quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Noblat: Bolsonaro é um doente terminal que respira por meio de aparelhos

Por aqui pelo menos, golpe foi sempre para derrubar governos. De 1930 para cá, só houve um golpe promovido por quem governava: o de 1937, sob o comando do então presidente Getúlio Vargas.

Vargas chegou à Presidência na crista da Revolução de 1930. Derrotado na eleição daquele ano, ele encabeçou um movimento militar golpista e derrubou o presidente eleito.

Para não largar o poder, Vargas deu o golpe de 1937 que instituiu o Estado Novo, governando até 1945, quando foi deposto. Eleito em 1950, matou-se em 1954 para não ser novamente deposto.

O presidente Jânio Quadros protagonizou em 1961 uma bizarra tentativa de golpe a favor dele mesmo: renunciou ao cargo para voltar nos braços do povo e com mais poderes. Não voltou.

Sabendo ou não, dado que não é de muitas leituras, Bolsonaro quis repetir Vargas, aplicando um golpe a seu favor. Uma vez derrotado em 2022, conspirou para impedir que Lula tomasse posse.

Surpresa alguma. Bolsonaro jamais escondeu seu intuito de abolir a democracia por meio de um golpe de Estado, jamais. Foi coerente do princípio ao fim de sua carreira política.

Só seus fanáticos seguidores, os desinformados e os incrédulos por natureza podem se espantar em vê-lo indiciado pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado.

Escrevi aqui em 10/5/2022

“Por mais que neguem, os militares e Bolsonaro estão unidos na tarefa de semear dúvidas não só sobre a segurança das urnas eletrônicas como sobre o processo de apuração.”

E aqui em 18/5/2022 depois de Bolsonaro ter dito que não era crime pedir o retorno da ditadura:

“Bolsonaro bate palmas para os malucos e espera que eles dancem. Ao final, quem dançará será ele.”

E aqui em 18/7/2022:

“A ditadura de 64 acabou depois de 21 anos, mas o golpismo que fazia parte do DNA dos militares continua a circular nas veias dos que um dia expulsaram Bolsonaro do Exército por má conduta.”

E finalmente aqui em 21/7/2022:

“[…] os bolsonaristas dão sinais de que irão forçar a abertura das portas do inferno se Lula for eleito; e, por mais que Flávio Bolsonaro negue, com o apoio do pai dele.”

Quem disse: “O povo armado jamais será escravo de ninguém”? Não foi Nicolás Maduro, o ditador da Venezuela. Não foi Vladimir Putin, presidente da Rússia e ex-comunista.

Foi Bolsonaro quem disse na campanha de 2022, e acrescentou:

– Somente os ditadores temem o povo armado. Eu quero que todo cidadão de bem possua sua arma de fogo para resistir, se for o caso, à tentação de um ditador de plantão.

Em abril de 2021, Bolsonaro ouviu de Abraham Weintraub, ministro da Educação, a sugestão de mandar prender os ministros do Supremo Tribunal Federal, chamados por ele de “vagabundos”.

Ao lançar-se candidato à reeleição, Bolsonaro disse a certa altura do seu discurso:

– Estes surdos de capa preta [referindo-se aos ministros do Supremo] precisam entender o que é a voz do povo, que quem faz as leis é o Executivo e o Legislativo. Não vamos sair do Brasil. Nós somos a maioria, somos do bem. Nós temos disposição para lutar pela nossa liberdade.

São justamente os “surdos de capa preta” que irão julgá-lo tão logo o Procurador-Geral da República o denuncie. Deverá fazê-lo no primeiro semestre do próximo ano, no mais tardar.

O escândalo do mensalão do PT estourou em julho de 2005. O julgamento dos 40 acusados começou em 2012, terminando no ano seguinte. Bolsonaro já está inelegível até 2030.

Se for condenado, sua inelegibilidade se estenderá por muito mais tempo. Entendam de uma vez por todas: Bolsonaro é um doente terminal que neste momento só respira por meio de aparelhos.

