segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Bilionário indicado por Trump é o nome certo para a missão de 'salvar' a Nasa?

O empresário bilionário Jared Isaacman tem uma grande visão do futuro da humanidade.

Em 2021, ele partiu na sua primeira missão para o espaço — uma viagem particular que custou a ele cerca de US$ 200 milhões (cerca de R$ 1,16 bilhão).

E também anunciou seu desejo de que as viagens espaciais ficassem disponíveis para as massas, não só para as 600 pessoas que vivenciaram a experiência até hoje — em sua maioria, astronautas profissionais empregados pela Nasa e alguns bilionários.

"Queremos que sejam 600 mil", declarou ele aos repórteres.

"Comprei a ideia das grandes ambições da humanidade de ser uma espécie presente em diversos planetas", prosseguiu ele, posteriormente. "Acho que todos nós queremos viver em um mundo de Star Wars ou Jornada nas Estrelas, onde as pessoas viajam nas suas aeronaves."

Isaacman fez grande parte da sua fortuna de US$ 1,9 bilhão (cerca de R$ 11 bilhões) com a empresa de processamento de pagamentos fundada por ele em 1999, com 16 anos de idade.

Conta-se que ele financiou o restante da tripulação de quatro pessoas a bordo da aeronave da SpaceX na missão de 2021, incentivado pelo seu amor antigo por voar e sua fascinação pelo espaço.

Desde então, ele partiu para novas aventuras. No ano passado, ele demonstrou seu arrojo digno do capitão Kirk, de Jornada nas Estrelas, ao viajar em uma cápsula melhorada da SpaceX e realizar a primeira caminhada comercial no espaço.

Durante a missão, ele testou um traje espacial experimental e um novo protocolo econômico para sair e entrar novamente na espaçonave, sem o uso de câmara de ar.

A fotografia com a silhueta de Isaacman com o mundo aos seus pés se tornou simbólica. Ela demonstrou que não se tratava apenas de um bilionário playboy pagando para transformar Jornada nas Estrelas em realidade, mas sim de alguém que levava adiante as fronteiras do que é possível fazer com a tecnologia atual.

E, mais recentemente, uma nova conquista chamou ainda mais a atenção do público. Em dezembro, o presidente americano Donald Trump nomeou Jared Isaacman como o novo administrador da Nasa.

Mas por que Trump o escolheu e o que pediu que ele fizesse?

Estas são questões importantes, especialmente considerando que o presidente nomeou Elon Musk, dono da SpaceX, para um cargo governamental, com a missão de reduzir o orçamento federal em US$ 2 trilhões (cerca de R$ 11,5 trilhões).

O cargo de administrador da Nasa é preenchido por nomeação presidencial, mas é necessária a confirmação do Senado americano. Se for confirmada, a indicação de Isaacman também irá levantar questões mais amplas sobre o futuro da humanidade no espaço, considerando sua visão sobre viagens espaciais para as massas.

E também trará consequências significativas para o futuro da agência espacial, se a gestão de Isaacman levar a Nasa a aumentar ainda mais o uso do setor privado, em relação à posição atual.

·        Segunda era do espaço à vista?

Os antigos administradores da Nasa tiveram origens diversas.

Alguns, como o administrador imediatamente anterior, Bill Nelson (2021-2025), eram ex-astronautas. Outros, como Michael Griffin (2005-2009), eram funcionários do governo. Antes dele, Dan Goldin (1992-2001) era empresário e tentava reduzir custos.

Apesar dos seus antecedentes diversos, todos os antigos administradores da Nasa se encarregaram de defender a agência espacial e seus valores. E Isaacman faz parte de uma nova onda de bilionários que vem desafiando a antiga ordem do espaço, ao lado de Musk e de Jeff Bezos, da Amazon.

Eles aceleraram as inovações e pretendem reduzir enormemente o custo das viagens espaciais humanas.

No dia da sua indicação em dezembro passado, Isaacman postou uma declaração no X, antigo Twitter, antecipando um vislumbre da sua ambição. Ele escreveu: "acaba de ser iniciada a segunda era do espaço".

"Inevitavelmente, haverá uma economia espacial próspera, que irá criar oportunidades de viver e trabalhar no espaço para inúmeras pessoas... Na Nasa, iremos... inaugurar uma era em que a humanidade irá se tornar uma verdadeira civilização exploradora do espaço."

Muitos presidentes já anunciaram o envio de astronautas para a Lua, desde o final das missões Apollo dos anos 1960 e 1970. Mas Trump foi o primeiro a colocar suas declarações em prática, autorizando o programa Artemis, da Nasa, a enviar novamente seres humanos para a Lua, durante seu primeiro mandato (2017-2021).

Seu histórico indica que ele é um grande admirador da Nasa. Mas, desde então, dois fatores provavelmente terão mudado seu modo de pensar.

O foguete da Nasa, o Sistema de Lançamento Espacial (SLS, na sigla em inglês), sofreu atrasos e seus custos dispararam. Ao mesmo tempo, a SpaceX de Musk e a Blue Origin de Bezos estão desenvolvendo foguetes lunares reutilizáveis de baixo custo.

Esta é uma desvantagem preocupante para a Nasa, segundo Courtney Stadd, do think tank (centro de pesquisa e debates) Instituto Beyond Earth, com sede em Nova York, nos Estados Unidos.

"Você tem um governo que busca a redução", declarou ele, em um webinário promovido pelo portal e revista Space News. "Se você for o novo administrador, você estará neste contexto e, por isso, precisará olhar para tudo que estiver drenando seu orçamento..."

"Os próximos dois anos serão equivalentes a um tsunami e tudo está sobre a mesa", declarou Stadd.

·        O futuro do foguete lunar

Uma das maiores questões é o que fazer com o foguete lunar SLS da agência espacial.

Em 2021, a Inspetoria Geral da Nasa (OIG, na sigla em inglês), que supervisiona a agência espacial para o Congresso americano, informou que o custo de cada lançamento do foguete era de US$ 4,1 bilhões (cerca de R$ 23,7 bilhões).

Já o custo estimado do sistema de foguetes equivalente da SpaceX, o Starship, é de cerca de US$ 100 milhões (cerca de R$ 577 milhões) por lançamento. E Musk declarou que pretende reduzir ainda mais os custos, para US$ 10 milhões (cerca de R$ 57,7 milhões), com o desenvolvimento do seu sistema.

O novo foguete lunar de Bezos, o New Glenn, realizou seu lançamento de teste inaugural no início de janeiro. A Blue Origin não anunciou seu custo por lançamento, mas as estimativas atuais são de cerca de US$ 68 milhões (cerca de R$ 392 milhões).

A concorrência entre os dois bilionários provavelmente irá acelerar as inovações e reduzir ainda mais os custos.

O Starship e o New Glenn são projetados para serem mais baratos porque, ao contrário do SLS, eles são projetados para serem reutilizáveis. Mas "esta é apenas uma parte dos motivos da disparidade dos custos", segundo o especialista na indústria espacial Adam Baker, da Universidade de Cranfield, no Reino Unido.

"A SpaceX recebeu um montante em dinheiro e foi contratada para fornecer o produto no prazo e dentro do orçamento", prossegue ele. "Ela é movida pelo lucro e quer minimizar os custos."

"Os programas da Nasa não são dirigidos pelo lucro, mas pelos objetivos do programa. Por isso, seus responsáveis não precisam controlar os custos da mesma forma."

"Existe a aceitação geral de que o SLS não tem futuro", segundo Baker.

·        A disparada dos custos

O OIG poderia calcular uma estimativa melhor do custo total do programa Artemis na sua próxima análise para o Congresso. Afinal, nas suas próprias palavras, "a Nasa não possui uma estimativa de custos precisa e abrangente que inclua todos os gastos do programa".

"Na verdade, o plano da Agência apresenta uma estimativa aproximada que não inclui US$ 25 bilhões [cerca de R$ 144 bilhões] em atividades fundamentais."

A gestão do projeto do SLS pela Nasa não é algo fora do comum. Alguns até diriam que é uma gestão típica.

O Telescópio Espacial James Webb, por exemplo, recebeu orçamento de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,77 bilhões) e sua data de lançamento era o ano de 2010. Ele custou 10 vezes mais e foi lançado em 2021.

O James Webb acabou sendo apelidado de "o telescópio que engoliu a astronomia", já que outros programas científicos importantes precisaram ser reduzidos, postergados ou totalmente eliminados para compensar os excessos na sua construção.

Histórias similares de atrasos e excessos de orçamento ocorreram durante o desenvolvimento do ônibus espacial nos anos 1970 e a construção da Estação Espacial Internacional, nos anos 2000.

