Bilionário indicado
por Trump é o nome certo para a missão de 'salvar' a Nasa?
O empresário bilionário Jared
Isaacman tem uma grande visão do futuro da humanidade.
Em 2021, ele partiu
na sua primeira missão para o
espaço —
uma viagem particular que custou a ele cerca de US$ 200 milhões (cerca de R$
1,16 bilhão).
E também anunciou
seu desejo de que as viagens espaciais ficassem disponíveis para as massas, não
só para as 600 pessoas que vivenciaram a experiência até hoje — em sua
maioria, astronautas profissionais
empregados pela Nasa e alguns bilionários.
"Queremos que
sejam 600 mil", declarou ele aos repórteres.
"Comprei a
ideia das grandes ambições da humanidade de ser uma espécie presente em
diversos planetas", prosseguiu ele, posteriormente. "Acho que todos
nós queremos viver em um mundo de Star Wars ou Jornada nas
Estrelas, onde as pessoas viajam nas suas aeronaves."
Isaacman fez grande
parte da sua fortuna de US$ 1,9 bilhão (cerca de R$ 11 bilhões) com a empresa
de processamento de pagamentos fundada por ele em 1999, com 16 anos de idade.
Conta-se que ele
financiou o restante da tripulação de quatro pessoas a bordo da aeronave da
SpaceX na missão de 2021, incentivado pelo seu amor antigo por voar e sua
fascinação pelo espaço.
Desde então, ele
partiu para novas aventuras. No ano passado, ele demonstrou seu arrojo digno do
capitão Kirk, de Jornada nas Estrelas, ao viajar em uma cápsula melhorada da
SpaceX e realizar a primeira caminhada comercial no espaço.
Durante a missão,
ele testou um traje espacial experimental e um novo protocolo econômico para
sair e entrar novamente na espaçonave, sem o uso de câmara de ar.
A fotografia com a
silhueta de Isaacman com o mundo aos seus pés se tornou simbólica. Ela
demonstrou que não se tratava apenas de um bilionário playboy pagando para
transformar Jornada nas Estrelas em realidade, mas sim de alguém que
levava adiante as fronteiras do que é possível fazer com a tecnologia atual.
E, mais
recentemente, uma nova conquista chamou ainda mais a atenção do público. Em
dezembro, o presidente americano Donald Trump nomeou Jared Isaacman como o novo
administrador da Nasa.
Mas por que Trump o
escolheu e o que pediu que ele fizesse?
Estas são questões
importantes, especialmente considerando que o presidente nomeou Elon Musk, dono
da SpaceX, para um cargo governamental, com a missão de reduzir o orçamento
federal em US$ 2 trilhões (cerca de R$ 11,5 trilhões).
O cargo de
administrador da Nasa é preenchido por nomeação presidencial, mas é necessária
a confirmação do Senado americano. Se for confirmada, a indicação de Isaacman
também irá levantar questões mais amplas sobre o futuro da humanidade no
espaço, considerando sua visão sobre viagens espaciais para as massas.
E também trará
consequências significativas para o futuro da agência espacial, se a gestão de
Isaacman levar a Nasa a aumentar ainda mais o uso do setor privado, em relação
à posição atual.
·
Segunda
era do espaço à vista?
Os antigos
administradores da Nasa tiveram origens diversas.
Alguns, como o
administrador imediatamente anterior, Bill Nelson (2021-2025), eram
ex-astronautas. Outros, como Michael Griffin (2005-2009), eram funcionários do
governo. Antes dele, Dan Goldin (1992-2001) era empresário e tentava reduzir
custos.
Apesar dos seus
antecedentes diversos, todos os antigos administradores da Nasa se encarregaram
de defender a agência espacial e seus valores. E Isaacman faz parte de uma nova
onda de bilionários que vem desafiando a antiga ordem do espaço, ao lado de
Musk e de Jeff Bezos, da Amazon.
Eles aceleraram as
inovações e pretendem reduzir enormemente o custo das viagens espaciais
humanas.
No dia da sua
indicação em dezembro passado, Isaacman postou uma declaração no X, antigo
Twitter, antecipando um vislumbre da sua ambição. Ele escreveu: "acaba de
ser iniciada a segunda era do espaço".
"Inevitavelmente,
haverá uma economia espacial próspera, que irá criar oportunidades de viver e
trabalhar no espaço para inúmeras pessoas... Na Nasa, iremos... inaugurar uma
era em que a humanidade irá se tornar uma verdadeira civilização exploradora do
espaço."
