quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Bicarbonato de sódio funciona para limpeza, segundo a ciência?

Não gosto de fazer limpeza.

Também não gosto de comprar produtos de limpeza comerciais. Sempre receio que eles sejam prejudiciais para mim e para o meio ambiente.

Por isso, às vezes você me encontrará passando papel-toalha em todo o chão da cozinha, umedecido apenas com água da torneira.

Quando meu editor aqui da BBC me pediu para testar um produto básico de cozinha – bicarbonato de sódio – nas minhas tarefas domésticas, concordei em dar uma chance. Eu testaria algumas técnicas popularizadas online e ver se elas funcionariam para mim.

Será que o bicarbonato poderia ajudar a manter minha casa limpa, reduzindo minhas preocupações ambientais e, ao mesmo tempo, economizando dinheiro?

Manter a casa limpa com produtos básicos de cozinha como bicarbonato de sódio – NaHCO3, para quem gosta de química – é uma técnica antiga, muito associada às antigas donas de casa em vídeos do TikTok e sites especializados em saúde.

No Reino Unido, ela é lembrada até por Nancy Birtwhistle, vencedora da quinta temporada do reality show da TV The Great British Bake Off.

A ideia é que, em certas situações, o bicarbonato de sódio pode substituir os produtos de limpeza comerciais, poupando prejuízos ao meio ambiente e a nós mesmos.

Vou à mercearia e compro dois pequenos frascos do produto da própria loja por 0,59 libras (cerca de R$ 4,30) cada um. Trago também um pequeno frasco de marca por 1,59 libra (cerca de R$ 11,60).

Em seguida, ligo para o professor de química Nathan Kilah, da Universidade da Tasmânia, na Austrália.

"Todas as propriedades de limpeza que você irá obter do bicarbonato de sódio vêm das propriedades químicas do produto", ele conta. "[Quando limpamos] existem diferentes componentes do pó e da sujeira que podem ser modificados quimicamente pelo bicarbonato de sódio."

Kilah explica que o bicarbonato de sódio é uma base, ou alcalino. Ou seja, ele possui alto pH.

Por isso, uma das suas propriedades químicas é a capacidade de remover hidrogênio de outros materiais, na forma de íons.

"Ou seja, as moléculas literalmente reagem?", pergunto a ele. "Não é só questão de que, se eu esfregar algo, estou retirando a sujeira?" Ele responde que sim, é isso, mesmo.

O bicarbonato de sódio também é levemente abrasivo, ou seja, ele pode remover material persistente de uma superfície suja, com um pouco de esforço físico.

Por isso, usar bicarbonato de sódio para remover resíduos de calcário não seria ideal. O calcário também é uma base, de forma que os dois tipicamente não reagem.

Para isso, limão ou vinagre funcionam melhor, pois eles são ácidos. Aliás, esta parece ser a regra geral.

"Ácidos são bons para limpar bases", explica Kilah, "e bases são boas para limpar ácidos."

É por isso que a tendência popular na internet de combinar vinagre e bicarbonato de sódio para formar uma mistura de limpeza borbulhante é, de certa forma, falaciosa, já que as duas substâncias simplesmente se anulam.

Mais tarde, fiz meu primeiro experimento de limpeza.

Apliquei bicarbonato de sódio misturado com água ao tecido manchado de uma almofada do sofá e deixei agir por 30 minutos, antes de limpar.

A mancha desapareceu, mas foi substituída por um anel branco de pó (que, por sinal, iria permanecer ali por semanas).

Enquanto eu retirava a substância, ela parecia escorregadia – uma indicação de que eu estava lidando com material alcalino, segundo o professor. Esta sensação pode surgir, às vezes, até quando comemos bolos ou biscoitos feitos com bicarbonato de sódio.

Testei o produto com xícaras de chá manchadas, com pouco sucesso. Mas, felizmente, tenho outro especialista em química a quem posso recorrer.

"A maioria dos usos que observo para o bicarbonato de sódio [na limpeza] não funciona", afirma o químico e comunicador de ciências Dario Bressanini, da Universidade de Insubria em Como, na Itália. Ele é o autor do livro The Science of Cleaning ("A ciência da limpeza", em tradução livre).

Bressanini se surpreende com a percepção do público sobre este produto básico de cozinha.

"Você vê todas essas misturas com suco de limão, vinagre, bicarbonato de sódio e sal de cozinha. A maioria dessas receitas são completamente falaciosas", explica ele.

