“O projeto fundamental da extrema-direita é
defender o privilégio branco ligado aos combustíveis fósseis”, diz escritor
O escritor e professor
publica um novo livro em espanhol: Pele branca, combustível preto. Os
perigos do fascismo fóssil, um ensaio escrito em parceria com
o Coletivo Zetkin e que explora a relação entre o fascismo atual e o
extrativismo de recursos fósseis.
Este professor da Universidade de Lund (Suécia),
temporariamente radicado nos Estados Unidos, é capaz de estabelecer
ligações transcontinentais para examinar um panorama global pouco lisonjeiro
marcado pela crise climática. Elogiado pela própria Naomi Klein, sua voz é uma das mais originais e ousadas do pensamento
ambientalista. Tivemos uma conversa tranquila, abordando também temas que não
estão presentes no seu livro, como Gaza, a mobilização cidadã e as
políticas de Biden, que igualmente o preocupam.
<><> Eis a
entrevista.
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Como surgiu este livro? Por que você o
escreveu?
Moro nos Estados
Unidos e não demorará muitos meses até que Donald Trump seja eleito presidente novamente. Na primeira vez [em
2016], houve um estado de choque entre as pessoas, também entre os
ambientalistas, porque, de repente, tivemos o negacionismo que acreditávamos
fazer parte do passado na Casa Branca. Não era um caso isolado: vimos a
ascensão de partidos semelhantes, negacionistas, na Europa; no Brasil, era presidente o Bolsonaro…
Então, o livro surgiu nessa época, e foi escrito principalmente durante o ano
de 2019. Era uma tentativa de lidar com essas forças políticas de
extrema-direita e a forma como elas negavam a crise climática e faziam de tudo
para promover os combustíveis fósseis.
·
Em seguida começou a pandemia, você fala
disso no livro... Você acredita que a Covid-19 mudou a política em geral, no
sentido de que fez parar movimentos muito visíveis na época como o Fridays for
Future [Juventude pelo Clima na Espanha], ou Extinction Rebellion, e contribuiu
para que a direita se apropriasse de noções como “liberdade” devido ao
confinamento?
A pandemia foi
um desastre total para os movimentos ambientalistas, mas não creio que a culpa
seja exclusivamente dela. Fridays for Future e Extinction Rebellion decidiram que tínhamos que
suspender as nossas atividades e ir para casa. Estas decisões foram tomadas num
momento de comoção e insegurança, e as pessoas pensavam que era impossível sair
às ruas nestas condições. Pois bem, meio ano depois temos o assassinato
de George Floyd e os maiores protestos nos Estados Unidos, assim que,
de fato, a mobilização em massa nas ruas durante a pandemia não era impossível,
mas os ambientalistas talvez não soubessem disso. Tomou-se essa decisão, que
foi, num certo sentido, suicida, porque matou a onda de mobilizações de 2019. E
depois essa energia não foi recuperada, assim que estamos vivendo na esteira da
pandemia, mas não estou totalmente seguro de que
a Covid-19 criou mudanças políticas duradouras nos nossos países. Nos
últimos oito meses, a Palestina está tendo um impacto maior no
cenário político do que a pandemia.
·
A eleição de Trump nas eleições de 2016 foi
um desastre, e há a possibilidade de que volte a ocupar a Casa Branca, mas
houve uma grande decepção em relação a Biden. Poder-se-ia argumentar que o seu
plano climático é um plano de segurança energética: concedeu um grande número
de licenças de extração de petróleo e gás. Não será esta outra forma de
negacionismo?
Sim. Usamos a metáfora
do pêndulo na política estadunidense: entre as medidas aparentemente
progressistas de Obama, depois Trump, depois Biden –
semelhante a Obama –, depois Trump novamente… Os
presidentes democratas, evidentemente, aceitam a ciência das mudanças
climáticas, não são negacionistas nesse sentido, e também apoiaram medidas para
a instalação de energias renováveis e coisas do gênero. O que eles não fizeram
– é a isso que você se refere – foi tentar quebrar o poder da indústria de
combustíveis fósseis e impor algum tipo de limite à extração [de petróleo e
gás].
No livro falamos da
relação entre a governança capitalista e o negacionismo mais duro da
extrema-direita, uma relação antagônica mas também produtiva. Claro, há uma
diferença significativa entre as políticas climáticas de Biden e
de Trump, mas Biden nunca tentou qualquer tipo de controle da
indústria dos combustíveis fósseis. Consequentemente, está aí, mais poderosa do que nunca, e
favorece Donald Trump, porque ele não tem a intenção de fazer nada em
relação à crise climática, pelo que os presidentes republicanos são uma aposta
segura contra qualquer forma de política ambiental. Mas a inutilidade dos
presidentes democratas quando se trata da indústria fóssil é também o que
mantém essa indústria tão bem posicionada e poderosa para recuperar
constantemente o poder político através de um presidente republicano...
