Pancadaria na Alesp prova que alunos estão
certos em protestar contra PMs nas escolas
Não se pode dizer que
os estudantes secundaristas estão errados em protestar contra o projeto do
governo Tarcísio de Freitas de implementar escolas cívico-militares em São
Paulo, aprovado na quarta-feira (22/05), na Assembleia Legislativa do estado
(Alesp).
Mais do que
estranhamento, a iniciativa de colocar policiais militares aposentados para
cuidar da disciplina das escolas, ainda por cima com salários maiores do que o
do professorado (além do que já recebem da corporação), traz preocupação e
repulsa. Tanto é que o Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo
(Apeoesp) já anunciou que vai entrar com processo na Justiça para barrar a lei.
Como acreditar que
isso seria benéfico para os estudantes depois que o próprio governo estadual
jogou o Batalhão de Choque contra alunos e representantes discentes que se
manifestaram democraticamente, boa parte deles menores de idade e protegidos
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)?
Isso em uma votação de
um projeto controverso, sem debate da sociedade (só houve uma única audiência
pública antes de ir a plenário), que tem como precedentes um programa do
ex-presidente Jair Bolsonaro interrompido pelo presidente Lula e um modelo nada
recomendável por experiências anteriores – além de considerado inconstitucional
pela Advocacia-Geral da União (AGU) em ação no Supremo Tribunal Federal (esta
referente a modelo quase idêntico adotado no Paraná).
Nesse ponto, o
governador Tarcísio foi, digamos, pedagógico. Provou por A+B que não há motivos
para acreditar em gestão democrática nas escolas com policiais militares
usurpando o papel de educadores.
“Dizer que uma boa
gestão escolar, do ponto de vista de disciplina e organização, só pode ser
feita por militares é sugerir, de certo modo, a falência do profissional da
educação. Um bom profissional de educação garante, sim, entre outras coisas,
disciplina, organização e valores”, como explicou à CNN Olavo Nogueira Filho,
diretor-executivo da ONG Todos Pela Educação.
Disciplina para
crianças e adolescentes é assunto de professores, pedagogos e pais, não de PMs.
Aliás, nem os próprios pais têm direito de infligir castigos físicos aos
filhos, conforme estabelece a Lei da Palmada (hoje chamada de Lei Bernardo),
sancionada em julho de 2014 pela presidente Dilma. A proibição se estende a
todos os agentes públicos.
Que dirá fazer um
corredor polonês com cassetetes para espancar garotas e garotos, como fez o
Batalhão de Choque?
Ao contrário do que
diz o secretário de Educação, não há nenhuma evidência de que o assalto ao
orçamento da pasta para pagar os PMs traga benefícios para a educação. Ao
contrário. Casos de racismo e de exclusão de alunos deficientes de escolas
cívico-militares já foram registrados pelo menos no Distrito Federal, Amapá e
no Paraná, principal inspiração para o programa paulista e também implantado
pelo atual secretário de Educação paulista, Renato Feder, que atuava no governo
de Ratinho Jr. antes de ser trazido para São Paulo por Tarcísio.
O que preocupa,
principalmente, porque o governo já declarou que as escolas visadas para
adotarem o modelo são exatamente as de bairros mais pobres, onde adolescentes
negros são alvos frequentes de racismo, a começar pelo preconceito da própria
polícia.
Também não há estudos
comprovando que esse tipo de escola traga benefícios sequer para segurança de
alunos e professores, como observou o professor da Fundação Getulio Vargas
(FGV) e especialista em segurança pública Alan Fernandes, também à CNN: “Desconheço
estudo que mostre que essas escolas favorecem um quadro de segurança pública
onde se instalam”, afirmou.
O governo tem repetido
que as escolas cívico-militares “elevariam o nível de ensino” e propagado
notícias enganosas sobre o desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb) das instituições militarizadas no Paraná. Uma investigação feita
pelo jornal Plural, de Curitiba, desnudou a farsa, mostrando que a melhoria do
Ideb no estado, creditada à implantação dessas escolas, foi obtida à custa da
exclusão de estudantes dos cursos noturnos e maiores de 18 anos.
É com argumentos desse
tipo que o governo Tarcísio pretende convencer “comunidades escolares” a
imiscuir policiais militares aposentados de formação duvidosa, educados por uma
corporação cada vez mais violenta, nas escolas em que seus filhos estudam. Quais
serão os princípios adotados na educação dos jovens?
A educadora e
professora da Universidade de Brasília (UnB) Catarina de Almeida Santos, da
rede Campanha Nacional pelo Direito à Educação, responde: “Essa escola tira o
seu caráter de escola pública, de escola que atende a todos os públicos, de uma
escola que segue princípios universais e se torna uma escola que vai funcionar
a partir dos princípios da área de segurança, que são opostos à área da
educação”.
Cabe a nós,
jornalistas e sociedade civil, investigar as condições de adesão das escolas e
o funcionamento desse projeto, zelando pela segurança e liberdade dos mais
jovens, inclusive para se manifestar.
Afinal, já sabemos que
o governo Tarcísio está mais preocupado em acobertar os crimes de policiais do
que na construção de uma “cultura de paz”, como alega no projeto da
militarização das escolas aprovado pela Assembleia. O recente episódio da troca
de câmeras corporais por modelos acionados pelo próprio policial quando ele
quiser gravar a cena não deixa dúvidas.
Quanto a seu apreço
pela segurança dos meninos e meninas, basta lembrar um dado, revelado pela
Agência Pública: em 2023, primeiro ano de governo Tarcísio, o número de
crianças e adolescentes mortos em intervenções policiais cresceu 58% em relação
ao ano anterior, somando 38 assassinatos de menores de 18 anos.
• Mortes por PMs com câmeras aumentam 86%
sob Tarcísio e chegam a 84 em 2023
O total de mortes
cometidas por policiais militares que atuam em batalhões com câmeras corporais
no estado de São Paulo registrou alta de 86% em 2023 --primeiro ano da gestão
Tarcísio de Freitas (Republicanos)- na comparação com 2022.
Os dados, obtidos com
exclusividade pela Folha, mostram que o número de casos segue abaixo do que era
antes da implementação do equipamento. O governador já questionou a eficácia do
dispositivo, mas nesta quarta (22) anunciou um edital para ampliar o programa.
Ele pretende, porém,
alterar significativamente o sistema em vigor, principalmente na forma como a
gravação é feita. Especialistas em segurança pública apontam que o novo modelo
pode trazer prejuízos para futuras investigações, ao deixar sob responsabilidade
dos policiais na rua a ligação do equipamento.
Atualmente, 18
batalhões utilizam as câmeras corporais, que funcionam de maneira ininterrupta,
sem que os agentes precisem ligá-las. Com a mudança proposta por Tarcísio,
caberá ao policial ligar a câmera para que a gravação tenha início. Além disso,
uma central também poderá fazer o acionamento caso ela perceba que o agente na
rua descumpriu o protocolo e não ligou o equipamento.
Os policiais das
unidades que hoje usam o equipamento mataram 84 pessoas no ano passado, ante 45
em 2022 (quando o estado foi comandado pelos então tucanos João Doria e Rodrigo
Garcia). Em 2019, o último ano sem uso de câmeras, foram 261 casos.
O sistema começou a
ser usado em São Paulo em 2020, ainda em fase de testes em três unidades.
Aquele ano registrou o número mais alto da série histórica (desde 2017), com
266 mortes.
A utilização das
câmeras ganhou força a partir de junho de 2021, quando foi ampliado para os
atuais 18 batalhões --naquele ano, a quantidade de mortes caiu para 119.
Os números foram
repassados para a Folha pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que
analisou os dados do Gaesp (Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e
Controle Externo da Atividade Policial) do Ministério Público estadual.
Os dados incluem
apenas as unidades que têm câmeras. São cerca de 10 mil policiais com o
equipamento atualmente, 13% dos 79 mil agentes do estado.
Diretora-executiva do
Fórum, Samira Bueno explica que as unidades que usam o equipamento foram
escolhidas exatamente porque tinham a maior letalidade do estado.
Em 2020 elas foram
responsáveis por 40% do total de mortes cometidas por policiais militares em
serviço. Em 2022, primeiro ano cheio após a implantação das câmeras, a
proporção caiu para 17%. A soma do grupo voltou a crescer no ano passado,
quando chegou a 23%, diz a pesquisadora. Em todo o estado são cerca de 130
batalhões.
"Está muito claro
que o foco do programa, quando foi implementado, era justamente priorizar
aqueles batalhões em que existiam suspeitas de uso indevido da força letal. Em
2021, no meio do ano, o programa começa e você percebe que os números caem sensivelmente".
Entre os 18 quartéis
que utilizam as câmeras desde meados de 2021 está a Rota, tropa de elite da PM
paulista conhecida por sua alta letalidade.
Em 2020, último ano
sem o equipamento, os soldados do batalhão causaram 86 mortes. Em 2022, o
primeiro ano completo com as câmeras, foram 7, número que subiu para 33 casos
no ano passado. De janeiro ao início de maio de 2024, são 24 mortes.
Essa alta pode estar
ligada às operações Escudo e Verão, realizadas pela PM no litoral paulista. As
duas começaram após a morte de soldados da Rota, e a unidade participou de
ambas. Ao menos 84 pessoas foram mortas nas ações, as mais letais da corporação
desde o massacre do Carandiru, em 1992.
O atual secretário de
segurança do estado, Guilherme Derrite, é ex-integrante da Rota. Para Samira do
Fórum, ele e o governador implementaram políticas que levaram ao aumento dos
casos.
"Com a
implementação das câmeras, todos os batalhões tiveram uma redução sensível no
número de mortes por intervenções policiais, sem que isso significasse
ampliação do risco por policial, muito pelo contrário, tanto que caiu o número
de policiais assassinados. E esses números se mantêm, é uma redução muito
expressiva. Até que em 2023 eles voltam a crescer", disse ela. "Isso
revela que a gente já está diante de um desmonte do programa. Com a nova
licitação, a situação tende a piorar."
Samira se refere ao
novo edital para compra de 12 mil câmeras corporais anunciado nesta semana (23)
pelo governo Tarcísio. A ideia é que esses novos equipamentos substituam os que
estão atualmente em uso.
Em nota, Polícia
Militar disse que no novo modelo de câmera operacional todo policial deverá
acionar a câmera durante uma ocorrência. "Quando isso não acontecer o
acionamento se dará remotamente e o policial será responsabilizado".
"Além disso, a
câmera pode ser acessada remotamente e terá um sistema de 'buffer', para
armazenar imagens 90 segundos antes de ser acionada, para que seja possível
registrar toda a ocorrência desde o início".
Além da Rota, outras
unidades da PM que utilizam o sistema de câmeras conseguiram manter a
diminuição da letalidade.
O 28° batalhão, que
cobre parte de Itaquera, na zona leste da capital, passou de 19 mortes em 2020
para 2 casos em 2022 e 1 caso em 2023. Nos três primeiros meses deste ano, 3
pessoas foram mortas por PMs.
Situação Semelhante
ocorre no 38° batalhão, com sede em São Mateus, também no trecho leste da
cidade. Conforme os números tabulados pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública através foram 16 mortes em 2020 ante 1 caso 2022, 1 2023 e 1 até março
deste ano.
No interior do estado,
o 48° batalhão, em Sumaré, na região de Campinas, foi outro a ver desabar o
número de mortos após a chegada das câmeras. Foram 17 mortes em 2020, 2 casos
em 2022 e nenhum em 2023. Neste ano, em três meses, 1 pessoa foi morta pela PM.
Para a secretaria, os
índices de letalidade policial estão ligados diretamente à reação violenta dos
suspeitos ao trabalho policial. "A atual gestão tem combatido de forma
mais efetiva, com treinamento, inteligência e tecnologia, todas as modalidades
criminosas, em especial o crime organizado. A opção do confronto é sempre do
infrator, que coloca em risco a população e os policiais".
Segundo a SSP, todas
ocorrências registradas são rigorosamente investigadas pelas polícias Civil e
Militar, com acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e
Poder Judiciário. "No primeiro trimestre do ano, houve 186 casos de mortes
em confronto com policiais em serviço no estado. O número representa 0,3% do
total de presos e apreendidos em igual período, quando 7.099 suspeitos foram
detidos".
Fonte: Agencia
Pública/FolhaPress
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