Conflito
Israelense-Palestino: Compreendendo a história de Gaza
Em 4 de fevereiro,
o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que os Estados Unidos iriam
“assumir o controle da Faixa de Gaza”, o território palestino devastado
pela guerra desencadeada pelo ataque do Hamas em solo israelense
em 7 de outubro de 2023. Esta estreita
faixa de terra, lar de mais de 2 milhões de palestinos hoje , passou por várias
mãos desde a queda do Império Otomano: primeiro sob mandato britânico, depois
soberania egípcia, seguida pela ocupação israelense e, finalmente, controle do
Hamas. A área está sob bloqueio israelense desde 2007.
<><> 1920:
Gaza sob domínio britânico
Em 2 de novembro de
1917, o Secretário de Relações Exteriores britânico Lord
Balfour emitiu uma declaração apoiando “o estabelecimento
na Palestina de um lar nacional para o povo judeu”. Na década de
1920, a Liga das Nações colocou a Palestina —
incluindo Gaza — sob mandato britânico, ao lado de outros antigos
territórios otomanos. Ao contrário de outros mandatos,
a Palestina nunca se tornou um estado independente.
À medida que
imigrantes judeus fugindo da perseguição chegavam — primeiro da Europa Oriental
e depois de todo o continente — as tensões aumentaram com a população árabe,
levando a repetidas revoltas. Em 1947, incapaz de resolver o conflito,
a Grã-Bretanha entregou a questão às recém-formadas Nações
Unidas.
<><> 1948:
Gaza torna-se parte do Egito
Com o fim da
Segunda Guerra Mundial, a ONU propôs um plano de partição para
a Palestina, aprovado em 29 de novembro de 1947. O plano pedia estados
judeus e árabes separados, com Jerusalém designada como uma cidade
internacional. Os líderes palestinos rejeitaram o plano, vendo-o como uma
divisão injusta de suas terras.
À medida que as
forças britânicas se retiravam, uma guerra civil eclodiu entre milícias
judaicas e palestinas. Em 14 de maio de 1948, o Estado de Israel foi
declarado,
ocupando 77% do antigo mandato britânico. Quase metade da população palestina
foi deslocada. Em resposta, Egito, Iraque, Síria e outros
estados árabes invadiram o recém-formado Israel, mas foram derrotados. O
resultado da guerra deixou Gaza sob controle egípcio, enquanto
a Jordânia anexou a Cisjordânia.
<><> 1967:
Israel toma Gaza na Guerra dos Seis Dias
Em junho de
1967, Israel lançou um ataque preventivo contra
o Egito, Síria e Jordânia, capturando vastos territórios em
apenas seis dias. O exército israelense tomou o controle de Gaza e
da Península do Sinai do Egito, da Cisjordânia e Jerusalém
Oriental da Jordânia, e das Colinas de Golã da Síria.
Embora Israel tenha
devolvido o Sinai ao Egito em 1980 e se retirado
de Gaza em 2005, ainda controla Jerusalém Oriental e
as Colinas de Golã — anexações não reconhecidas pela comunidade
internacional.
<><> 2007:
O Hamas toma conta de Gaza
Após a retirada
de Israel de Gaza em 2005, o grupo militante Hamas, que clama pela
destruição de Israel, ganhou poder. O Hamas venceu as eleições
legislativas palestinas de 2006 e tomou o controle total de Gaza em
2007 após confrontos violentos com seu rival, Fatah.
Os Estados
Unidos designaram o Hamas como uma organização terrorista em
1997, citando seu histórico de atentados suicidas, tomada de reféns e ataques
com foguetes. Desde 2007, o Hamas lançou milhares de foguetes em
território israelense, enquanto Israel impôs um bloqueio rigoroso em Gaza,
citando preocupações de segurança.
<><> 2008:
Começa a primeira guerra de Gaza
Em dezembro de
2008, Israel lançou a “Operação Chumbo
Fundido”,
uma campanha militar de três semanas com o objetivo de deter o lançamento de
foguetes do Hamas e desmantelar túneis de contrabando ao longo da
fronteira egípcia. A ofensiva resultou na morte de aproximadamente 1.400
palestinos e 13 israelenses, de acordo com a Anistia Internacional, que
acusou ambos os lados de potenciais crimes de guerra.
Apesar da ação
militar de Israel, o Hamas permaneceu no poder, e conflitos
repetidos eclodiram nos anos seguintes.
<><> 2023:
Ataque do Hamas e retaliação israelense
Em 7 de outubro de
2023, o Hamas lançou um ataque terrorista sem precedentes,
infiltrando comunidades israelenses perto de Gaza e massacrando
civis, incluindo participantes de um festival de música. O ataque deixou
aproximadamente 1.200 israelenses mortos e 251 pessoas foram feitas reféns.
