Jeffrey
Sachs: O que aflige os EUA – e como resolver isso
Os
Estados Unidos são um país com vastas e inquestionáveis forças — tecnológicas,
econômicas e culturais —, mas o seu governo está falhando profundamente com os
seus próprios cidadãos e com o mundo. A vitória de Trump é muito fácil de
entender. Foi um voto contra o status quo. Resta saber se Trump resolverá — ou
se sequer tentará resolver — o que realmente acomete os EUA.
A
rejeição do status quo pelo eleitorado estadunidense é esmagadora. Segundo o
Gallup, em outubro de 2024, 52% dos estadunidenses disseram que eles e suas
famílias estavam em pior situação do que quatro anos atrás, enquanto apenas 39%
disseram que estavam em melhor situação e 9% afirmaram estar na mesma. Uma
pesquisa nacional da NBC em setembro de 2024 revelou que 65% dos estadunidenses
disseram que o país está no caminho errado, enquanto apenas 25% disseram que
está no caminho certo. Em março de 2024, de acordo com o Gallup, apenas 33% dos
estadunidenses aprovavam a condução de Joe Biden nos assuntos exteriores.
No
cerne da crise dos EUA está um sistema político que falha em representar os
verdadeiros interesses do eleitor médio. Esse sistema foi "hackeado"
pelo grande capital há décadas, especialmente quando a Suprema Corte dos EUA
abriu as comportas para contribuições ilimitadas em campanhas eleitorais. Desde
então, a política estadunidense tornou-se um brinquedo de doadores super-ricos
e lobbies de interesses específicos, que financiam campanhas eleitorais em
troca de políticas que favorecem interesses pessoais em vez do bem comum.
Dois
grupos controlam o Congresso e a Casa Branca: indivíduos super-ricos e lobbies
de questões privadas.
O
mundo assistiu estupefato enquanto Elon Musk, a pessoa mais rica do mundo (e
sim, um brilhante empreendedor e inventor), desempenhou um papel único ao
apoiar a vitória eleitoral de Trump, tanto por meio de sua vasta influência na
mídia quanto pelo financiamento. Incontáveis outros bilionários contribuíram
para a vitória de Trump.
Muitos
(embora não todos) desses doadores super-ricos buscam favores especiais do
sistema político para as suas empresas ou investimentos, e a maioria desses
favores serão devidamente entregues pelo Congresso, pela Casa Branca e pelas
agências reguladoras comandadas pela novo executivo. Muitos desses doadores
também pressionam por uma entrega geral: mais cortes de impostos sobre a renda
corporativa e os ganhos de capital.
Vale
destacar que muitos doadores empresariais estão francamente do lado da paz e da
cooperação com a China, o que é muito sensato tanto para os negócios quanto
para a humanidade. Líderes empresariais geralmente desejam paz e prosperidade,
enquanto ideólogos enlouquecidos buscam hegemonia por meio da guerra.
Haveria
pouquíssima diferença nisso tudo com uma vitória de Harris. Os democratas têm a
sua própria longa lista de super-ricos que financiaram as campanhas
presidenciais e congressionais do partido. Muitos desses doadores também
exigiriam e receberiam favores especiais.
Os
cortes de impostos sobre a renda de capital vêm sendo aprovados pelo Congresso
há décadas, sem importar o seu impacto no crescente déficit federal, que agora
é de quase 7% do PIB, mesmo que a renda nacional antes dos impostos nos EUA nas
últimas décadas tem se deslocado fortemente para a renda de capital, em
detrimento da renda do trabalho. De acordo com um indicador básico, a
participação da renda do trabalho no PIB caiu cerca de 7 pontos percentuais
desde o fim da Segunda Guerra Mundial. À medida que a renda passou do trabalho
para o capital, o mercado de ações (e a super-riqueza) disparou, com a
valorização geral do mercado subindo de 55% do PIB em 1985 para 200% do PIB
hoje!
O
segundo grupo que controla Washington são os lobbies de interesses privados.
Esses poderosos lobbies incluem o complexo militar-industrial, Wall Street, Big
Oil, a indústria de armas, a grande indústria farmacêutica, a grande
agricultura e o lobby de Israel. A política estadunidense é bem organizada para
atender a esses interesses especiais. Cada lobby compra o apoio de comissões
específicas no Congresso e de líderes nacionais selecionados para obter
controle sobre as políticas públicas.
