De grampos contra Dilma a boicotes, os
fatos que marcaram os 200 anos da relação Brasil-EUA
Mais de dois anos após
a independência do Brasil do Reino Unido de Portugal, os Estados Unidos
reconheciam o país como uma nação soberana, em 1824, e eram inaugurados os
laços políticos, econômicos e culturais que completaram dois séculos neste
domingo (26). Porém, as relações nem sempre foram marcadas por amistosidade e
parceria.
Segundo principal
destino das exportações brasileiras, atrás da China, e terceiro maior parceiro
econômico, os Estados Unidos e o Brasil comemoram 200 anos de relações
diplomáticas neste 26 de maio de 2024. Em comemoração à data, os países vão
elaborar um mapeamento inédito sobre comércio bilateral e investimentos que
envolvem as duas maiores economias das Américas. Ao ultrapassar o produto
interno bruto (PIB) do Canadá no ano passado, o Brasil retomou a segunda
posição na região.
Durante o século XIX,
com predomínio do período imperial brasileiro, até 1889 a política externa dos
dois países foi marcada mais por divergências do que por aproximações. Enquanto
os Estados Unidos adotavam um sistema republicano, o Brasil manteve a monarquia
e, com isso, era mais próximo da Europa.
Mesmo assim,
Washington já se envolvia diretamente em revoltas republicanas no país, como a
Farroupilha e a Balaiada, com o objetivo de implantar seus ideais na jovem
nação. Mas foram justamente as questões econômicas que viraram a chave da
parceria. Depois que o território brasileiro se tornou o maior produtor de café
do mundo, houve uma forte aproximação, que se manteve firme até 1865, no fim da
guerra civil norte-americana, quando o Brasil perdia seu principal aliado
escravocrata no continente.
·
Qual a relação entre o Brasil e os EUA?
Passados os primeiros
anos após o fim da monarquia brasileira, a jovem república, sob a figura do
então ministro das Relações Exteriores José Maria da Silva Paranhos Júnior, o
Barão do Rio Branco, uma nova política externa brasileira foi estabelecida. Apesar
de não se configurar como um "alinhamento automático" com os EUA, o
país passou a ser visto na América do Sul como um guardião da Doutrina Monroe.
Já na Era Vargas, em
que o mundo vivia os impactos do colapso da Bolsa de Nova York em 1929 e a Grande
Depressão, houve uma tentativa brasileira de independência econômica e busca
pelo maior desenvolvimento social, o que gerou afastamento dos EUA até anos
antes do início da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, a política externa
brasileira ficou conhecida como "jogo duplo".
·
Por que os Estados Unidos apoiaram a
ditadura no Brasil?
Em um contexto de
Guerra Fria entre EUA e União Soviética, a interferência norte-americana no
Brasil chegou a tal ponto que Washington foi responsável por um dos períodos
mais turbulentos da história recente: o golpe que levou à ditadura militar
brasileira.
No fim da década de
1950, o governo americano contribuiu com o financiamento do Instituto
Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), entidade anticomunista, ligada à Agência
Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês), que ajudou a consolidar uma
bancada de deputados conservadores.
Paralelamente à
atuação norte-americana, as políticas do então presidente João Goulart
(1961–1964) — voltadas para a nacionalização da indústria de petróleo, reforma
agrária e reforma trabalhista, colocadas pela elite brasileira como um caminho
inicial para "implantar o comunismo no país" — foram usadas como
massa de manobra para grandes manifestações tomarem conta das ruas, como a
Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que em março de 1964 reuniu entre
300 mil e 500 mil pessoas em São Paulo. Tudo levava a um cenário ideal para a
tomada do poder pelos militares apoiados pelos EUA, golpe que se concretizou no
final daquele mesmo mês.
Até 1976 houve apoio
quase incondicional dos norte-americanos a Brasília, quando o então governo do
general Ernesto Geisel tentou buscar maior autonomia em relação aos EUA. Foi
justamente nessa época que o Brasil estabeleceu relações diplomáticas com a China
e até iniciou negociações com o Iraque de Saddam Hussein para o desenvolvimento
conjunto de armas atômicas, o que levou a um quase rompimento diplomático.
Pouco anos depois, em 1984, acabava a ditadura militar.