Bressanini afirma que o alto pH é o principal poder do bicarbonato de sódio.

Ele pode ser usado para combater mau cheiro em calçados, geralmente causado por ácidos orgânicos produzidos por bactérias, e o odor de tomates estragados na geladeira, criado por líquidos ácidos. Mas fica mais ou menos por aqui – e o pó é até bastante fraco para isso.

Mais tarde, despejei uma porção generosa de bicarbonato de sódio na pia do banheiro e acrescentei água fervente. Algumas bolhas se formaram e me senti uma feiticeira.

Mas a vazão continua a mesma. Bem, pelo menos, não entupi a pia.

•        Esfregar é preciso

O bicarbonato de sódio não é detergente. Ele não consegue absorver a sujeira.

A maior parte da sujeira à nossa volta é gordurosa, segundo Bressanini. Para limpar, é preciso usar tensoativos – moléculas que reduzem a tensão superficial entre dois materiais.

"O sabão é tensoativo", explica ele. "O xampu contém tensoativo e os detergentes contêm tensoativos. O bicarbonato de sódio, não."

Mas reluto a desistir. Conto a Bressanini que despejei bicarbonato de sódio e água quente em uma bandeja engordurada do forno, no dia anterior. E retirei facilmente a mistura resultante na lavagem.

Ele explica que isso ocorreu porque a gordura e o bicarbonato reagiram e se transformaram em uma base mais forte. Esta é uma forma de limpar uma frigideira incrustada e engordurada.

O que ocorreu é que eu produzi sabão – mas o sabão real, fabricado com os ingredientes certos, nas proporções corretas, teria funcionado melhor, segundo ele.

E quanto à tendência online de usar bicarbonato de sódio no cabelo? Bressanini aconselha a não fazer isso.

As substâncias alcalinas elevam as pequenas placas, ou cutículas, que cobrem o nosso cabelo e as enfraquecem. Por isso, os xampus são levemente ácidos, ao contrário do sabão.

Mas Kilah e Bressanini garantem que a limpeza com bicarbonato de sódio não é perigosa, desde que você não use o produto para lavar frutas na esperança de desinfetá-las, nem misture produtos diferentes e corra o risco de reações químicas perigosas. E eles destacam pontos positivos dos produtos de limpeza comerciais que eu nunca havia percebido antes.

Os produtos de limpeza à venda no supermercado, de fato, podem utilizar a mesma reação química induzida pelo pH do bicarbonato de sódio e do vinagre. Mas eles também têm outras propriedades. Eles podem decompor a gordura, reduzir a tensão superficial da água ou desinfetar as superfícies.

"O que eu diria sobre muitos desses métodos alternativos de limpeza com bicarbonato de sódio é que eles sempre necessitam que se esfregue", explica Kilah. "Você nunca irá simplesmente pulverizar ali, sair andando e esperar que fique limpo. Você irá esfregar."

Além disso, o bicarbonato de sódio não é um produto de ocorrência natural, como relembra Bressanini. É preciso gastar energia e recursos para sintetizar a substância.

Aprendi que ele é criado a partir de carbonato – e que cerca de dois terços do carbonato são obtidos de forma sintética, principalmente por meio do chamado processo Solvay. O restante vem do minério de trona, que é escavado em minas.

"Ele é produzido em processos industriais, que usam amônia, cloreto de sódio, carbonato de sódio... muitas das fábricas que usam o processo Solvay em todo o mundo são instalações industriais imensas", explica Bressanini.

O mais importante a fazer é calcular seus produtos de limpeza, sem descarregar produtos desnecessários para o oceano, segundo Bressanini. E usar tudo de forma seletiva.

Você não precisa limpar tudo com alvejante, por exemplo. Meu piso, eu acho, não precisa ser tão limpo quanto meus travesseiros.

Esses especialistas garantem que, depois de produzido, o bicarbonato de sódio, isoladamente, não é prejudicial para o meio ambiente. Então, limpar com bicarbonato de sódio é mais ecológico?

"Em média, eu diria que sim", responde Kilah. "Mas depende da comparação sendo feita... o processo de fornecimento, incluindo fabricação e venda, é muito complexo."

Ainda assim, a produção, transporte e embalagem dos produtos químicos de limpeza comuns do supermercado podem ser caros para o meio ambiente. E eles normalmente vêm em forma líquida, que ocupa mais volume, e usam embalagens mais complicadas do que o bicarbonato de sódio – que, como destaca Kilah, pode ser vendido em caixas de papelão.

