Com matriz energética mais limpa do mundo,
América Latina atrai cobiça das potências colonialistas?
Dados do Banco de
Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF) apontam que a região desponta
do restante do mundo e conta com 25% da matriz energética gerada por fontes
renováveis, principalmente por conta da hidroeletricidade e dos
biocombustíveis. Mas como isso atrai empresas e governos de olho na diversidade
crucial para o futuro?
Um oásis de
diversidade energética do globo. Das grandes usinas hidrelétricas aos parques
eólicos a perder de vista, países latino-americanos despontam como potências em
combustível verde e possuem uma média mundial invejável de geração de energia
renovável: enquanto no globo é de 20% para a produção de eletricidade, na
região o índice chega a 66%. E até em relação aos combustíveis fósseis, há
abundância em recursos que garantem conforto durante a transição energética,
com duas das maiores reservas de petróleo na Venezuela e no Brasil, além de
fontes de gás natural abundantes na Bolívia.
O professor de
planejamento energético da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Gustavo
Moura ressalta ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que essa variedade
energética deve gerar ainda mais investimentos para a América Latina. Porém
ainda há grandes desafios a serem superados, e até a cobiça colonialista de
grandes potências pode ser um empecilho.
"A questão é
muito mais como desenvolver a capacidade técnica e de recursos humanos para
essa indústria, uma vez que os níveis educacionais na América Latina ainda
limitam o desenvolvimento. A questão financeira também, já que não temos
poupança para fazer esses investimentos e nossas taxas de juros não são tão
baixas quanto as de países desenvolvidos. E para fazer a transição energética,
é necessário uma combinação desses fatores", resume o especialista.
Além disso, o
especialista pontua que a região, que também conta com grandes reservas de
lítio e minério de ferro, ainda tem problemas com a corrupção, o que pode ser
um prato cheio para corporações mundo afora. "A corrupção tem muita origem
na questão da educação e na falta de transparência da administração pública,
mas isso se repete, e muito, também no setor privado", acrescenta.
·
Qual país do mundo mais explora energia
alternativa?
Um estudo divulgado
pela consultoria Enerdata revelou que atualmente o Brasil é o segundo país do
globo que mais explora energia alternativa: 89,2% do total para a produção de
eletricidade, índice que só fica atrás do da Noruega, com 98,5%.
Também aparecem como
destaque a Colômbia (75,1%) e o Chile (54,6%), em quarto e oitavo lugar,
respectivamente. Para o professor da UFOP, o Banco do BRICS, que atualmente
está sob a direção da ex-presidente Dilma Rousseff e tem a sustentabilidade
como um dos principais eixos, pode atuar ainda mais como indutor do
desenvolvimento brasileiro no setor.
"O banco possui
um capital aplicado em torno de US$ 35 bilhões [R$ 197,5 bilhões], sendo que
US$ 4 bilhões [R$ 22,5 bilhões] está em investimentos em parques de energia
eólica no Nordeste brasileiro [...]. O volume pode chegar a US$ 100 bilhões [R$
564 bilhões] e acredito que boa parte pode ser usado para desenvolver a
indústria energética do Brasil", pontua.
O especialista também
lembra que o setor é um dos grandes indutores do desenvolvimento nacional. Um
dos exemplos é a Petrobras, que segundo Moura, fez o Brasil ter autonomia
energética ainda em 2006, com investimentos tanto na indústria do petróleo
quanto em biocombustíveis.
"A questão é
tentar investir em biocombustíveis mais modernos. Como exemplo, há o diesel
renovado, etanol celulósico e etanol de segunda geração. E também temos a
capacidade de fazer isso, de investir mais em energia solar, em energia eólica.
O Brasil pode ser sim uma potência energética mundial, assim como a gente vê
hoje a Rússia, a Arábia Saudita", exemplifica.
Prova da atratividade
do país, conforme o professor da UFOP, é o aumento da presença de empresas
chinesas do setor com investimentos, principalmente em transmissão de energia.
"O Brasil tem um conhecimento adquirido ao longo de décadas de operação de
um sistema interligado nacional, com diferentes bacias hidrográficas. Isso
permite um ganho energético para o país imenso: estima-se 20% a mais de energia
por conta da interligação, que trabalha com essa diversidade hidrológica do
Sul, do Nordeste, do Centro-Oeste. E as empresas chinesas vieram para cá,
investindo em transmissão, muito provavelmente até para aprender com essa
experiência e levar para o cenário deles, já que a China também é um país
continental com grande presença hidrelétrica."
·
Como se produz o hidrogênio verde?