Israel respondeu
com uma ofensiva militar maciça em Gaza, que, de acordo com as autoridades
de saúde administradas pelo Hamas — cujos números são considerados confiáveis
pela ONU — resultou em mais de 47.000 mortes de palestinos, a maioria deles
civis.
<><> 2025:
Cessar-fogo e caminho para a reconstrução
Após 15 meses de
guerra, um cessar-fogo entre
Israel e o Hamas entrou
em vigor em 19 de janeiro de 2025. Sob a primeira fase do
acordo, Israel concordou em libertar 737 prisioneiros palestinos em
troca de 33 reféns. Espera-se que a segunda fase garanta a libertação dos
cativos restantes e ponha um fim formal às hostilidades. O estágio final se
concentra na reconstrução de Gaza e no retorno dos restos mortais dos
reféns falecidos.
Enquanto a região
navega por um futuro incerto, a mais recente proposta de Trump para
afirmar o controle dos EUA sobre Gaza acrescenta mais uma
camada de complexidade a uma situação já volátil.
¨ Cão de Gaza. Por
Flávio R. Kothe
Tanques inimigos rondavam e rondam nossos campos e
ruas, bombardeavam e bombardeiam prédios, escolas, hospitais, tinham e
continuam tendo sede do sangue de crianças e mulheres. Queriam e querem acabar com
nosso povo. Eu sou apenas um pobre cão, tenho sobrevivido, apenas sobrevivido.
Não tínhamos armas capazes de enfrentar esses
monstros de ferro e aço, não tínhamos aviões que enfrentassem aqueles que
cruzam nossos céus. São uma cruzada de destruição e morte, como foram as
cruzadas cristãs. Pela manhã, houve um silêncio que não era inocente.
Prenunciava a tempestade. Temos medo até de respirar.
Fico deitado aos pés do meu dono, um velho
andarilho que cansou de andar. Parou onde não deveria ter parado. Tinha raízes
aqui, as terras da família foram tomadas pelos israelitas. Foi criado longe,
bem longe. Ele se tornou bom matemático, mas desistiu de tudo quando viu que
não conseguia calcular sequer o que seria melhor para ele. Quando tudo é contra
nós, não há como fazer a conta certa.
Creio que meu dono, quando me adotou, calculou que
teríamos ainda o mesmo número de anos a viver. Cães vivem menos que os humanos.
Ele me recolheu na rua, me deu de comer e beber: me salvou, sem precisar. Por
gratidão, decidi dedicar minha vida a lhe fazer companhia. Adotamos um ao
outro.
Tínhamos um quarto alugado em uma casa palestina.
As crianças brincavam comigo. Quando meu dono saía pela manhã para trabalhar
num terreno descampado fora da cidade para plantar verduras e legumes, eu ia
junto. Era uma boa caminhada. Enquanto ele capinava e remexia a terra, contava
como, forçado a sair das terras que durante 700 anos haviam sido da família,
decidira conhecer o mundo. Tornou-se um homo viator, para
acrescentar: “Como se o homem não tivesse a vocação da morada, um lugar onde
construir sua vida. A casa acaba sendo a nossa extensão”.
Eu era tudo o que ele tinha de uma família. Nós nos
bastávamos. Ele queria descobrir o que havia feito sentir-se tão atraído por
aquele lugar. Ao chegar, tinha sido tomado pela sensação de “aqui é o meu
lugar”. Iria precisar muito anos para entender aquilo que no primeiro instante
havia sentido, como se fosse uma iluminação.
Ontem recebemos ordens dos soldados de Israel, de
que deveríamos sair da casa. Viemos para o terreno que ele cultiva. Passamos a
noite numa pequena barraca. Há pouco, meu dono pousou a enxada, sentou-se numa
pedra, me pegou no colo e ficou me olhando nos olhos: “Eu não gosto quando me
mandam embora do meu lugar. Ele é meu, e eu sou dele. Se eu tiver de ir embora,
vou deixar você com a família que é dona da casa. As crianças vão cuidar de
você. Nem todos os humanos se tornam animais domésticos”.
Estávamos fora da cidade, no terreno que era a
nossa horta. Ouvíamos lá longe os tiros de canhão, o pipocar das metralhadoras,
zumbidos dos aviões. Vinham da direção de onde ficava a nossa morada. Notei a
tristeza no olhar do meu protetor. Era meu amigo, e amigo não tem defeito.