·
Boicote ao programa espacial brasileiro
Já na década de 1990,
com o novo rumo democrático do Brasil, telegramas confidenciais do Itamaraty
mostraram o boicote dos Estados Unidos ao programa espacial brasileiro, com a
realização de embargos tecnológicos que impediram o país a comprar equipamentos
essenciais para conduzir o projeto. Um dos efeitos foi o atraso na entrega do
Veículo Lançador de Satélites (VLS), que deveria ter ficado pronto em 1989 e só
fez o primeiro teste em 1997.
Parte da comunicação
entre a diplomacia dos dois países na época, em que o Brasil demonstrava
"estranheza e preocupação" com os constantes boicotes, foi divulgada
pelo WikiLeaks já em 2010, revelando manobras norte-americanas para afetar o
programa espacial brasileiro até 2009.
EUA pressionaram por
saída de brasileiro na OPAQ para conseguir atacar o Iraque
Começava um novo
século e, junto com ele, nos anos 2000, o interesse do então governo do
republicano George W. Bush de iniciar uma guerra contra o Iraque, presidido por
Saddam Hussein. Na época, a justificativa para a ação militar era a suposta
presença de armas de destruição em massa que poderiam ser usadas por grupos
terroristas. Porém, havia uma forte rejeição da teoria justamente por um
brasileiro: o embaixador José Maurício Bustani, que dirigia a Organização para
a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), principal órgão internacional destinado a
evitar a proliferação de armas nucleares, químicas, bacteriológicas e mísseis.
Sob o diretor
brasileiro, entre 1997 e 2002, a entidade ganhou força, reduziu em 15% a
quantidade de armas químicas, realizou cerca de 1,1 mil inspeções e fez o
número de membros saltar de 87 para 145. Pouco antes da tentativa de os Estados
Unidos invadirem o Iraque, Bustani estava prestes a fechar a adesão de Bagdá à
OPAQ. Com isso, o país seria inspecionado e a justificativa do presidente Bush
para a guerra cairia por terra.
Foi nisso que veio a
reação da diplomacia norte-americana, que pressionou o governo do então
presidente Fernando Henrique Cardoso (1995–2022) a fazer Bustani renunciar ao
cargo. Passados mais de 20 anos, o ex-embaixador disse sofrer por não ter
evitado a guerra, que nunca levou ao encontro das alegadas armas químicas, e
confirmou que foi demitido do cargo após intenso lobby norte-americano.
·
Grampo contra a ex-presidente Dilma
Outra revelação do
site WikiLeaks foi a espionagem realizada pela Agência Nacional de Segurança
(NSA, na sigla em inglês) no período em que a ex-presidente Dilma Rousseff
(2011–2016) esteve no poder. Ao todo, 29 telefonemas da própria presidente,
além de ministros, diplomatas e assessores, foram grampeados pelos Estados
Unidos.
Um dos números
telefônicos monitorados foi o usado a bordo do avião presidencial, em que Dilma
se comunicava durante as viagens internacionais. Inclusive o então
ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general José Elito
Siqueira, que era responsável pela segurança presidencial, foi um dos
monitorados pelo governo de Barack Obama (2009–2017). Ainda foram instalados
grampos em embaixadas, residências de diplomatas e até no Banco Central.
Os documentos
sigilosos foram vazados pelo ex-servidor da NSA Edward Snowden e também apontam
que e-mails de Dilma Rousseff foram interceptados. Anos depois, a ex-presidente
sofreu um processo de impeachment e acabou sendo afastada do cargo, época que
também levou o Brasil a uma grave crise econômica.
·
EUA usaram a Lava Jato para fins políticos?
Quase na mesma época
da revelação dos grampos contra o governo Dilma, começava no Brasil a operação
Lava Jato, que tinha o objetivo de investigar esquemas de corrupção entre
políticos, empreiteiras e a maior empresa do país, a Petrobras. Ao longo de 79
fases e quase sete anos, a Lava Jato realizou o cumprimento de mais de mil
mandados de busca e apreensão, além de ordens de prisão temporária, prisão
preventiva e condução coercitiva, e colocou um ex-presidente atrás das grades:
Luiz Inácio Lula da Silva, que posteriormente teve a condenação revertida e foi
constatada a parcialidade do então juiz Sergio Moro no processo judicial.