Também considerado um
combustível crucial para alcançar um mundo mais sustentável, o hidrogênio verde
é obtido pela eletrólise de fontes renováveis. As condições climáticas do
Nordeste, por conta do sol e ventos, torna o Brasil atrativo para investimentos
no setor, que tem expectativas de receber US$ 570 bilhões (R$ 3,2 trilhões) em
todo o mundo até 2030. O professor da UFOP lembra que ainda há um longo caminho
pela frente para a consolidação do combustível, que apesar de sustentável,
envolve vários riscos na distribuição e armazenamento.
"Desenvolver a
cadeia energética do hidrogênio pode trazer maior estabilidade para fontes que
são intermitentes, como a solar e a eólica. E, por meio da estabilidade,
aumentar a segurança energética. Mas, ao mesmo tempo, a gente ainda não sabe
como vai se organizar a cadeia industrial do hidrogênio, nem no Brasil, nem no
mundo. E é importante ter em mente que as cadeias energéticas são muito
diferentes entre os países. A forma como a indústria vai se organizar no Brasil
pode ser completamente diferente de como vai ser na Argentina, de como vai ser
na Venezuela ou no México", destaca.
O professor e
coordenador de pós-graduação em Engenharia e Tecnologias da Uninter, Gabriel
Vergara, complementa à Sputnik Brasil que há grande potencial de
desenvolvimento da tecnologia principalmente no Ceará e citou o projeto do
marco legal do hidrogênio verde que traz maior segurança jurídica para o setor.
"O Brasil é muito forte, ele avança na liderança do hidrogênio verde
inclusive", diz.
·
Como acontece o desenvolvimento energético
na Amazônia?
Os estados da Amazônia
Legal, que nos últimos anos receberam investimentos para a exploração do
potencial hidrelétrico (como a usina de Belo Monte), respondem por mais de 27%
da produção de energia elétrica no Brasil, apesar do consumo local ser baseado principalmente
no diesel. Região que já chegou a ser considerada como "pulmão do
mundo", esse bioma possui grande importância por conta da diversidade
ambiental e também por atuar como reguladora do clima global. Porém, desde
2010, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostraram que a
área passou a liberar mais gás carbônico do que absorve, justamente por conta
do desmatamento.
Para Gabriel Vergara,
isso é um sinal de alerta e também está ligado diretamente ao setor energético.
"A questão de você fazer a transição para uma economia verde inclui a
valorização e a proteção dessas áreas florestais, que contam com diversos recursos
energéticos. Há interesses econômicos em jogo, existe uma pressão internacional
e a necessidade olhar para o desenvolvimento sustentável", explica.
Outro ponto de
preocupação é com relação à soberania nacional sobre a Amazônia, questão que
chegou a ser denunciada pelo ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo, que aponta a
atuação de entidades internacionais disfarçadas de ONGs que criam um
"Estado paralelo de comando". Vergara considera válida a preocupação.
"Há uma dualidade
que precisamos ter muito cuidado, já que as ONGs desempenham um papel crucial
na conservação da floresta e no apoio às comunidades locais. É preciso focar
num todo com equilíbrio entre cooperação internacional e proteção dos interesses
do Brasil [...]. E existe um alvo de especulação sobre os países que possuem
oferta de energia verde", finaliza.
¨ Apoio internacional incentiva manejo sustentável da Amazônia
Antes de ganharem o
mundo, as peças de madeira passam pelas mãos de Valéria dos Santos Cardoso,
auxiliar de movelaria e moradora da Floresta Nacional (Flona) do Tapajós, no
Pará. Na bancada estão alguns dos 7 mil massageadores que irão para os Estados
Unidos; lixados, polidos, selados por ela. São feitos de jatobá, árvore de
grande porte que cresce na Amazônia e foi retirada
dali mesmo.
"É um trabalho
muito bem planejado, não é de devastação. A madeira é retirada de forma sustentável para beneficiar
as famílias que vivem na floresta”, diz Cardoso à DW enquanto maneja as peças.
É uma tarde especial
para ela e os 300 associados da Cooperativa Mista da Floresta Nacional do
Tapajós (Coomflora). Eles recebem a visita inédita de três ministras
interessadas em ouvir a trajetória de 19 anos de manejo comunitário na
Amazônia.
Svenja Schulze,
ministra alemã do Desenvolvimento, elogia o trabalho dos
cooperados: "Isso não é bom apenas para as pessoas que vivem aqui,
que têm uma renda a partir disso e também uma perspectiva, mas para todo o
mundo. Quando a floresta que funciona como um ar condicionado do planeta é
protegida, todos nós ganhamos”, afirma à DW.
Acompanhada por Marina
Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Schulze caminha por entre
novas árvores que poderão se regenerar pelas próximas três décadas,
ali onde a madeira já foi explorada.