Os
retornos econômicos do lobby de interesses privados são frequentemente enormes:
cem milhões de dólares em financiamento de campanha por um grupo de lobby podem
resultar em cem bilhões em gastos federais e/ou cortes de impostos. Esse é o
caso, por exemplo, do lobby de Israel, que gasta algumas centenas de milhões de
dólares em contribuições de campanha e arrecada dezenas de bilhões em apoio
militar e econômico para Israel.
Esses
lobbies de interesses privados não dependem nem se importam muito com a opinião
pública. Pesquisas de opinião mostram regularmente que o público deseja
controle de armas, preços mais baixos de medicamentos, o fim dos resgates a
Wall Street, energia renovável e paz na Ucrânia e no Oriente Médio. Em vez
disso, os lobistas garantem que o Congresso e a Casa Branca ofereçam acesso
contínuo a armas de fogo e armas de assalto, preços altíssimos de medicamentos,
proteção a Wall Street, mais perfuração de petróleo e gás, armas para a Ucrânia
e guerras em nome de Israel.
Esses
lobbies poderosos são conspirações financiadas por dinheiro contra o bem comum.
Lembre-se da famosa máxima de Adam Smith em A Riqueza das Nações (1776):
"Pessoas da mesma profissão raramente se encontram, mesmo para diversão,
mas a conversa termina em uma conspiração contra o público ou em alguma
estratégia para aumentar os preços."
Os
dois lobbies mais perigosos são o complexo militar-industrial (como Eisenhower
nos alertou famosamente em 1961) e o lobby de Israel (como detalhado em um
livro brilhante do historiador Ilan Pappé). O perigo especial desses grupos é
que eles continuam nos levando à guerra e nos aproximam cada vez mais de um
Armagedom nuclear. A recente decisão imprudente de Biden de permitir ataques de
mísseis dos EUA no interior da Rússia, há muito defendida pelo complexo
militar-industrial, é um exemplo disso.
O
complexo militar-industrial visa à "dominância de espectro completo"
dos EUA. Suas supostas soluções para os problemas mundiais são guerras e mais
guerras, juntamente com operações secretas de mudança de regime, sanções
econômicas dos EUA, guerras de informação, revoluções coloridas (lideradas pela
Fundação Nacional para a Democracia) e intimidação na política externa. Essas,
obviamente, não têm sido soluções de fato. Essas ações, em flagrante violação
do direito internacional, aumentaram dramaticamente a insegurança dos EUA.
O
complexo militar-industrial arrastou a Ucrânia para uma guerra sem esperança
contra a Rússia, prometendo à Ucrânia adesão à OTAN, apesar da oposição
fervorosa da Rússia, e conspirando para derrubar o governo da Ucrânia em
fevereiro de 2014 porque este buscava a neutralidade em vez da adesão à OTAN.
Atualmente,
o complexo militar-industrial está — incrivelmente — promovendo uma guerra
iminente com a China. Isso, claro, envolverá um enorme e lucrativo aumento no
armamento, o objetivo do complexo militar-industrial. No entanto, também
ameaçará a Terceira Guerra Mundial ou uma derrota catastrófica dos EUA em mais
uma guerra asiática.
Enquanto
o complexo militar-industrial alimentou a expansão da OTAN e conflitos com a
Rússia e a China, o lobby de Israel fomentou as guerras em série dos EUA no
Oriente Médio. Benjamin Netanyahu, de Israel, mais do que qualquer presidente
dos EUA, tem sido o principal promotor do apoio estadunidense às desastrosas
guerras no Iraque, no Líbano, na Líbia, na Somália, no Sudão e na Síria.
O
objetivo de Netanyahu é manter as terras que Israel conquistou na guerra de
1967, criando o que é chamado de Grande Israel, e impedir a formação de um
estado palestino. Essa política expansionista, em contravenção ao direito
internacional, deu origem a grupos militantes pró-palestinos como o Hamas, o
Hezbollah e os Houthis. A política de longa data de Netanyahu é que os EUA
derrubem ou ajudem a derrubar os governos que apoiam esses grupos de
resistência.
Incrivelmente,
os neoconservadores de Washington e o lobby de Israel realmente se uniram para
executar o plano desastroso de Netanyahu de guerras em todo o Oriente Médio.
Netanyahu foi um dos principais apoiadores da Guerra no Iraque. O ex-sargento
chefe da Força Aérea Dennis Fritz recentemente descreveu em detalhes o grande
papel do lobby de Israel nessa guerra. Ilan Pappé fez o mesmo. De fato, o lobby
de Israel apoiou guerras lideradas ou apoiadas pelos EUA em todo o Oriente
Médio, deixando os países-alvo em ruínas e o orçamento dos EUA profundamente
endividado.
Enquanto
isso, as guerras e os cortes de impostos para os ricos não ofereceram soluções
para as dificuldades dos estadunidenses da classe trabalhadora. Como em outros
países de alta renda, o emprego na manufatura nos EUA caiu acentuadamente a
partir da década de 1980, à medida que trabalhadores de linha de montagem foram
cada vez mais substituídos por robôs e "sistemas inteligentes". O
declínio na participação da mão-de-obra no valor produzido nos EUA foi
significativo e, mais uma vez, foi um fenômeno compartilhado com outros países
desenvolvidos.
No
entanto, os trabalhadores estadunidenses foram especialmente prejudicados. Além
das tendências tecnológicas globais subjacentes que atingem empregos e
salários, os trabalhadores dos EUA têm sido castigados por décadas de políticas
anti-sindicais, custos crescentes de ensino superior e saúde e outras medidas
anti-trabalhadores. Nos países de alta renda do norte da Europa, o
"consumo social" (saúde, educação, habitação e outros serviços
públicos financiados publicamente) e altos níveis de sindicalização sustentaram
padrões de vida decentes para os trabalhadores. Isso não aconteceu nos Estados
Unidos.
Nos
Estados Unidos, em vez disso, o dinheiro tem sido desviado para o complexo
militar-industrial, os cortes de impostos para os ricos e o sistema
disfuncional de saúde privado. A despesa anual dos EUA com o setor de defesa é
de cerca de 4% do PIB, enquanto na maior parte da Europa gira em torno de 1,5%.
Nos EUA, os custos de saúde estão em 18% do PIB, enquanto nos países europeus
são de cerca de 11%. Esses dois fatores juntos consomem uma enorme quantidade
de recursos nos EUA, deixando pouco para investimentos em educação,
infraestrutura, habitação pública, energia renovável e apoio social.
De
forma devastadora, o sistema educacional dos EUA está em declínio devido à
falta de investimentos. Muitos professores em escolas públicas estadunidenses
recebem salários baixos e, em muitos estados, precisam lutar contra a
superlotação das salas de aula e a falta de materiais básicos. Além disso, o
aumento das taxas escolares e dos custos com educação superior criaram um
obstáculo quase intransponível para muitos jovens estadunidenses, que terminam
sobrecarregados com dívidas estudantis exorbitantes.
Em
última análise, a indignação dos eleitores estadunidenses nas eleições de 2024
está bem fundamentada, pois os sucessivos governos falharam em proteger o
bem-estar econômico, social e ambiental do país. Mas Trump, mesmo representando
uma rejeição ao establishment, não é uma solução. Sua administração será
inevitavelmente cooptada pelos mesmos interesses ricos e poderosos que
controlam o sistema político estadunidense há décadas.
A
solução para os problemas dos EUA exigirá reformas muito mais profundas e
abrangentes.
<><> A Solução: Reconstruir a Democracia - Para reverter o rumo desastroso dos Estados Unidos, o sistema
político precisa ser reconstruído para representar os interesses do povo e não
os de uma pequena elite de doadores bilionários e grupos de lobby poderosos.
Isso inclui:
- Reforma do Financiamento de Campanhas: Acabar com o financiamento ilimitado de campanhas por
corporações e indivíduos ricos, uma prática consagrada pela decisão da
Suprema Corte no caso Citizens United v. FEC (2010).
- Impostos Progressivos: Introduzir
uma tributação muito mais progressiva sobre a renda e a riqueza,
garantindo que os mais ricos paguem a sua justa parte e que os fundos
arrecadados sejam investidos em educação, saúde e infraestrutura pública.
- Controle dos Lobbies: Implementar
regulamentações rigorosas para reduzir o poder dos lobbies de interesses
especiais no Congresso e nas agências reguladoras.
- Reforma na Política Externa: Reduzir drasticamente o orçamento militar e mudar o
foco da política externa estadunidense de intervenções militares para
diplomacia, cooperação internacional e respeito ao direito internacional.
