Como
sucesso de escolas federais pode ser replicado
Após a divulgação das notas
do Enem do último ano, a aluna
Samille Malta, do Colégio Coluni, em Viçosa, Minas Gerais, ganhou destaque
nacional por ser a única estudante de uma escola pública a obter
uma nota 1.000 na redação da prova. O desempenho chamou a atenção do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, e Samille foi convidada a visitá-lo nesta
quinta-feira (05/02) no Palácio do Planalto.
Apesar de aparentar um caso
isolado, o bom desempenho no exame é uma marca da escola na qual a estudante
cursou o Ensino Médio. Apontada como a melhor instituição pública do país, o
colégio é um dos principais casos de sucesso da rede federal, que é bem
minoritária, mas que tem elementos que podem ser replicados nas demais escolas
públicas, segundo especialistas.
O Colégio de Aplicação
Coluni, vinculado à Universidade Federal de Viçosa (UFV), com frequência tem a
média das notas de seus estudantes entre as dez melhores do Enem em todo o
país, incluindo os colégios privados. Entre apenas
as instituições públicas, em 2023, quatro colégios vinculados a universidades
federais estiveram entre as dez melhores médias.
Atualmente, o Brasil conta
com 24 colégios federais de aplicação, que ofertam educação infantil, ensino
fundamental e/ou ensino médio. Neste caso, as escolas são mantidas e geridas
por instituições federais de ensino superior, servindo como campo de
experimentação para inovações em didática e gestão escolar. O primeiro do
gênero foi inaugurado em 1948, na faculdade de Filosofia do que é hoje é a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A rede de ensino federal
inclui ainda os chamados institutos federais, que são atualmente 38 pelo país,
além de outras instituições como o tradicional Colégio Pedro II no Rio de
Janeiro. Em 2023, no Ensino Médio, a rede federal possuía 236 mil alunos no
país, o que representa 3,1% do total. Já a rede privada contava com 986,3 mil
matriculados, ou 12,8%.
De acordo com a edição de
2023 do Censo da Educação Pública, 27% dos concluintes do ensino médio em 2022
entraram na educação superior em 2023. Na rede federal, 58% dos que concluíram
o ensino médio em 2022 entraram para o ensino superior no ano seguinte.
Em algumas medições ao longo
da última década do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa),
realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), a rede federal brasileira chegou a ter médias superiores às de países
como Alemanha e Coreia do Sul.
·
Infraestrutura e recursos diferenciados
"A infraestrutura e os
recursos são diferenciados em relação às escolas estaduais: bibliotecas
atualizadas, recursos tecnológicos, material didático. Os professores são
efetivos, contratados a partir de concurso, diferentemente das redes estaduais,
que hoje tem um significativo contingente de professores eventuais",
explica Anna Helena Altenfelder, presidente do conselho de administração do
Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
Segundo Altenfelder, em
outras partes da rede pública, os professores não têm a mesmas condições de
desenvolvimento profissional. Nas federais, as jornadas de trabalho são bem
definidas, com dedicação exclusiva, ou seja, os docentes "não são
obrigados a trabalhar em mais de uma ou duas escolas, o que faz toda a
diferença", aponta.
À DW, a diretora do Coluni,
Alessandra Gomes Mendes Tostes, afirma que o quadro de docentes na instituição
é composto por profissionais efetivos, em regime de dedicação exclusiva, com
plano de qualificação para mestrado, doutorado e pós-doutorado, além de se
envolverem em atividades de pesquisa através dos projetos de iniciação científica
e de extensão.
A atratividade da rede leva
a melhores professores, com alguns casos de docentes deixando até mesmo o
ensino superior para dar aulas em escolas federais, aponta Bernardo Baião,
Coordenador de Políticas Educacionais da ONG Todos Pela Educação.
Este cenário beneficia os
alunos já que os professores acabam conhecendo melhor a escola, o que ajuda a
deixar "bem clara as perspectivas de futuro", sugere. "Em uma
escola municipal ou estadual, é um desafio convencer o aluno a estudar. Na
escola federal, as perspectivas já são muito mais claras, já que as
universidades estão presentes, ou o ensino técnico", pontua Baião.
