quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Rússia x EUA: a escalada da guerra na Ucrânia e o risco de um conflito global

A atual guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, ganhou uma nova dimensão global nas últimas semanas e, mais uma vez, se tornou motivo de preocupação para a comunidade internacional.

Na última quinta-feira, 21, a Rússia disparou um míssil balístico de alcance intermediário, – classificado como “experimental” – contra a cidade de Dnipro, na Ucrânia. De acordo com autoridades do país, o projétil não era nuclear e deixou duas pessoas feridas, além de várias construções danificadas. É a primeira vez que esse tipo de armamento é utilizado por tropas russas, que o batizaram de Oreshnik (nome da árvore que produz avelã).

Por meio de um comunicado, a Diretoria Principal de Inteligência da Ucrânia (HUR) afirmou que o míssil hipersônico voou por 15 minutos e atingiu velocidade máxima de 13 mil km/h. O lançamento foi feito da região russa de Astracã e, por se tratar de uma arma de médio alcance, pode atingir alvos em um intervalo de 3.000 a 5.500 km. Para ser categorizado como intercontinental, o projétil deve chegar em pontos a mais de 5.500 km.

O “teste” acontece dois dias após o conflito completar 1000 dias e quatro depois do governo dos Estados Unidos autorizar a Ucrânia a usar armas americanas de longo alcance em território russo. Por muito tempo, existiu um receio em flexibilizar a utilização dos recursos bélicos estadunidenses – justamente pelo risco da decisão escalar o conflito para além das fronteiras ucranianas.

As palavras do presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante vídeo oficial, comprovam o teor global da disputa.

“Consideramos que temos o direito de usar nossas armas contra as instalações militares daqueles países que permitem que suas armas sejam usadas contra as nossas”. […] Um conflito regional na Ucrânia, anteriormente provocado pelo Ocidente, adquiriu elementos de caráter global”, afirmou Putin.

·        A decisão de Biden

O atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, utilizou seus últimos meses de comando executivo para aumentar as apostas sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia. No último domingo, 17, o democrata permitiu que armas americanas sejam utilizadas pela Ucrânia no conflito contra a Rússia.

Por meio de um vídeo no Telegram, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky reagiu à notícia.

“Ataques não são feitos com palavras. Essas coisas não se anunciam. Os mísseis falarão por si mesmos”, disse.

Os mísseis autorizados são do modelo ATACMS – sigla que significa Army Tactical Missile Systems (Sistemas de Mísseis Táticos do Exército dos EUA). O recurso bélico tem quatro metros de altura e pode atingir alvos de até 300 Km de distância. O armamento já era usado anteriormente, mas apenas para atacar tropas russas dentro do próprio território ucraniano.

Além do aval estadunidense, a Ucrânia recebeu autorização do Reino Unido para empregar mísseis “Storm Shadow” contra a Rússia. Produzidos para destruir alvos grandes e imóveis, as armas chegam a distâncias de 250 Km.

·        O fator Coreia do Norte

Segundo informações do jornal “The New York Times”, a decisão de Joe Biden relativa aos mísseis partiu de uma denúncia de Kiev sobre a presença de tropas norte-coreanas lutando ao lado das forças russas.

A Coreia do Norte teria mandado 10 mil soldados para a região russa de Kursk, a fim de auxiliar o país de Putin no conflito. A área, que tem sido alvo de ofensivas ucranianas desde agosto deste ano, já conta com a presença de tropas de Kiev ocupando uma parcela do território.

A ação foi encarada de forma negativa pelo governo americano, que garantiu uma resposta incisiva. No dia 13 de novembro, o secretário de Estado, Antony Blinken, manifestou insatisfação com a campanha da Coreia do Norte após uma reunião com o secretário-geral da OTAN.

“Tivemos uma reunião sobre o apoio à Ucrânia e este novo elemento de tropas da Coreia do Norte agora quase literalmente no combate. Isso exige e terá uma resposta firme”, declarou Blinken.

·        O que pode acontecer

Apesar de não nuclear, o míssil russo, ainda em fase de testes, tem a capacidade de transportar múltiplas ogivas nucleares. A ameaça de um conflito nuclear global tomou, novamente, a atenção dos debates internacionais. Por ter alcance de 5000 Km, o armamento teria como atingir a maior parte da Europa e a costa Oeste dos EUA.

