quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Oito razões pelas quais os diagnósticos de TDAH estão aumentando

Por muito tempo, presumiu-se que algo entre 5 e 6% das crianças tinham Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Mas, na prática, as taxas costumam ser mais altas.

Os Centros Americanos de Controle e Prevenção de Doenças estimaram, em 2022, a prevalência em 11,4% em crianças. O Conselho Sueco de Saúde e Bem-Estar relata que, também em 2022, 10,5% dos meninos e 6% das meninas receberam um diagnóstico de TDAH, o que representa 50% a mais do que em 2019. E o Conselho prevê que as taxas acabarão se estabilizando em 15% para meninos e 11% para meninas.

Então, quais podem ser as razões por trás do aumento surpreendente? Aqui estão oito causas possíveis, muitas das quais se sobrepõem e interagem entre si.

1 - Vários diagnósticos feitos em uma mesma pessoa

Anteriormente, os médicos eram recomendados por manuais de diagnóstico e treinados para limitá-los em um indivíduo ao transtorno mais proeminente, e não fazer certas combinações de diagnósticos – por exemplo, autismo e TDAH. Hoje, é recomendado - e também é prática comum no setor de saúde mental - fazer quantos diagnósticos forem necessários para descrever e abranger significativamente os sintomas e desafios de uma pessoa.

2 - Aumento do conhecimento e da conscientização dos profissionais

Há uma nova geração de profissionais trabalhando em serviços com maior conscientização e conhecimento sobre o TDAH. Isso levou à detecção mais precoce e ao diagnóstico de pessoas que, antes, eram negligenciadas, particularmente meninas e mulheres mas, também, adultos, em geral.

3 - Redução do estigma

Em muitas sociedades, o TDAH é muito menos estigmatizado do que antes. Os médicos têm menos dúvidas sobre o diagnóstico, e aqueles que o recebem se sentem menos alvos de preconceitos. Para um número cada vez maior de pessoas, o TDAH tem menores conotações negativas e está se tornando uma parte natural das identidades das pessoas.

4 - A sociedade moderna exige mais das habilidades cognitivas

O TDAH não é uma doença, mas uma composição defeituosa de traços cognitivos que existem em níveis mais funcionais, mesmo na população em geral, como “controle de atenção” (concentração) e habilidades organizacionais e de autorregulação. As sociedades modernas são rápidas e complexas, exigindo muito dessas características cognitivas. Então, pessoas com habilidades abaixo da média nas áreas cognitivas principais começam a ter dificuldades para lidar com as demandas cotidianas e podem receber um diagnóstico de TDAH.

5. Expectativas mais altas em relação à saúde e ao desempenho

Nossas expectativas sobre o próprio desempenho e em relação à saúde dos outros estão aumentando. A chamada “linha de base social” de saúde e desempenho médio é mais alta hoje. Portanto, podem expressar preocupações sobre o funcionamento de si mesmo e dos outros mais cedo e, com mais frequência, presumir que o TDAH pode ser uma explicação.

6. As mudanças nas escolas levaram a que mais alunos tivessem dificuldades

As escolas passaram por mudanças substanciais na forma como ensinam, com a introdução da digitalização e de mais aprendizagem baseada em projetos e grupos, bem como uma educação muito mais autodirigida.

Essas mudanças resultaram em um ambiente de aprendizado menos claro, incluindo crescentes exigências sobre a motivação dos alunos e suas habilidades cognitivas, fatores que podem dificultar o sucesso de pessoas com apenas alguns traços de TDAH. Também fez com que as escolas encaminhassem mais alunos que suspeitam ter TDAH para avaliação.

7 - Os formuladores de políticas priorizam a avaliação

Políticos de muitos países têm tentado lidar com o aumento das taxas de diagnóstico, principalmente, tornando os pareceres médicos mais acessíveis para que as pessoas não tenham que esperar muito tempo para receber um diagnóstico.