Lambi suas mãos, para saber que podia contar comigo para o que desse e viesse.
Eu não era bom caçador. Raramente apanhava um rato.
Estavam escasseando, não havia comida para ninguém. Quando meu amo conseguia um
prato de comida, eu ficava sentado ao seu lado, esperando que me desse algum
bocado. Era generoso. De tudo me dava parte. Se passávamos fome, passávamos
juntos. Não havia solidão.
Quando o som dos tiros e das bombas cessou, já
estava anoitecendo. Lentamente fomos retornando à casa, havia pessoas feridas e
apavoradas pelas ruas. Quando chegamos perto, percebemos que não havia mais
casa aonde retornar. Reduzida a escombros. Alguns vizinhos andavam entre eles,
procurando os moradores. Ficaram contentes em nos ver vivos.
O pai e a mãe tinham morrido. Duas crianças tinham
sido levadas, feridas, por uma ambulância. Duas outras estavam mortas. Meu amo
me disse, devagar: “Muitas vezes não podemos decidir nada. A vida decide por
nós. Eu vou ter de ficar, para cuidar dessas crianças, até chegar a nossa vez”.
Senti profunda tristeza em sua voz. Não havia muito
a dizer. Apenas dei um curto latido de volta, como quem entende, mas nada pode
fazer.
¨ Proposta de
Trump causou temores de novo êxodo palestino
Palestinos deslocados
na Faixa de Gaza deveriam
ser retirados do enclave em guerra de forma permanente – e os Estados Unidos
deveriam "assumir" o controle do
território. A proposta feita pelo presidente americano Donald Trump esta semana
está desencadeando novas tensões internacionais sobre o futuro de Gaza.
Do lado palestino, há
temores de uma nova "Nakba" – termo pelo qual ficou conhecido o êxodo
palestino ocorrido após a criação do Estado de Israel, em 1948, e durante e
após a guerra entre israelenses e árabes que começou naquele mesmo ano.
<><> O que
significa Nakba?
A palavra árabe Nakba
significa catástrofe ou desastre. Em relação ao conflito israelo-palestino, o
termo Nakba ou al-Nakba se refere ao êxodo palestino durante e após a guerra
árabe-israelense de 1948. Estima-se que cerca de 700 mil pessoas tenham
fugido ou sido forçadas a deixar suas casas no que hoje é Israel e nos
territórios palestinos. Nakba lembra ainda que muitos refugiados palestinos no
exterior permanecem apátridas até hoje.
<>< O que é o Dia
da Nakba?
Em 15 de maio de 1948, um
dia depois da declaração de independência do Estado de Israel, cinco exércitos
árabes atacaram o novo país. A data marca, assim, o início da guerra
árabe-israelense e há muito tempo é um dia em que os palestinos saem às ruas e
protestam contra a expulsão de suas terras. Muitos carregam bandeiras
palestinas, trazem as chaves de suas antigas casas ou erguem faixas com a
imagem de chaves, simbolizando a esperança pelo retorno e pelo que eles
veem como seu direito de retornar.
Muitos desses protestos
terminaram em confrontos violentos entre militantes palestinos e militares
israelenses. Israel acusa o Hamas e outros
grupos, listados pela União Europeia como organizações terroristas,
de instrumentalizarem a data.
O termo Dia da Nakba foi
cunhado em 1998 pelo então líder palestino, Yasser Arafat. Ele estabeleceu a
data como dia oficial para lembrar a perda da pátria palestina.
<><> Por que os
palestinos tiveram que deixar suas terras?
Até o fim da Primeira Guerra
Mundial, o território palestino estava sob domínio turco, como parte do Império
Otomano. Com o fim do conflito, a Palestina histórica
passou a ser controlada pelo Reino Unido, no chamado Mandato Britânico da
Palestina. A administração civil britânica funcionou de 1920 a 1948.
Especialmente durante esse período, caracterizado pelo crescente antissemitismo
na Europa, um número cada vez maior de judeus de todo o mundo mudou-se para a
terra que, para eles, era Eretz Israel, a Terra Prometida da Bíblia e a pátria
de seus ancestrais, onde os judeus sempre viveram, embora em menor
número. Nesse período, que foi marcado por um crescente antissemitismo na
Europa, um número crescente de judeus de todo o mundo se mudou para a região,
por considerá-la sua pátria ancestral.
Também sob a impressão do
Holocausto na Alemanha nazista, a Assembleia Geral da ONU adotou um plano de
divisão para o Mandato Britânico da Palestina em 1947. A Liga Árabe rejeitou o
plano. A Agência Judaica para a Palestina (autoridade para a comunidade judaica
na Palestina antes da fundação do Estado de Israel) o aceitou, e o Estado de Israel foi proclamadoem 14 de maio de 1948.
