Bicarbonato de sódio funciona para limpeza,
segundo a ciência?
Não gosto de fazer
limpeza.
Também não gosto de
comprar produtos de limpeza comerciais. Sempre receio que eles sejam
prejudiciais para mim e para o meio ambiente.
Por isso, às vezes
você me encontrará passando papel-toalha em todo o chão da cozinha, umedecido
apenas com água da torneira.
Quando meu editor aqui
da BBC me pediu para testar um produto básico de cozinha – bicarbonato de sódio
– nas minhas tarefas domésticas, concordei em dar uma chance. Eu testaria
algumas técnicas popularizadas online e ver se elas funcionariam para mim.
Será que o bicarbonato
poderia ajudar a manter minha casa limpa, reduzindo minhas preocupações
ambientais e, ao mesmo tempo, economizando dinheiro?
Manter a casa limpa
com produtos básicos de cozinha como bicarbonato de sódio – NaHCO3, para quem
gosta de química – é uma técnica antiga, muito associada às antigas donas de
casa em vídeos do TikTok e sites especializados em saúde.
No Reino Unido, ela é
lembrada até por Nancy Birtwhistle, vencedora da quinta temporada do reality
show da TV The Great British Bake Off.
A ideia é que, em
certas situações, o bicarbonato de sódio pode substituir os produtos de limpeza
comerciais, poupando prejuízos ao meio ambiente e a nós mesmos.
Vou à mercearia e
compro dois pequenos frascos do produto da própria loja por 0,59 libras (cerca
de R$ 4,30) cada um. Trago também um pequeno frasco de marca por 1,59 libra
(cerca de R$ 11,60).
Em seguida, ligo para
o professor de química Nathan Kilah, da Universidade da Tasmânia, na Austrália.
"Todas as
propriedades de limpeza que você irá obter do bicarbonato de sódio vêm das
propriedades químicas do produto", ele conta. "[Quando limpamos]
existem diferentes componentes do pó e da sujeira que podem ser modificados
quimicamente pelo bicarbonato de sódio."
Kilah explica que o
bicarbonato de sódio é uma base, ou alcalino. Ou seja, ele possui alto pH.
Por isso, uma das suas
propriedades químicas é a capacidade de remover hidrogênio de outros materiais,
na forma de íons.
"Ou seja, as
moléculas literalmente reagem?", pergunto a ele. "Não é só questão de
que, se eu esfregar algo, estou retirando a sujeira?" Ele responde que
sim, é isso, mesmo.
O bicarbonato de sódio
também é levemente abrasivo, ou seja, ele pode remover material persistente de
uma superfície suja, com um pouco de esforço físico.
Por isso, usar
bicarbonato de sódio para remover resíduos de calcário não seria ideal. O
calcário também é uma base, de forma que os dois tipicamente não reagem.
Para isso, limão ou
vinagre funcionam melhor, pois eles são ácidos. Aliás, esta parece ser a regra
geral.
"Ácidos são bons
para limpar bases", explica Kilah, "e bases são boas para limpar
ácidos."
É por isso que a
tendência popular na internet de combinar vinagre e bicarbonato de sódio para
formar uma mistura de limpeza borbulhante é, de certa forma, falaciosa, já que
as duas substâncias simplesmente se anulam.
Mais tarde, fiz meu
primeiro experimento de limpeza.
Apliquei bicarbonato
de sódio misturado com água ao tecido manchado de uma almofada do sofá e deixei
agir por 30 minutos, antes de limpar.
A mancha desapareceu,
mas foi substituída por um anel branco de pó (que, por sinal, iria permanecer
ali por semanas).
Enquanto eu retirava a
substância, ela parecia escorregadia – uma indicação de que eu estava lidando
com material alcalino, segundo o professor. Esta sensação pode surgir, às
vezes, até quando comemos bolos ou biscoitos feitos com bicarbonato de sódio.
Testei o produto com
xícaras de chá manchadas, com pouco sucesso. Mas, felizmente, tenho outro
especialista em química a quem posso recorrer.
"A maioria dos
usos que observo para o bicarbonato de sódio [na limpeza] não funciona",
afirma o químico e comunicador de ciências Dario Bressanini, da Universidade de
Insubria em Como, na Itália. Ele é o autor do livro The Science of Cleaning ("A
ciência da limpeza", em tradução livre).
Bressanini se
surpreende com a percepção do público sobre este produto básico de cozinha.
"Você vê todas
essas misturas com suco de limão, vinagre, bicarbonato de sódio e sal de
cozinha. A maioria dessas receitas são completamente falaciosas", explica
ele.
