Noblat: Bolsonaro é um doente terminal que
respira por meio de aparelhos
Por aqui pelo menos,
golpe foi sempre para derrubar governos. De 1930 para cá, só houve um golpe
promovido por quem governava: o de 1937, sob o comando do então presidente
Getúlio Vargas.
Vargas chegou à
Presidência na crista da Revolução de 1930. Derrotado na eleição daquele ano,
ele encabeçou um movimento militar golpista e derrubou o presidente eleito.
Para não largar o
poder, Vargas deu o golpe de 1937 que instituiu o Estado Novo, governando até
1945, quando foi deposto. Eleito em 1950, matou-se em 1954 para não ser
novamente deposto.
O presidente Jânio
Quadros protagonizou em 1961 uma bizarra tentativa de golpe a favor dele mesmo:
renunciou ao cargo para voltar nos braços do povo e com mais poderes. Não
voltou.
Sabendo ou não, dado
que não é de muitas leituras, Bolsonaro quis repetir Vargas, aplicando um golpe
a seu favor. Uma vez derrotado em 2022, conspirou para impedir que Lula tomasse
posse.
Surpresa alguma.
Bolsonaro jamais escondeu seu intuito de abolir a democracia por meio de um
golpe de Estado, jamais. Foi coerente do princípio ao fim de sua carreira
política.
Só seus fanáticos
seguidores, os desinformados e os incrédulos por natureza podem se espantar em
vê-lo indiciado pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de
Direito e golpe de Estado.
Escrevi aqui em 10/5/2022
“Por mais que neguem,
os militares e Bolsonaro estão unidos na tarefa de semear dúvidas não só sobre
a segurança das urnas eletrônicas como sobre o processo de apuração.”
E aqui em 18/5/2022
depois de Bolsonaro ter dito que não era crime pedir o retorno da ditadura:
“Bolsonaro bate palmas
para os malucos e espera que eles dancem. Ao final, quem dançará será ele.”
E aqui em 18/7/2022:
“A ditadura de 64
acabou depois de 21 anos, mas o golpismo que fazia parte do DNA dos militares
continua a circular nas veias dos que um dia expulsaram Bolsonaro do Exército
por má conduta.”
E finalmente aqui em
21/7/2022:
“[…] os bolsonaristas
dão sinais de que irão forçar a abertura das portas do inferno se Lula for
eleito; e, por mais que Flávio Bolsonaro negue, com o apoio do pai dele.”
Quem disse: “O povo
armado jamais será escravo de ninguém”? Não foi Nicolás Maduro, o ditador da
Venezuela. Não foi Vladimir Putin, presidente da Rússia e ex-comunista.
Foi Bolsonaro quem
disse na campanha de 2022, e acrescentou:
– Somente os ditadores
temem o povo armado. Eu quero que todo cidadão de bem possua sua arma de fogo
para resistir, se for o caso, à tentação de um ditador de plantão.
Em abril de 2021,
Bolsonaro ouviu de Abraham Weintraub, ministro da Educação, a sugestão de
mandar prender os ministros do Supremo Tribunal Federal, chamados por ele de
“vagabundos”.
Ao lançar-se candidato
à reeleição, Bolsonaro disse a certa altura do seu discurso:
– Estes surdos de capa
preta [referindo-se aos ministros do Supremo] precisam entender o que é a voz
do povo, que quem faz as leis é o Executivo e o Legislativo. Não vamos sair do
Brasil. Nós somos a maioria, somos do bem. Nós temos disposição para lutar pela
nossa liberdade.
São justamente os
“surdos de capa preta” que irão julgá-lo tão logo o Procurador-Geral da
República o denuncie. Deverá fazê-lo no primeiro semestre do próximo ano, no
mais tardar.
O escândalo do
mensalão do PT estourou em julho de 2005. O julgamento dos 40 acusados começou
em 2012, terminando no ano seguinte. Bolsonaro já está inelegível até 2030.
Se for condenado, sua
inelegibilidade se estenderá por muito mais tempo. Entendam de uma vez por
todas: Bolsonaro é um doente terminal que neste momento só respira por meio de
aparelhos.
¨
Conspirações militares
e o destino de Bolsonaro
Até o momento, cinco
pessoas foram presas: um general que foi assessor de Jair Bolsonaro, três
tenentes-coronéis e um policial federal que, segundo informações, integrou a
equipe de segurança de Lula. Além disso, o general Braga Netto, ex-ministro da
Defesa e figura central do governo Bolsonaro, também está implicado, já que as
denúncias apontam que as reuniões para a conspiração ocorreram em sua
residência. O general Augusto Heleno é outro nome destacado no esquema.
Segundo consta nos
materiais divulgados, os militares envolvidos garantiram o aval de Bolsonaro
que autorizou a realização do plano até 31 de dezembro de 2022.
As ações visavam
eliminar adversários políticos por meio de métodos que incluíam explosivos,
metralhadoras e até mesmo envenenamento. De acordo com a Polícia Federal (PF),
uma operação para assassinar Alexandre de Moraes chegou a ser iniciada, mas foi
abortada antes de sua conclusão.
Dada a gravidade das
denúncias e a abundância de informações divulgadas, é difícil imaginar que esse
episódio não provoque uma resposta contundente do Judiciário.
E o momento é propício
para a estratégia do judiciário. A tentativa frustrada de ataque terrorista ao
STF, ocorrida recentemente, já havia acendido um alerta, pavimentando o caminho
para que a opinião pública clamasse por medidas enérgicas contra setores
radicalizados do bolsonarismo.
Agora, os
desdobramentos da atual conspiração podem gerar grandes danos para Bolsonaro,
que já enfrenta uma série de acusações e está com seus direitos políticos
suspensos. Está em xeque não apenas sua carreira política, mas sua liberdade
está em risco, como nunca antes.
Ainda sobre o momento
propício, é notável que esses eventos ocorram no contexto do fim do governo
Biden nos Estados Unidos. O retorno de Donald Trump à presidência é um fator
que torna o cenário ainda mais imprevisível. O timing político da operação,
realizada em meio ao G20 no Brasil, também indica intenções de projetar
internacionalmente o caso para debilitar a extrema direita trumpista.
Voltando aos
conspiradores, não é uma novidade histórica conspirações golpistas em contextos
aos quais não havia qualquer possibilidade de serem efetivadas. Os planos
revelados evocam um passado de conspirações militares no Brasil, relembrando
figuras como o general Sylvio Frota, que, ao lado de Augusto Heleno, conspirou
contra Geisel nos anos 1970 para tentar barrar a abertura política durante a
ditadura militar. Frota deu com os burros na água, por que não havia qualquer
condição concreta de que seus planos ganhassem força entre setores dos regimes
e das classes dominantes.
Atualmente, a
possibilidade de um golpe se efetivar no Brasil não tinha qualquer
materialidade. As consequências das reacionárias ações do 8 de janeiro foram
uma expressão disso.
As principais frações
das elites brasileiras e potências internacionais se posicionaram contrárias a
qualquer tentativa de golpe ou interferência no processo eleitoral.
Isso não se deve a uma
suposta defesa de valores democráticos, mas ao fato de que o governo
Lula-Alckmin está comprometido com a continuidade do programa econômico
neoliberal, incluindo a manutenção das reformas trabalhista e previdenciária,
além de novas medidas como o arcabouço fiscal, bem como um novo pacote fiscal
que já está anunciado.
Ou seja, não havia
qualquer necessidade de desestabilizar o maior país da América Latina com os
interesses de grandes grupos econômicos preservados e garantidos.
E assim foi a
transição do governo Bolsonaro a Lula. Mesmo com distúrbios e fechamentos de
rodovias, o governo de Frente Ampla assumiu o país e Bolsonaro foi vendo sua
vida política cada vez mais difícil.
Por outro lado, a
conspiração bolsonarista é reflexo de um histórico de impunidade militar no
Brasil. Desde a anistia de 1979, que perdoou os crimes cometidos pela ditadura,
as Forças Armadas mantiveram sua influência política, mesmo após a chamada
redemocratização. O governo Lula-Alckmin em sua tentativa de reconciliação, deu
sinais nesse mesmo sentido, como a proibição de menções ao golpe de 1964,
perpetuando a leniência com esses setores.
Ainda que sempre
atuante em distintos governos, foi a partir do governo Temer que as Forças
Armadas foram tomando gradativamente cada vez mais protagonismo político, e o
governo Bolsonaro foi o ápice disso.
Contudo, agora as
Forças Armadas vivem, possivelmente, seu pior momento na Nova República. A
eventual prisão de Braga Netto, ex-chefe do Estado-Maior, seria inédita e
representaria um ponto de inflexão. Como pano de fundo não é um detalhe que
esteja alcançando níveis recordes de bilheteria o filme “Ainda estou aqui” que
coloca em relevo os crimes da ditadura contribuindo para o desprestígio aos
militares no país.
Por outro lado, o STF
renova sua legitimidade e aumenta seus poderes. Agora seu alvo são
bolsonaristas, mas a força acumulada pela toga se ergue como o principal poder
bonapartista do regime e que já é parte de garantir importantes ataques aos
direitos sociais, e antes foi agente do golpe institucional e da Lava Jato.
Enquanto isso, a
extrema-direita reorganiza suas novas apostas. Apesar do atual momento de
fragilidade de Bolsonaro, a direita e a extrema-direita emergiram como grandes
vencedoras das eleições municipais, controlando a maioria dos municípios do
país. Figuras como Tarcísio de Freitas, com sua agenda ultraneoliberal, e Pablo
Marçal, que já articula alianças para 2026, despontam como alternativas para
liderar esse campo político.
O ímpeto golpista,
seja ele explícito ou velado, evidencia a necessidade de enfrentar os
privilégios históricos das Forças Armadas no Brasil. Isso inclui revisar a Lei
da Anistia, punir os responsáveis pelos crimes da ditadura, revogar o artigo
142 da Constituição e os tribunais militares, além de cortar todos os enormes
privilégios econômicos da caserna, que vivem como magnatas num país de
precarização e pobreza. Além disso, é preciso lutar para revogar as reformas e
todos os ataques legados desde 2016, como herança da degradação do regime
político brasileiro, quando os militares aprofundaram sua intervenção.
No entanto, essas
mudanças estruturais só serão possíveis com uma grande mobilização social, algo
que as grandes centrais sindicais têm evitado em nome de um pacto de
estabilidade com o governo. Campanhas como a luta contra a escala 6x poderiam
ser um grande potencilizador de questionamento aos pilares desse projeto de
país que tem o trabalho precário como pedra angular.
Isso porque o enorme
fenômeno político e social de simpatia na luta contra a jornada 6x1 também é um
importante pano de fundo que compõem os cenários da vida política no país.
Pela primeira vez em
muito tempo, setores da direita e da extrema-direita se viram acuados por sua
própria base, como Nikolas Ferreira, que se opôs publicamente à campanha.
Esses sinais da
correlação de forças adicionam ingredientes mais profundos nas disputas entre
as frações de classe, e de um modo categórico, recolocam um programa da classe
trabalhadora no centro do debate político nacional, mesmo com os escândalos
conspiratórios.
De todo modo, fato é
que as revelações recentes escancaram tanto a deterioração do sistema político
brasileiro quanto a excrescência do projeto reacionário militar-bolsonarista. A
resposta a isso exige colocar em cena a classe trabalhadora como uma força
social capaz de reconfigurar os pilares de um regime que dá sinais cada vez
mais claros de degradação política e social.
¨ Por que o golpe de Bolsonaro não se consumou? Por Luiz Carlos
Azedo
Duas semanas antes de
terminar o seu mandato, o ex-presidente Jair Bolsonaro compareceu a um jantar
na casa do ex-ministro das Comunicações Fábio Faria, para o qual também foram
convidados o então ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente do PP, e o
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli. O encontro antecedeu a
exoneração de Faria da pasta, a pedido, o que viria ocorrer em 21 de dezembro,
uma quarta-feira.
O vazamento do
encontro ocorreu duas semanas após a conversa. Na primeira versão,
"oficial", Bolsonaro estaria abatido com a derrota eleitoral e
pretendia tirar um "período sabático" nos Estados Unidos, não
comparecendo à posse de Lula. Nogueira, Faria e Toffoli tentaram convencer
Bolsonaro a reconhecer a vitória do petista, para esvaziar os acampamentos
bolsonaristas à porta dos quartéis, que defendiam uma intervenção militar e não
reconheciam o resultado das urnas.
Bolsonaro teria se
eximido de responsabilidade — "não mobilizou nada, então não vai
desmobilizar nada" — e prometeu aos presentes que não faria "nenhuma
aventura". Mais tarde, novos vazamentos deram mais detalhes: o ex-chefe do
Planalto teve duas crises de choro, disse que não queria ser preso, que temia
uma perseguição aos seus filhos e que não apoiava a realização de "atos
terroristas". Na ocasião, teria sido convencido a não assinar a tal
"minuta do golpe", o decreto de intervenção no Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) encontrado em poder do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
O encontro causou
grande constrangimento para Toffoli, criticado por participar do jantar, num
momento de muita tensão política entre Bolsonaro e o ministro Alexandre de
Moraes. Quando presidente do Supremo, Toffoli foi o responsável por autorizar a
abertura do inquérito das fake news, cujo relator é Moraes e que agora resultou
no indiciamento do ex-presidente e seus aliados. Nos bastidores da Corte,
porém, sabia-se mais.
Havia uma batalha
entre a ala política do governo, que reconhecia o resultado da eleição, e o
grupo de generais e policiais que cercava Bolsonaro, que pretendia mesmo
impedir a posse de Lula, custasse o que custasse, sabe-se agora, inclusive, o
assassinato do presidente eleito, seu vice Geraldo Alckmin e do próprio
ministro Moraes, cujo sequestro ou assassinato teria sido preparado e abortado
de última hora, em 15 de dezembro. Na ala política, os mais influentes eram
Nogueira, Faria e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge
Oliveira, advogado e policial militar, que fora secretário-geral da
Presidência. O grupo militar era liderado por Braga Netto, o vice de Bolsonaro,
mas não contou com apoio do Alto Comando do Exército.
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Sustentação política
Destoava do grupo o
almirante de esquadra Flávio Rocha, ministro da secretaria de Assuntos
Estratégicos, apesar de o então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos,
ter oferecido a Bolsonaro o emprego de seus fuzileiros navais para dar o golpe,
"bastava uma ordem". O almirante Moura Neto, ex-comandante da
Marinha, ao lado do general Enzo Peri, ex-comandante do Exército, atuaram nos
bastidores da transição para que as respectivas forças não aderissem ao golpe.
Apesar de supostamente "bolsonarista", o então comandante da
Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, não aderiu
aos golpistas.
Também faltou
articulação internacional em apoio ao golpe. O presidente dos Estados Unidos,
Joe Biden, reconheceu de pronto a vitória de Lula. Depois, um diplomata lotado
no Supremo foi despachado aos Estados Unidos para relatar ao Departamento de
Estado, informalmente, o que estava se passando na transição de governo. Os
militares norte-americanos mantêm estreita relação de cooperação com seus
colegas brasileiros, principalmente do Exército, desde a II Guerra Mundial.
Havia base social para
que o golpe fosse bem-sucedido, devido à estreita margem de vitória de Lula e à
intensa mobilização dos militantes bolsonaristas. Também havia apoio de
corporações que se identificam com Bolsonaro, como a maioria dos integrantes do
Exército. Mesmo assim, prevaleceram a hierarquia e a disciplina, apesar dos
esforços dos generais golpistas para desmoralizar o Alto Comando do Exército. O
fator decisivo para frustrar o golpe, porém, foi a falta de apoio político e
institucional, no Judiciário, inclusive na Justiça Militar, e no Congresso
Nacional.
A vitória de Lula já
havia sido reconhecida por todos os partidos, com exceção do PL de Bolsonaro,
cujo presidente, Valdemar Costa Neto, entrou com uma ação que questionava o
resultado das urnas. Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); e do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD), apoiavam a ala política do governo que trabalhava para
neutralizar os golpistas. Nas conversas, todos se remetiam ao que ocorreu com
os políticos que apoiaram o golpe militar de 1964 e acabaram tendo os direitos
políticos cassados pelos militares, como Carlos Lacerda (UDN) e Juscelino
Kubitschek (PSD).
Fonte: Metrópoles/Esquerda Diário/ Braziliense
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