Pedro Morgado: “Ansiedade e depressão não
tratadas são incapacitantes”
Ansiedade e depressão
são incapacitantes quando não diagnosticadas e tratadas. Voz em ascensão em
Portugal, o psiquiatra Pedro Morgado chama atenção para a necessidade de evitar
a vulgarização dos diagnósticos de saúde mental, bem como a normalização de
desconfortos psíquicos que restringem as possiblidades de aproveitar a vida.
“Depressão e ansiedade
provocam alterações na forma como as pessoas sentem prazer e desfrutam daquilo
que as gratificam. São doenças muito graves e limitantes”, aponta Morgado,
professor da Universidade do Minho, na região norte de Portugal.
O psiquiatra, que
venceu o prêmio Science Award Mental Health, da Fundação Luso-Americana para o
Desenvolvimento (FLAD), concedeu entrevista ao Metrópoles durante o Congresso
Brasileiro do Cérebro, Comportamento e Emoções 2024, realizado entre 26 e 29 de
junho, no Rio de Janeiro.
Durante a conversa,
ele traçou paralelos entre Brasil e Portugal, enfocando o atendimento aos
pacientes com transtornos psiquiátricos e os fatores de risco para depressão e
ansiedade presentes no contexto social de cada um dos países.
“É muito importante
tirar o estigma da depressão e da ansiedade. As pessoas precisam reconhecer
quando não se sentem bem, quando seu estado emocional está atrapalhando a vida,
e devem procurar ajuda”, aponta.
LEIA A ENTREVISTA:
• Depressão e ansiedade são muito comuns
atualmente. Gostaria de saber se o senhor enxerga particularidades na maneira
como esses problemas de saúde mental se apresentam no Brasil e em Portugal. O
que nos aproxima e o que nos afasta?
Pedro Morgado:
Portugal e Brasil têm uma característica comum quando olhamos para essas duas
doenças psiquiátricas, que são as mais comuns em todo o mundo. Ambos os países
têm maior incidência de problemas de ansiedade e depressão do que seus
vizinhos.
Portugal é um dos
países com maiores níveis de ansiedade e depressão do mundo. Em diferentes
rankings, ele está entre os três primeiros países. Quando olhamos para o
Brasil, ele também aparece entre os líderes.
• E quanto às particularidades?
Pedro Morgado:
Diferentes estudos mostram que há distinção em relação aos sintomas. Nos países
do Sul (países abaixo da linha do Equador, como o Brasil e a África),
verificamos sintomas mais relacionados com a perda de energia, com dificuldades
de sono e com manifestações de ansiedade em quadros de depressão.
De acordo com o estudo
publicado na revista Lancet em 2022, os países do Sul têm uma depressão mais
heterogênea, com maior diversidade e variedade de sintomas do que os da Europa
e dos Estados Unidos.
A outra diferença diz
respeito ao acesso ao tratamento. Na Europa e nos Estados Unidos, os pacientes
tem algum acesso ao tratamento. Nos países do Sul, isso não é uma regra.
• Qual o peso das diferenças sociais,
econômicas e culturais entre o Brasil e Portugal no contexto dos transtornos
psíquicos?
Pedro Morgado: Há
diferenças de contexto muito importantes. Nos países do Sul, em particular
quando comparamos ao modelo de sociedade europeu, temos desigualdades muito
significativas e, o nível de desigualdade é um determinante muito importante
para o desenvolvimento de problemas de saúde mental. As diferenças sociais
importam até mais do que o nível de pobreza.
Há outros problemas
que estão relacionados com a violência, que também é mais significativa nos
países do Sul, como o Brasil. E há diferenças bastante relacionados às
circunstâncias de vida, como o tempo de deslocamento entre a casa e o trabalho,
a oportunidade de momentos de lazer e hábitos alimentares mais saudáveis.
Todos esses fatores
acabam por contribuir para que aqui, no caso no Brasil, existam muitos fatores
de risco que colocam as pessoas em maior vulnerabilidade.
• Em relação às oportunidades de
tratamento, que diferenças marcam o acesso ao cuidado de saúde mental no Brasil
e em Portugal?
Pedro Morgado: O
artigo da Lancet 2022 aponta que menos de 20% das pessoas com depressão possuem
acesso ao tratamento correto e necessário. Isso é muito significativo. Nos
países do Sul, estima-se que apenas 10% das pessoas consigam ter acesso ao
tratamento.
• Qual o risco de pessoas com ansiedade e
depressão não tratarem seus transtornos? São quadros que evoluem?
Pedro Morgado:
Depressão e ansiedade (transtorno de ansiedade, no caso) são doenças muito
sérias. Na ansiedade, a pessoa vive em estados de nervosismo e de preocupação
excessivos e, por causa desses estados, sua capacidade de gerir as situações
normais da vida ficam limitadas.
Tipicamente, a
ansiedade está associada a problemas de sono, a problemas relacionados ao
apetite e a alterações de peso. A ansiedade pode ser muito incapacitante.
