A curiosa
origem do altruísmo, o oposto do egoísmo
Uma
das questões mais interessantes no campo da evolução humana é a prestação de
cuidados a indivíduos vulneráveis.
Ajudar
outros seres humanos em dificuldades é um comportamento que não é exclusivo dos
humanos: ele também é encontrado em outros animais, especialmente nos primatas.
O
que é característico do comportamento de nossa espécie é o altruísmo. Ou seja,
ajudar alguém sem esperar nada em troca.
O
naturalista britânico Charles Darwin chamou de "espírito de simpatia"
o comportamento de ajuda recíproca entre animais que aumenta as chances de
sobrevivência dos indivíduos que estão ajudando. Ele também observou que esse
comportamento ocorria entre iguais, indivíduos que eram capazes de retribuir o
favor.
Na
visão de Darwin, o passo do "espírito de simpatia" para o verdadeiro
comportamento altruísta ocorreu no curso da evolução humana quando os cuidados
começaram a ser dispensados a indivíduos vulneráveis, que provavelmente não
retribuiriam o favor.
Desde
então, a antropologia evolutiva tem se perguntado quando e em quais espécies
esse Rubicão foi cruzado.
• Neandertais
altruístas?
Há
casos conhecidos de cuidados com pessoas com patologias no registro evolutivo humano,
especialmente na linhagem Neandertal.
Um
exemplo disso é um espécime antigo do sítio Sima de los Huesos de Atapuerca, em
Burgos (Espanha), datado de cerca de 430 mil anos atrás. Esse local produziu a
maior coleção de fósseis humanos da história, que são considerados os
ancestrais remotos dos neandertais.
O
espécime em questão é representado por sua pélvis (carinhosamente apelidado de
"Elvis") e vértebras lombares. Esses fósseis mostram evidências de
que o indivíduo sofria de uma patologia degenerativa chamada
"spondylolisthesis".
Essa
condição causava fortes dores nas costas e alterações posturais importantes que
limitavam severamente sua mobilidade.
Levando-se
em conta que se tratava de grupos de caçadores-coletores altamente móveis, só é
possível explicar a sobrevivência desse indivíduo ao longo dos anos com a ajuda
do grupo que o aguardava ou o transportava quando ele estava em movimento.
Entretanto,
não é possível saber se esse cuidado foi um caso de altruísmo genuíno. Como
Elvis era um indivíduo adulto, não se pode descartar que tenha sido um caso de
ajuda recíproca: ou porque o indivíduo havia ajudado outros no passado ou
porque era um membro particularmente valioso do grupo devido à sua longa
experiência.
Uma
situação semelhante ocorre com os outros neandertais que viveram durante anos
com patologias incapacitantes e cuja sobrevivência exigia a ajuda do grupo.
Em
todos os casos, trata-se de indivíduos adultos nos quais não se pode descartar
que sua sobrevivência se deveu à ajuda recíproca e não ao verdadeiro altruísmo.
Para resolver essa questão, é necessário ter casos de indivíduos infantis, cuja
capacidade de retribuir o favor seria muito limitada.
• Histórias de
cuidados com bebês
Até
recentemente, o único caso apresentado de um espécime infantil com patologias
graves e que necessitava de cuidados sociais também veio do sítio de Sima de
los Huesos.
Trata-se
do chamado Crânio 14 (apelidado de "Benjamina"), que pertenceu a uma
menina pré-adolescente e apresenta uma patologia rara chamada
"craniossinostose precoce".
Essa
condição causou a deformação do crânio e da face. Também é possível que ela
sofresse de retardo psicomotor, de modo que sua sobrevivência, por mais de uma
década, teria exigido cuidados especiais de seu grupo.
Embora
a existência de tal retardo psicomotor não tenha sido estabelecida com total
certeza, também não é possível determinar com certeza a natureza dos cuidados
necessários a Benjamina. Talvez sua sobrevivência exigisse apenas cuidados
maternos e nenhuma ajuda do restante do grupo.
Publicamos
recentemente o caso de um pequeno fragmento de crânio de Neandertal recuperado
do sítio valenciano de Cova Negra, datado entre 146 mil e 273 mil anos atrás. O
resto corresponde à região do osso temporal que abriga o ouvido interno e
pertencia a uma criança com mais de 6 anos de idade (apelidada de
"Tina").
O
estudo do ouvido interno de Tina revelou a existência de cinco condições
patológicas que são muito raras individualmente e só são conhecidas por
ocorrerem juntas em pessoas com síndrome de Down.
Essas
patologias fizeram com que Tina sofresse de perda auditiva grave, dificuldades
de equilíbrio e ataques de vertigem. Além disso, ela provavelmente também tinha
problemas musculares graves, tanto para andar quanto para engolir alimentos.
O
fato de a criança ter conseguido sobreviver por pelo menos seis anos nas
exigentes condições de vida de um grupo de caçadores-coletores de Neandertal
indica que ela teve de receber cuidados e atenção constantes.
Não
é razoável pensar que a mãe de Tina poderia ter sido capaz de fornecer esses
cuidados continuamente por conta própria, mas que ela precisou da ajuda dos
outros membros de seu grupo.
Como
Tina não poderia ter retribuído o favor àqueles que cuidaram dela, essa seria a
primeira evidência sólida de comportamento altruísta em uma espécie humana
diferente da nossa.
Essa
feliz descoberta nos mostrou um aspecto muito próximo do comportamento dos
neandertais, que já eram capazes de integrar a diversidade em seus grupos. A
chegada de Tina nos lembra que todos nós, sem distinção, fazemos parte da
história da evolução humana.
Fonte:
Por Mercedes Conde-Valverde, para The Conversation
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