Os primeiros testes do
tipo na Flona Tapajós saíram do papel ainda nos anos 1990, com dinheiro da
cooperação alemã.
"A cooperação
aqui é uma demonstração de que esta é uma ação global, mas que se realiza no
local", comenta Silva. A brasileira argumenta que o enfrentamento às
mudanças climáticas se faz "com parceria, com conhecimento, com respeito
às comunidades e, sobretudo, mudando o modelo de desenvolvimento da forma
predatória para a forma sustentável".
Não é um momento fácil
para Silva à frente da pasta. Servidores federais estão em greve por melhores salários e condições de trabalho, o Pantanal arde em chamas e
a Amazônia dá sinais de que pode
enfrentar outra seca em 2024.
<><>
Cooperação alemã pioneira
A Flona do Tapajós é
uma unidade de conservação federal criada em 1974 e permite uso sustentável dos
recursos. Com 5.270 quilômetros quadrados, ela foi pioneira no Brasil na
exploração de madeira totalmente executada pelas comunidades locais. Quando o
governo decidiu conceder parte da floresta para este fim, só empresas podiam
participar. Os moradores se sentiram excluídos do processo, reclamaram e
inauguraram um projeto piloto de manejo comunitário em 2005.
O apoio inicial veio
do Banco de Desenvolvimento Alemão (KfW) e custeou, entre outras coisas, o
treinamento da mão de obra para o corte preciso das árvores mapeadas, sem que
nenhuma outra ao redor fosse danificada. A abertura de estradas temporárias
também deveria causar o menor impacto possível.
"O uso
sustentável da floresta é uma boa estratégia de conservação. E os resultados
foram mostrando também para o setor privado que é um bom negócio”, diz Hans
Christian Schmidt, coordenador de projetos florestas tropicais do KfW, que vive
há mais de 30 anos no Brasil.
O orçamento para 2024
do Ministério do Meio Ambiente é de R$ 14,42 bilhões em recursos públicos. Já
os recursos de projetos de cooperação, entre empréstimos a juros baixos e
doações, totalizam R$ 4,5 bilhões neste ano, segundo números publicados pelo
órgão.
"Esse dinheiro
que vem de parceiros internacionais permite que se alcance feitos que, com o
orçamento público, seria impossível de se obter porque permite que outros
parceiros, como pesquisadores de universidades e a sociedade civil, sejam
envolvidos também”, comenta Mauro Gomes, diretor do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio). No caso da longa cooperação com os
alemães, ele adiciona, a visita da ministra ao Tapajós é importante para
provar, por meio do relato dos próprios moradores da floresta, como a boa
gestão é uma alternativa ao desmatamento.
<><> O
retorno do Fundo Amazônia
É sobre este
pensamento que o Fundo Amazônia, criado
em 2008, se apoia. Ele é um outro "bolso” de dinheiro,
abastecido por doações internacionais principalmente da Noruega e Alemanha. O
Brasil só recebe quando consegue reduzir a taxa de desmatamento anual, e o
recurso apoia projetos na Amazônia focados na prevenção, monitoramento e
combate à destruição da floresta que impulsionam a preservação e uso
sustentável.
O galpão onde hoje os
trabalhadores da Coomflona produzem os móveis de madeira retirada da Flona do
Tapajós foi construído com recursos do fundo. Ali são feitos armários, bancos,
portas e janelas de origem certificada. Mas existem preocupações.
"Há uma pressão
externa muito grande. Existem muitos interesses, empresas e pessoas que
assediam as comunidades para ofertarem matéria-prima de forma irregular,
predatória. E a madeira do entorno ainda é extraída, majoritariamente, de forma
ilegal”, diz José Risonei Assis da Silva, gestor da unidade de conservação do
ICMBio.
A ministra norueguesa
de Desenvolvimento Internacional, Anne Tvinnereim, conhece o cenário. Em 2019,
o país suspendeu a doação diante da alta do desmatamento na Amazônia. Na
sequência, todo o fundo foi paralizado quando o então presidente Jair Bolsonaro
tentou alterar a sua estrutura de governança.
"Esta visita é
uma celebração do retorno do Fundo Amazônia e, sobretudo, dos resultados.
Agora vemos que, com paciência, obtemos resultados muito importantes para o
povo que vive aqui e para o mundo inteiro”, afirma Tvinnereim à DW, ao lado de Marina
da Silva.
O fundo recebeu
concretamente R$ 3,8 bilhões até agora, dos quais R$ 1,5 bilhão foram
desembolsados.
Com cortes previstos
para o Orçamento alemão de 2025 na
área de cooperação internacional, Svenja Schulze admite que o cenário é amargo,
mas diz que sua pasta vai focar na cooperação com o Brasil. "É uma dessas
prioridades. Por isso, continuaremos a cofinanciar, por exemplo, o Fundo
Amazônia e a colaborar com o governo aqui no futuro", assegura.
