quarta-feira, 27 de novembro de 2024

COP29: Da expectativa à realidade, financiamento desejado de US$ 1 tri ficou em US$ 300 bi

A expectativa era conseguir pelo menos US$ 1,3 trilhão. A realidade foi de apenas US$ 300 bilhões. Depois de dias de um intenso cabo de guerra entre nações ricas e pobres durante a 29ª Conferência do Clima da ONU (COP29), realizada em Baku, no Azerbaijão, com direito a apelos e movimentos dramáticos, a aguardada nova colaboração financeira dos países desenvolvidos às nações em desenvolvimento triplicou em relação à cifra atual, mas ficou muito aquém do necessário para que elas possam lidar com a crise climática, tanto em termos de redução de suas emissões quanto em adaptação.

A COP29 chegou ao seu principal objetivo na madrugada deste domingo (horário local, por volta de 19h40 de sábado em Brasília) com um misto de sentimentos: um certo alívio por ter estabelecido algum acordo – chegou-se a cogitar que ele poderia não ser alcançado – e bastante frustração por ser muito pouco ambicioso. Sem responder às expectativas de um planeta em acelerado aquecimento, com eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos em todo o mundo.

A COP29 tinha a responsabilidade de destravar um dos pontos mais difíceis do regime climático: definir quem paga a conta das mudanças climáticas, a quantia, as fontes e as condições desse financiamento. A meta era definir o chamado novo objetivo coletivo quantificado (NCQG, na sigla em inglês) para substituir o compromisso, que já existe hoje, por parte dos países desenvolvidos, de mobilizar US$ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento.

Esse financiamento, que foi definido em 2009 na Conferência do Clima de Copenhague para valer a partir de 2020, foi incorporado no Acordo de Paris, que definiu também que ele teria de ser atualizado depois de 2025. O documento deixa claro que os países desenvolvidos devem prover recursos financeiros para ajudar países em desenvolvimento. Já estes foram encorajados a colaborar de forma voluntária.

Ocorre que as nações mais ricas não cumpriram sua parte nos dois primeiros anos (2020 e 2021). E em 2022, apesar de haver um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que diz que o volume de recursos teria sido alcançado, outras análises apontaram que muito desse dinheiro não se tratava necessariamente de verba para ação climática, mas para outros fins.

Além disso, em vez de doação por parte dos governos (fonte pública), boa parte desse dinheiro foi repassada na forma de empréstimos com juros de mercado, o que aumenta o endividamento das nações mais pobres. Isso tudo agravado pelo fato de que US$ 100 bilhões por ano já estão completamente defasados. O cálculo mais aceito é que a ação climática já demanda mais de US$ 6 trilhões até 2030. Foi daí que veio a demanda de que seriam necessários US$ 1,3 trilhão por ano.

Foi nesse sentimento de desconfiança que chegamos a Baku, piorado pela pressão dos países desenvolvidos para que se aumentasse a base de doadores. Estados Unidos e União Europeia argumentam que países emergentes, como China, Arábia Saudita e mesmo o Brasil, deveriam também colaborar com o montante – proposta considerada inconcebível por essas nações. Se os ricos nem sequer cumpriram o primeiro compromisso, como podem querer dividir a conta agora com os mais pobres?, argumentaram.

A decisão tomada em Baku atende a este ponto – se restringe a encorajar os países em desenvolvimento a fazer contribuições em base voluntária. Mas falha em todos os demais pontos críticos. O texto traz como decisão “estabelecer a meta, com os países desenvolvidos assumindo a liderança, de alcançar pelo menos US$ 300 bilhões por ano até 2035 para os países em desenvolvimento para ação climática”.

O texto chama “todos os atores” a trabalhar juntos para permitir o escalonamento do financiamento para os países em desenvolvimento para ação climática, de fontes públicas e privadas, para no mínimo US$ 1,3 trilhão por ano até 2035.

Ou seja, a cifra obrigatória são somente os US$ 300 bilhões. Mas nem isso está garantido que virá de fontes públicas. O texto aponta que ele pode vir de uma “ampla variedade de fontes, públicas e privadas, bilateral e multilateral, incluindo fontes alternativas”.

Também reconhece a “intenção voluntária das partes” de considerar recursos mobilizados junto aos bancos multilaterais de desenvolvimento para alcançar o montante previsto.

Há uma vaga menção à criação de um “mapa do caminho” entre Baku e Belém, no Brasil, onde ocorrerá no ano que vem a COP30, para buscar meios de escalonar os recursos em direção ao US$ 1,3 trilhão.

<><> Processo lento e atrapalhado gerou resultado fraco

Ao longo das duas semanas da COP29, o debate em torno do NCQG foi atabalhoado e lento. Na quinta-feira, quando faltavam pouco mais de 24 horas para o horário em que oficialmente a conferência deveria ser encerrada, o texto que estava proposto nem sequer apresentava um número de financiamento. Uma plenária foi convocada para todos os países terem a chance de se manifestar e o desapontamento era geral. Susana Muhamad, ministra de Meio Ambiente da Colômbia, disse que “os países estavam jogando geopolítica com as vidas das pessoas”.

Somente na sexta-feira (22) surgiu uma opção de número – apenas US$ 250 bilhões –, o que gerou forte reação de todos os países em desenvolvimento. Rapidamente se espalhou pelos corredores a reação de delegados da Bolívia e de Uganda, que apenas responderam “isso é uma piada?”, quando questionados sobre o valor.

O impasse era tão grande que, no sábado, foi aventado ao longo do dia, especialmente por organizações não governamentais, que talvez um não acordo fosse melhor do que um acordo ruim, que arraste problemas para os próximos anos, como a não garantia de provisão de recursos públicos.

O Brasil foi de opinião contrária. Preocupado em ter de carregar o problema para a conferência de Belém, o país queria uma solução em Baku. A secretária de Mudança do Clima, Ana Toni, resumiu a situação: “Não temos certeza se teremos uma situação melhor no próximo ano devido às mudanças geopolíticas. Então estamos debatendo: devemos aceitá-lo agora ou considerá-lo mais tarde?”.

O argumento leva em conta que no ano que vem, com Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, o contexto de negociações será muito mais complicado, o que poderia fazer o acordo ficar ainda pior.

Na sexta-feira, em coletiva de imprensa, a ministra Marina Silva afirmou que a importância de fechar um acordo aqui vai além do prejuízo que a decisão traria sobre Belém. “É o prejuízo que isso causa para a humanidade, para o equilíbrio do planeta. Nós não podemos adiar, nós não podemos prejudicar as medidas que devem ser tomadas no tempo certo, com a velocidade e a quantidade de meios tecnológicos, recursos financeiros.”

O texto acordado, porém, não garante isso. A negociadora da Índia, Chandni Raina, reagiu fortemente ao documento e, ao longo de 12 minutos, fez a fala mais enfática nesse sentido. Disse que não aceitava o acordo e que ele é decepcionante. “Este texto não é nada além de uma ilusão de ótica.”

A sociedade civil também reagiu negativamente. A Rede de Ação Climática (CAN), que inclui organizações do mundo inteiro, afirmou que “rejeita veementemente o resultado”, que chamou de “traição”. Para o grupo, os países desenvolvidos não cumpriram suas responsabilidades históricas. “O valor do NCQG é totalmente inadequado, falta qualidade do financiamento, não há equidade ou justiça refletidas no texto, e a orientação do financiamento dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento não foi concretizada. O objetivo falhou completamente ao responder às necessidades dos países em desenvolvimento.”

 

•                                    Acordo histórico, mas será suficiente? 5 conclusões de uma COP29 dramática

A COP29 acabou com países em desenvolvimento reclamando que os US$ 300 bilhões (R$ 1,74 trilhão) por ano em financiamento climático que receberão até 2035 são uma "soma insignificante".

Muitos países ricos na conferência climática da ONU ficaram surpresos com o fato de as nações em desenvolvimento estarem descontentes com o que parece ser um acordo enorme.

Houve um avanço significativo na contribuição atual, de US$ 100 bilhões (R$ 580 bilhões) por ano.

No entanto, o mundo em desenvolvimento, que havia pressionado por mais, não gostou da cifra final.

•                                    Divisões amargas permanecem

Houve reclamações de que o valor não era o suficiente e que era uma mistura de subsídios e empréstimos. E os países ficaram profundamente incomodados com a forma como as nações ricas esperaram até o último minuto para revelar suas cartas.

"É uma quantia irrisória", disse a delegada da Índia Chandni Raina a outros delegados, depois que o acordo foi aprovado.

"Este documento é pouco mais do que uma ilusão de ótica. Isso, em nossa opinião, não resolverá a enormidade do desafio que todos enfrentamos."

No final das contas, o mundo em desenvolvimento foi obrigado a aceitá-lo, com muitos países ricos apontando para a chegada do presidente dos EUA Donald Trump no ano que vem, um conhecido cético climático, e argumentando que não conseguiriam um acordo melhor.

Mas esse pacote também está sendo criticado pelo que revela da perspectiva do mundo mais rico.

O argumento é que se você quer manter o mundo seguro em meio ao aumento das temperaturas, então as nações mais ricas precisam ajudar as economias emergentes a cortar suas emissões, porque é nelas onde 75% do crescimento nas emissões ocorreu na última década.

Novos planos nacionais devem ser publicados no primeiro semestre de 2025 detalhando como cada país limitará sua emissão de gases nos próximos 10 anos.