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Não sei se leu algumas das declarações recentes de Trump: ele se reuniu com os dirigentes das principais
empresas petrolíferas e disse-lhes: “Se apoiarem [financeiramente] a minha
campanha presidencial, garantirei a vocês que vou eliminar todas as
regulamentações climáticas quando chegar no poder”.
A atitude
de Biden ainda me parece uma espécie de negacionismo. Você sabe que ele está perdendo apoio entre os jovens? Em
parte devido ao conflito em Gaza, mas também devido à sua falta de ação em
relação às mudanças climáticas.
Sim, pode ser
analisado como uma espécie de negação, no sentido de que nega o que deveria ser
feito [em termos climáticos]. E, claro, no que diz respeito a Gaza e
ao genocídio, a negação é extrema.
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No livro você afirma que a migração é um
tema importante nas campanhas da extrema-direita e como ela está relacionada
com a indústria fóssil. As mudanças climáticas estão causando, e vão causar,
milhões de refugiados que virão para os países ocidentais. Não poderiam estes
partidos enfrentar o problema para evitar a onda de refugiados, mesmo que fosse
por razões completamente racistas e xenófobas? Pode explicar melhor a lógica do
seu pensamento?
Na extrema-direita
podemos encontrar alguns ecofascistas que defendem a mesma coisa, que devemos
impedir as mudanças climáticas para que os migrantes não cheguem, mas estas
vozes são marginais. No livro analisamos como o projeto fundamental da
extrema-direita no Norte global é defender os privilégios dos
brancos, e esses privilégios estão profundamente ligados aos combustíveis
fósseis e às tecnologias derivadas. Essa é a prioridade. Penso que o mais
importante na mente da extrema-direita é proteger a sua vida privilegiada,
defender um estilo de vida que é... uma ilha de afluência contra a imigração,
mas também contra qualquer tentativa de colocar em questão os carros, a carne,
etc. Isso significa que a resistência às políticas climáticas domina a sua
agenda.
·
Você pensa que em breve poderemos ter uma
Europa e um Estados Unidos completamente fascistas, governados por regimes
fascistas? Talvez estejamos caminhando nessa direção, uma vez que os partidos
(social)democratas não agem com força e a direita promove ativamente o
capitalismo fóssil, temos uma política de migração bastante dura e, além disso,
tendo como pano de fundo a guerra na Ucrânia...
Penso que há um
movimento que aponta nessa direção, mas não diria que a Europa ou
os Estados Unidos sejam governados por partidos fascistas. Há sempre
a questão da definição exata do fascismo,
quando começa... é um debate complicado. A definição que consideramos no livro
gira em torno da violência em grande escala contra pessoas não brancas e que
está ligada à expansão dos combustíveis fósseis: é o que chamamos de fascismo
fóssil. Não é totalmente impossível chegarmos perto disso durante uma segunda
presidência de Trump.
Por exemplo, ele disse
que será um ditador para que possamos “perfurar, perfurar, perfurar” [poços de
petróleo e gás], que quer deportar 10 milhões de pessoas não brancas e parece
muito mais agressivo do que antes em tudo o que se refere à eliminação das
políticas climáticas e à promoção da extração ilimitada dos combustíveis
fósseis… Claramente, existe uma possibilidade, um risco de desenvolver
políticas raciais e climáticas muito mais brutais do que durante o seu primeiro
mandato. Se as coisas acontecerem assim... quem sabe, seria hora de começar a
falar de fascismo.
Na Europa, as
tendências são similares. Penso que há uma “fascistização”. É útil entender
isso como um processo. Mas é claro que o panorama político europeu é muito
variado. Podemos olhar o caso da Espanha: o PSOE não é
obviamente um partido fascista. Penso que a Espanha não se enquadra
nos padrões de uma extrema-direita mais forte, porque o Vox teve um
desempenho muito fraco nas últimas eleições. Também em relação
à Palestina. Na minha opinião, a Espanha é um dos países menos
loucos da Europa. A Suécia, por exemplo, é terrível e é de fato
governada por um partido que ataca os não brancos e está determinado a destruir
quaisquer medidas climáticas.
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No livro você fala sobre o “aparato
ideológico do Estado” no sentido do filósofo Louis Althusser, e o relaciona com
o negacionismo inicial de algumas empresas e governos (“a mudança climática não
existe”), que mais tarde se transformou no greenswashing. Em que ponto estamos
agora em relação às estratégias de comunicação que têm a ver com o clima, tendo
em conta que vivemos na era do algoritmo? Já pensou em como impedir a
desinformação provocada, por exemplo, por bots?