 

¨      Conspirações militares e o destino de Bolsonaro

Até o momento, cinco pessoas foram presas: um general que foi assessor de Jair Bolsonaro, três tenentes-coronéis e um policial federal que, segundo informações, integrou a equipe de segurança de Lula. Além disso, o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e figura central do governo Bolsonaro, também está implicado, já que as denúncias apontam que as reuniões para a conspiração ocorreram em sua residência. O general Augusto Heleno é outro nome destacado no esquema.

Segundo consta nos materiais divulgados, os militares envolvidos garantiram o aval de Bolsonaro que autorizou a realização do plano até 31 de dezembro de 2022.

As ações visavam eliminar adversários políticos por meio de métodos que incluíam explosivos, metralhadoras e até mesmo envenenamento. De acordo com a Polícia Federal (PF), uma operação para assassinar Alexandre de Moraes chegou a ser iniciada, mas foi abortada antes de sua conclusão.

Dada a gravidade das denúncias e a abundância de informações divulgadas, é difícil imaginar que esse episódio não provoque uma resposta contundente do Judiciário.

E o momento é propício para a estratégia do judiciário. A tentativa frustrada de ataque terrorista ao STF, ocorrida recentemente, já havia acendido um alerta, pavimentando o caminho para que a opinião pública clamasse por medidas enérgicas contra setores radicalizados do bolsonarismo.

Agora, os desdobramentos da atual conspiração podem gerar grandes danos para Bolsonaro, que já enfrenta uma série de acusações e está com seus direitos políticos suspensos. Está em xeque não apenas sua carreira política, mas sua liberdade está em risco, como nunca antes.

Ainda sobre o momento propício, é notável que esses eventos ocorram no contexto do fim do governo Biden nos Estados Unidos. O retorno de Donald Trump à presidência é um fator que torna o cenário ainda mais imprevisível. O timing político da operação, realizada em meio ao G20 no Brasil, também indica intenções de projetar internacionalmente o caso para debilitar a extrema direita trumpista.

Voltando aos conspiradores, não é uma novidade histórica conspirações golpistas em contextos aos quais não havia qualquer possibilidade de serem efetivadas. Os planos revelados evocam um passado de conspirações militares no Brasil, relembrando figuras como o general Sylvio Frota, que, ao lado de Augusto Heleno, conspirou contra Geisel nos anos 1970 para tentar barrar a abertura política durante a ditadura militar. Frota deu com os burros na água, por que não havia qualquer condição concreta de que seus planos ganhassem força entre setores dos regimes e das classes dominantes.

Atualmente, a possibilidade de um golpe se efetivar no Brasil não tinha qualquer materialidade. As consequências das reacionárias ações do 8 de janeiro foram uma expressão disso.

As principais frações das elites brasileiras e potências internacionais se posicionaram contrárias a qualquer tentativa de golpe ou interferência no processo eleitoral.

Isso não se deve a uma suposta defesa de valores democráticos, mas ao fato de que o governo Lula-Alckmin está comprometido com a continuidade do programa econômico neoliberal, incluindo a manutenção das reformas trabalhista e previdenciária, além de novas medidas como o arcabouço fiscal, bem como um novo pacote fiscal que já está anunciado.

Ou seja, não havia qualquer necessidade de desestabilizar o maior país da América Latina com os interesses de grandes grupos econômicos preservados e garantidos.

E assim foi a transição do governo Bolsonaro a Lula. Mesmo com distúrbios e fechamentos de rodovias, o governo de Frente Ampla assumiu o país e Bolsonaro foi vendo sua vida política cada vez mais difícil.

Por outro lado, a conspiração bolsonarista é reflexo de um histórico de impunidade militar no Brasil. Desde a anistia de 1979, que perdoou os crimes cometidos pela ditadura, as Forças Armadas mantiveram sua influência política, mesmo após a chamada redemocratização. O governo Lula-Alckmin em sua tentativa de reconciliação, deu sinais nesse mesmo sentido, como a proibição de menções ao golpe de 1964, perpetuando a leniência com esses setores.