Estes episódios passaram despercebidos porque a Nasa foi responsável pelo que certamente foi o maior momento da história americana, ao enviar os primeiros astronautas para a Lua.

O programa Apollo estabeleceu as fundações das empresas de tecnologia americanas e inaugurou uma nova e vibrante era para os Estados Unidos.

Mas o mundo mudou significativamente desde então e a Nasa simplesmente não acompanhou as mudanças, segundo o professor emérito John Logsdon, ex-chefe do Instituto de Política Espacial da Universidade George Washington, nos Estados Unidos.

Para ele, "já passou da hora de mudar a forma como os Estados Unidos tratam do seu programa espacial civil".

·        Novas luzes sobre velhas formas

O modelo atual oferece os chamados contratos de "custo majorado" para as grandes empresas aeroespaciais históricas, como a Lockheed Martin e a Boeing. Estes contratos garantem o pagamento dos custos de desenvolvimento e de um lucro definido.

O modelo oferece às empresas a garantia financeira necessária para projetos ambiciosos, como o ônibus espacial, o SLS e o desenvolvimento de peças para o foguete Saturn 5, que levou os astronautas da Apollo à Lua.

Mas estes contratos não oferecem incentivos para reduzir custos ou aumentar a eficiência. Eles não preveem, por exemplo, penalizações por atrasos ou excessos de custos.

Simeon Barber, da Universidade Aberta, no Reino Unido, trabalhou com a Nasa em missões espaciais robóticas. Originalmente, ele duvidava que as novas empresas comerciais se tornariam fornecedoras. Mas, agora, ele se converteu às novas formas de contratação.

"Nós nos acostumamos a ver grandes projetos sofrerem atrasos e ultrapassarem seus orçamentos", ele conta. "Mas as novas empresas colocaram em evidência a forma antiga de fazer as coisas."

As medidas para modificar o que alguns consideravam uma relação confortável demais com as empresas espaciais históricas ganharam velocidade em 2009, quando o então presidente Barack Obama (2009-2017) introduziu contratos de preço fixo para algumas empresas do setor privado.

Com isso, as empresas passaram a ter liberdade para inovar, reduzir custos e aumentar seus lucros, desde que fornecessem seus produtos no prazo e dentro do orçamento.

Uma destas empresas era uma nova e dinâmica start-up chamada SpaceX. Ela recebeu um contrato para desenvolver seus foguetes reutilizáveis Falcon e a cápsula Dragon Space, para enviar tripulação e carga para a Estação Espacial Internacional.

Paralelamente, a companhia espacial histórica Boeing também recebeu um contrato similar em 2014, para desenvolver sua cápsula Starliner, com o mesmo objetivo.

A SpaceX, com seus processos de desenvolvimento mais arriscados, mas também mais rápidos, começou a abastecer a EEI quatro anos após a assinatura do contrato. Já a Starliner da Boeing sofreu uma série de atrasos por problemas técnicos e por ultrapassar o orçamento.

Ela levou 10 anos para iniciar operações — e, com novos problemas em alguns dos seus motores, acabou deixando os astronautas Butch Wilmore e Suni Williams presos na estação espacial.

Para culminar a humilhação, os astronautas serão trazidos de volta para a Terra pela cápsula Dragon, da concorrente SpaceX.

"A Starliner é um constrangimento para a forma tradicional de fazer negócios", destaca Logsdon. "Por isso, abalar o sistema é muito positivo."

·        Grandes abalos à vista?

Logsdon espera grandes mudanças durante o governo Trump, com Elon Musk e Jared Isaacman. Elas podem incluir, segundo ele, a eliminação de programas, fechamento de centros da Nasa e aumento dos contratos com a SpaceX, Blue Origin e outras empresas do setor privado.

Isaacman declarou que o SLS é "escandalosamente caro". Para ele, os principais contratados do setor aeroespacial são "incentivados a serem economicamente ineficientes".

Mas mudanças como estas não serão fáceis.

O orçamento da Nasa é controlado pelo Congresso americano. O Partido Republicano, do presidente Trump, controla as duas casas do Legislativo, mas senadores e deputados individuais dos comitês que fiscalizam a Nasa são de Estados que detêm empregos e indústrias que dependem do orçamento anual da Nasa, de US$ 25 bilhões (cerca de R$ 144 bilhões).