Um acordo em dinheiro mais generoso na COP29 sem dúvida teria tido um efeito cascata positivo nesses esforços.

E em um momento de incerteza geopolítica e distração, manter os países unidos na questão climática deveria ser fundamental.

A grande briga por dinheiro reabriu velhas divisões entre ricos e pobres, com uma raiva e amargura que eu não via há anos.

•                                    A COP está nas cordas

Conduzir 200 países a um acordo intrincado sobre financiamento climático sempre seria uma tarefa difícil. Mas para o anfitrião Azerbaijão, um país sem histórico real de envolvimento no processo da COP, isso provou estar quase além deles.

O presidente do país, Ilham Aliyev, não ajudou em nada ao descrever o petróleo e o gás como um "presente de Deus". Seus ataques contundentes - acusando a mídia, ONGs e políticos de "espalhar desinformação" - não melhoraram as coisas.

O Azerbaijão segue o Egito e os Emirados Árabes Unidos como o terceiro estado autoritário consecutivo a sediar a COP, gerando preocupações sobre como os países anfitriões são selecionados.

O Azerbaijão, como os Emirados Árabes Unidos, tem uma economia construída sobre exportações de petróleo e gás, o que parece estar em desacordo com um processo que visa ajudar o mundo a se afastar do carvão, petróleo e gás.

Em particular, muitos negociadores experientes falaram de sua frustração com o que alguns chamaram de pior COP em uma década.

No meio da reunião, vários líderes climáticos escreveram uma carta pública dizendo que a COP não estava atingindo seus objetivos e pedindo reformas.

•                                    A ascensão silenciosa da China

Com o papel dos EUA em futuras negociações climáticas em dúvida por causa de Trump, a atenção mudou para quem pode se tornar o verdadeiro líder climático na esperada ausência dos EUA nos próximos quatro anos.

O sucessor natural é a China.

O maior emissor de carbono do mundo ficou em grande parte em silêncio na COP deste ano, apenas mostrando sua mão para dar detalhes pela primeira vez sobre a quantidade de financiamento climático que dá aos países em desenvolvimento.

A China ainda é definida pelas Nações Unidas como um país "em desenvolvimento", o que significa que não tem obrigação formal de cortar as emissões de gases de efeito estufa ou fornecer ajuda financeira aos países mais pobres.

No entanto, a China concordou com uma fórmula no acordo financeiro que permitiria que suas contribuições fossem contabilizadas no fundo geral para países vulneráveis ao clima, de forma voluntária.

No geral, um movimento que está sendo visto como muito hábil e eficaz.

"A China está se tornando mais transparente sobre seu apoio financeiro aos países do sul global", disse Li Shuo, do Asia Society Policy Institute.

"Isso deve impulsionar o país a desempenhar um papel maior no futuro."

•                                    'Protegendo o clima contra Trump'

Embora ele não estivesse lá, a presença de Trump foi sentida em toda a COP.

Um elemento comum entre os negociadores em Baku foi a necessidade de garantir que um segundo governo Trump não anulasse anos de negociações climáticas cuidadosas.

Portanto, não foi nenhuma surpresa ver que as nações mais ricas queriam se comprometer a levantar fundos até 2035. Eles acreditam que estabelecer essa data permitirá que os EUA contribuam novamente quando Trump deixar o cargo.

Da mesma forma, o esforço para aumentar a base de contribuintes foi feito com Trump em mente.

Trazer a China para a mesa, mesmo que voluntariamente, será usado para mostrar que vale a pena se envolver em fóruns internacionais como a COP.

"Ninguém acha que Trump na Casa Branca será algo além de prejudicial ao regime climático multilateral", disse Michael Jacobs, pesquisador sênior visitante da organização ODI Global.

"Mas este acordo foi sobre tentar limitar os danos o máximo possível."

•                                    Os ativistas se tornam mais vocais

Uma tendência muito notável na COP29 foi a postura às vezes mais agressiva tomada por muitas ONGs e ativistas ambientais.

Eu mesmo testemunhei isso quando o enviado climático dos EUA, John Podesta, foi expulso de uma área de reunião com cânticos de "vergonha" ecoando em seus ouvidos.

Muitos países em desenvolvimento contam com o apoio dessas ONGs ao lidar com eventos complexos como a COP.

Durante as negociações, houve uma forte pressão de muitos desses ativistas para uma rejeição total de quase qualquer acordo.

Da mesma forma, na plenária final, quando todos os países aceitaram o texto financeiro, houve aplausos quando palestrantes de várias nações se manifestaram contra o acordo, após o golpe de martelo.

O ativismo de confronto e o debate tenso se tornarão a nova norma em uma conferência climática diplomática?

Teremos que esperar a próxima COP para ver.

 

Fonte: Por Giovana Girardi, da Agencia Pública/BBC News

 

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