Somado a isso, o Brasil também viu a rota de crescimento inverter, quando o PIB
chegou a cair 3,5% ao longo de dois anos.
Com isso, o país viveu
uma recessão, saindo de 6ª para a 15ª economia do mundo, e viu ruir as maiores
empresas brasileiras que até então se consolidavam mundo afora. E foi
justamente o Departamento de Justiça dos Estados Unidos que se articulou
diretamente com juízes e agentes do sistema judiciário do Paraná, com denúncias
de que inclusive teriam sido instruídos pelo órgão norte-americano na época.
·
Recuo após apoio público na OCDE
Nos anos do governo do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que em grande parte coincidiu com a gestão
de Donald Trump nos EUA, os dois países estiveram próximos, pelo menos em
afagos públicos entre os dois líderes. Durante a visita de Bolsonaro ao país em
2019, Trump chegou a declarar apoio à tentativa do governo brasileiro de
ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
o chamado clube dos países ricos. Em troca do aval norte-americano, Brasília
inclusive abriu mão do status de país em desenvolvimento na Organização Mundial
do Comércio (OMC), que garantia melhores condições na entidade.
Bastaram alguns meses
para o governo Trump mudar de posicionamento: em agosto do mesmo ano, o então
secretário de Estado dos EUA, Michael Pompeo, disse que o país endossava as
candidaturas à OCDE apenas da Argentina e Romênia, um balde de água fria às intenções
brasileiras.
'Vítima de bloqueio
tecnológico'
Já em abril deste ano,
o secretário executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luis
Manuel Rebelo Fernandes, chegou a avaliar à Sputnik Brasil que os Estados
Unidos têm impedido o Brasil de se desenvolver tecnologicamente.
"Talvez o caso
mais exemplar seja o programa de enriquecimento do urânio, o nosso programa
nuclear, que por pressão dos Estados Unidos foi bloqueada uma transferência de
tecnologia da Alemanha", declarou à época.
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'Vergonha do ano':
Zakharova ironiza fala de Biden sobre os EUA serem uma 'nação indispensável'
Em discurso,
presidente americano classificou os EUA como "a única superpotência do
mundo". Zakharova diz que o presidente americano não citou a dívida
pública dos EUA, que já ultrapassa US$ 34 trilhões (R$ 167,2 trilhões).
A representante
oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova,
ironizou neste sábado (25) um discurso do presidente americano, Joe Biden, que
classificou os Estados Unidos como uma "nação indispensável".
O discurso foi feito
em celebração à formatura de cadetes da Academia Militar dos EUA em West Point,
em Nova York.
Biden elogiou a
atuação dos EUA no Oriente Médio e disse que está conduzindo uma
"diplomacia urgente" para garantir um cessar-fogo na Faixa de Gaza e
trazer de volta para Israel os reféns levados para o enclave palestino pelo
grupo Hamas.
"Graças às Forças
Armadas americanas, estamos fazendo o que só os Estados Unidos podem fazer como
nação indispensável, a única superpotência do mundo", disse Biden.
O chefe de Estado
norte-americano também elogiou a Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN) e disse que "nenhum país tem aliados como os nossos".
"Nunca se esqueça
que os americanos são mais fortes quando lideramos não apenas pelo exemplo do
nosso poder, mas pelo poder do nosso exemplo", disse Biden.
Posteriormente, em uma
postagem no Telegram, Zakharova comentou as declarações de Biden, e destacou o
fato de que o presidente americano não mencionou a dívida nacional dos EUA, que
em fevereiro, pela primeira vez na história, ultrapassou US$ 34 trilhões (R$
167,2 trilhões).
"Biden: 'Como
nação indispensável, a única superpotência do mundo e a principal democracia do
mundo.....os EUA são mais fortes quando lideramos não apenas pelo exemplo da
nossa força, mas pelo poder do nosso exemplo.' Vergonha do ano. Por alguma razão,
nenhuma menção foi feita à imprensa e à dívida nacional. Mas o engraçado é que,
em 1912, o candidato presidencial democrata Woodrow Wilson disse em um discurso
de campanha que 'ninguém é insubstituível'. Wilson venceu a eleição."
Fonte: Sputnik Brasil
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