De acordo com Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper, o atual conflito segue uma lógica semelhante ao que acontecia na Guerra Fria – com duas potências (Estados Unidos e Rússia) disputando poder majoritariamente fora de seus territórios. Ou seja, os países oferecem patrocínio de forças e estados, deslocamento de tropas e apoio logístico em caráter limitado, mas não entram em confronto direto com o adversário.

O míssil disparado pela Rússia, inclusive, que é conhecido como Veículo de Reentrada Múltipla Independente para Alvo (MIRV), foi desenvolvido durante a época da Guerra Fria. É provável que esta seja a primeira vez que a arma tenha sido usada em “combate”.

Essa característica qualificaria a ação bélica de Vladimir Putin como uma atitude mais estratégica do que militar – com objetivo de “manter a narrativa de que a Rússia pode escalar para uma guerra nuclear, que agrada ao povo russo”, afirma Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM.

Especialistas classificam o ataque como um “recado” ao Ocidente, já que afirma o poder da Rússia de retaliar quaisquer ataques feitos ao seu território, tal como alcançar qualquer uma das potências que der suporte à Ucrânia.

“O que pode acontecer é um recrudescimento das tensões globais, porque cada lado a gente tem apostas importantes em armamentos mais pesados. Então isso pode causar uma corrida armamentista, pelo menos em escala regional, o que pode custar mais vidas e prolongar ainda mais os conflitos ou o território de operações dentro da Ucrânia”, argumenta Consentino.

Segundo Gunther Rudzit, a Rússia tende a usar mais mísseis contra alvos estratégicos, como infraestrutura de energia, comando militar e empresas de equipamentos militares. Por outro lado, visões mais otimistas afirmam que a situação configura um apelo a armas de natureza mais amplas, o que pode acelerar, de alguma forma, a busca de um acordo de paz.

·        Mudanças com a posse de Trump

Com a recente eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, a postura americana em relação à guerra na Ucrânia – e outros conflitos – tende a mudar.

Em diversas ocasiões, Trump criticou a exagerada ajuda econômica e militar do governo Biden à Ucrânia e prometeu que iria acabar com o confronto. Autoridades russas já afirmaram que Vladimir Putin estaria aberto a negociar um cessar-fogo em solo ucraniano com o novo presidente estadunidense – embora rejeite grandes concessões territoriais, além de se opor à adesão de Kiev à Otan.

Paulo Bittencourt, pesquisador de ciência política da USP, também destaca que os interesse internos americanos costumam contar mais nas decisões políticas, citando como exemplo o senador republicano Marco Rubio.

“Marco Rubio, enquanto senador dos EUA, apesar de se dizer um apoiador da Ucrânia, pertence a um grupo de senadores que votou contra o envio de um pacote de ajuda para a Ucrânia, para Israel e para Taiwan – apontando que questões domésticas dos Estados Unidos tinham prioridade e deveriam receber esses investimentos. De acordo com uma parte dos políticos americanos, esses investimentos não deviam ir para guerras no exterior, mas sim para os problemas domésticos dos Estados Unidos.”

 

¨      Autorizar Kiev a usar mísseis europeus em ataques à Rússia é insano, diz político francês

Para o líder nacionalista francês Florian Philippot, a medida cogitada por Reino Unido e França visa semear o caos antes da posse de Donald Trump nos EUA.

O governo do Reino Unido deu indícios de que pretende seguir a decisão do presidente dos EUA, Joe Biden, e autorizar a Ucrânia a usar o míssil Storm Shadow, de fabricação franco-britânica, em ataques contra o território da Rússia, o que aumenta o envolvimento do país no conflito ucraniano.

A informação foi veiculada por meios de comunicação ocidentais, que afirmam que a França também cogita a medida. Em especial, o ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Noël Barrot, afirmou à BBC que a partir de uma lógica de defesa "legítima" a França concorda com a utilização de mísseis Scalp (nome francês para o Storm Shadow) para atacar o território da Federação da Rússia.

Em entrevista à Sputnik, Florian Philippot, líder do partido francês Os Patriotas, afirmou que um eventual uso de mísseis europeus de longo alcance no conflito ucraniano é "irresponsável e insano", pois levaria a uma Terceira Guerra Mundial.

Segundo Philippot, a eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA espalhou o pânico na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na União Europeia e entre os "falcões de guerra" dos EUA, o que explica por que Paris pode autorizar o uso de armas de longo alcance francesas para ataques ao território russo.

O político francês afirmou que algumas pessoas querem semear o caos antes da posse de Trump, marcada para 20 de janeiro.

"Algumas pessoas querem pavimentar um caminho irreversível para uma Terceira Guerra Mundial. É completamente irresponsável e louco. Corresponde aos seus planos de guerra, mas não aos nossos interesses e não ao que o povo quer", disse o político francês.

Philippot afirmou ainda que o partido Os Patriotas vai organizar uma manifestação pela paz em Paris em 1º de dezembro.

Basta abrir um livro de geografia

Para Nikola Mirkovic, ensaísta franco-sérvio, as observações do ministro das Relações Exteriores francês são "extremamente sérias e perigosas" e "colocam lenha no fogo".

"A França já está envolvida nesta guerra, porque treina soldados, fornece ajuda à Ucrânia, oferece assistência estratégica, inteligência, bem como ajuda financeira e militar. Mas esse é um nível ainda mais elevado", sublinha o especialista.

No entanto, se Jean-Noël Barrot "tivesse aberto um livro de geografia, teria visto que a Rússia faz parte da Europa e que, portanto, é do interesse dos europeus que essa guerra acabe", considera Mirkovic.

 

¨      Biden corre contra o tempo para dificultar ações de Trump no conflito ucraniano, diz especialista

A autorização do presidente Joe Biden de uso de armamentos estadunidenses para atacar o interior da Rússia não foi a única ação da Casa Branca para escalar o conflito ucraniano. Especialistas entrevistados pela Sputnik Brasil são unânimes em afirmar que Biden está tentando influenciar ao máximo as futuras ações de Trump.

No dia 17 de novembro, dia da sua visita a Manaus, o New York Times noticiou que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, autorizou o uso dos mísseis balísticos ATACMS (Sistema de Mísseis Táticos do Exército, em inglês) para ataques no interior da Rússia.

Já no dia seguinte, 18 de novembro, as forças ucranianas dispararam o armamento contra a região russa de Bryansk, sendo abatidos pelo sistema de defesa área S-400. Os mísseis não podem ser usados por outras tropas que não as norte-americanas, detalhou o chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, sendo um claro sinal de que "os EUA querem escalar o conflito".

A autorização de Biden estimulou Londres e Paris a também autorizarem o disparo de seus mísseis balísticos, o desenvolvimento conjunto Storm Shadow/Scalp, no interior da Rússia.

Em 19 de novembro, a Casa Branca anunciou o envio de minas terrestres antipessoal para a Ucrânia, informou o Washington Post. O equipamento é proibido em mais de 160 países devido ao risco que representa à população civil.

O fortalecimento da ajuda à Ucrânia não para por aí. A Bloomberg anunciou na quinta-feira (21) que Biden quer perdoar US$ 4,65 bilhões (R$ 27 bilhões) da dívida de Kiev, que totaliza US$ 9 bilhões (R$ 52 bilhões) dentro do pacote de financiamento de US$ 60 bilhões (R$ 346,9 bilhões) aprovado pelo Congresso norte-americano em abril.

"Muito provavelmente, a vitória de Trump foi um dos elementos principais para que o governo Biden tenha acelerado a tomada dessas decisões", disse à reportagem Getúlio Alves de Almeida Neto, integrante do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE).

O recém-eleito novamente à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu acabar com o conflito o mais rápido possível. Segundo futuro assessor da Casa Branca em matérias de segurança Mike Waltz, o futuro presidente quer iniciar as tratativas para um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia já durante o período de transição.

Aliado a essa perspectiva, Trump contará com uma Câmara de Deputados e um Senado de maioria republicana.

"Isso faz com que o governo Biden tenha decidido correr contra o tempo para impulsionar o auxílio à Ucrânia e dificultar o espaço de manobra do governo Trump."

A professora de relações internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Bárbara Motta, no entanto, vê com outros olhos a situação. Para a pesquisadora de política externa norte-americana, Biden quer "dar fôlego renovado para as ações ofensivas da Ucrânia e, com sorte, alterar a situação das forças em solo".

Desse modo, quando Trump assumir e colocar sua política de acordo em ação, Zelensky estaria em condições de negociar melhores termos.

"Seria uma forma de preparar o terreno para uma condução do que poderia vir a ser essa negociação com Trump na presidência."

As ações de Biden, contudo, dificilmente se mostram populares tanto em casa quanto no exterior. Alemanha e Itália declararam que não seguiriam o mesmo caminho de seus colegas europeus. A recusa de Olaf Scholz, chanceler alemão, é especialmente significativa uma vez que os mísseis Taurus do país possuem um alcance de 500 km, frente aos 300 km do ATACMS e 250 km do Storm Shadow.

"Trata-se de uma percepção", diz o pesquisador, "de que o conflito poderia se espalhar por toda a Europa e, portanto, o receio de se ver envolvido em meio a essa eventual guerra em seus territórios", afirma Almeida Neto.

<><> Que solução Trump traria?

A insularidade europeia do conflito é algo que, segundo Motta, Trump exploraria para retirar seu país do confronto. O governo Biden apresentou a operação militar especial russa como uma "agressão ao Ocidente" e, portanto, também aos Estados Unidos.

"O que imagino que Trump fará é apresentar o conflito como um problema europeu e, por isso, exige maior empenho dos países da Europa", explica a professora, que lembra que o auxílio militar e financeiro à Ucrânia se tornou impopular na medida que "a situação econômica da classe média não responde mais às mesmas expectativas de crescimento".

O Partido Republicano, de modo geral, tampouco enxerga os conflitos em Donbass como "uma ameaça aos Estados Unidos".

Desse modo, Motta acredita que uma das primeiras ações que Trump tomará será a redução, ou até mesmo o fim, dos auxílios à Kiev, algo que muitos observadores afirmam que significará o fim para a Ucrânia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, já expôs as condições russas para o fim do conflito, como o reconhecimento dos territórios russos de Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporozhie, o fim de todas as sanções à economia russa e a manutenção do status neutro e não nuclear da Ucrânia.

Trump, que já demonstrou em seu primeiro mandato não se importar tanto com a defesa de seus aliados da Organização do Tratado do Norte Atlântico (OTAN), pode justamente colocar na mesa o "fim das conversas de adesão da Ucrânia à OTAN" como um "primeiro passo para uma solução política para o conflito", afirma Almeida Neto.

<><> Pentágono diz que não compartilha detalhes sobre quando minas terrestres dos EUA chegarão à Ucrânia

Os Estados Unidos não fornecem detalhes relacionados às entregas de minas terrestres para a Ucrânia, disse a porta-voz do Pentágono, Sabrina Singh, nesta segunda-feira (25).

"Como na maioria dos equipamentos, não anunciamos quando eles chegam ao país. Deixaremos os ucranianos falarem sobre isso, então não tenho uma data de entrega para vocês anunciarem", disse a porta-voz aos repórteres.

Quando pressionada sobre se essas minas terrestres já haviam chegado, Singh ressaltou que não tinha mais nada a dizer sobre o assunto.

Na semana passada, dois oficiais dos EUA disseram ao The Washington Post que o presidente dos EUA, Joe Biden, havia aprovado o envio de minas antipessoais para a Ucrânia. A medida supostamente ocorre enquanto o governo dos EUA tenta ajudar Kiev a conter o avanço das forças russas.

Em 1997, foi aberta a assinatura em Ottawa para aderir a Convenção sobre a Proibição de Minas Antipessoal. Até agora, 164 países ao redor do mundo aderiram à convenção. Os Estados Unidos, a China e a Rússia estão entre as nações que não são partes do tratado.

A Rússia tem dito repetidamente que o fornecimento de armas para a Ucrânia dificulta a solução do conflito e envolve diretamente os países da OTAN na disputa. O Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, alertou que qualquer carga contendo armas para a Ucrânia será um alvo legítimo para a Rússia.

 

Fonte: IstoÉ/Sputnik Brasil

 

Nenhum comentário: