Raphael
Fagundes: O crime político é um costume e prática militar
Apenas
três chefes de Estado brasileiros sofreram tentativas de assassinato: D. Pedro
II, Prudente de Morais e Getúlio Vargas. A conspiração militar para ceifar a
vida de um presidente da República não é uma novidade no país.
No
mesmo ano da proclamação da República pelos militares, o imperador D. Pedro II
sofre o primeiro atentado contra a vida de um chefe de Estado no país. “Em 15
de julho de 1889 - quatro meses antes do golpe que o derrubaria do poder -, ele
saía de um teatro no Centro do Rio de Janeiro quando ouviu um grito ‘Viva a
República!’ Um jovem sacou um revólver e deu um tiro na direção do imperador,
mas ninguém foi atingido”. O assassino era Adriano Augusto do Vale, um caixeiro
português desempregado que, após a proclamação da República, foi absolvido sem
apontar nenhum cúmplice, como mostra o historiador José Murilo de Carvalho.[1]
Não
podemos acusar os militares de envolvimento no ocorrido, embora seja curioso
como um “terrorista” foi absolvido depois da chegada dos militares ao poder.
O
primeiro presidente civil da República, Prudente de Moraes, estava se
preparando para saudar dois batalhões que retornavam de Canudos. “Após a
execução do Hino Nacional, o soldado Marcelino Bispo, armado com uma faca,
saltou na direção de Prudente de Moraes. Para defendê-lo, o ministro da Guerra,
marechal Carlos Machado Bittencourt, colocou-se à sua frente. Levou três
facadas e morreu minutos depois. Testa de ferro dos adversários do presidente,
Marcelino Bispo já havia sido encarregado de matá-lo em outras ocasiões”. O
atentado estava relacionado à suspeita de apoio dos monarquistas aos seguidores
de Antônio Conselheiro. Um detalhe do caso: “Gente do alto escalão do governo,
como o vice-presidente Manuel Vitorino e o deputado Francisco Glicério, teriam participado
da conspiração, tramada em reuniões secretas no Clube Militar”. Acabou que o
bode expiatório, Marcelino Bispo, cometeu suicídio na cadeia.
Getúlio
Vargas também escapou de algumas tentativas de assassinato. A Ação Integralista
Brasileira (AIB) tentou pelo menos duas vezes em 1938. “O plano, encabeçado
pelo capitão de fragata Fernando Cochrane, deveria ser executado durante a
visita oficial do presidente a um submarino”, explica Fabiano Vilaça.[2]
“Diz-se que Vargas sabia do atentado e, por isso, usava uma cota de malha sob o
terno. Nada aconteceu, mas a destituição de Cochrane do comando da força de
submarinos aumentou as suspeitas”.
Já
em 11 de maio de 1938, o general Castro Júnior, o tenente Severo Fournier, o
médico baiano Belmiro Valverde e o almirante Arnoldo Hasselmann, planejaram
assassinar Vargas no Palácio Do Catete. “Consta que o presidente chegou a
empunhar uma metralhadora para dar combate aos invasores”. Mas a Polícia
Especial tomou conta da situação. Líderes, como Fournier, acabaram presos, mas
alguns participantes foram mortos depois de rendidos e desarmados.
Outras
figuras políticas sofreram atentados, como Juscelino Kubitschek que foi morto
em um acidente de trânsito suspeito. João Goulart que foi envenenado na
Argentina. Carlos Lacerda no famoso caso do “atentado da Rua Tonelero” e
Bolsonaro que foi vítima de uma facada em um comício, mas nenhum destes
exerciam o cargo de chefe de Estado.
Nas
palavras do jurista e intelectual Sobral Pinto: “Os militares, tendo proclamado
a República, julgaram-se donos da República. E nunca aceitaram não serem os
donos da República”. Esse é o ponto em comum. A trama de militares para
assassinar presidentes é recorrente na nossa história. Embora nenhum tenha dado
certo, efetivamente, eles não titubeiam em agir nas sombras para controlar a
política do Brasil, como vimos em diversos golpes que marcaram a história do
país.
Parece
que o jornal Cidade do Rio, que comentou sobre o primeiro atentado a um
presidente civil, acertou em cheio: “O crime político está, enfim, implantado
nos costumes brasileiros”.