Bressanini afirma que
o alto pH é o principal poder do bicarbonato de sódio.
Ele pode ser usado
para combater mau cheiro em calçados, geralmente causado por ácidos orgânicos
produzidos por bactérias, e o odor de tomates estragados na geladeira, criado
por líquidos ácidos. Mas fica mais ou menos por aqui – e o pó é até bastante fraco
para isso.
Mais tarde, despejei
uma porção generosa de bicarbonato de sódio na pia do banheiro e acrescentei
água fervente. Algumas bolhas se formaram e me senti uma feiticeira.
Mas a vazão continua a
mesma. Bem, pelo menos, não entupi a pia.
• Esfregar é preciso
O bicarbonato de sódio
não é detergente. Ele não consegue absorver a sujeira.
A maior parte da
sujeira à nossa volta é gordurosa, segundo Bressanini. Para limpar, é preciso
usar tensoativos – moléculas que reduzem a tensão superficial entre dois
materiais.
"O sabão é
tensoativo", explica ele. "O xampu contém tensoativo e os detergentes
contêm tensoativos. O bicarbonato de sódio, não."
Mas reluto a desistir.
Conto a Bressanini que despejei bicarbonato de sódio e água quente em uma
bandeja engordurada do forno, no dia anterior. E retirei facilmente a mistura
resultante na lavagem.
Ele explica que isso
ocorreu porque a gordura e o bicarbonato reagiram e se transformaram em uma
base mais forte. Esta é uma forma de limpar uma frigideira incrustada e
engordurada.
O que ocorreu é que eu
produzi sabão – mas o sabão real, fabricado com os ingredientes certos, nas
proporções corretas, teria funcionado melhor, segundo ele.
E quanto à tendência
online de usar bicarbonato de sódio no cabelo? Bressanini aconselha a não fazer
isso.
As substâncias
alcalinas elevam as pequenas placas, ou cutículas, que cobrem o nosso cabelo e
as enfraquecem. Por isso, os xampus são levemente ácidos, ao contrário do
sabão.
Mas Kilah e Bressanini
garantem que a limpeza com bicarbonato de sódio não é perigosa, desde que você
não use o produto para lavar frutas na esperança de desinfetá-las, nem misture
produtos diferentes e corra o risco de reações químicas perigosas. E eles
destacam pontos positivos dos produtos de limpeza comerciais que eu nunca havia
percebido antes.
Os produtos de limpeza
à venda no supermercado, de fato, podem utilizar a mesma reação química
induzida pelo pH do bicarbonato de sódio e do vinagre. Mas eles também têm
outras propriedades. Eles podem decompor a gordura, reduzir a tensão
superficial da água ou desinfetar as superfícies.
"O que eu diria
sobre muitos desses métodos alternativos de limpeza com bicarbonato de sódio é
que eles sempre necessitam que se esfregue", explica Kilah. "Você
nunca irá simplesmente pulverizar ali, sair andando e esperar que fique limpo.
Você irá esfregar."
Além disso, o
bicarbonato de sódio não é um produto de ocorrência natural, como relembra
Bressanini. É preciso gastar energia e recursos para sintetizar a substância.
Aprendi que ele é
criado a partir de carbonato – e que cerca de dois terços do carbonato são
obtidos de forma sintética, principalmente por meio do chamado processo Solvay.
O restante vem do minério de trona, que é escavado em minas.
"Ele é produzido
em processos industriais, que usam amônia, cloreto de sódio, carbonato de
sódio... muitas das fábricas que usam o processo Solvay em todo o mundo são
instalações industriais imensas", explica Bressanini.
O mais importante a
fazer é calcular seus produtos de limpeza, sem descarregar produtos
desnecessários para o oceano, segundo Bressanini. E usar tudo de forma
seletiva.
Você não precisa
limpar tudo com alvejante, por exemplo. Meu piso, eu acho, não precisa ser tão
limpo quanto meus travesseiros.
Esses especialistas
garantem que, depois de produzido, o bicarbonato de sódio, isoladamente, não é
prejudicial para o meio ambiente. Então, limpar com bicarbonato de sódio é mais
ecológico?
"Em média, eu
diria que sim", responde Kilah. "Mas depende da comparação sendo
feita... o processo de fornecimento, incluindo fabricação e venda, é muito
complexo."
Ainda assim, a
produção, transporte e embalagem dos produtos químicos de limpeza comuns do
supermercado podem ser caros para o meio ambiente. E eles normalmente vêm em
forma líquida, que ocupa mais volume, e usam embalagens mais complicadas do que
o bicarbonato de sódio – que, como destaca Kilah, pode ser vendido em caixas de
papelão.