Embora isso seja compreensível, aumenta o número de conclusões do transtorno e não se concentra em evitá-las, por exemplo, melhorando a forma como as crianças são ensinadas, os locais de trabalho - para torná-los mais amigáveis aos neurodivergentes - e oferecendo suporte sem exigir que a pessoa tenha um diagnóstico.

8 - O diagnóstico garante o acesso a apoio e recursos

Na maioria das sociedades, os serviços são disponibilizados de tal forma que somente um diagnóstico clínico garante acesso a apoio e recursos. Muitas vezes, esta é a única maneira de as pessoas e suas famílias obterem suporte.

Em geral, não se faz muito por pessoas sem diagnóstico, pois os provedores de serviços não são reembolsados e, portanto, são menos obrigados a agir. Então, quem precisa de ajuda tem mais probabilidade de buscar ativamente um diagnóstico. E os profissionais estão mais inclinados a ajudá-los dando um diagnóstico, mesmo que a pessoa não atenda aos critérios para TDAH – um fenômeno chamado de “atualização de diagnóstico”.

 

•                                    Médicos alertam sobre falsos 'diagnósticos' de déficit de atenção nas redes

“Você vive perto de uma pessoa que é muito ‘desligada’ e que esquece as coisas? Ela tem TDAH e não sabe.” Essas frases, que não têm validade científica (entenda mais abaixo), foram ditas por um influencer no TikTok, em um vídeo sobre Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade com mais de 5 milhões de visualizações.

Especialistas advertem: se você se guiar só pelas redes sociais, é capaz de concluir que tem o distúrbio – e correr o risco de se automedicar, ficar mais ansioso ou acreditar em tratamentos ineficazes.

Um estudo de 2021, publicado pela Associação Canadense de Psiquiatria, analisou os 100 vídeos sobre o assunto com mais visualizações no TikTok e concluiu que metade deles tinha dados falsos. Só 21% eram úteis para informar o público sobre o transtorno.

Nesta reportagem, após ouvir quatro cientistas, o g1 esclarece o que é, de fato, sintoma de TDAH e quais são as formas corretas de diagnóstico e tratamento. Será que alguém distraído necessariamente tem déficit de atenção? É verdade ou mentira que essas pessoas correm maior risco de depressão, uso de drogas e envolvimento em acidentes de trânsito?

Ao g1, a assessoria de imprensa do TikTok afirma que a empresa se orgulha de ter se tornado um ambiente "onde as pessoas podem compartilhar experiências sobre saúde mental". Diz também que a rede encoraja a busca por um profissional qualificado para receber um diagnóstico.

🧠O que é TDAH? Quais os sintomas?

É um transtorno do neurodesenvolvimento de base genética que afeta, no mundo, 5,3% das crianças e adolescentes e 2,5% dos adultos.

São três sintomas principais, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), da American Psychiatric Association: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Eles aparecem em níveis acentuados, de modo frequente e em pelo menos duas situações (como em casa e na escola).

Antes de ver exemplos, não esqueça: manifestar esses sinais não significa necessariamente que você tenha TDAH.

“Podem ser apenas traços de personalidade, por exemplo. Só é um transtorno quando há impacto importante na qualidade de vida da pessoa”, afirma Felipe Barros, neurologista do Hospital Sírio-Libanês (SP).

•                                    Exemplos de desatenção

👶Na infância: É mais difícil manter a concentração e não se distrair com estímulos secundários. Por exemplo: a criança está desenhando no caderno, quando o coleguinha derruba um lápis no chão. Pronto, todo o foco dela é transferido para esse lápis que caiu. Ao ler, ela pula linhas sem perceber. Tem dificuldade de acompanhar instruções e de terminar tarefas, e perde objetos com frequência.

