sábado, 27 de julho de 2024

Com matriz energética mais limpa do mundo, América Latina atrai cobiça das potências colonialistas?

Dados do Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF) apontam que a região desponta do restante do mundo e conta com 25% da matriz energética gerada por fontes renováveis, principalmente por conta da hidroeletricidade e dos biocombustíveis. Mas como isso atrai empresas e governos de olho na diversidade crucial para o futuro?

Um oásis de diversidade energética do globo. Das grandes usinas hidrelétricas aos parques eólicos a perder de vista, países latino-americanos despontam como potências em combustível verde e possuem uma média mundial invejável de geração de energia renovável: enquanto no globo é de 20% para a produção de eletricidade, na região o índice chega a 66%. E até em relação aos combustíveis fósseis, há abundância em recursos que garantem conforto durante a transição energética, com duas das maiores reservas de petróleo na Venezuela e no Brasil, além de fontes de gás natural abundantes na Bolívia.

O professor de planejamento energético da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Gustavo Moura ressalta ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que essa variedade energética deve gerar ainda mais investimentos para a América Latina. Porém ainda há grandes desafios a serem superados, e até a cobiça colonialista de grandes potências pode ser um empecilho.

"A questão é muito mais como desenvolver a capacidade técnica e de recursos humanos para essa indústria, uma vez que os níveis educacionais na América Latina ainda limitam o desenvolvimento. A questão financeira também, já que não temos poupança para fazer esses investimentos e nossas taxas de juros não são tão baixas quanto as de países desenvolvidos. E para fazer a transição energética, é necessário uma combinação desses fatores", resume o especialista.

Além disso, o especialista pontua que a região, que também conta com grandes reservas de lítio e minério de ferro, ainda tem problemas com a corrupção, o que pode ser um prato cheio para corporações mundo afora. "A corrupção tem muita origem na questão da educação e na falta de transparência da administração pública, mas isso se repete, e muito, também no setor privado", acrescenta.

·        Qual país do mundo mais explora energia alternativa?

Um estudo divulgado pela consultoria Enerdata revelou que atualmente o Brasil é o segundo país do globo que mais explora energia alternativa: 89,2% do total para a produção de eletricidade, índice que só fica atrás do da Noruega, com 98,5%.

Também aparecem como destaque a Colômbia (75,1%) e o Chile (54,6%), em quarto e oitavo lugar, respectivamente. Para o professor da UFOP, o Banco do BRICS, que atualmente está sob a direção da ex-presidente Dilma Rousseff e tem a sustentabilidade como um dos principais eixos, pode atuar ainda mais como indutor do desenvolvimento brasileiro no setor.

"O banco possui um capital aplicado em torno de US$ 35 bilhões [R$ 197,5 bilhões], sendo que US$ 4 bilhões [R$ 22,5 bilhões] está em investimentos em parques de energia eólica no Nordeste brasileiro [...]. O volume pode chegar a US$ 100 bilhões [R$ 564 bilhões] e acredito que boa parte pode ser usado para desenvolver a indústria energética do Brasil", pontua.

O especialista também lembra que o setor é um dos grandes indutores do desenvolvimento nacional. Um dos exemplos é a Petrobras, que segundo Moura, fez o Brasil ter autonomia energética ainda em 2006, com investimentos tanto na indústria do petróleo quanto em biocombustíveis.

"A questão é tentar investir em biocombustíveis mais modernos. Como exemplo, há o diesel renovado, etanol celulósico e etanol de segunda geração. E também temos a capacidade de fazer isso, de investir mais em energia solar, em energia eólica. O Brasil pode ser sim uma potência energética mundial, assim como a gente vê hoje a Rússia, a Arábia Saudita", exemplifica.

Prova da atratividade do país, conforme o professor da UFOP, é o aumento da presença de empresas chinesas do setor com investimentos, principalmente em transmissão de energia. "O Brasil tem um conhecimento adquirido ao longo de décadas de operação de um sistema interligado nacional, com diferentes bacias hidrográficas. Isso permite um ganho energético para o país imenso: estima-se 20% a mais de energia por conta da interligação, que trabalha com essa diversidade hidrológica do Sul, do Nordeste, do Centro-Oeste. E as empresas chinesas vieram para cá, investindo em transmissão, muito provavelmente até para aprender com essa experiência e levar para o cenário deles, já que a China também é um país continental com grande presença hidrelétrica."

·        Como se produz o hidrogênio verde?

Também considerado um combustível crucial para alcançar um mundo mais sustentável, o hidrogênio verde é obtido pela eletrólise de fontes renováveis. As condições climáticas do Nordeste, por conta do sol e ventos, torna o Brasil atrativo para investimentos no setor, que tem expectativas de receber US$ 570 bilhões (R$ 3,2 trilhões) em todo o mundo até 2030. O professor da UFOP lembra que ainda há um longo caminho pela frente para a consolidação do combustível, que apesar de sustentável, envolve vários riscos na distribuição e armazenamento.

"Desenvolver a cadeia energética do hidrogênio pode trazer maior estabilidade para fontes que são intermitentes, como a solar e a eólica. E, por meio da estabilidade, aumentar a segurança energética. Mas, ao mesmo tempo, a gente ainda não sabe como vai se organizar a cadeia industrial do hidrogênio, nem no Brasil, nem no mundo. E é importante ter em mente que as cadeias energéticas são muito diferentes entre os países. A forma como a indústria vai se organizar no Brasil pode ser completamente diferente de como vai ser na Argentina, de como vai ser na Venezuela ou no México", destaca.

O professor e coordenador de pós-graduação em Engenharia e Tecnologias da Uninter, Gabriel Vergara, complementa à Sputnik Brasil que há grande potencial de desenvolvimento da tecnologia principalmente no Ceará e citou o projeto do marco legal do hidrogênio verde que traz maior segurança jurídica para o setor. "O Brasil é muito forte, ele avança na liderança do hidrogênio verde inclusive", diz.

·        Como acontece o desenvolvimento energético na Amazônia?

Os estados da Amazônia Legal, que nos últimos anos receberam investimentos para a exploração do potencial hidrelétrico (como a usina de Belo Monte), respondem por mais de 27% da produção de energia elétrica no Brasil, apesar do consumo local ser baseado principalmente no diesel. Região que já chegou a ser considerada como "pulmão do mundo", esse bioma possui grande importância por conta da diversidade ambiental e também por atuar como reguladora do clima global. Porém, desde 2010, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostraram que a área passou a liberar mais gás carbônico do que absorve, justamente por conta do desmatamento.

Para Gabriel Vergara, isso é um sinal de alerta e também está ligado diretamente ao setor energético. "A questão de você fazer a transição para uma economia verde inclui a valorização e a proteção dessas áreas florestais, que contam com diversos recursos energéticos. Há interesses econômicos em jogo, existe uma pressão internacional e a necessidade olhar para o desenvolvimento sustentável", explica.

Outro ponto de preocupação é com relação à soberania nacional sobre a Amazônia, questão que chegou a ser denunciada pelo ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo, que aponta a atuação de entidades internacionais disfarçadas de ONGs que criam um "Estado paralelo de comando". Vergara considera válida a preocupação.

"Há uma dualidade que precisamos ter muito cuidado, já que as ONGs desempenham um papel crucial na conservação da floresta e no apoio às comunidades locais. É preciso focar num todo com equilíbrio entre cooperação internacional e proteção dos interesses do Brasil [...]. E existe um alvo de especulação sobre os países que possuem oferta de energia verde", finaliza.

 

¨      Apoio internacional incentiva manejo sustentável da Amazônia

Antes de ganharem o mundo, as peças de madeira passam pelas mãos de Valéria dos Santos Cardoso, auxiliar de movelaria e moradora da Floresta Nacional (Flona) do Tapajós, no Pará. Na bancada estão alguns dos 7 mil massageadores que irão para os Estados Unidos; lixados, polidos, selados por ela. São feitos de jatobá, árvore de grande porte que cresce na Amazônia e foi retirada dali mesmo.

"É um trabalho muito bem planejado, não é de devastação. A madeira é retirada de forma sustentável para beneficiar as famílias que vivem na floresta”, diz Cardoso à DW enquanto maneja as peças.

É uma tarde especial para ela e os 300 associados da Cooperativa Mista da Floresta Nacional do Tapajós (Coomflora). Eles recebem a visita inédita de três ministras interessadas em ouvir a trajetória de 19 anos de manejo comunitário na Amazônia.

Svenja Schulze, ministra alemã do Desenvolvimento, elogia o trabalho dos cooperados: "Isso não é bom apenas para as pessoas que vivem aqui, que têm uma renda a partir disso e também uma perspectiva, mas para todo o mundo. Quando a floresta que funciona como um ar condicionado do planeta é protegida, todos nós ganhamos”, afirma à DW.

Acompanhada por Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Schulze caminha por entre novas árvores que poderão se regenerar pelas próximas três décadas, ali onde a madeira já foi explorada.

Os primeiros testes do tipo na Flona Tapajós saíram do papel ainda nos anos 1990, com dinheiro da cooperação alemã.

