do acordo, Israel concordou em libertar 737 prisioneiros palestinos em troca de 33 reféns. Espera-se que a segunda fase garanta a libertação dos cativos restantes e ponha um fim formal às hostilidades. O estágio final se concentra na reconstrução de Gaza e no retorno dos restos mortais dos reféns falecidos.

Enquanto a região navega por um futuro incerto, a mais recente proposta de Trump para afirmar o controle dos EUA sobre Gaza acrescenta mais uma camada de complexidade a uma situação já volátil.

 

¨      Cão de Gaza. Por Flávio R. Kothe

Tanques inimigos rondavam e rondam nossos campos e ruas, bombardeavam e bombardeiam prédios, escolas, hospitais, tinham e continuam tendo sede do sangue de crianças e mulheres. Queriam e querem acabar com nosso povo. Eu sou apenas um pobre cão, tenho sobrevivido, apenas sobrevivido.

Não tínhamos armas capazes de enfrentar esses monstros de ferro e aço, não tínhamos aviões que enfrentassem aqueles que cruzam nossos céus. São uma cruzada de destruição e morte, como foram as cruzadas cristãs. Pela manhã, houve um silêncio que não era inocente. Prenunciava a tempestade. Temos medo até de respirar.

Fico deitado aos pés do meu dono, um velho andarilho que cansou de andar. Parou onde não deveria ter parado. Tinha raízes aqui, as terras da família foram tomadas pelos israelitas. Foi criado longe, bem longe. Ele se tornou bom matemático, mas desistiu de tudo quando viu que não conseguia calcular sequer o que seria melhor para ele. Quando tudo é contra nós, não há como fazer a conta certa.

Creio que meu dono, quando me adotou, calculou que teríamos ainda o mesmo número de anos a viver. Cães vivem menos que os humanos. Ele me recolheu na rua, me deu de comer e beber: me salvou, sem precisar. Por gratidão, decidi dedicar minha vida a lhe fazer companhia. Adotamos um ao outro.

Tínhamos um quarto alugado em uma casa palestina. As crianças brincavam comigo. Quando meu dono saía pela manhã para trabalhar num terreno descampado fora da cidade para plantar verduras e legumes, eu ia junto. Era uma boa caminhada. Enquanto ele capinava e remexia a terra, contava como, forçado a sair das terras que durante 700 anos haviam sido da família, decidira conhecer o mundo. Tornou-se um homo viator, para acrescentar: “Como se o homem não tivesse a vocação da morada, um lugar onde construir sua vida. A casa acaba sendo a nossa extensão”.

Eu era tudo o que ele tinha de uma família. Nós nos bastávamos. Ele queria descobrir o que havia feito sentir-se tão atraído por aquele lugar. Ao chegar, tinha sido tomado pela sensação de “aqui é o meu lugar”. Iria precisar muito anos para entender aquilo que no primeiro instante havia sentido, como se fosse uma iluminação.

Ontem recebemos ordens dos soldados de Israel, de que deveríamos sair da casa. Viemos para o terreno que ele cultiva. Passamos a noite numa pequena barraca. Há pouco, meu dono pousou a enxada, sentou-se numa pedra, me pegou no colo e ficou me olhando nos olhos: “Eu não gosto quando me mandam embora do meu lugar. Ele é meu, e eu sou dele. Se eu tiver de ir embora, vou deixar você com a família que é dona da casa. As crianças vão cuidar de você. Nem todos os humanos se tornam animais domésticos”.

Estávamos fora da cidade, no terreno que era a nossa horta. Ouvíamos lá longe os tiros de canhão, o pipocar das metralhadoras, zumbidos dos aviões. Vinham da direção de onde ficava a nossa morada. Notei a tristeza no olhar do meu protetor. Era meu amigo, e amigo não tem defeito. Lambi suas mãos, para saber que podia contar comigo para o que desse e viesse.

Eu não era bom caçador. Raramente apanhava um rato. Estavam escasseando, não havia comida para ninguém. Quando meu amo conseguia um prato de comida, eu ficava sentado ao seu lado, esperando que me desse algum bocado. Era generoso. De tudo me dava parte. Se passávamos fome, passávamos juntos. Não havia solidão.