¨
Bolsonaro, Braga Netto
e os ratos que - ainda - querem impor uma nova Ditadura ao Brasil
Chefe
de gabinete do general Mario Fernandes, então ministro da Secretaria-Geral da
Presidência no governo Jair Bolsonaro (PL), o coronel "kid preto"
Reginaldo Vieira de Abreu reclamou, em troca de mensagens no dia 4 de dezembro
de 2022, da presença de "esse pessoal acima da linha da ética" nas
reuniões golpistas com Jair Bolsonaro (PL).
“Kid
Preto, o presidente, ele tem que fazer uma reunião Petit comité. O pessoal ia
fazer uma reunião essa semana, o comandante do exército, aí chegou Paulo
Guedes, chegou o pessoal da TCU, da AGU, aí não pode, tem esse pessoal, é...
Esse pessoal acima da linha da ética não pode estar nessa reunião, tem que ser
Petit comité, pô", disparou o militar, que em outra ocasião
afirmou "quatro linhas [da Constituição] é o caralho", sobre
expressão frequentemente utilizada por Bolsonaro.
Em
seguida, Velame como era conhecido - jargão usado para descrever o paraquedas
no meio militar - classificou com um nome simbólico quem deveria ser convocado
para o "petit comité" em que se discutiria, entre outros temas, o
assassinato do presidente e vice eleitos, Lula e Geraldo Alckmin (PSB), e do
então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de
Moraes.
"Tem que ser a rataria, ele [Bolsonaro] e a rataria”,
afirmou.
O
dicionário Michaelis define o termo como "ratada, ninhada de ratos, grande
número de ratos".
Foi
com esses ratos que Bolsonaro chegou ao poder, corroeu todas as entranhas do
poder e tramou, com requintes de crueldade, um golpe militar, assim como são 25
dos 37 indiciados pela Polícia Federal na organização criminosa que planejou a
instalação da Ditadura da Rataria, sob o comando do "capitão" que tem
um longo histórico golpista em seu currículo, incluindo dentro do próprio
Exército.
Entre
os indiciados há oito generais, seis tenentes-coronéis, sete coronéis, um
capitão, um subtenente e dois majores. Todos eles com acesso ao comando militar
e com salários acima dos dois dígitos - assim como Bolsonaro, que vai receber
R$ 100 mil em salários e aposentadorias em recursos públicos a partir do ano
que vem, mesmo dentro de uma possível prisão.
<><> O rato graúdo
Além
de Bolsonaro, que nutria um sentimento de vingança ao se declarar
rotineiramente "comandante em chefe das Forças Armadas" durante a
Presidência, o general Walter Braga Netto é um dos militares de alta patente
que merecem um aprofundamento das investigações, quiçá em um novo inquérito.
Vice
na chapa de Bolsonaro após passar pelo comando do Exército, Casa Civil e Defesa
nos quatro anos do ex-governo, Braga Netto é o elo que liga o golpismo
histórico das Forças Armadas à tentativa frustrada que ocorreu em 2022.
Formado
na turma de 1978 da Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN), um ano depois de
Bolsonaro, Braga Netto deixou suas impressões digitais em praticamente todos os
núcleos do comando golpista.
Mas
sua sanha pelo poder foi despertada no golpe anterior, contra Dilma Rousseff
(PT), quando foi alçado por Michel Temer (MDB) para comandar o gabinete de
intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.
Instalado
um mês antes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, em 16 de
fevereiro de 2018, o gabinete de intervenção virou um antro de suspeitas de
corrupção pelas compras sem licitação e alçou militares para os alicerces da
milícia política.
Responsável
por um contrato suspeito de compras de armas Glock no valor de R$ 46 milhões
durante a gestão das finanças da intervenção, o general de divisão Laélio
Soares de Andrade foi para a chefia de gabinete da presidência do Tribunal de
Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), onde atuou Domingos Brazão, preso
como mandante do assassinato de Marielle e Anderson Gomes.
