COP29: Da
expectativa à realidade, financiamento desejado de US$ 1 tri ficou em US$ 300
bi
A
expectativa era conseguir pelo menos US$ 1,3 trilhão. A realidade foi de apenas
US$ 300 bilhões. Depois de dias de um intenso cabo de guerra entre nações ricas
e pobres durante a 29ª Conferência do Clima da ONU (COP29), realizada em Baku,
no Azerbaijão, com direito a apelos e movimentos dramáticos, a aguardada nova
colaboração financeira dos países desenvolvidos às nações em desenvolvimento
triplicou em relação à cifra atual, mas ficou muito aquém do necessário para
que elas possam lidar com a crise climática, tanto em termos de redução de suas
emissões quanto em adaptação.
A
COP29 chegou ao seu principal objetivo na madrugada deste domingo (horário
local, por volta de 19h40 de sábado em Brasília) com um misto de sentimentos:
um certo alívio por ter estabelecido algum acordo – chegou-se a cogitar que ele
poderia não ser alcançado – e bastante frustração por ser muito pouco
ambicioso. Sem responder às expectativas de um planeta em acelerado
aquecimento, com eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos em todo o
mundo.
A
COP29 tinha a responsabilidade de destravar um dos pontos mais difíceis do
regime climático: definir quem paga a conta das mudanças climáticas, a quantia,
as fontes e as condições desse financiamento. A meta era definir o chamado novo
objetivo coletivo quantificado (NCQG, na sigla em inglês) para substituir o
compromisso, que já existe hoje, por parte dos países desenvolvidos, de
mobilizar US$ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento.
Esse
financiamento, que foi definido em 2009 na Conferência do Clima de Copenhague
para valer a partir de 2020, foi incorporado no Acordo de Paris, que definiu
também que ele teria de ser atualizado depois de 2025. O documento deixa claro
que os países desenvolvidos devem prover recursos financeiros para ajudar
países em desenvolvimento. Já estes foram encorajados a colaborar de forma
voluntária.
Ocorre
que as nações mais ricas não cumpriram sua parte nos dois primeiros anos (2020
e 2021). E em 2022, apesar de haver um relatório da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que diz que o volume de recursos
teria sido alcançado, outras análises apontaram que muito desse dinheiro não se
tratava necessariamente de verba para ação climática, mas para outros fins.
Além
disso, em vez de doação por parte dos governos (fonte pública), boa parte desse
dinheiro foi repassada na forma de empréstimos com juros de mercado, o que
aumenta o endividamento das nações mais pobres. Isso tudo agravado pelo fato de
que US$ 100 bilhões por ano já estão completamente defasados. O cálculo mais
aceito é que a ação climática já demanda mais de US$ 6 trilhões até 2030. Foi
daí que veio a demanda de que seriam necessários US$ 1,3 trilhão por ano.
Foi
nesse sentimento de desconfiança que chegamos a Baku, piorado pela pressão dos
países desenvolvidos para que se aumentasse a base de doadores. Estados Unidos
e União Europeia argumentam que países emergentes, como China, Arábia Saudita e
mesmo o Brasil, deveriam também colaborar com o montante – proposta considerada
inconcebível por essas nações. Se os ricos nem sequer cumpriram o primeiro
compromisso, como podem querer dividir a conta agora com os mais pobres?,
argumentaram.
A
decisão tomada em Baku atende a este ponto – se restringe a encorajar os países
em desenvolvimento a fazer contribuições em base voluntária. Mas falha em todos
os demais pontos críticos. O texto traz como decisão “estabelecer a meta, com
os países desenvolvidos assumindo a liderança, de alcançar pelo menos US$ 300
bilhões por ano até 2035 para os países em desenvolvimento para ação
climática”.
O
texto chama “todos os atores” a trabalhar juntos para permitir o escalonamento
do financiamento para os países em desenvolvimento para ação climática, de
fontes públicas e privadas, para no mínimo US$ 1,3 trilhão por ano até 2035.
Ou
seja, a cifra obrigatória são somente os US$ 300 bilhões. Mas nem isso está
garantido que virá de fontes públicas. O texto aponta que ele pode vir de uma
“ampla variedade de fontes, públicas e privadas, bilateral e multilateral,
incluindo fontes alternativas”.
Também
reconhece a “intenção voluntária das partes” de considerar recursos mobilizados
junto aos bancos multilaterais de desenvolvimento para alcançar o montante
previsto.
Há
uma vaga menção à criação de um “mapa do caminho” entre Baku e Belém, no
Brasil, onde ocorrerá no ano que vem a COP30, para buscar meios de escalonar os
recursos em direção ao US$ 1,3 trilhão.
<><>
Processo lento e atrapalhado gerou resultado fraco
Ao
longo das duas semanas da COP29, o debate em torno do NCQG foi atabalhoado e
lento. Na quinta-feira, quando faltavam pouco mais de 24 horas para o horário
em que oficialmente a conferência deveria ser encerrada, o texto que estava
proposto nem sequer apresentava um número de financiamento. Uma plenária foi
convocada para todos os países terem a chance de se manifestar e o
desapontamento era geral. Susana Muhamad, ministra de Meio Ambiente da
Colômbia, disse que “os países estavam jogando geopolítica com as vidas das
pessoas”.
Somente
na sexta-feira (22) surgiu uma opção de número – apenas US$ 250 bilhões –, o
que gerou forte reação de todos os países em desenvolvimento. Rapidamente se
espalhou pelos corredores a reação de delegados da Bolívia e de Uganda, que
apenas responderam “isso é uma piada?”, quando questionados sobre o valor.
O
impasse era tão grande que, no sábado, foi aventado ao longo do dia,
especialmente por organizações não governamentais, que talvez um não acordo
fosse melhor do que um acordo ruim, que arraste problemas para os próximos
anos, como a não garantia de provisão de recursos públicos.
O
Brasil foi de opinião contrária. Preocupado em ter de carregar o problema para
a conferência de Belém, o país queria uma solução em Baku. A secretária de
Mudança do Clima, Ana Toni, resumiu a situação: “Não temos certeza se teremos
uma situação melhor no próximo ano devido às mudanças geopolíticas. Então
estamos debatendo: devemos aceitá-lo agora ou considerá-lo mais tarde?”.
O
argumento leva em conta que no ano que vem, com Donald Trump na presidência dos
Estados Unidos, o contexto de negociações será muito mais complicado, o que
poderia fazer o acordo ficar ainda pior.
Na
sexta-feira, em coletiva de imprensa, a ministra Marina Silva afirmou que a
importância de fechar um acordo aqui vai além do prejuízo que a decisão traria
sobre Belém. “É o prejuízo que isso causa para a humanidade, para o equilíbrio
do planeta. Nós não podemos adiar, nós não podemos prejudicar as medidas que
devem ser tomadas no tempo certo, com a velocidade e a quantidade de meios
tecnológicos, recursos financeiros.”
O
texto acordado, porém, não garante isso. A negociadora da Índia, Chandni Raina,
reagiu fortemente ao documento e, ao longo de 12 minutos, fez a fala mais
enfática nesse sentido. Disse que não aceitava o acordo e que ele é
decepcionante. “Este texto não é nada além de uma ilusão de ótica.”
A
sociedade civil também reagiu negativamente. A Rede de Ação Climática (CAN),
que inclui organizações do mundo inteiro, afirmou que “rejeita veementemente o
resultado”, que chamou de “traição”. Para o grupo, os países desenvolvidos não
cumpriram suas responsabilidades históricas. “O valor do NCQG é totalmente
inadequado, falta qualidade do financiamento, não há equidade ou justiça
refletidas no texto, e a orientação do financiamento dos países desenvolvidos
para os países em desenvolvimento não foi concretizada. O objetivo falhou
completamente ao responder às necessidades dos países em desenvolvimento.”
• Acordo
histórico, mas será suficiente? 5 conclusões de uma COP29 dramática
A
COP29 acabou com países em desenvolvimento reclamando que os US$ 300 bilhões
(R$ 1,74 trilhão) por ano em financiamento climático que receberão até 2035 são
uma "soma insignificante".
Muitos
países ricos na conferência climática da ONU ficaram surpresos com o fato de as
nações em desenvolvimento estarem descontentes com o que parece ser um acordo
enorme.
Houve
um avanço significativo na contribuição atual, de US$ 100 bilhões (R$ 580
bilhões) por ano.
No
entanto, o mundo em desenvolvimento, que havia pressionado por mais, não gostou
da cifra final.
• Divisões
amargas permanecem
Houve
reclamações de que o valor não era o suficiente e que era uma mistura de
subsídios e empréstimos. E os países ficaram profundamente incomodados com a
forma como as nações ricas esperaram até o último minuto para revelar suas
cartas.
"É
uma quantia irrisória", disse a delegada da Índia Chandni Raina a outros
delegados, depois que o acordo foi aprovado.
"Este
documento é pouco mais do que uma ilusão de ótica. Isso, em nossa opinião, não
resolverá a enormidade do desafio que todos enfrentamos."
No
final das contas, o mundo em desenvolvimento foi obrigado a aceitá-lo, com
muitos países ricos apontando para a chegada do presidente dos EUA Donald Trump
no ano que vem, um conhecido cético climático, e argumentando que não
conseguiriam um acordo melhor.
Mas
esse pacote também está sendo criticado pelo que revela da perspectiva do mundo
mais rico.
O
argumento é que se você quer manter o mundo seguro em meio ao aumento das
temperaturas, então as nações mais ricas precisam ajudar as economias
emergentes a cortar suas emissões, porque é nelas onde 75% do crescimento nas
emissões ocorreu na última década.
Novos
planos nacionais devem ser publicados no primeiro semestre de 2025 detalhando
como cada país limitará sua emissão de gases nos próximos 10 anos.
Um
acordo em dinheiro mais generoso na COP29 sem dúvida teria tido um efeito
cascata positivo nesses esforços.
E
em um momento de incerteza geopolítica e distração, manter os países unidos na
questão climática deveria ser fundamental.
A
grande briga por dinheiro reabriu velhas divisões entre ricos e pobres, com uma
raiva e amargura que eu não via há anos.
• A COP está
nas cordas
Conduzir
200 países a um acordo intrincado sobre financiamento climático sempre seria
uma tarefa difícil. Mas para o anfitrião Azerbaijão, um país sem histórico real
de envolvimento no processo da COP, isso provou estar quase além deles.
O
presidente do país, Ilham Aliyev, não ajudou em nada ao descrever o petróleo e
o gás como um "presente de Deus". Seus ataques contundentes -
acusando a mídia, ONGs e políticos de "espalhar desinformação" - não
melhoraram as coisas.
O
Azerbaijão segue o Egito e os Emirados Árabes Unidos como o terceiro estado
autoritário consecutivo a sediar a COP, gerando preocupações sobre como os
países anfitriões são selecionados.
O
Azerbaijão, como os Emirados Árabes Unidos, tem uma economia construída sobre
exportações de petróleo e gás, o que parece estar em desacordo com um processo
que visa ajudar o mundo a se afastar do carvão, petróleo e gás.
Em
particular, muitos negociadores experientes falaram de sua frustração com o que
alguns chamaram de pior COP em uma década.
No
meio da reunião, vários líderes climáticos escreveram uma carta pública dizendo
que a COP não estava atingindo seus objetivos e pedindo reformas.
• A ascensão
silenciosa da China
Com
o papel dos EUA em futuras negociações climáticas em dúvida por causa de Trump,
a atenção mudou para quem pode se tornar o verdadeiro líder climático na
esperada ausência dos EUA nos próximos quatro anos.
O
sucessor natural é a China.
O
maior emissor de carbono do mundo ficou em grande parte em silêncio na COP
deste ano, apenas mostrando sua mão para dar detalhes pela primeira vez sobre a
quantidade de financiamento climático que dá aos países em desenvolvimento.
A
China ainda é definida pelas Nações Unidas como um país "em
desenvolvimento", o que significa que não tem obrigação formal de cortar
as emissões de gases de efeito estufa ou fornecer ajuda financeira aos países
mais pobres.
No
entanto, a China concordou com uma fórmula no acordo financeiro que permitiria
que suas contribuições fossem contabilizadas no fundo geral para países
vulneráveis ao clima, de forma voluntária.
No
geral, um movimento que está sendo visto como muito hábil e eficaz.
"A
China está se tornando mais transparente sobre seu apoio financeiro aos países
do sul global", disse Li Shuo, do Asia Society Policy Institute.
"Isso
deve impulsionar o país a desempenhar um papel maior no futuro."
• 'Protegendo
o clima contra Trump'
Embora
ele não estivesse lá, a presença de Trump foi sentida em toda a COP.
Um
elemento comum entre os negociadores em Baku foi a necessidade de garantir que
um segundo governo Trump não anulasse anos de negociações climáticas
cuidadosas.
Portanto,
não foi nenhuma surpresa ver que as nações mais ricas queriam se comprometer a
levantar fundos até 2035. Eles acreditam que estabelecer essa data permitirá
que os EUA contribuam novamente quando Trump deixar o cargo.
Da
mesma forma, o esforço para aumentar a base de contribuintes foi feito com
Trump em mente.
Trazer
a China para a mesa, mesmo que voluntariamente, será usado para mostrar que
vale a pena se envolver em fóruns internacionais como a COP.
"Ninguém
acha que Trump na Casa Branca será algo além de prejudicial ao regime climático
multilateral", disse Michael Jacobs, pesquisador sênior visitante da
organização ODI Global.
"Mas
este acordo foi sobre tentar limitar os danos o máximo possível."
• Os ativistas
se tornam mais vocais
Uma
tendência muito notável na COP29 foi a postura às vezes mais agressiva tomada
por muitas ONGs e ativistas ambientais.
Eu
mesmo testemunhei isso quando o enviado climático dos EUA, John Podesta, foi
expulso de uma área de reunião com cânticos de "vergonha" ecoando em
seus ouvidos.
Muitos
países em desenvolvimento contam com o apoio dessas ONGs ao lidar com eventos
complexos como a COP.
Durante
as negociações, houve uma forte pressão de muitos desses ativistas para uma
rejeição total de quase qualquer acordo.
Da
mesma forma, na plenária final, quando todos os países aceitaram o texto
financeiro, houve aplausos quando palestrantes de várias nações se manifestaram
contra o acordo, após o golpe de martelo.
O
ativismo de confronto e o debate tenso se tornarão a nova norma em uma
conferência climática diplomática?
Teremos
que esperar a próxima COP para ver.
Fonte:
Por Giovana Girardi, da Agencia Pública/BBC News
Nenhum comentário:
Postar um comentário