"A disciplina partidária vem em segundo lugar, quando existe dinheiro do eleitorado envolvido", afirma Logsdon, observador de longa data dos regateios da política espacial no Congresso americano.

Os projetos da Nasa podem ter sido caros, mas eles demonstraram as maravilhas do universo e mudaram a percepção da humanidade sobre nós mesmos e sobre o nosso lugar no cosmos.

A criação do primeiro ônibus espacial reutilizável, a construção de uma estação espacial em órbita da Terra, as imagens de mundos distantes capturadas pelas aeronaves robóticas e as fotos deslumbrantes do telescópio espacial Hubble inspiraram gerações de pessoas, alimentando imensamente o interesse pela ciência.

Por tudo isso, os congressistas americanos sabem que os Estados Unidos e o mundo têm com a Nasa uma dívida impagável.

"A velha forma de fazer as coisas trouxe muito sucesso e não queremos perder seus benefícios", defende Logsdon. "Haverá mudanças significativas, mas não as reformas radicais que Musk e Isaacman gostariam de ver. Existe um equilíbrio delicado entre os interesses da Nasa, do Congresso e da Casa Branca."

Nos próximos meses, iremos observar para onde irá pender esse equilíbrio.

Alguns especulam que o programa de retorno à Lua pode ser eliminado em favor de ir direto para Marte, como o presidente Trump mencionou durante a posse — ao lado de Elon Musk, o maior defensor desta política.

Outros receiam que haja cortes nos programas de observação da Terra mantidos pela Nasa. Eles monitoram e elaboram do espaço modelos de mudanças ambientais, incluindo os impactos das mudanças climáticas.

E ainda outros temem que as missões científicas robóticas para outros planetas possam ser eliminadas em favor dos avanços do programa de voos espaciais humanos.

·        Onde entra a SpaceX

Alguns setores também se preocupam com o estreito relacionamento entre Jared Isaacman e Elon Musk.

Isaacman pagou à SpaceX pelas suas duas aventuras no espaço. E a empresa já recebeu US$ 20 bilhões (cerca de R$ 115 bilhões) em contratos do governo americano desde 2008.

Mas, se o SLS for descartado e a SpaceX ficar com a maior parte do trabalho referente ao programa lunar da Nasa, a empresa de Musk deverá receber contratos talvez 10 ou até 100 vezes maiores, possivelmente às custas de outros fornecedores do setor privado.

Existem muitas start-ups inovadoras nos Estados Unidos esperando para construir peças de espaçonaves e infraestrutura para o programa de retorno à Lua da Nasa.

Uma delas é a Firefly, com sede no Estado americano do Texas. Sua espaçonave Blue Ghost está a caminho da Lua e deve pousar no satélite em março.

Mas analistas do setor afirmam que o governo americano detém longa tradição de romper monopólios, para não reprimir a inovação. E, em qualquer dos casos, o simples fato de Isaacman já ter trabalhado com Musk não significa que o resultado seja inevitável, segundo Logsdon.

"Isaacman é um homem independente", afirma ele. "Ele não é discípulo de Elon Musk."

Mas, em última análise, infelizmente ficou claro, até para os seus mais ardentes defensores, que a Nasa precisa se salvar de si própria.

E a necessidade de reforma da agência não é uma questão partidária. Presidentes republicanos e democratas já deram início às mudanças.

Mas a coincidência entre o sucesso da SpaceX, da Blue Origin e de outras empresas espaciais privadas e a chegada de um novo governo impaciente para reduzir custos e energizar o setor privado indica que Isaacman detém uma oportunidade única de fazer algumas das maiores mudanças na Nasa desde a sua criação.

"A Nasa é realmente a joia da coroa e não estamos fazendo o que deveríamos em nome do povo americano", declarou a ex-vice-administradora da Nasa, Lori Garver (2009-2013), durante o webinário da Space News. "Isso é frustrante para todos nós."

Questionada se um bilionário do setor privado seria a pessoa certa para administrar um dos maiores tesouros nacionais dos Estados Unidos, Garver respondeu: "Jared é um patriota e está fazendo isso por serviço público."

Para ela, "a realidade da aceitação de Jared tem algo a ver com sua disposição de assumir essas dificuldades — e elas são muitas."

 

Fonte: La Repubblica/BBC News

 

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