Ainda que sempre atuante em distintos governos, foi a partir do governo Temer que as Forças Armadas foram tomando gradativamente cada vez mais protagonismo político, e o governo Bolsonaro foi o ápice disso.

Contudo, agora as Forças Armadas vivem, possivelmente, seu pior momento na Nova República. A eventual prisão de Braga Netto, ex-chefe do Estado-Maior, seria inédita e representaria um ponto de inflexão. Como pano de fundo não é um detalhe que esteja alcançando níveis recordes de bilheteria o filme “Ainda estou aqui” que coloca em relevo os crimes da ditadura contribuindo para o desprestígio aos militares no país.

Por outro lado, o STF renova sua legitimidade e aumenta seus poderes. Agora seu alvo são bolsonaristas, mas a força acumulada pela toga se ergue como o principal poder bonapartista do regime e que já é parte de garantir importantes ataques aos direitos sociais, e antes foi agente do golpe institucional e da Lava Jato.

Enquanto isso, a extrema-direita reorganiza suas novas apostas. Apesar do atual momento de fragilidade de Bolsonaro, a direita e a extrema-direita emergiram como grandes vencedoras das eleições municipais, controlando a maioria dos municípios do país. Figuras como Tarcísio de Freitas, com sua agenda ultraneoliberal, e Pablo Marçal, que já articula alianças para 2026, despontam como alternativas para liderar esse campo político.

O ímpeto golpista, seja ele explícito ou velado, evidencia a necessidade de enfrentar os privilégios históricos das Forças Armadas no Brasil. Isso inclui revisar a Lei da Anistia, punir os responsáveis pelos crimes da ditadura, revogar o artigo 142 da Constituição e os tribunais militares, além de cortar todos os enormes privilégios econômicos da caserna, que vivem como magnatas num país de precarização e pobreza. Além disso, é preciso lutar para revogar as reformas e todos os ataques legados desde 2016, como herança da degradação do regime político brasileiro, quando os militares aprofundaram sua intervenção.

No entanto, essas mudanças estruturais só serão possíveis com uma grande mobilização social, algo que as grandes centrais sindicais têm evitado em nome de um pacto de estabilidade com o governo. Campanhas como a luta contra a escala 6x poderiam ser um grande potencilizador de questionamento aos pilares desse projeto de país que tem o trabalho precário como pedra angular.

Isso porque o enorme fenômeno político e social de simpatia na luta contra a jornada 6x1 também é um importante pano de fundo que compõem os cenários da vida política no país.

Pela primeira vez em muito tempo, setores da direita e da extrema-direita se viram acuados por sua própria base, como Nikolas Ferreira, que se opôs publicamente à campanha.

Esses sinais da correlação de forças adicionam ingredientes mais profundos nas disputas entre as frações de classe, e de um modo categórico, recolocam um programa da classe trabalhadora no centro do debate político nacional, mesmo com os escândalos conspiratórios.

De todo modo, fato é que as revelações recentes escancaram tanto a deterioração do sistema político brasileiro quanto a excrescência do projeto reacionário militar-bolsonarista. A resposta a isso exige colocar em cena a classe trabalhadora como uma força social capaz de reconfigurar os pilares de um regime que dá sinais cada vez mais claros de degradação política e social.

 

¨      Por que o golpe de Bolsonaro não se consumou? Por Luiz Carlos Azedo

Duas semanas antes de terminar o seu mandato, o ex-presidente Jair Bolsonaro compareceu a um jantar na casa do ex-ministro das Comunicações Fábio Faria, para o qual também foram convidados o então ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente do PP, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli. O encontro antecedeu a exoneração de Faria da pasta, a pedido, o que viria ocorrer em 21 de dezembro, uma quarta-feira.

O vazamento do encontro ocorreu duas semanas após a conversa. Na primeira versão, "oficial", Bolsonaro estaria abatido com a derrota eleitoral e pretendia tirar um "período sabático" nos Estados Unidos, não comparecendo à posse de Lula. Nogueira, Faria e Toffoli tentaram convencer Bolsonaro a reconhecer a vitória do petista, para esvaziar os acampamentos bolsonaristas à porta dos quartéis, que defendiam uma intervenção militar e não reconheciam o resultado das urnas.

Bolsonaro teria se eximido de responsabilidade — "não mobilizou nada, então não vai desmobilizar nada" — e prometeu aos presentes que não faria "nenhuma aventura". Mais tarde, novos vazamentos deram mais detalhes: o ex-chefe do Planalto teve duas crises de choro, disse que não queria ser preso, que temia uma perseguição aos seus filhos e que não apoiava a realização de "atos terroristas". Na ocasião, teria sido convencido a não assinar a tal "minuta do golpe", o decreto de intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) encontrado em poder do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

O encontro causou grande constrangimento para Toffoli, criticado por participar do jantar, num momento de muita tensão política entre Bolsonaro e o ministro Alexandre de Moraes. Quando presidente do Supremo, Toffoli foi o responsável por autorizar a abertura do inquérito das fake news, cujo relator é Moraes e que agora resultou no indiciamento do ex-presidente e seus aliados. Nos bastidores da Corte, porém, sabia-se mais.

Havia uma batalha entre a ala política do governo, que reconhecia o resultado da eleição, e o grupo de generais e policiais que cercava Bolsonaro, que pretendia mesmo impedir a posse de Lula, custasse o que custasse, sabe-se agora, inclusive, o assassinato do presidente eleito, seu vice Geraldo Alckmin e do próprio ministro Moraes, cujo sequestro ou assassinato teria sido preparado e abortado de última hora, em 15 de dezembro. Na ala política, os mais influentes eram Nogueira, Faria e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira, advogado e policial militar, que fora secretário-geral da Presidência. O grupo militar era liderado por Braga Netto, o vice de Bolsonaro, mas não contou com apoio do Alto Comando do Exército.

<><> Sustentação política

Destoava do grupo o almirante de esquadra Flávio Rocha, ministro da secretaria de Assuntos Estratégicos, apesar de o então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, ter oferecido a Bolsonaro o emprego de seus fuzileiros navais para dar o golpe, "bastava uma ordem". O almirante Moura Neto, ex-comandante da Marinha, ao lado do general Enzo Peri, ex-comandante do Exército, atuaram nos bastidores da transição para que as respectivas forças não aderissem ao golpe. Apesar de supostamente "bolsonarista", o então comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, não aderiu aos golpistas.

Também faltou articulação internacional em apoio ao golpe. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, reconheceu de pronto a vitória de Lula. Depois, um diplomata lotado no Supremo foi despachado aos Estados Unidos para relatar ao Departamento de Estado, informalmente, o que estava se passando na transição de governo. Os militares norte-americanos mantêm estreita relação de cooperação com seus colegas brasileiros, principalmente do Exército, desde a II Guerra Mundial.

Havia base social para que o golpe fosse bem-sucedido, devido à estreita margem de vitória de Lula e à intensa mobilização dos militantes bolsonaristas. Também havia apoio de corporações que se identificam com Bolsonaro, como a maioria dos integrantes do Exército. Mesmo assim, prevaleceram a hierarquia e a disciplina, apesar dos esforços dos generais golpistas para desmoralizar o Alto Comando do Exército. O fator decisivo para frustrar o golpe, porém, foi a falta de apoio político e institucional, no Judiciário, inclusive na Justiça Militar, e no Congresso Nacional.

A vitória de Lula já havia sido reconhecida por todos os partidos, com exceção do PL de Bolsonaro, cujo presidente, Valdemar Costa Neto, entrou com uma ação que questionava o resultado das urnas. Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), apoiavam a ala política do governo que trabalhava para neutralizar os golpistas. Nas conversas, todos se remetiam ao que ocorreu com os políticos que apoiaram o golpe militar de 1964 e acabaram tendo os direitos políticos cassados pelos militares, como Carlos Lacerda (UDN) e Juscelino Kubitschek (PSD).

 

Fonte: Metrópoles/Esquerda Diário/ Braziliense

 

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