A depressão, por sua
vez, é uma doença do cérebro, em que há uma alteração na forma como se
processam as emoções, como o cérebro interpreta o mundo. Em pessoas com
depressão, há uma tendência a interpretar o mundo de forma mais negativa.
As duas provocam
alterações na forma como as pessoas sentem prazer e desfrutam daquilo que as
gratificam. Então são doenças muito graves, limitantes. A depressão pode
evoluir para situações de suicídio, bem como para o uso de substâncias e
dependências, como as relacionadas com o jogo, os videojogos, e a dependência
de telas.
Além disso, a
depressão aumenta o risco para as doenças cardiovasculares, doenças de tiroide
e problemas neurodegenerativos.
Um cérebro que está há
muitos anos com depressão e sem tratamento é um cérebro que vai envelhecer de
forma mais acelerada, portanto, é muito importante tratarmos a depressão. Há
muita discriminação em volta do tema.
• O senhor considera que as pessoas
normalizam depressão e ansiedade como parte da vida? Que há dificuldade em
buscar ajuda?
Pedro Morgado: Muitas
vezes isso acontece porque há confusão, pelo menos aqui em Portugal. Penso que
no Brasil deve ser parecido, com as pessoas usando o termo ansiedade e
depressão para significar emoções normais do dia a dia, e isso faz com que, às
vezes, se confunda uma tristeza que é normal e, que todos nós sentimos, com uma
doença profundamente incapacitante.
Lembro que ansiedade e
depressão estão na lista das dez doenças que mais dias saudáveis roubam das
pessoas. Portanto, estamos a falar de doenças que são muito impactantes na
sociedade.
• Professor, agora gostaria de falar de
ansiedade e depressão em duas fases bem específicas da vida: a adolescência e a
velhice. Como as pessoas que estão próximas podem ajudar os adolescentes ou as
pessoas idosas a manterem a saúde mental?
Pedro Morgado: Muito
bem, começando pelos adolescentes. A adolescência é uma época de crise pessoal.
Crise no sentido de transformação. Eles precisam de alguma ansiedade para
conhecer e estruturar a personalidade, as relações e a forma como lidam com as dificuldades
normais da vida.
Quando a pandemia
começou, acreditávamos que os idosos seriam os mais afetados pela pandemia. O
que estamos verificando é que foram os adolescentes, porque foram impactados em
uma fase muito decisiva da vida. Perderam a possibilidade de estabelecer relações,
de fazer atividades que eram normais antes e foram adiando aquilo que era seu
desenvolvimento psicológico normal.
Além disso, há muitas
mudanças pelas quais a sociedade está passando para as quais o corpo ainda não
evoluiu. O nosso cérebro é o mesmo cérebro que estava programado para fugir de
leões na selva. Mas, o nosso sistema de alerta e de fuga, que é o sistema ansioso,
está programado para fugir de leões, mas hoje não temos que fugir de leões.
O cérebro não está
preparado para lidar com esta subjetividade que existe na avaliação do nosso
aspecto físico. Quando nós estamos numa conversa normal, podemos dizer eu gosto
do seu vestido, gosto da sua voz, do seu cheiro. São coisas subjetivas. Os jovens
de hoje estão baseando essa percepção em número de likes, se foram 100 ou 50
likes, isso gera muita frustração e ansiedade.
Esses fatores, na
minha opinião e de acordo com alguns estudos recentes, são fatores que estão
contribuindo para o desenvolvimento de mais doenças mentais, nomeadamente
ansiedade e depressão, entre os jovens.
• E pensando na outra ponta da pirâmide,
nas pessoas mais velhas, já que a população do Brasil está envelhecendo, quais
são as ameaças mais comuns à saúde mental nesta fase da vida?
Pedro Morgado: Também
depressão e ansiedade, somadas a outras doenças demenciais.
Quando nós pensamos
numa pessoa com idade mais avançada, é comum notarmos várias doenças na mesma
pessoa. O risco de desenvolver, por exemplo, uma doença depressiva, uma doença
demencial, é maior nesse grupo. Além disso, doenças cardiovasculares, hipertensão
e doenças da tireoide aumentam o risco de depressão. Na faixa etária acima de
60 anos, vamos ter uma prevalência de depressão maior do que em qualquer outra
faixa etária.
Estamos falando de
pessoas que, muitas vezes, estão isoladas e não identificam os sintomas, não
conseguem reconhecer que estão doentes e, por isso, não procuram ajuda. Então,
aquilo que acho importante num país como o Brasil, que está neste processo de envelhecimento
populacional, mas um pouco atrás da Europa, é que prepare seu sistema de
atendimento em saúde.
E, em segundo lugar,
que apostem na prevenção de problemas de saúde mental, na promoção de uma vida
saudável, com boa dieta, exercícios físicos e atividades sociais e cognitivas.
Fonte: Metrópoles
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