💼Na vida adulta: “A pessoa pode se esquecer de pagar uma conta ou de buscar o filho na escola. Começa uma tarefa, faz uma pausa para responder a alguém, e aí não termina o primeiro trabalho”, explica Guilherme Polanczyk, psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

•                                    Exemplos de hiperatividade e impulsividade:

👶 Na infância: Na escola, a agitação constante não permite que a criança fique sentada na cadeira por muito tempo, por exemplo. Tem dificuldade para brincar de forma tranquila, movimenta-se como se estivesse “ligada na tomada”, fala muito e não consegue aguardar sua vez.

💼Na vida adulta: “Em geral, há uma internalização desse sintoma. A pessoa fica mais impaciente ou mexe muito os pés e mãos”, afirma Claudia Berlim de Mello, professora adjunta do departamento de psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

É comum também responder a perguntas de modo abrupto ou interromper os colegas em um diálogo.

•                                    🤥 ESTÁ NAS REDES, MAS NÃO É VERDADE: “Os sintomas aumentam na puberdade.”

A oscilação de humor pode acontecer na adolescência de qualquer pessoa, mas o cérebro não vai sofrer alterações que levarão a uma maior desatenção, esclarece Polanczyk. “Essa impressão pode vir talvez pelo aumento da demanda, porque a escola vai ficando mais difícil.”

👩‍🦳 Alguém deixa de ter TDAH ao longo da vida?

Não. “O diagnóstico não some – é uma condição de desenvolvimento”, afirma Mello, da Unifesp. “O que acontece é que, na vida adulta, a pessoa vai aprendendo a lidar com suas condições e desenvolve mecanismos para organizar suas tarefas e administrar o tempo. Essas habilidades são fruto da intervenção precoce [por terapia e/ou medicamento].”

Além disso, há ainda o desenvolvimento do cérebro, que leva a uma diminuição dos sintomas. A tendência é que o quadro melhore com o tempo, mas há exceções – na menopausa, por exemplo, episódios depressivos ou de desatenção acentuada podem se acentuar.

•                                    🤥 ESTÁ NAS REDES, MAS NÃO É VERDADE: “Toda criança que não para quieta tem TDAH.”

Um estudo feito por cientistas de universidades de Minas Gerais, publicado em 2021 no “Brazilian Journal of Surgery and Clinical Research”, afirma que cerca de 90% das crianças entre 3 e 5 anos podem ter agitação psicomotora. “Ela tenderá a desaparecer com a maturação do sistema nervoso, mas é muitas vezes confundida com distúrbios [como TDAH]”, afirma o artigo.

👭Todo paciente com TDAH é igual?

Não. A pessoa com TDAH não necessariamente apresentará todos os sinais acima. São três grupos, de acordo com o DSM-5:

•                                    TDAH com predomínio de sintomas de desatenção;

•                                    TDAH com predomínio de sintomas de hiperatividade/impulsividade;

•                                    TDAH “combinado” (com desatenção e hiperatividade/impulsividade).

“Existe uma variabilidade grande [de quadros]. Há quem seja mais desatento, com dificuldade de aprendizagem, e quem seja mais impulsivo e busque intensamente as sensações de prazer”, explica Polanczyk, da USP.

•                                    🤥ESTÁ NAS REDES, MAS NÃO É VERDADE: “As pessoas com TDAH são mais competitivas”.

Elton Kanomata, psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein (SP), afirma que "isso não tem relação com o transtorno". "É um traço de personalidade”, diz.

😢 É verdade que quem tem TDAH costuma desenvolver depressão?

Segundo os especialistas ouvidos pelo g1, pessoas com TDAH têm maior risco de apresentar comorbidades como ansiedade e depressão.

Além disso, por causa da impulsividade e da busca pelo alívio dos sintomas do transtorno, existe uma propensão ao uso de drogas e ao abuso de álcool. Quando os pacientes são diagnosticados e tratados corretamente, os riscos de dependência diminuem.

•                                    🤥 ESTÁ NAS REDES, MAS NÃO É VERDADE: “O cérebro se cansa, por isso a pessoa se deprime”.