<><> Etchegoyen e Villas Boas
Já
para Braga Netto, o comando da intervenção no Rio serviu para selar a
aproximação com os golpistas históricos da caserna, como Sergio Etchegoyen,
então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e homem forte do governo
Temer, e Eduardo Villas Bôas, que teria avalizado sua indicação à empreitada em
terras cariocas.
Com
o prestígio do cargo, Braga Netto começou a desfilar nas fileiras do Alto
Comando das Forças e cooptar, por dentro, novos membros ao PMB, como é
conhecido o Partido Militar Brasileiro, que não tem personalidade jurídica
formada, mas atua especialmente dentro dos clubes militares, saudosistas da
Ditadura.
Mesmo
com várias suspeitas de envolvimento do clã Bolsonaro com a milícia fluminense
e outros grupos criminosos, Braga Netto deixou a intervenção no Rio em janeiro
de 2019 e foi alçado diretamente para o comando do Estado-Maior do Exército
pelo "capitão" que chegara à Presidência.
Um
ano depois, entrou para a reserva para assumir a Casa Civil de Bolsonaro,
passou pelo Ministério da Defesa, até escantear o colega, general Hamilton
Mourão (Republicanos-RS) - ex-presidente do Clube Militar do Rio de Janeiro, um
antro golpista -, e ganhar o posto de candidato a vice na chapa de Bolsonaro em
2022, já devidamente nos quadros do PL, partido do qual é hoje secretário
nacional de Relações Institucionais.
Braga
Netto ganhou a vice em uma disputa obscura, que agora começa a vir à luz. Além
de ser um dos principais articuladores do golpe no governo, o general atuou
dentro do comando militar visando dar um "golpe dentro do
golpe", como revelou Cleber Lourenço nesta Fórum.
O
general, no entanto, não agia sozinho. O vice de Bolsonaro teria na empreitada
apoio da linhagem golpista histórica da cúpula militar.
Nomes
que ficaram fora dos 37 denunciados na organização criminosa golpista e que
seguem corroendo as entranhas da democracia, seja no Congresso, nas Forças
Armadas, na própria Polícia Federal e até mesmo na cúpula do Judiciário e do
Ministério Público.
O
relatório da Polícia Federal não acaba com a rataria levada às instituições e
ao poder por Bolsonaro. Apenas acua alguns ratos. Que acuados podem atacar.
¨ O dilema de Bolsonaro e dos seus defensores
Nada
surpreendente. Sempre que Bolsonaro se vê em apuros, ele e seus acólitos dão um
jeito de lembrar a facada de 6 de setembro de 2018 em Juiz de Fora, Minas
Gerais.
Nas
eleições daquele ano, a facada serviu para que Bolsonaro ganhasse uma cobertura
jornalística como nenhum candidato jamais teve, e votos naturalmente, milhões
de votos.
De
um leito de hospital, e depois em sua casa, Bolsonaro limitou-se a administrar
o silêncio sem precisar fazer mais nada para se eleger – salvo uma ou outra
aparição sem danos em público.
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Ao
longo dos seus quatro anos de governo, não foram poucas as vezes em que
Bolsonaro aproveitou programas de televisão para exibir sem recato o tamanho da
costura que carrega na barriga.
Reavivou
a lembrança dos que votaram nele e despertou pena. Era o modo de reter os votos
que recebera. Às vezes, servia também para tirar o foco de assuntos que ele não
queria enfrentar.
Por
que não se valer agora do mesmo artifício ainda à falta de algo a dizer sobre
seu indiciamento pela Polícia Federal nos crimes de tentativa violenta de
abolição da democracia e golpe de Estado?
Bolsonaro
teria muito o que dizer a seu favor ou a respeito dos outros indiciados –
ocorre, porém, que seus advogados não tiveram acesso aos autos do processo que
corre sob sigilo de justiça.
Então,
por que não apelar de novo à facada? Foi o que fez seu filho Zero Três, Eduardo
Bolsonaro (PL-SP), em postagem nas redes sociais. Está lá, na foto, o corpo
estendido na mesa de cirurgia.
Disse
Lula há dois dias: “Tentaram me envenenar, mas não conseguiram”. Eduardo
respondeu em inglês, logo abaixo da foto do pai sendo operado:
– This is try of assassination. Ask Lula to shows his “try” of assassination (Esta é uma
tentativa de assassinato. Peça para Lula mostrar sua ‘tentativa’ de
assassinato).