Quando o som dos tiros e das bombas cessou, já estava anoitecendo. Lentamente fomos retornando à casa, havia pessoas feridas e apavoradas pelas ruas. Quando chegamos perto, percebemos que não havia mais casa aonde retornar. Reduzida a escombros. Alguns vizinhos andavam entre eles, procurando os moradores. Ficaram contentes em nos ver vivos.

O pai e a mãe tinham morrido. Duas crianças tinham sido levadas, feridas, por uma ambulância. Duas outras estavam mortas. Meu amo me disse, devagar: “Muitas vezes não podemos decidir nada. A vida decide por nós. Eu vou ter de ficar, para cuidar dessas crianças, até chegar a nossa vez”.

Senti profunda tristeza em sua voz. Não havia muito a dizer. Apenas dei um curto latido de volta, como quem entende, mas nada pode fazer.

 

¨      Proposta de Trump causou temores de novo êxodo palestino

Palestinos deslocados na Faixa de Gaza deveriam ser retirados do enclave em guerra de forma permanente – e os Estados Unidos deveriam "assumir" o controle do território. A proposta feita pelo presidente americano Donald Trump esta semana está desencadeando novas tensões internacionais sobre o futuro de Gaza.

Do lado palestino, há temores de uma nova "Nakba" – termo pelo qual ficou conhecido o êxodo palestino ocorrido após a criação do Estado de Israel, em 1948, e durante e após a guerra entre israelenses e árabes que começou naquele mesmo ano.

<><> O que significa Nakba?

A palavra árabe Nakba significa catástrofe ou desastre. Em relação ao conflito israelo-palestino, o termo Nakba ou al-Nakba se refere ao êxodo palestino durante e após a guerra árabe-israelense de 1948. Estima-se que cerca de 700 mil pessoas tenham fugido ou sido forçadas a deixar suas casas no que hoje é Israel e nos territórios palestinos. Nakba lembra ainda que muitos refugiados palestinos no exterior permanecem apátridas até hoje.

<>< O que é o Dia da Nakba?

Em 15 de maio de 1948, um dia depois da declaração de independência do Estado de Israel, cinco exércitos árabes atacaram o novo país. A data marca, assim, o início da guerra árabe-israelense e há muito tempo é um dia em que os palestinos saem às ruas e protestam contra a expulsão de suas terras. Muitos carregam bandeiras palestinas, trazem as chaves de suas antigas casas ou erguem faixas com a imagem de chaves, simbolizando a esperança pelo retorno e pelo que eles veem como seu direito de retornar.

Muitos desses protestos terminaram em confrontos violentos entre militantes palestinos e militares israelenses. Israel acusa o Hamas e outros grupos, listados pela União Europeia como organizações terroristas, de instrumentalizarem a data.

O termo Dia da Nakba foi cunhado em 1998 pelo então líder palestino, Yasser Arafat. Ele estabeleceu a data como dia oficial para lembrar a perda da pátria palestina.

<><> Por que os palestinos tiveram que deixar suas terras?

Até o fim da Primeira Guerra Mundial, o território palestino estava sob domínio turco, como parte do Império Otomano. Com o fim do conflito, a Palestina histórica passou a ser controlada pelo Reino Unido, no chamado Mandato Britânico da Palestina. A administração civil britânica funcionou de 1920 a 1948. Especialmente durante esse período, caracterizado pelo crescente antissemitismo na Europa, um número cada vez maior de judeus de todo o mundo mudou-se para a terra que, para eles, era Eretz Israel, a Terra Prometida da Bíblia e a pátria de seus ancestrais, onde os judeus sempre viveram, embora em menor número. Nesse período, que foi marcado por um crescente antissemitismo na Europa, um número crescente de judeus de todo o mundo se mudou para a região, por considerá-la sua pátria ancestral.

Também sob a impressão do Holocausto na Alemanha nazista, a Assembleia Geral da ONU adotou um plano de divisão para o Mandato Britânico da Palestina em 1947. A Liga Árabe rejeitou o plano. A Agência Judaica para a Palestina (autoridade para a comunidade judaica na Palestina antes da fundação do Estado de Israel) o aceitou, e o Estado de Israel foi proclamadoem 14 de maio de 1948.