Kanomata diz que a afirmação é falsa. “Existe risco de depressão e de comorbidades psiquiátricas, mas não é pela fadiga do cérebro. Essa sensação de cansaço mental pode ser resultado de uma ansiedade generalizada, por exemplo.”

👩‍⚕️Como é feito o diagnóstico?

“O diagnóstico de transtornos mentais não é feito por meio de exames laboratoriais ou de imagem. É uma análise clínica. É aí que entra o problema: há quem acredite que bastará ver os sintomas que estão escritos no Google”, afirma Kanomata.

Ou seja: é necessário procurar ajuda médica para analisar se há, de fato, um diagnóstico psiquiátrico.

“O médico tem uma compreensão das funções psíquicas e comportamentais, e consegue analisar tanto o que é verbalizado pelo paciente quanto o que fica nas entrelinhas. Nas redes sociais, as pessoas com TDAH podem ser retratadas de forma muito caricata e diferente da realidade.”

O especialista (pode ser um psiquiatra, um neurologista ou um neuropsicólogo, por exemplo) fará entrevistas e avaliações psicológicas, explica Barros, do Sírio.

“Em casos mais acentuados, pode ser que uma consulta só baste. Em outros, podem ser várias, com aplicação de testes específicos de impulsividade e desatenção. Conversar com professores da criança também ajuda a analisar o comportamento dela”, completa.

Se não houver uma conclusão imediata, os médicos podem fazer um acompanhamento constante do comportamento do paciente, até fechar um diagnóstico.

✏️ Em que idade costuma ser feito o diagnóstico?

Em geral, é por volta dos 7 anos que os sintomas ficam mais evidentes, principalmente por causa dos impactos na vida escolar no ensino fundamental. Nessa idade, os professores começam a exigir que os alunos fiquem sentados por mais tempo.

O importante é que os pais e especialistas fiquem atentos ao comportamento da criança em relação ao que é esperado para aquela faixa etária.

Na escola, podem ser feitas adaptações para acolher os estudantes com TDAH, como aulas mais dinâmicas e tempo maior para terminar provas.

💊 Como funciona o tratamento?

“Sempre que houver sofrimento para o paciente, é preciso fazer o tratamento. Ele vai evitar prejuízos, melhorar a desatenção e controlar os impulsos. Começando precocemente, conseguimos poupar a pessoa dos problemas que ela teria quando adulta”, explica Polanczyk.

Estudos mostram que o tratamento correto leva a uma redução do uso de substâncias ilícitas ou de infrações no trânsito.

O ideal é uma combinação entre:

•                                    terapia cognitivo-comportamental, para que “a pessoa perceba suas fragilidades, entenda o impacto na vida dela e aprenda a lidar com isso”, explica Claudia;

•                                    e, se o médico julgar apropriado, um medicamento psicoestimulante, como o metilfenidato (Ritalina) e a lisdexanfetamina (Venvanse).

“Quando essas medicações principais não funcionam ou não podem ser usadas, temos opções de segunda linha também”, explica Felipe Barros, do Sírio-Libanês. “O tratamento é bastante individualizado.”

Há efeitos colaterais possíveis, como em qualquer remédio: perda de apetite, aumento da frequência cardíaca e palpitações, por exemplo.

O paciente deve manter um acompanhamento com o psiquiatra, para controlar a dose e o período de uso dos medicamentos.

Isso é uma generalização, afirma Polanczyk. "Pode ser que essa pessoa sinta isso, mas, em geral, não é verdade. A cafeína acelera o metabolismo; é estimulante. Não pode ser usada como tratamento."

💡Por que é importante se tratar?

O TDAH pode fazer com que o paciente enfrente:

•                                    fracasso escolar;

•                                    perda de emprego;

•                                    dificuldade de manter relacionamentos;

•                                    problemas de autoestima e de autoimagem;

•                                    abandono dos estudos;

•                                    dependência de drogas e de álcool.

“Quando a pessoa recebe o tratamento adequado, consegue ter uma vida estável”, afirma Barros, neurologista do Einstein.

 

Fonte: g1

 

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