Rússia x
EUA: a escalada da guerra na Ucrânia e o risco de um conflito global
A
atual guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, ganhou uma
nova dimensão global nas últimas semanas e, mais uma vez, se tornou motivo de
preocupação para a comunidade internacional.
Na
última quinta-feira, 21, a Rússia disparou um míssil balístico de alcance
intermediário, – classificado como “experimental” – contra a cidade
de Dnipro, na Ucrânia. De acordo com autoridades do país, o projétil
não era nuclear e deixou duas pessoas feridas, além de várias construções
danificadas. É a primeira vez que esse tipo de armamento é utilizado por tropas
russas, que o batizaram de Oreshnik (nome da árvore que produz
avelã).
Por
meio de um comunicado, a Diretoria Principal de Inteligência da Ucrânia
(HUR) afirmou que o míssil hipersônico voou por 15 minutos e atingiu
velocidade máxima de 13 mil km/h. O lançamento foi feito da região russa de
Astracã e, por se tratar de uma arma de médio alcance, pode atingir alvos em um
intervalo de 3.000 a 5.500 km. Para ser categorizado como intercontinental, o
projétil deve chegar em pontos a mais de 5.500 km.
O
“teste” acontece dois dias após o conflito completar 1000 dias e quatro depois
do governo dos Estados Unidos autorizar a Ucrânia a usar armas americanas de
longo alcance em território russo. Por muito tempo, existiu um receio em
flexibilizar a utilização dos recursos bélicos estadunidenses – justamente pelo
risco da decisão escalar o conflito para além das fronteiras ucranianas.
As palavras do presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante vídeo oficial, comprovam o teor global da disputa.
“Consideramos
que temos o direito de usar nossas armas contra as instalações militares
daqueles países que permitem que suas armas sejam usadas contra as nossas”. […]
Um conflito regional na Ucrânia, anteriormente provocado pelo Ocidente,
adquiriu elementos de caráter global”, afirmou Putin.
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A decisão de Biden
O
atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, utilizou seus últimos
meses de comando executivo para aumentar as apostas sobre a guerra entre Rússia
e Ucrânia. No último domingo, 17, o democrata permitiu que armas americanas
sejam utilizadas pela Ucrânia no conflito contra a Rússia.
Por
meio de um vídeo no Telegram, o presidente ucraniano Volodymyr
Zelensky reagiu à notícia.
“Ataques
não são feitos com palavras. Essas coisas não se anunciam. Os mísseis falarão
por si mesmos”, disse.
Os
mísseis autorizados são do modelo ATACMS – sigla que significa Army
Tactical Missile Systems (Sistemas de Mísseis Táticos do Exército dos EUA). O
recurso bélico tem quatro metros de altura e pode atingir alvos de até 300 Km
de distância. O armamento já era usado anteriormente, mas apenas para atacar
tropas russas dentro do próprio território ucraniano.
Além
do aval estadunidense, a Ucrânia recebeu autorização do Reino Unido para
empregar mísseis “Storm Shadow” contra a Rússia. Produzidos para destruir alvos
grandes e imóveis, as armas chegam a distâncias de 250 Km.
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O fator Coreia do
Norte
Segundo
informações do jornal “The New York Times”, a decisão de Joe Biden relativa aos
mísseis partiu de uma denúncia de Kiev sobre a presença de tropas
norte-coreanas lutando ao lado das forças russas.
A
Coreia do Norte teria mandado 10 mil soldados para a região russa de Kursk, a
fim de auxiliar o país de Putin no conflito. A área, que tem sido alvo de
ofensivas ucranianas desde agosto deste ano, já conta com a presença de tropas
de Kiev ocupando uma parcela do território.
A
ação foi encarada de forma negativa pelo governo americano, que garantiu uma
resposta incisiva. No dia 13 de novembro, o secretário de Estado, Antony
Blinken, manifestou insatisfação com a campanha da Coreia do Norte após uma
reunião com o secretário-geral da OTAN.
“Tivemos
uma reunião sobre o apoio à Ucrânia e este novo elemento de tropas da Coreia do
Norte agora quase literalmente no combate. Isso exige e terá uma resposta
firme”, declarou Blinken.
·
O que pode acontecer
Apesar
de não nuclear, o míssil russo, ainda em fase de testes, tem a capacidade de
transportar múltiplas ogivas nucleares. A ameaça de um conflito nuclear global
tomou, novamente, a atenção dos debates internacionais. Por ter alcance de 5000
Km, o armamento teria como atingir a maior parte da Europa e a costa Oeste
dos EUA.
De
acordo com Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper, o
atual conflito segue uma lógica semelhante ao que acontecia na Guerra
Fria – com duas potências (Estados Unidos e Rússia) disputando poder
majoritariamente fora de seus territórios. Ou seja, os países oferecem
patrocínio de forças e estados, deslocamento de tropas e apoio logístico em
caráter limitado, mas não entram em confronto direto com o adversário.
O
míssil disparado pela Rússia, inclusive, que é conhecido como Veículo de
Reentrada Múltipla Independente para Alvo (MIRV), foi desenvolvido durante a
época da Guerra Fria. É provável que esta seja a primeira vez que a arma tenha
sido usada em “combate”.
Essa
característica qualificaria a ação bélica de Vladimir Putin como uma atitude
mais estratégica do que militar – com objetivo de “manter a narrativa de que a
Rússia pode escalar para uma guerra nuclear, que agrada ao povo russo”,
afirma Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM.
Especialistas
classificam o ataque como um “recado” ao Ocidente, já que afirma o poder da
Rússia de retaliar quaisquer ataques feitos ao seu território, tal como
alcançar qualquer uma das potências que der suporte à Ucrânia.
“O
que pode acontecer é um recrudescimento das tensões globais, porque cada lado a
gente tem apostas importantes em armamentos mais pesados. Então isso pode
causar uma corrida armamentista, pelo menos em escala regional, o que pode
custar mais vidas e prolongar ainda mais os conflitos ou o território de
operações dentro da Ucrânia”, argumenta Consentino.
Segundo
Gunther Rudzit, a Rússia tende a usar mais mísseis contra alvos estratégicos,
como infraestrutura de energia, comando militar e empresas de equipamentos
militares. Por outro lado, visões mais otimistas afirmam que a situação
configura um apelo a armas de natureza mais amplas, o que pode acelerar, de
alguma forma, a busca de um acordo de paz.
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Mudanças com a posse
de Trump
Com
a recente eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados
Unidos, a postura americana em relação à guerra na Ucrânia – e outros conflitos
– tende a mudar.
Em
diversas ocasiões, Trump criticou a exagerada ajuda econômica e militar do
governo Biden à Ucrânia e prometeu que iria acabar com o
confronto. Autoridades russas já afirmaram que Vladimir Putin estaria
aberto a negociar um cessar-fogo em solo ucraniano com o novo presidente
estadunidense – embora rejeite grandes concessões territoriais, além de se opor
à adesão de Kiev à Otan.
Paulo
Bittencourt, pesquisador de ciência política da USP, também destaca que os
interesse internos americanos costumam contar mais nas decisões políticas,
citando como exemplo o senador republicano Marco Rubio.
“Marco
Rubio, enquanto senador dos EUA, apesar de se dizer um apoiador da Ucrânia,
pertence a um grupo de senadores que votou contra o envio de um pacote de ajuda
para a Ucrânia, para Israel e para Taiwan – apontando que questões domésticas
dos Estados Unidos tinham prioridade e deveriam receber esses investimentos. De
acordo com uma parte dos políticos americanos, esses investimentos não deviam
ir para guerras no exterior, mas sim para os problemas domésticos dos Estados
Unidos.”
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Autorizar Kiev a usar
mísseis europeus em ataques à Rússia é insano, diz político francês
Para
o líder nacionalista francês Florian Philippot, a medida cogitada por Reino
Unido e França visa semear o caos antes da posse de Donald Trump nos EUA.
O
governo do Reino Unido deu indícios de que pretende seguir a decisão do
presidente dos EUA, Joe Biden, e autorizar a Ucrânia a usar o míssil Storm
Shadow, de fabricação franco-britânica, em ataques contra o território da
Rússia, o que aumenta o envolvimento do país no conflito ucraniano.
A
informação foi veiculada por meios de comunicação ocidentais, que afirmam que a
França também cogita a medida. Em especial, o ministro das Relações Exteriores
francês, Jean-Noël Barrot, afirmou à BBC que a partir de uma lógica de defesa
"legítima" a França concorda com a utilização de mísseis Scalp (nome
francês para o Storm Shadow) para atacar o território da Federação da Rússia.
Em
entrevista à Sputnik, Florian Philippot, líder do partido francês Os Patriotas,
afirmou que um eventual uso de mísseis europeus de longo alcance no conflito
ucraniano é "irresponsável e insano", pois levaria a uma Terceira
Guerra Mundial.
Segundo
Philippot, a eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA espalhou o
pânico na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na União Europeia e
entre os "falcões de guerra" dos EUA, o que explica por que Paris
pode autorizar o uso de armas de longo alcance francesas para ataques ao
território russo.
O
político francês afirmou que algumas pessoas querem semear o caos antes da
posse de Trump, marcada para 20 de janeiro.
"Algumas
pessoas querem pavimentar um caminho irreversível para uma Terceira Guerra
Mundial. É completamente irresponsável e louco. Corresponde aos seus planos de
guerra, mas não aos nossos interesses e não ao que o povo quer", disse o
político francês.
Philippot
afirmou ainda que o partido Os Patriotas vai organizar uma manifestação pela
paz em Paris em 1º de dezembro.
Basta
abrir um livro de geografia
Para
Nikola Mirkovic, ensaísta franco-sérvio, as observações do ministro das
Relações Exteriores francês são "extremamente sérias e perigosas" e
"colocam lenha no fogo".
"A
França já está envolvida nesta guerra, porque treina soldados, fornece ajuda à
Ucrânia, oferece assistência estratégica, inteligência, bem como ajuda
financeira e militar. Mas esse é um nível ainda mais elevado", sublinha o
especialista.
No
entanto, se Jean-Noël Barrot "tivesse aberto um livro de geografia, teria
visto que a Rússia faz parte da Europa e que, portanto, é do interesse dos
europeus que essa guerra acabe", considera Mirkovic.
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Biden corre contra o
tempo para dificultar ações de Trump no conflito ucraniano, diz especialista
A
autorização do presidente Joe Biden de uso de armamentos estadunidenses para
atacar o interior da Rússia não foi a única ação da Casa Branca para escalar o
conflito ucraniano. Especialistas entrevistados pela Sputnik Brasil são
unânimes em afirmar que Biden está tentando influenciar ao máximo as futuras
ações de Trump.
No
dia 17 de novembro, dia da sua visita a Manaus, o New York Times noticiou que o
presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, autorizou o uso dos mísseis
balísticos ATACMS (Sistema de Mísseis Táticos do Exército, em inglês) para
ataques no interior da Rússia.
Já
no dia seguinte, 18 de novembro, as forças ucranianas dispararam o armamento
contra a região russa de Bryansk, sendo abatidos pelo sistema de defesa área
S-400. Os mísseis não podem ser usados por outras tropas que não as
norte-americanas, detalhou o chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, sendo um claro
sinal de que "os EUA querem escalar o conflito".
A
autorização de Biden estimulou Londres e Paris a também autorizarem o disparo
de seus mísseis balísticos, o desenvolvimento conjunto Storm Shadow/Scalp, no
interior da Rússia.
Em
19 de novembro, a Casa Branca anunciou o envio de minas terrestres antipessoal
para a Ucrânia, informou o Washington Post. O equipamento é proibido em mais de
160 países devido ao risco que representa à população civil.
O
fortalecimento da ajuda à Ucrânia não para por aí. A Bloomberg anunciou na
quinta-feira (21) que Biden quer perdoar US$ 4,65 bilhões (R$ 27 bilhões) da
dívida de Kiev, que totaliza US$ 9 bilhões (R$ 52 bilhões) dentro do pacote de
financiamento de US$ 60 bilhões (R$ 346,9 bilhões) aprovado pelo Congresso
norte-americano em abril.
"Muito
provavelmente, a vitória de Trump foi um dos elementos principais para que o
governo Biden tenha acelerado a tomada dessas decisões", disse à
reportagem Getúlio Alves de Almeida Neto, integrante do Centro de Investigação
em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE).
O
recém-eleito novamente à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu
acabar com o conflito o mais rápido possível. Segundo futuro assessor da Casa
Branca em matérias de segurança Mike Waltz, o futuro presidente quer iniciar as
tratativas para um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia já durante o
período de transição.
Aliado
a essa perspectiva, Trump contará com uma Câmara de Deputados e um Senado de
maioria republicana.
"Isso
faz com que o governo Biden tenha decidido correr contra o tempo para
impulsionar o auxílio à Ucrânia e dificultar o espaço de manobra do governo
Trump."
A
professora de relações internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Bárbara Motta, no entanto, vê com outros olhos a situação. Para a pesquisadora
de política externa norte-americana, Biden quer "dar fôlego renovado para
as ações ofensivas da Ucrânia e, com sorte, alterar a situação das forças em
solo".
Desse
modo, quando Trump assumir e colocar sua política de acordo em ação, Zelensky
estaria em condições de negociar melhores termos.
"Seria
uma forma de preparar o terreno para uma condução do que poderia vir a ser essa
negociação com Trump na presidência."
As
ações de Biden, contudo, dificilmente se mostram populares tanto em casa quanto
no exterior. Alemanha e Itália declararam que não seguiriam o mesmo caminho de
seus colegas europeus. A recusa de Olaf Scholz, chanceler alemão, é
especialmente significativa uma vez que os mísseis Taurus do país possuem um
alcance de 500 km, frente aos 300 km do ATACMS e 250 km do Storm Shadow.
"Trata-se
de uma percepção", diz o pesquisador, "de que o conflito poderia se
espalhar por toda a Europa e, portanto, o receio de se ver envolvido em meio a
essa eventual guerra em seus territórios", afirma Almeida Neto.
<><>
Que solução Trump traria?
A
insularidade europeia do conflito é algo que, segundo Motta, Trump exploraria
para retirar seu país do confronto. O governo Biden apresentou a operação
militar especial russa como uma "agressão ao Ocidente" e, portanto,
também aos Estados Unidos.
"O
que imagino que Trump fará é apresentar o conflito como um problema europeu e,
por isso, exige maior empenho dos países da Europa", explica a professora,
que lembra que o auxílio militar e financeiro à Ucrânia se tornou impopular na
medida que "a situação econômica da classe média não responde mais às
mesmas expectativas de crescimento".
O
Partido Republicano, de modo geral, tampouco enxerga os conflitos em Donbass
como "uma ameaça aos Estados Unidos".
Desse
modo, Motta acredita que uma das primeiras ações que Trump tomará será a
redução, ou até mesmo o fim, dos auxílios à Kiev, algo que muitos observadores
afirmam que significará o fim para a Ucrânia.
O
presidente da Rússia, Vladimir Putin, já expôs as condições russas para o fim
do conflito, como o reconhecimento dos territórios russos de Lugansk, Donetsk,
Kherson e Zaporozhie, o fim de todas as sanções à economia russa e a manutenção
do status neutro e não nuclear da Ucrânia.
Trump,
que já demonstrou em seu primeiro mandato não se importar tanto com a defesa de
seus aliados da Organização do Tratado do Norte Atlântico (OTAN), pode
justamente colocar na mesa o "fim das conversas de adesão da Ucrânia à
OTAN" como um "primeiro passo para uma solução política para o
conflito", afirma Almeida Neto.
<><> Pentágono diz que não compartilha detalhes
sobre quando minas terrestres dos EUA chegarão à Ucrânia
Os
Estados Unidos não fornecem detalhes relacionados às entregas de minas
terrestres para a Ucrânia, disse a porta-voz do Pentágono, Sabrina Singh, nesta
segunda-feira (25).
"Como
na maioria dos equipamentos, não anunciamos quando eles chegam ao país.
Deixaremos os ucranianos falarem sobre isso, então não tenho uma data de
entrega para vocês anunciarem", disse a porta-voz aos repórteres.
Quando
pressionada sobre se essas minas terrestres já haviam chegado, Singh ressaltou
que não tinha mais nada a dizer sobre o assunto.
Na
semana passada, dois oficiais dos EUA disseram ao The Washington Post que o
presidente dos EUA, Joe Biden, havia aprovado o envio de minas antipessoais
para a Ucrânia. A medida supostamente ocorre enquanto o governo dos EUA tenta
ajudar Kiev a conter o avanço das forças russas.
Em
1997, foi aberta a assinatura em Ottawa para aderir a Convenção sobre a
Proibição de Minas Antipessoal. Até agora, 164 países ao redor do mundo
aderiram à convenção. Os Estados Unidos, a China e a Rússia estão entre as
nações que não são partes do tratado.
A
Rússia tem dito repetidamente que o fornecimento de armas para a Ucrânia
dificulta a solução do conflito e envolve diretamente os países da OTAN na
disputa. O Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, alertou
que qualquer carga contendo armas para a Ucrânia será um alvo legítimo para a
Rússia.
Fonte:
IstoÉ/Sputnik Brasil
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