A
tentativa de assassinato de Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes não foi
filmada porque acabou suspensa. Mas a reunião ministerial onde primeiro se
falou em golpe, essa foi filmada.
Bolsonaro
e seus advogados estão diante de um dilema: insistir com a tese pouco
convincente de que não houve tentativa de golpe de Estado, e se provado que
houve, Bolsonaro não soube?
Ou
admitir que ele soube e que a desautorizou, indignado? São fartas as provas de
que houve uma tentativa de golpe que não se consumou só por um suspiro, e que
Bolsonaro sabia.
Mas
como pode Bolsonaro retirar o seu da reta sem acusar os suspeitos da tentativa
de “virar a mesa” para que Lula não tomasse posse? Ou se tomasse, fosse
derrubado por um levante popular?
Bolsonaro
foi a bucha de canhão dos militares que em 2018 queriam impedir a volta da
esquerda ao poder. Foram bem-sucedidos. E com isso, foram eles que voltaram ao
poder pelo voto.
Apesar
dos frequentes desentendimentos com Bolsonaro, ele continuou sendo a bucha de
canhão dos militares para as eleições de 2022. Os militares fizeram tudo ao seu
alcance para reelegê-lo.
Quando
não deu mais, altos oficiais da ativa e da reserva conspiraram com Bolsonaro
para mantê-lo no poder. Bolsonaro era a bucha de canhão a ser usada e mais
tarde jogada fora.
A
relutância de uma parte do Alto Comando do Exército em aderir ao plano pôs tudo
a perder, além do amadorismo da ação. E assim, senhoras e senhores, salvou-se a
democracia para o bem de todos.
O
que não tem salvação é bucha de canhão depois de disparada.
¨
Oposição acumula
crises em poucos dias e PL da Anistia submerge
Em
pouco mais de 15 dias a oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
foi da euforia pela vitória de Donald Trump nos Estados Unidos a uma série de acontecimentos que criaram uma crise para o
grupo. A sucessão de fatos dos últimos dias fez a principal bandeira dos
bolsonaristas, o chamado projeto de lei (PL) da Anistia,
submergir na Câmara dos Deputados.
O
PL da Anistia visa conceder o benefício aos envolvidos nos atos
antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do
ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) invadiram e depredaram as sedes dos
Três Poderes, em Brasília.
A
avaliação de que o andamento da proposta estava “muito prejudicada” havia sido
feita por líderes partidários na semana passada, quando um homem explodiu o próprio carro nas proximidades do
anexo IV da Câmara dos Deputados e, depois, jogou bombas e se explodiu em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesta
semana, as revelações da Polícia Federal (PF) de um suposto plano golpista para matar o
presidente Lula; o vice-presidente Geraldo Alckmin; e o
ministro do STF Alexandre de Moraes, além do indiciamento de 37 pessoas por tentativa de golpe de Estado,
incluindo o ex-presidente Bolsonaro, tornaram
ainda mais inviável o andamento do projeto.
Paralelos
aos fatos, começaram a chegar pedidos ao presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), para que o PL da Anistia seja arquivado. Até o momento, são três
requerimentos. Eles foram feitos por PT, PSol e um grupo de 21 deputados governistas.
<><>
Texto na “geladeira” da Câmara
Três
semanas depois de ter tirado o projeto da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e o
levado para uma comissão especial, Lira
ainda não oficializou a criação do colegiado para que possam ser feitas as
indicações dos membros.
Não
há prazo para o presidente da Câmara fazer a proposta avançar, e não está no
radar que isso se dê nos próximos dias. Desde que foi anunciada a saída do
texto da CCJ, governistas faziam a avaliação de que a proposta não caminharia
mais este ano.
Os
deputados bolsonaristas seguem discursando que a única forma de “pacificar” e
“acalmar” o país é aprovar a anistia. Na avaliação do grupo, é preciso passar
uma borracha nos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 para se discutir o
futuro. No entanto, o caminho político de convencimento para que hajam votos
para a proposta ser aprovada ficou mais difícil.
Fonte:
Fórum/Metrópoles
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