Em reação, uma coalizão de
cinco estados árabes declarou guerra a Israel, mas foi derrotada militarmente
pelo jovem estado em 1949. Antes da guerra, de 200 mil a 300 mil
palestinos já haviam deixado o país ou sido expulsos. A eles se somaram outros
300 mil ou 400 mil durante os combates. O número total de pessoas
deslocadas e refugiadas é estimado em cerca de 700 mil.
Durante a guerra, mais de
400 vilarejos árabes foram destruídos e violações dos direitos humanos foram
cometidas por ambos os lados. O massacre de Deir Yassin – um vilarejo na
estrada entre Tel Aviv e Jerusalém – continua sendo uma parte importante da
memória palestina. Pelo menos cem pessoas foram mortas, incluindo mulheres e
crianças. O massacre aumentou o medo entre muitos palestinos e fez com que
muitos outros fugissem.
No final da guerra, Israel
possuía cerca de 40% do território que havia sido destinado aos palestinos no
plano de partição da ONU de 1947.
<><> Para onde
eles foram?
Na época, a maioria dos
palestinos acabou como refugiados apátridas na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e
nos países árabes vizinhos, sendo que apenas uma minoria foi para outros
lugares. Até hoje, apenas uma parcela das gerações seguintes de palestinos
na região solicitou ou recebeu uma outra cidadania. Como resultado, a maioria
dos cerca de 6,2 milhões de palestinos no Oriente Médio é apátrida até a
terceira ou quarta geração.
<><> Onde os
palestinos vivem hoje?
De acordo com a Agência das
Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), a
maioria dos palestinos da região ainda vive em campos de refugiados que, com o
tempo, se transformaram em cidades de refugiados. Os descendentes de refugiados
palestinos vivem hoje principalmente na Faixa de Gaza, na Cisjordânia ocupada,
no Líbano, na Síria, na Jordânia e em Jerusalém Oriental.
Estima-se que a diáspora
palestina fora do Oriente Médio tenha crescido para cerca de 6 milhões a 7
milhões de pessoas. Se isso for verdade, o número total de palestinos no mundo
seria de cerca de 13 milhões de pessoas. No entanto, não há nenhum órgão
oficial que registre de forma confiável o número de palestinos na diáspora.
assim, não há dados precisos disponíveis.
<><> Existe um
direito de retorno?
De acordo com a
Resolução 194 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1948 e a Resolução 3.236
de 1974, bem como a Convenção da ONU relativa ao Estatuto dos Refugiados
adotada em 1951, os palestinos que são considerados refugiados palestinos têm
um "direito de retorno".
Israel, por outro lado,
rejeita o direito de retorno dos palestinos e de seus descendentes,
argumentando que isso significaria o fim da identidade de Israel como um Estado
judeu. Israel também rejeita qualquer responsabilidade pela fuga ou expulsão
dos palestinos e lembra que, entre 1948 e 1972, cerca de 800 mil judeus foram
expulsos ou tiveram que fugir de países árabes, como Marrocos, Iraque, Egito,
Tunísia e Iêmen.
<><> Existem
soluções à vista?
Nos últimos 76 anos, houve
várias abordagens para resolver o conflito israelense-palestino. A mais
significativa continua sendo a solução de dois Estados, que
prevê um futuro Estado da Palestina ao lado do Estado de Israel e dividiria
Jerusalém em duas capitais. Entretanto, há uma resistência maciça de ambos os
lados e dúvidas sobre o quão realista isso ainda seria. Nesse contexto, os
críticos apontam para o número crescente de assentamentos judaicos na
Cisjordânia ocupada, entre outras coisas, o que poderia impossibilitar um
território palestino contíguo como base de um futuro Estado.
Outras propostas incluíram o
reconhecimento do status de refugiado por Israel e uma compensação sem direito
de retorno. Um reassentamento limitado de refugiados palestinos ou um sistema
de dois passaportes em apenas um estado também foram discutidos.
Também há sugestões de haver
um reconhecimento do status de refugiado por Israel e uma compensação aos
palestinos, mas sem retorno às suas terras, ou de um reassentamento limitado,
ou até um sistema de dois passaportes em um único Estado.
No entanto, o ataque
terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 e a subsequente guerra em
Gaza parecem ter tornado uma solução tangível ainda mais distante. Também
há temores no lado árabe de outra Nakba, que poderia afetar os palestinos da
Faixa de Gaza.
Fonte: La Croix International/A Terra é Redonda/DW
Brasil
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