- Investimento em Educação e Saúde: Reverter os cortes em educação pública e saúde,
assegurando que todos os estadunidenses tenham acesso universal à educação
e assistência médica de alta qualidade.
- Apoio ao Trabalho e aos Sindicatos: Fortalecer os direitos dos trabalhadores e facilitar
a sindicalização, de forma a proteger os empregos e salários na era da
automação.
- Transição para Energia Sustentável: Redirecionar os subsídios para combustíveis fósseis a
investimentos em energia renovável, ajudando a combater as mudanças
climáticas e criando novos empregos no setor de energia limpa.
¨
Conclusão
Os
Estados Unidos têm os recursos para reverter o seu atual declínio. No entanto,
isso exigirá uma mobilização maciça da população para pressionar por mudanças
estruturais reais no sistema político e econômico. As forças que controlam
Washington hoje — bilionários e lobbies poderosos — não cederão os seus
privilégios facilmente.
O
que é necessário, acima de tudo, é um movimento popular para recuperar a
democracia estadunidense e redirecionar o governo para servir ao povo e não a
uma elite financeira. Os desafios são enormes, mas a história mostra que
grandes mudanças são possíveis quando as pessoas se mobilizam por um futuro
mais justo, equitativo e sustentável.
¨
Trump Jr. está
ajudando seu pai a escolher o gabinete mais controverso dos EUA, diz mídia
Recheado
de idealistas inexperientes, aquele que deve ser o gabinete mais controverso da
história recente dos EUA parece que trocou a qualificação por lealdade, um dos
atributos mais aclamados por Trump, que neste segundo mandato quer se cercar de
pessoas que pensem como ele, e ao que tudo indica, tem ouvido muito seu filho
para realizar a tarefa.
Donald
Trump Jr. é o nome por trás da escolha do senador, e futuro vice-presidente,
J.D. Vance para compor a chapa com seu pai. De acordo com uma matéria da
Reuters, ele também foi responsável por impedir que o ex-secretário de Estado,
Mike Pompeo, se juntasse ao gabinete, exercendo uma influência direta na futura
administração.
Surgindo
como o membro mais influente da família Trump, Trump Jr., que apresenta um
podcast focado em política, pode não vir a ocupar um cargo direto na Casa
Branca, mas certamente vai influenciar as decisões de seu pai, como no caso do
ex-presidente brasileiro, Jair Bolsonaro — que diferentemente de Trump tem três
de seus cinco filhos ocupando cargos eletivos. Trump busca na confiança
familiar o elemento-chave para compartilhar o processo de tomada de decisões
que não consegue delegar a funcionários e assessores.
Segundo
a apuração, além de garantir que os candidatos sejam leais ao pai, Trump Jr.
normalmente procura figuras que adotem uma visão do mundo anti-establishment,
incluindo políticas econômicas protecionistas e uma redução nas intervenções
militares e na ajuda externa, de acordo com algumas fontes.
Mas
nem tudo é tão fácil quanto se pensa. Algumas das indicações de Donald Trump
Jr. podem enfrentar dificuldades no Senado. São eles Robert F. Kennedy Jr., que
poderia ser a principal autoridade de saúde dos EUA, mas durante a pandemia de
COVID-19 divulgou desinformação sobre as vacinas, e Tulsi Gabbard, que pode vir
a ser chefe das agências de inteligência, mas defendeu a tese impopular no
Ocidente de que o presidente russo Vladimir Putin tinha motivos válidos para se
envolver em um conflito com a Ucrânia.
Duas
das fontes próximas ao filho de Trump disseram à apuração que ele não pesa em
todas as decisões de pessoal e não está trabalhando no processo de transição ou
em Mar-a-Lago em tempo integral, mas ele próprio, Trump Jr., disse em
entrevista à Fox News que suas escolhas eram "sobre cercar meu pai de
pessoas que sejam competentes e leais". A única dúvida que resta, segundo
analistas e críticos do futuro gabinete, é o que significa
"competência" para a família Trump.
Mas
esta está longe de ser a primeira vez que Trump delega algum tipo de função —
ou confia em — a um membro de sua família. Em 2016 a filha de Trump, Ivanka, e
seu marido Jared Kushner foram destaque em sua campanha presidencial, na
transição subsequente e durante todo seu primeiro mandato.
Fonte:
Brasil 247/Sputnik Brasil
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