Muitos presidentes
já anunciaram o envio de astronautas para a Lua, desde o final das missões
Apollo dos anos 1960 e 1970. Mas Trump foi o primeiro a colocar suas
declarações em prática, autorizando o programa Artemis, da Nasa, a enviar
novamente seres humanos para a Lua, durante seu primeiro mandato (2017-2021).
Seu histórico
indica que ele é um grande admirador da Nasa. Mas, desde então, dois fatores
provavelmente terão mudado seu modo de pensar.
O foguete da Nasa,
o Sistema de Lançamento Espacial (SLS, na sigla em inglês), sofreu atrasos e
seus custos dispararam. Ao mesmo tempo, a SpaceX de Musk e a Blue Origin de
Bezos estão desenvolvendo foguetes lunares reutilizáveis de baixo custo.
Esta é uma
desvantagem preocupante para a Nasa, segundo Courtney Stadd, do think tank
(centro de pesquisa e debates) Instituto Beyond Earth, com sede em Nova York,
nos Estados Unidos.
"Você tem um
governo que busca a redução", declarou ele, em um webinário promovido pelo
portal e revista Space News. "Se você for o novo administrador, você
estará neste contexto e, por isso, precisará olhar para tudo que estiver
drenando seu orçamento..."
"Os próximos
dois anos serão equivalentes a um tsunami e tudo está sobre a mesa",
declarou Stadd.
·
O
futuro do foguete lunar
Uma das maiores
questões é o que fazer com o foguete lunar SLS da agência espacial.
Em 2021, a
Inspetoria Geral da Nasa (OIG, na sigla em inglês), que supervisiona a agência
espacial para o Congresso americano, informou que o custo de cada lançamento do
foguete era de US$ 4,1 bilhões (cerca de R$ 23,7 bilhões).
Já o custo estimado
do sistema de foguetes equivalente da SpaceX, o Starship, é de cerca de US$ 100
milhões (cerca de R$ 577 milhões) por lançamento. E Musk declarou que pretende
reduzir ainda mais os custos, para US$ 10 milhões (cerca de R$ 57,7 milhões),
com o desenvolvimento do seu sistema.
O novo foguete
lunar de Bezos, o New Glenn, realizou seu lançamento de teste inaugural no
início de janeiro. A Blue Origin não anunciou seu custo por lançamento, mas as
estimativas atuais são de cerca de US$ 68 milhões (cerca de R$ 392 milhões).
A concorrência
entre os dois bilionários provavelmente irá acelerar as inovações e reduzir
ainda mais os custos.
O Starship e o New
Glenn são projetados para serem mais baratos porque, ao contrário do SLS, eles
são projetados para serem reutilizáveis. Mas "esta é apenas uma parte dos
motivos da disparidade dos custos", segundo o especialista na indústria
espacial Adam Baker, da Universidade de Cranfield, no Reino Unido.
"A SpaceX
recebeu um montante em dinheiro e foi contratada para fornecer o produto no
prazo e dentro do orçamento", prossegue ele. "Ela é movida pelo lucro
e quer minimizar os custos."
"Os programas
da Nasa não são dirigidos pelo lucro, mas pelos objetivos do programa. Por
isso, seus responsáveis não precisam controlar os custos da mesma forma."
"Existe a
aceitação geral de que o SLS não tem futuro", segundo Baker.
·
A
disparada dos custos
O OIG poderia
calcular uma estimativa melhor do custo total do programa Artemis na sua
próxima análise para o Congresso. Afinal, nas suas próprias palavras, "a
Nasa não possui uma estimativa de custos precisa e abrangente que inclua todos
os gastos do programa".
"Na verdade, o
plano da Agência apresenta uma estimativa aproximada que não inclui US$ 25
bilhões [cerca de R$ 144 bilhões] em atividades fundamentais."
A gestão do projeto
do SLS pela Nasa não é algo fora do comum. Alguns até diriam que é uma gestão
típica.
O Telescópio
Espacial James Webb, por exemplo, recebeu orçamento de US$ 1 bilhão (cerca de
R$ 5,77 bilhões) e sua data de lançamento era o ano de 2010. Ele custou 10
vezes mais e foi lançado em 2021.
O James Webb acabou
sendo apelidado de "o telescópio que engoliu a astronomia", já que
outros programas científicos importantes precisaram ser reduzidos, postergados
ou totalmente eliminados para compensar os excessos na sua construção.
Histórias similares
de atrasos e excessos de orçamento ocorreram durante o desenvolvimento do
ônibus espacial nos anos 1970 e a construção da Estação Espacial Internacional,
nos anos 2000.