·
Motor de desigualdades?
Um dos fatores que também
explica o sucesso em exames é o fato de os colégios federais normalmente
fazerem prova de admissão para novos ingressos, o que os especialistas apontam
como um elemento que seleciona estudantes que potencialmente terão melhor
desempenho no futuro. Porém, como resultado, o modelo pode aprofundar as
desigualdades mesmo dentro da rede pública.
"Os processos seletivos
são rigorosos, não sendo viáveis para todos os estudantes. É necessário tempo
de dedicação, bagagem cultural e acadêmica", aponta Baião. "Hoje, a
escola federal ainda é elitizada. É comum ver alunos de escolas privadas migrando
para as federais, o que tira oportunidades de jovens que não tem esta
condição", afirma o especialista.
No caso do Coluni, a
diretora do colégio aponta que a visibilidade dos resultados vem repercutindo
no aumento da procura pelos exames de seleção. Outro efeito é o estímulo à rede
privada de cursinhos preparatórios para as provas de ingresso na região onde a
escola está localizada.
"A própria localização
das escolas, na proximidade dos centros urbanos, favorece uma concentração de
alunos vindos de famílias com maiores recursos educacionais e cultura",
aponta Altenfelder.
Uma solução que grande parte
das escolas federais vem adotando é a instituição de um programa cotas para
ingresso, assim como é feito no ensino superior. Para Altenfelder, é uma medida
importante na direção do enfrentamento das desigualdades, porém, é possível
avançar.
"Sabemos o quanto são
fundamentais para o aprendizado dos alunos a infraestrutura das escolas e as
condições de trabalho dos professores, então garantir estes aspectos em todas
as escolas, principalmente naquelas que atendem populações mais vulneráveis,
sem dúvida trarão melhoras significativas ao cenário", avalia.
·
Entender o que dá certo
"O caminho não é
ampliar o número de federais, e sim entender o que dá certo nestas escolas, o
que às vezes não demanda mais recursos, mas organização e projeto
pedagógico", avalia Baião. Ele lembra que, atualmente, uma grande carga
sobre o ensino fica por conta de estados e municípios, o que gera grande
responsabilidade a estes entes federativos.
"Os recursos de estados
e municípios são, sobretudo, fruto de impostos destes entes e de programas de
transferências, o que representa menos verbas para lidar com mais alunos, o que
torna mais desafiador, enquanto as federais lidam com uma parcela menor de
estudantes", resume o especialista.
Por sua vez, ele crê que
elementos são replicáveis como dedicação exclusiva, salários e carreiras mais
atrativas, infraestrutura e as perspectivas de futuro. Em sua visão, o Ceará é
um exemplo que deu certo mesmo com menos recursos, com destaque para as escolas
de tempo integral. Neste caso, aulas de língua estrangeira, projetos
interdisciplinares e integração com educação profissional são oferecidos aos
alunos no contraturno.
Altenfelder destaca como
elementos que podem ser aplicados em outras partes da rede pública o olhar para
o território no qual o aluno está inserido, a vinculação do ensino com a
pesquisa, e a inovação. "A experiência mostra que é possível educação de
qualidade nas escolas públicas, que existem lições a serem replicadas, que
passam por medidas de gestão, como apoio administrativo e incentivo da formação
pelos professores", avalia.
Neste sentido, Baião vê com
bons olhos as medidas recentes do governo federal para valorizar o magistério.
Uma das ações oferece um apoio financeiro de R$ 1.050 mensais aos estudantes
com bom desempenho no Enem que optarem por cursos de licenciatura. Além disso,
haverá a Prova Nacional Docente (PND) em 2025, processo unificado para o
ingresso de professores nas redes públicas de ensino.
"O pacote vai na
direção correta. Temos um desafio da falta de professores, além do fato de os
concursos atualmente não conseguirem qualificar o processo de seleção",
avalia. Neste sentido, os projetos visam recursos para atrair docentes para a
carreira, e garante que uma seleção melhor, pontua.
Fonte: DW Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário