China
dentro, EUA fora? Como será futuro das negociações climáticas com novo governo
Trump
A
mensagem veio pelo WhatsApp do principal negociador de um dos países mais
poderosos presentes à COP29, no Azerbaijão. Ele pediu que eu fosse
conversar com ele.
Enquanto
os membros da sua equipe comiam pizza, curvados sobre os computadores, ele
estava enfurecido com a postura obstrucionista de vários outros países durante
a conferência.
Até
aqui, nada de incomum. Outras pessoas expressaram suas versões particulares da
mesma situação durante toda a semana. Que esta é a pior COP da história; que os
textos negociados deveriam ser reduzidos à medida que se aproximavam os prazos,
mas, na verdade, estavam ficando maiores; que a COP na sua forma atual pode
naufragar...
Pairando
sobre tudo aquilo, estava a perspectiva de que o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, poderá vir a retirar
o seu país do processo das COPs, quando tomar posse para o seu segundo mandato,
no dia 20 de janeiro.
Trump
já chamou as ações climáticas de
"fraude". E, na comemoração da sua vitória em West Palm Beach, no
Estado americano da Flórida, o presidente eleito prometeu ampliar a produção de
petróleo dos Estados Unidos, ultrapassando seus recordes atuais.
"Temos
mais ouro líquido do que qualquer país do mundo", declarou ele.
Mas
havia uma boa notícia na COP29: a China.
"É
o único ponto positivo em meio a tudo isso", foi o que me disse aquele
negociador-chefe.
Não
era só o estilo chinês de negociação, sensivelmente diferente dos anos
anteriores. Ele também destacou que "a China pode estar tomando a
dianteira", segundo suas próprias palavras.
Outro
sinal desta possibilidade veio no início da conferência, quando a China
anunciou os detalhes do seu financiamento climático.
Tradicionalmente,
a China publica o mínimo de informações possível sobre seus planos e políticas
a respeito do clima. Por isso, foi uma surpresa quando, pela primeira vez, as
autoridades chinesas declararam que o país pagou às nações em desenvolvimento mais
de US$ 24 bilhões (cerca de R$ 139 bilhões) para ações climáticas, desde 2016.
"É
muito dinheiro, quase ninguém mais está neste nível", contou uma pessoa
conhecedora das COPs.
É
um "sinal notável", segundo Li Shuo, diretor do Centro Climático da
China, da organização Asia Society. "É a primeira vez em que o governo
chinês divulga um número preciso, em termos de quanto eles estão
oferecendo."
Se
estes forem realmente sinais de que a China pretende assumir um papel central
no futuro, paralelamente à retirada dos Estados Unidos, seria um movimento
tectônico no processo das COPs.
¨
Como funcionaria a
mudança
Historicamente,
os países ocidentais — particularmente, os Estados Unidos e a União Europeia —
eram responsáveis por oferecer o impulso, que era aclamado pelas nações menores
e vulneráveis às mudanças climáticas.
Mas
a forma de negociação, se a China assumir a liderança, irá sofrer mudanças
expressivas.
Jonathan
Pershing é diretor de programas de meio ambiente da Fundação William and Flora
Hewlett. Ele compareceu a todas as COPs e conhece melhor do que a maioria das
pessoas o que acontece nos bastidores das negociações, o bullying e o
malabarismo que faz os acordos serem concluídos ou rompidos nas reuniões de
cúpula.
Para
ele, a China não irá liderar na linha de frente, como fazem os Estados Unidos e
a Europa.
"Eles
são mais cautelosos", explica ele. "Talvez estejam liderando com
características chinesas, como eles próprios poderiam definir."
Esta
visão relembra como o ex-presidente chinês Deng Xiaoping (1904-1997) definiu
suas reformas econômicas no início dos anos 1980, que serviram de catapulta
para o vertiginoso crescimento econômico do seu país: "socialismo com
características chinesas".
Pershing
sugere que a China provavelmente irá levar o processo das COPs adiante
intervindo discretamente para destravar disputas.
Ele
acredita que a maior parte deste trabalho irá ocorrer a portas fechadas,
provavelmente insistindo para que os países desenvolvidos e em desenvolvimento
aumentem suas ambições — e o fluxo de caixa.
Mas
a China pode não colaborar totalmente com algumas das dificuldades que retardam
o processo de negociação. Os casos em que os países usam a COP como palco para
defender seus próprios interesses são um exemplo.
Um
dos países mais acusados de bloquear as negociações em Baku foi a Arábia
Saudita, líder de um grupo de países produtores de combustíveis fósseis que
deseja retardar a transição para a energia renovável.
Como
grande consumidora de combustíveis fósseis, a China, muitas vezes, usou seu
peso ao lado deles no passado. O país combateu, por exemplo, os esforços
britânicos em busca de um acordo para a eliminação gradual do uso de carvão
durante a COP26 em Glasgow, na
Escócia.
·
'Incomumente
cooperativa'
Nas
negociações deste ano, houve outras ocasiões que indicaram as mudanças da postura
chinesa.
No
passado, a China costumava se concentrar nos seus próprios interesses. Por
isso, o país desempenhava um papel duplo nas conversações sobre o clima.
Às
vezes, a China se alinhava com os Estados Unidos e a Europa, por exemplo, em
objetivos ambiciosos para incentivar as fontes de energia renovável ou a
redução das emissões de metano, um potente gás do efeito estufa. Mas, em outras
questões, ela desacelerou os progressos.
Um
exemplo foi a COP15 em Copenhague, na Dinamarca, em 2009. Havia grandes
esperanças de se atingir um acordo que comprometesse os países a promover
cortes profundos das emissões de carbono.
Mas
a conferência quase entrou em colapso quando a China rejeitou as pressões dos
Estados Unidos para se submeter a um regime de monitoramento internacional. E o
acordo final não obrigatório foi considerado praticamente um fracasso.
Mas
este ano foi diferente, segundo o negociador-chefe que conversou comigo. Ele
notou que a China estava sendo "incomumente cooperativa" em todas as
discussões.
Também
foram observadas outras mudanças, algumas em relação à apresentação chinesa
sobre sua própria situação econômica.
No
contexto das discussões das Nações Unidas sobre o clima, a China é classificada
como país em desenvolvimento, apesar de ser a segunda maior economia do mundo.
Isso
se deve a uma peculiaridade das normas das COPs, que consideram a situação
econômica em 1992, quando começou o processo de negociação.
A
China também resistiu por muito tempo às pressões dos países desenvolvidos para
alterar sua posição, que faz com que ela não precise colaborar para o fundo que
os países ricos concordaram em pagar para as nações mais pobres.
Mas,
em 2024, especialistas observaram uma alteração nas expressões usadas pelos
negociadores chineses.
"É
muito interessante a linguagem empregada pelos chineses", afirma o
professor Michael Jacobs, especialista em política climática da Universidade de
Sheffield, no Reino Unido. "Eles usaram a descrição 'fornecido e
mobilizado' — é a expressão empregada pelos países desenvolvidos para descrever
seus pagamentos."
A
linguagem é importante nas conferências sobre o clima. Os negociadores podem
passar dias discutindo se algo "irá" ou "deverá" acontecer.
Por
isso, ouvir a China repetir a linguagem dos países ricos é algo significativo,
segundo Jacobs. "Eles costumavam calibrar tudo contra o que os Estados
Unidos faziam", ele conta.
Quando
Donald Trump tomou posse pela primeira vez, em 2016, a China se afastou das
negociações. Mas, desta vez, é diferente, segundo Jacobs.
"Para
mim, isso parece uma reivindicação de liderança."
¨
Qual o interesse do
Oriente?
Jacobs
destaca que nenhuma dessas mudanças é dirigida por "altruísmo" por
parte da China.
Para
Li Shuo, as mudanças na economia dos renováveis explicam por que a participação
da China provavelmente passará a ser mais significativa.
"A
transformação verde, em grande parte, é liderada pela China", explica ele.
"Não necessariamente pelo governo, mas pelo setor privado e pelas
empresas."
Estas
empresas lideram o resto do mundo por uma "margem muito
significativa", nas palavras de Li Shuo.
Oito
em cada 10 painéis solares são fabricados na China. O país também controla
cerca de dois terços da produção de turbinas eólicas.
A
China é reconhecida por produzir pelo menos 75% das baterias de lítio do
planeta e por deter mais de 60% do mercado global de veículos elétricos.
Em
2024, o presidente chinês Xi Jinping declarou que os
painéis solares, veículos elétricos e baterias são o "novo trio" no
centro da economia chinesa.
A
China fez investimentos pesados em tecnologias renováveis. E a economia em
escala massiva criada pelo país vem reduzindo os custos da energia renovável,
ano após ano.
O desafio,
agora, é encontrar novos mercados para venda dos produtos chineses.
A
demanda deve explodir no mundo em desenvolvimento. Estes países irão
representar dois terços do mercado de energia renovável nos próximos 10 anos,
segundo um relatório recente de um grupo de economistas, contratado pela ONU
para calcular os custos da transição energética.
O
Paquistão, por exemplo, importou 13 gigawatts (GW) em painéis solares, apenas
nos seis primeiros meses do ano, segundo estudos da organização de pesquisas
BloombergNEF. Em termos de comparação, o Reino Unido tem instalados 17 GW de
energia solar.
A
exportação de tecnologia limpa para economias emergentes vem de encontro a
outra política chinesa: a "Iniciativa Cinturão e Rota".
Também
chamada de "Nova Rota da Seda",
ela foi criada para desenvolver novos caminhos comerciais, incluindo estradas,
ferrovias, portos e aeroportos. O objetivo é conectar o país ao resto do mundo.
A
China já gastou mais de um trilhão de dólares (cerca
de R$ 5,8 trilhões) neste projeto, segundo o Fórum Econômico Mundial. Um
exemplo é o porto de Chancay, no
litoral do Peru. No último dia 14 de novembro, o presidente Xi inaugurou a
primeira fase do complexo.