Estes episódios
passaram despercebidos porque a Nasa foi responsável pelo que certamente foi o
maior momento da história americana, ao enviar os primeiros astronautas para a
Lua.
O programa Apollo
estabeleceu as fundações das empresas de tecnologia americanas e inaugurou uma
nova e vibrante era para os Estados Unidos.
Mas o mundo mudou
significativamente desde então e a Nasa simplesmente não acompanhou as
mudanças, segundo o professor emérito John Logsdon, ex-chefe do Instituto de
Política Espacial da Universidade George Washington, nos Estados Unidos.
Para ele, "já
passou da hora de mudar a forma como os Estados Unidos tratam do seu programa
espacial civil".
·
Novas
luzes sobre velhas formas
O modelo atual
oferece os chamados contratos de "custo majorado" para as grandes
empresas aeroespaciais históricas, como a Lockheed Martin e a Boeing. Estes
contratos garantem o pagamento dos custos de desenvolvimento e de um lucro
definido.
O modelo oferece às
empresas a garantia financeira necessária para projetos ambiciosos, como o
ônibus espacial, o SLS e o desenvolvimento de peças para o foguete Saturn 5,
que levou os astronautas da Apollo à Lua.
Mas estes contratos
não oferecem incentivos para reduzir custos ou aumentar a eficiência. Eles não
preveem, por exemplo, penalizações por atrasos ou excessos de custos.
Simeon Barber, da
Universidade Aberta, no Reino Unido, trabalhou com a Nasa em missões espaciais
robóticas. Originalmente, ele duvidava que as novas empresas comerciais se
tornariam fornecedoras. Mas, agora, ele se converteu às novas formas de
contratação.
"Nós nos
acostumamos a ver grandes projetos sofrerem atrasos e ultrapassarem seus
orçamentos", ele conta. "Mas as novas empresas colocaram em evidência
a forma antiga de fazer as coisas."
As medidas para
modificar o que alguns consideravam uma relação confortável demais com as
empresas espaciais históricas ganharam velocidade em 2009, quando o então
presidente Barack Obama (2009-2017) introduziu contratos de preço fixo para
algumas empresas do setor privado.
Com isso, as
empresas passaram a ter liberdade para inovar, reduzir custos e aumentar seus
lucros, desde que fornecessem seus produtos no prazo e dentro do orçamento.
Uma destas empresas
era uma nova e dinâmica start-up chamada SpaceX. Ela recebeu um contrato para
desenvolver seus foguetes reutilizáveis Falcon e a cápsula Dragon Space, para
enviar tripulação e carga para a Estação Espacial Internacional.
Paralelamente, a
companhia espacial histórica Boeing também recebeu um contrato similar em 2014,
para desenvolver sua cápsula Starliner, com o mesmo objetivo.
A SpaceX, com seus
processos de desenvolvimento mais arriscados, mas também mais rápidos, começou
a abastecer a EEI quatro anos após a assinatura do contrato. Já a Starliner da
Boeing sofreu uma série de atrasos por problemas técnicos e por ultrapassar o
orçamento.
Ela levou 10 anos
para iniciar operações — e, com novos problemas em alguns dos seus motores,
acabou deixando os astronautas Butch Wilmore e Suni Williams presos na estação
espacial.
Para culminar a
humilhação, os astronautas serão trazidos de volta para a Terra pela cápsula
Dragon, da concorrente SpaceX.
"A Starliner é
um constrangimento para a forma tradicional de fazer negócios", destaca
Logsdon. "Por isso, abalar o sistema é muito positivo."
·
Grandes
abalos à vista?
Logsdon espera
grandes mudanças durante o governo Trump, com Elon Musk e Jared Isaacman. Elas
podem incluir, segundo ele, a eliminação de programas, fechamento de centros da
Nasa e aumento dos contratos com a SpaceX, Blue Origin e outras empresas do
setor privado.
Isaacman declarou
que o SLS é "escandalosamente caro". Para ele, os principais
contratados do setor aeroespacial são "incentivados a serem economicamente
ineficientes".
Mas mudanças como
estas não serão fáceis.
O orçamento da Nasa
é controlado pelo Congresso americano. O Partido Republicano, do presidente
Trump, controla as duas casas do Legislativo, mas senadores e deputados
individuais dos comitês que fiscalizam a Nasa são de Estados que detêm empregos
e indústrias que dependem do orçamento anual da Nasa, de US$ 25 bilhões (cerca
de R$ 144 bilhões).