Esses produtos de limpeza comerciais também podem ser prejudiciais para os seres humanos e o meio ambiente. Eles emitem, por exemplo, compostos orgânicos voláteis (VOC, na sigla em inglês) e compostos orgânicos polifluoretados (Pfas) – os chamados "produtos químicos eternos", que são compostos tóxicos que podem permanecer em seres humanos e animais em todo o planeta.

"Pesquisas recentes indicam que as maiores ameaças à saúde das crianças nos ambientes domésticos em grande parte do mundo industrializado talvez não sejam mais os micróbios patogênicos, mas as comunidades microbianas empobrecidas e as substâncias químicas empregadas nos produtos de uso diário, incluindo os de limpeza", segundo a pesquisa editada, entre outros autores, pela pesquisadora de sustentabilidade Rachael Wakefield-Rann, da Universidade de Tecnologia de Sydney, na Austrália. Ela é autora do livro Life Indoors ("Vida dentro de casa", em tradução livre) e conversei com ela para aprender mais a respeito.

Ela explica que nós acabamos definindo a higiene de forma muito restrita. A palavra virou sinônimo de evitar germes.

Mas, na verdade, muitos produtos químicos sintéticos apresentam altos riscos à saúde. Os produtos antimicrobianos, por exemplo, podem desregular o sistema endócrino.

Já alguns micróbios – como os presentes nos nossos animais de estimação – são benéficos e até importantes no treinamento do sistema imunológico das crianças, segundo a pesquisadora.

Produtos que matam 99% dos germes permitem que os micróbios mais desagradáveis sobrevivam e recolonizem nossas casas, como ervas daninhas em um canteiro de flores vazio, como explica Wakefield-Rann.

"Acho que, usando produtos como vinagre, a biodiversidade não é morta porque você não está... tentando eliminar tudo o que é vivo", orienta ela.

Mas a pesquisadora destaca que, se alguém sofrer de perturbações no estômago, por exemplo, pode querer empregar algo mais potente.

Wakefield-Rann acrescenta que a nossa experiência nos leva a gostar dos modernos produtos de limpeza.

"Desde muito cedo, muitos de nós associamos o cheiro de pinho ou limão àquele tipo de limpeza de hospital", explica ela. "[E] não é apenas o odor, mas coisas como a espuma. A liberação ou não de bolhas realmente é fundamental para algumas pessoas avaliarem se aquilo está limpando de forma eficiente."

O mesmo vale para a aparência brilhante. Wakefield-Rann relembra que, muitas vezes, as pessoas parecem achar que os produtos de limpeza naturais não funcionam porque os objetos não parecem suficientemente limpos depois do uso.

Por vários motivos, a limpeza é algo necessário para a nossa vida e a nossa saúde. Mas alguns aspectos são mais culturais, segundo Jo Littler, do departamento de imprensa da Universidade Goldsmith de Londres.

Em conjunto com a pesquisadora de sociologia Emma Casey, da Universidade de York, no Reino Unido, Littler estudou os influenciadores de limpeza online, como Sophie Hinchliffe, conhecida como Sra. Hinch.

"Ter um certo padrão de limpeza, de uma forma específica, pode conectar você às pessoas, oferecer um status específico ou fazer você parecer respeitável", segundo ela.

Para Casey, as redes sociais fazem a limpeza parecer fácil.

"Mesmo nas contas ecológicas sobre o bicarbonato de sódio, existe muitas vezes uma estética visual muito agradável, muito curada", explica ela. "[Mas] a limpeza com qualquer produto não é fácil, que dirá com bicarbonato de sódio. Não é algo rápido."

Antes de encerrar, faço uma última experiência com bicarbonato de sódio.

Seguindo a recomendação de Bressanini, pego um par de botas de cano alto malcheirosas e polvilho bicarbonato em pó. O pó branco se espalha no meu rosto e atinge o tapete. Depois de algum tempo, o mau cheiro nos calçados permanece.

Encerro meu experimento e concluo que, para salvar o planeta e a minha carteira, preciso observar a limpeza em geral com perspectiva mais ampla – como uma escala de graus de cinza, não apenas como branco ou preto.

O bicarbonato de sódio certamente detém um lugar nesse espectro. Mas, na verdade, esse lugar acabou sendo bastante pequeno.

 

Fonte: BBC Future

 

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