Jacobs
acredita que isso começa a explicar por que, enquanto os Estados Unidos podem
se retirar, a China parece querer subir de posição.
"Parece
que, agora, é do seu melhor interesse incentivar outros países a também reduzir
suas emissões, utilizando equipamento e tecnologia chinesa", explica o
professor.
Mas,
em última análise, independentemente de como se desenvolver este processo,
existem razões para esperança, segundo alguns observadores bem posicionados.
Camilla
Born fez parte da equipe de negociadores do Reino Unido e participou da
organização da COP26 em Glasgow. Ela acredita que as negociações futuras serão
determinadas pela nova economia energética, não pela política das reuniões.
"Não
é mais questão apenas de ter uma ideia para lidar com as mudanças
climáticas", defende ela. "É questão de investimentos, de dinheiro —
é o emprego das pessoas, são as novas tecnologias. As conversas são
diferentes."
Afinal,
esta é a maior revolução energética desde o início da revolução industrial. E,
seja qual for a superpotência que assumir a liderança se os Estados Unidos
abandonarem o jogo pelos próximos quatro anos, é improvável que alguém queira
perder este mercado de vastas proporções.
¨
Heba Ayyad: O 'time
dos sonhos' sionista na administração dos Estados Unidos
Qualquer
pessoa que fosse tão ingênua e imaginativa a ponto de acreditar que Donald
Trump seria mais justo com o povo palestino do que Joe Biden e Kamala Harris
deve ter ficado profundamente decepcionada. Especialmente aqueles que
acreditavam nisso, como os dois indivíduos citados: o palestino-estadunidense
Bishara Bahbah, presidente da “Associação Árabe- estadunidense de Apoiadores de
Trump”, e o indiano-americano Rabih Choudhury, presidente da associação
“Muçulmanos Apoiadores de Trump”. Isso porque as nomeações anunciadas até agora
pelo presidente eleito para ocupar os cargos em sua próxima administração
encheram Benjamin Netanyahu e seus aliados de felicidade e alegria.
De
fato, o correspondente do jornal britânico The Guardian citou colonos e pessoas
ao seu redor. Os membros da extrema direita sionista descrevem a administração
cujas características vêm se consolidando nos últimos dias como um verdadeiro
“Dream Team”. Essa mesma expressão foi utilizada por Matt Brooks, chefe da
“Coalizão Judaica Republicana”, que apoia figuras judaicas nas fileiras
republicanas, segundo o New York Times. Brooks expressou sua confiança de que
Israel obteria apoio total da nova equipe para a liquidação do “Hamas” e do
“Hezbollah”, além de conter as ambições nucleares iranianas.
A
situação é que é difícil formar uma administração mais adequada à extrema
direita sionista do que a anunciada pelo presidente eleito estadunidense. Entre
os primeiros nomes revelados por Trump está o de Mike Huckabee, uma figura
proeminente do movimento “Cristão Sionista” nos Estados Unidos, que será o
embaixador de Trump em Israel. Huckabee afirmou à Rádio do Exército Israelense,
após sua nomeação, que nenhum presidente estadunidense contribuiu mais para
“garantir a soberania de Israel” do que Trump e que está completamente
confiante de que isso continuará. Huckabee é conhecido por sua crença de que
Deus deu a Cisjordânia a Israel (ele prefere chamá-la de “Judeia e Samaria”, em
conformidade com o discurso sionista) e por sua oposição à retirada israelense
de Gaza em 2005, com base em sua alegação de que a faixa “historicamente
pertence aos judeus”.
Na
verdade, em uma entrevista recente, Huckabee negou a existência de “palestinos”
(segundo ele, seriam apenas árabes que habitavam a Terra de Israel) e
vangloriou-se de ser “um sionista assumido e irremediável”.
Em
apoio à guerra sionista de genocídio em Gaza, e acusando Biden e Harris de
serem relutantes em apoiar Israel e em combater o “antissemitismo” que ela
identifica na campanha de solidariedade com o povo de Gaza e no Movimento de
Boicote (BDS), ela descreve os opositores da guerra genocida como “fantoches”
nas mãos do movimento “Hamas”, que ela associa à organização ISIS e à
Al-Qaeda.
Mesmo
que o Senado dos EUA rejeite qualquer um dos homens e mulheres nomeados por
Trump para compor sua próxima administração (e essa rejeição pode afetar Pete
Hegseth e Tulsi Gabbard, em particular, além do indicado para o cargo de
Procurador-Geral), é certo que aqueles nomeados para substituí-los não serão
menos entusiasmados em apoiar o Estado sionista e seu governo de
extrema-direita, como mencionado anteriormente. Como Trump é o “presidente dos
sonhos” da extrema-direita sionista, é natural que sua administração forme uma
“equipe dos sonhos” aos olhos desse grupo. Quanto ao povo palestino e outros
povos do Oriente Médio, esses sonhos são verdadeiros pesadelos.
Fonte:
BBC News/Brasil 247
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