Em reação, uma coalizão de cinco estados árabes declarou guerra a Israel, mas foi derrotada militarmente pelo jovem estado em 1949. Antes da guerra, de 200 mil a 300 mil palestinos já haviam deixado o país ou sido expulsos. A eles se somaram outros 300 mil ou 400 mil durante os combates. O número total de pessoas deslocadas e refugiadas é estimado em cerca de 700 mil.

Durante a guerra, mais de 400 vilarejos árabes foram destruídos e violações dos direitos humanos foram cometidas por ambos os lados. O massacre de Deir Yassin – um vilarejo na estrada entre Tel Aviv e Jerusalém – continua sendo uma parte importante da memória palestina. Pelo menos cem pessoas foram mortas, incluindo mulheres e crianças. O massacre aumentou o medo entre muitos palestinos e fez com que muitos outros fugissem. 

No final da guerra, Israel possuía cerca de 40% do território que havia sido destinado aos palestinos no plano de partição da ONU de 1947.

<><> Para onde eles foram?

Na época, a maioria dos palestinos acabou como refugiados apátridas na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e nos países árabes vizinhos, sendo que apenas uma minoria foi para outros lugares. Até hoje, apenas uma parcela das gerações seguintes de palestinos na região solicitou ou recebeu uma outra cidadania. Como resultado, a maioria dos cerca de 6,2 milhões de palestinos no Oriente Médio é apátrida até a terceira ou quarta geração.

<><> Onde os palestinos vivem hoje?

De acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), a maioria dos palestinos da região ainda vive em campos de refugiados que, com o tempo, se transformaram em cidades de refugiados. Os descendentes de refugiados palestinos vivem hoje principalmente na Faixa de Gaza, na Cisjordânia ocupada, no Líbano, na Síria, na Jordânia e em Jerusalém Oriental.

Estima-se que a diáspora palestina fora do Oriente Médio tenha crescido para cerca de 6 milhões a 7 milhões de pessoas. Se isso for verdade, o número total de palestinos no mundo seria de cerca de 13 milhões de pessoas. No entanto, não há nenhum órgão oficial que registre de forma confiável o número de palestinos na diáspora. assim, não há dados precisos disponíveis.

<><> Existe um direito de retorno?

De acordo com a Resolução 194 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1948 e a Resolução 3.236 de 1974, bem como a Convenção da ONU relativa ao Estatuto dos Refugiados adotada em 1951, os palestinos que são considerados refugiados palestinos têm um "direito de retorno".

Israel, por outro lado, rejeita o direito de retorno dos palestinos e de seus descendentes, argumentando que isso significaria o fim da identidade de Israel como um Estado judeu. Israel também rejeita qualquer responsabilidade pela fuga ou expulsão dos palestinos e lembra que, entre 1948 e 1972, cerca de 800 mil judeus foram expulsos ou tiveram que fugir de países árabes, como Marrocos, Iraque, Egito, Tunísia e Iêmen.

<><> Existem soluções à vista?

Nos últimos 76 anos, houve várias abordagens para resolver o conflito israelense-palestino. A mais significativa continua sendo a solução de dois Estados, que prevê um futuro Estado da Palestina ao lado do Estado de Israel e dividiria Jerusalém em duas capitais. Entretanto, há uma resistência maciça de ambos os lados e dúvidas sobre o quão realista isso ainda seria. Nesse contexto, os críticos apontam para o número crescente de assentamentos judaicos na Cisjordânia ocupada, entre outras coisas, o que poderia impossibilitar um território palestino contíguo como base de um futuro Estado.

Outras propostas incluíram o reconhecimento do status de refugiado por Israel e uma compensação sem direito de retorno. Um reassentamento limitado de refugiados palestinos ou um sistema de dois passaportes em apenas um estado também foram discutidos. 

Também há sugestões de haver um reconhecimento do status de refugiado por Israel e uma compensação aos palestinos, mas sem retorno às suas terras, ou de um reassentamento limitado, ou até um sistema de dois passaportes em um único Estado.

No entanto, o ataque terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 e a subsequente guerra em Gaza parecem ter tornado uma solução tangível ainda mais distante. Também há temores no lado árabe de outra Nakba, que poderia afetar os palestinos da Faixa de Gaza.

 

Fonte: La Croix International/A Terra é Redonda/DW Brasil

 

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