Esses produtos de
limpeza comerciais também podem ser prejudiciais para os seres humanos e o meio
ambiente. Eles emitem, por exemplo, compostos orgânicos voláteis (VOC, na sigla
em inglês) e compostos orgânicos polifluoretados (Pfas) – os chamados "produtos
químicos eternos", que são compostos tóxicos que podem permanecer em seres
humanos e animais em todo o planeta.
"Pesquisas
recentes indicam que as maiores ameaças à saúde das crianças nos ambientes
domésticos em grande parte do mundo industrializado talvez não sejam mais os
micróbios patogênicos, mas as comunidades microbianas empobrecidas e as
substâncias químicas empregadas nos produtos de uso diário, incluindo os de
limpeza", segundo a pesquisa editada, entre outros autores, pela
pesquisadora de sustentabilidade Rachael Wakefield-Rann, da Universidade de
Tecnologia de Sydney, na Austrália. Ela é autora do livro Life Indoors
("Vida dentro de casa", em tradução livre) e conversei com ela para
aprender mais a respeito.
Ela explica que nós
acabamos definindo a higiene de forma muito restrita. A palavra virou sinônimo
de evitar germes.
Mas, na verdade,
muitos produtos químicos sintéticos apresentam altos riscos à saúde. Os
produtos antimicrobianos, por exemplo, podem desregular o sistema endócrino.
Já alguns micróbios –
como os presentes nos nossos animais de estimação – são benéficos e até
importantes no treinamento do sistema imunológico das crianças, segundo a
pesquisadora.
Produtos que matam 99%
dos germes permitem que os micróbios mais desagradáveis sobrevivam e
recolonizem nossas casas, como ervas daninhas em um canteiro de flores vazio,
como explica Wakefield-Rann.
"Acho que, usando
produtos como vinagre, a biodiversidade não é morta porque você não está...
tentando eliminar tudo o que é vivo", orienta ela.
Mas a pesquisadora
destaca que, se alguém sofrer de perturbações no estômago, por exemplo, pode
querer empregar algo mais potente.
Wakefield-Rann
acrescenta que a nossa experiência nos leva a gostar dos modernos produtos de
limpeza.
"Desde muito
cedo, muitos de nós associamos o cheiro de pinho ou limão àquele tipo de
limpeza de hospital", explica ela. "[E] não é apenas o odor, mas
coisas como a espuma. A liberação ou não de bolhas realmente é fundamental para
algumas pessoas avaliarem se aquilo está limpando de forma eficiente."
O mesmo vale para a
aparência brilhante. Wakefield-Rann relembra que, muitas vezes, as pessoas
parecem achar que os produtos de limpeza naturais não funcionam porque os
objetos não parecem suficientemente limpos depois do uso.
Por vários motivos, a
limpeza é algo necessário para a nossa vida e a nossa saúde. Mas alguns
aspectos são mais culturais, segundo Jo Littler, do departamento de imprensa da
Universidade Goldsmith de Londres.
Em conjunto com a
pesquisadora de sociologia Emma Casey, da Universidade de York, no Reino Unido,
Littler estudou os influenciadores de limpeza online, como Sophie Hinchliffe,
conhecida como Sra. Hinch.
"Ter um certo
padrão de limpeza, de uma forma específica, pode conectar você às pessoas,
oferecer um status específico ou fazer você parecer respeitável", segundo
ela.
Para Casey, as redes
sociais fazem a limpeza parecer fácil.
"Mesmo nas contas
ecológicas sobre o bicarbonato de sódio, existe muitas vezes uma estética
visual muito agradável, muito curada", explica ela. "[Mas] a limpeza
com qualquer produto não é fácil, que dirá com bicarbonato de sódio. Não é algo
rápido."
Antes de encerrar,
faço uma última experiência com bicarbonato de sódio.
Seguindo a
recomendação de Bressanini, pego um par de botas de cano alto malcheirosas e
polvilho bicarbonato em pó. O pó branco se espalha no meu rosto e atinge o
tapete. Depois de algum tempo, o mau cheiro nos calçados permanece.
Encerro meu
experimento e concluo que, para salvar o planeta e a minha carteira, preciso
observar a limpeza em geral com perspectiva mais ampla – como uma escala de
graus de cinza, não apenas como branco ou preto.
O bicarbonato de sódio
certamente detém um lugar nesse espectro. Mas, na verdade, esse lugar acabou
sendo bastante pequeno.
Fonte: BBC Future
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