"A disciplina
partidária vem em segundo lugar, quando existe dinheiro do eleitorado
envolvido", afirma Logsdon, observador de longa data dos regateios da
política espacial no Congresso americano.
Os projetos da Nasa
podem ter sido caros, mas eles demonstraram as maravilhas do universo e mudaram
a percepção da humanidade sobre nós mesmos e sobre o nosso lugar no cosmos.
A criação do
primeiro ônibus espacial reutilizável, a construção de uma estação espacial em
órbita da Terra, as imagens de mundos distantes capturadas pelas aeronaves
robóticas e as fotos deslumbrantes do telescópio espacial Hubble inspiraram
gerações de pessoas, alimentando imensamente o interesse pela ciência.
Por tudo isso, os
congressistas americanos sabem que os Estados Unidos e o mundo têm com a Nasa
uma dívida impagável.
"A velha forma
de fazer as coisas trouxe muito sucesso e não queremos perder seus
benefícios", defende Logsdon. "Haverá mudanças significativas, mas
não as reformas radicais que Musk e Isaacman gostariam de ver. Existe um
equilíbrio delicado entre os interesses da Nasa, do Congresso e da Casa
Branca."
Nos próximos meses,
iremos observar para onde irá pender esse equilíbrio.
Alguns especulam
que o programa de retorno à Lua pode ser eliminado em favor de ir direto para
Marte, como o presidente Trump mencionou durante a posse — ao lado de Elon
Musk, o maior defensor desta política.
Outros receiam que
haja cortes nos programas de observação da Terra mantidos pela Nasa. Eles
monitoram e elaboram do espaço modelos de mudanças ambientais, incluindo os
impactos das mudanças climáticas.
E ainda outros
temem que as missões científicas robóticas para outros planetas possam ser
eliminadas em favor dos avanços do programa de voos espaciais humanos.
·
Onde
entra a SpaceX
Alguns setores
também se preocupam com o estreito relacionamento entre Jared Isaacman e Elon
Musk.
Isaacman pagou à
SpaceX pelas suas duas aventuras no espaço. E a empresa já recebeu US$ 20
bilhões (cerca de R$ 115 bilhões) em contratos do governo americano desde 2008.
Mas, se o SLS for
descartado e a SpaceX ficar com a maior parte do trabalho referente ao programa
lunar da Nasa, a empresa de Musk deverá receber contratos talvez 10 ou até 100
vezes maiores, possivelmente às custas de outros fornecedores do setor privado.
Existem muitas
start-ups inovadoras nos Estados Unidos esperando para construir peças de
espaçonaves e infraestrutura para o programa de retorno à Lua da Nasa.
Uma delas é a
Firefly, com sede no Estado americano do Texas. Sua espaçonave Blue Ghost está
a caminho da Lua e deve pousar no satélite em março.
Mas analistas do
setor afirmam que o governo americano detém longa tradição de romper
monopólios, para não reprimir a inovação. E, em qualquer dos casos, o simples
fato de Isaacman já ter trabalhado com Musk não significa que o resultado seja
inevitável, segundo Logsdon.
"Isaacman é um
homem independente", afirma ele. "Ele não é discípulo de Elon
Musk."
Mas, em última
análise, infelizmente ficou claro, até para os seus mais ardentes defensores,
que a Nasa precisa se salvar de si própria.
E a necessidade de
reforma da agência não é uma questão partidária. Presidentes republicanos e
democratas já deram início às mudanças.
Mas a coincidência
entre o sucesso da SpaceX, da Blue Origin e de outras empresas espaciais
privadas e a chegada de um novo governo impaciente para reduzir custos e
energizar o setor privado indica que Isaacman detém uma oportunidade única de
fazer algumas das maiores mudanças na Nasa desde a sua criação.
"A Nasa é
realmente a joia da coroa e não estamos fazendo o que deveríamos em nome do
povo americano", declarou a ex-vice-administradora da Nasa, Lori Garver
(2009-2013), durante o webinário da Space News. "Isso é frustrante para
todos nós."
Questionada se um
bilionário do setor privado seria a pessoa certa para administrar um dos
maiores tesouros nacionais dos Estados Unidos, Garver respondeu: "Jared é
um patriota e está fazendo isso por serviço público."
Para ela, "a
realidade da aceitação de Jared tem algo a ver com sua disposição de assumir
essas dificuldades — e elas são muitas."
Fonte: La
Repubblica/BBC News
Nenhum comentário:
Postar um comentário