Não. Outras pessoas
pesquisaram como os bots podem ajudar a disseminar as mensagens da
extrema-direita, e você está certo ao dizer que as redes sociais aceleraram a
disseminação de mentiras. Mas não acredito que a principal estratégia de
comunicação das companhias petrolíferas neste momento seja negar as mudanças
climáticas; penso que se trata da captura de carbono, ou seja, dizer: “estamos pesquisando estas tecnologias, somos
parte da solução” e, possivelmente, mostrar que podemos continuar com o
petróleo e o gás porque existem mecanismos para reduzir o CO2. A ExxonMobil, por exemplo, era inicialmente uma empresa negacionista e agora
diz que o Santo Graal é a captura de carbono. Trata-se de uma estratégia de
comunicação, porque não estão investindo muito dinheiro e é extremamente
duvidoso que a captura de carbono funcione em grande escala. Mas o que estão
fazendo é criar uma imagem de si mesmas como empresas que apoiam os esforços
para remover o CO2 da atmosfera. Isso é uma forma de negacionismo, de mentira.
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Você explica que o amor pela natureza
sempre esteve presente no fascismo tradicional. Pergunto-me se isto pode ser
transformado para implementar regulamentações climáticas ou mesmo para
desmantelar o ecofascismo a partir de dentro.
Hmm… Acho que as
poucas tendências ecofascistas que existiam quando eu estava escrevendo este
livro [2019] perderam força de lá para cá. O ecofascismo foi uma tentativa da extrema-direita de
responder ao interesse climático dos jovens, mas esse interesse é silenciado
por diferentes razões. Por exemplo, desde o início da guerra na Palestina,
ocupa um lugar secundário na política; o foco está na Palestina. O
ecofascismo existe, mas é muito fraco, e eu não diria que tenha qualquer
potencial para fazer algo de bom em relação às emissões ou à destruição
ambiental em geral, porque ataca os não brancos como (em teoria) a origem do
problema! A ideia de que a deportação da população muçulmana
da França melhorará a situação climática é absurda. Não vai melhorar
nada, seria um crime horrível! Deveríamos estar totalmente vigilantes e hostis
ao ecofascismo.
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Acho que me expressei mal. Tenho notado
ligeiras conexões entre grupos ambientalistas de esquerda e pessoas de direita
que têm a ver com a preservação da natureza, o amor à terra, o cultivo do seu
próprio jardim...
Sim, há pontos de
convergência, semelhanças, sobretudo relacionados com o local: mudo-me para o
campo e protejo meu sítio, e mantenho-o limpo e sustentável... O que fazemos no
livro é precisamente alertar contra essa retórica fascista. Queremos
sensibilizar o movimento ambientalista para esta corrente política com a qual
não devemos ter qualquer contato ou convergência retórica. Mas ainda é possível
encontrar, nas periferias do movimento ambientalista, pessoas que pensam que a
superpopulação é a origem do problema.
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Para concluir, como acha que os cidadãos
deveriam se mobilizar para evitar o pior? Já que se concentra nos partidos
políticos e empresas… o que as pessoas comuns deveriam fazer?
Deveríamos recuperar
as ações do movimento climático que existia em 2019, algo similar mas em grande
escala, e com maior diversidade de táticas. Neste momento está tudo muito
calmo, mas os desastres climáticos vão atingir-nos num futuro próximo, na Espanha,
na Suécia, acontece o tempo todo no Sul global... Em algum momento
teremos que responder com uma luta massiva, porque obviamente as classes
dominantes e os governos não vão fazer nada a respeito, não por vontade
própria. As pessoas comuns, infelizmente, têm uma grande responsabilidade e uma
grande missão histórica pela frente.
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Talvez os protestos a favor de Gaza sejam
um bom sinal. Ver esses estudantes mobilizados não lhe dá esperança?
Sim, é fantástico,
embora não tenha muito a ver com o clima, mas eu mesmo estou muito empenhado
nesta causa [da Palestina].
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Mas tem a ver com a proteção da vida, com
não permitir certas injustiças, com romper com as gerações anteriores em muitos
aspectos, é antirracista...
Sim, sim. Existem
muitos vínculos com o clima e, claro, as vozes contra o genocídio
na Palestina expressam que não pode ser normal que dezenas de
milhares de pessoas sejam mortas apenas porque não são brancas, apenas porque
são pessoas pobres vivendo em Gaza, e sabe, isto tem implicações em
relação à crise climática, que é uma máquina planetária de matar pessoas não
brancas e normalizar a sua morte. Claro que esse movimento é promissor, tomara
que cresça.
Fonte: Entrevista com
Andreas Malm, para Azahara Palomeque, em La Marea/Climática - tradução do
Cepat, em IHU
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