<><> As
vozes da floresta
Durante os dois dias
de visita na região do Tapajós, antes das reuniões do G20 que seguem até quarta-feira (24/07) no Rio de Janeiro,
Schulze esteve com grupos de mulheres da Floresta Amazônica. Ela ouviu sobre a
vida em comunidade, o combate a invasores e ao desmatamento, as ameaças
enfrentadas.
Maria Ivete Bastos dos
Santos, agricultora e sindicalista, contou que está jurada de morte há mais de
uma década. Ela vive num assentamento agroextrativista com mais de 140 famílias
de comunidades tradicionais como ribeirinhos, quilombolas e indígenas. Sem
posse formal da terra, ela é ameaçada por grileiros e fazendeiros exportadores
de commodities como soja, e já viu muitas lideranças na região serem
assassinadas.
Com parcerias e
financiamento de iniciativas sustentáveis no Brasil, a Alemanha também precisa
dos recursos naturais do país para movimentar sua economia. A expectativa é que
o território brasileiro seja um grande fornecedor de hidrogênio verde,
uma das apostas alemãs para
fazer a transição energética.
Questionada pela DW
sobre o risco de a Alemanha financiar projetos que tragam impactos negativos para a população local, Schulze afastou essa possibilidade.
"Queremos
realizar nossos projetos em parceria com o governo brasileiro para que todos se
beneficiem. Isso significa que muitas energias renováveis que estão sendo
desenvolvidas aqui no Brasil devem ser utilizadas aqui e, quando houver excesso
para comercialização, como na produção de hidrogênio verde, queremos comprar no
futuro. Mas queremos fazer isso de modo que gere valor agregado nos países e
não seja prejudicial à população", assegurou.
¨
Humanidade sofre "epidemia de calor
extremo", alerta ONU
A humanidade está
sofrendo com uma "epidemia de calor
extremo", alertou nesta quinta-feira (25/07)
o Secretário-Geral das Nações
Unidas, Antonio Guterres.
"Bilhões de
pessoas estão enfrentando uma epidemia de calor extremo,
murchando sob ondas de calor cada vez mais mortais, com
temperaturas ultrapassando os 50ºC em todo o mundo", disse. "Isso é
a meio caminho da fervura."
Guterres destacou que
a segunda-feira foi o dia mais quente já registrado, superando o recorde
estabelecido apenas um dia antes, e pediu ações para limitar o impacto das
ondas de calor, que estão sendo exacerbadas pela mudança climática, e conter o
aquecimento global.
<><> Calor
mata mais que enchentes
Embora muitas vezes
menos visível que outros efeitos devastadores da mudança climática, como
tempestades ou inundações, o calor intenso é
mais mortal: ceifou cerca de 489 mil vidas a cada ano entre 2000 e 2019 – bem
menos que as 16 mil vítimas de ciclones, segundo o relatório "Chamado à
Ação contra o calor extremo", lançado pela ONU nesta quinta-feira.
Guterres instou a
comunidade internacional a adotar medidas para reduzir as mortes relacionadas
ao calor, a começar pelos cuidados dos mais vulneráveis: pobres, idosos, jovens
e doentes.
"O calor
paralisante está em toda a parte, mas não afeta todos igualmente",
explicou Guterres. "O calor extremo amplifica a desigualdade, inflama a
insegurança alimentar e empurra as pessoas ainda mais para a pobreza."
<><> Sistemas
de alerta de calor podem salvar vidas
A ONU também pediu
melhores avisos de ondas de calor, mais "resfriamento passivo",
melhor design urbano, mais proteção para trabalhadores ao ar livre e maiores
esforços para combater as mudanças climáticas causadas
pelo homem, que exacerba os extremos climáticos, e limitar o aquecimento global
a 1,5ºC – algo que cientistas alertam que não ocorrerá se a humanidade não
reduzir a queima de combustíveis fósseis e
não detiver o desmatamento.
Segundo Guterres,
cálculos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente mostram que a
adoção de medidas de mitigação do calor podem
"proteger 3,5 bilhões de pessoas até 2050", reduzir as emissões e
economizar "1 trilhão de dólares (R$ 5,64 trilhões) por ano aos
consumidores", disse Guterres, citando uma estimativa.
O documento lançado
pela ONU nesta quinta afirma, com base em estimativas da Organização Mundial da
Saúde e da Organização Meteorológica Mundial, que sistemas melhores de alerta
de calor em 57 países poderiam salvar 98.314 vidas por ano.
Fonte: Sputnik Brasil/Deutsche
Welle
Nenhum comentário:
Postar um comentário