"A cooperação aqui é uma demonstração de que esta é uma ação global, mas que se realiza no local", comenta Silva. A brasileira argumenta que o enfrentamento às mudanças climáticas se faz "com parceria, com conhecimento, com respeito às comunidades e, sobretudo, mudando o modelo de desenvolvimento da forma predatória para a forma sustentável".

Não é um momento fácil para Silva à frente da pasta. Servidores federais estão em greve por melhores salários e condições de trabalho, o Pantanal arde em chamas e a Amazônia dá sinais de que pode enfrentar outra seca em 2024.

<><> Cooperação alemã pioneira

A Flona do Tapajós é uma unidade de conservação federal criada em 1974 e permite uso sustentável dos recursos. Com 5.270 quilômetros quadrados, ela foi pioneira no Brasil na exploração de madeira totalmente executada pelas comunidades locais. Quando o governo decidiu conceder parte da floresta para este fim, só empresas podiam participar. Os moradores se sentiram excluídos do processo, reclamaram e inauguraram um projeto piloto de manejo comunitário em 2005.

O apoio inicial veio do Banco de Desenvolvimento Alemão (KfW) e custeou, entre outras coisas, o treinamento da mão de obra para o corte preciso das árvores mapeadas, sem que nenhuma outra ao redor fosse danificada. A abertura de estradas temporárias também deveria causar o menor impacto possível.

"O uso sustentável da floresta é uma boa estratégia de conservação. E os resultados foram mostrando também para o setor privado que é um bom negócio”, diz Hans Christian Schmidt, coordenador de projetos florestas tropicais do KfW, que vive há mais de 30 anos no Brasil.

O orçamento para 2024 do Ministério do Meio Ambiente é de R$ 14,42 bilhões em recursos públicos. Já os recursos de projetos de cooperação, entre empréstimos a juros baixos e doações, totalizam R$ 4,5 bilhões neste ano, segundo números publicados pelo órgão.

"Esse dinheiro que vem de parceiros internacionais permite que se alcance feitos que, com o orçamento público, seria impossível de se obter porque permite que outros parceiros, como pesquisadores de universidades e a sociedade civil, sejam envolvidos também”, comenta Mauro Gomes, diretor do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). No caso da longa cooperação com os alemães, ele adiciona, a visita da ministra ao Tapajós é importante para provar, por meio do relato dos próprios moradores da floresta, como a boa gestão é uma alternativa ao desmatamento.

<><> O retorno do Fundo Amazônia

É sobre este pensamento que o Fundo Amazônia, criado em 2008, se apoia. Ele é um outro "bolso” de dinheiro, abastecido por doações internacionais principalmente da Noruega e Alemanha. O Brasil só recebe quando consegue reduzir a taxa de desmatamento anual, e o recurso apoia projetos na Amazônia focados na prevenção, monitoramento e combate à destruição da floresta que impulsionam a preservação e uso sustentável.

O galpão onde hoje os trabalhadores da Coomflona produzem os móveis de madeira retirada da Flona do Tapajós foi construído com recursos do fundo. Ali são feitos armários, bancos, portas e janelas de origem certificada. Mas existem preocupações.

"Há uma pressão externa muito grande. Existem muitos interesses, empresas e pessoas que assediam as comunidades para ofertarem matéria-prima de forma irregular, predatória. E a madeira do entorno ainda é extraída, majoritariamente, de forma ilegal”, diz José Risonei Assis da Silva, gestor da unidade de conservação do ICMBio.

A ministra norueguesa de Desenvolvimento Internacional, Anne Tvinnereim, conhece o cenário. Em 2019, o país suspendeu a doação diante da alta do desmatamento na Amazônia. Na sequência, todo o fundo foi paralizado quando o então presidente Jair Bolsonaro tentou alterar a sua estrutura de governança.

"Esta visita é uma celebração do retorno do Fundo Amazônia e, sobretudo, dos resultados. Agora vemos que, com paciência, obtemos resultados muito importantes para o povo que vive aqui e para o mundo inteiro”, afirma Tvinnereim à DW, ao lado de Marina da Silva.

O fundo recebeu concretamente R$ 3,8 bilhões até agora, dos quais R$ 1,5 bilhão foram desembolsados.

Com cortes previstos para o Orçamento alemão de 2025 na área de cooperação internacional, Svenja Schulze admite que o cenário é amargo, mas diz que sua pasta vai focar na cooperação com o Brasil. "É uma dessas prioridades. Por isso, continuaremos a cofinanciar, por exemplo, o Fundo Amazônia e a colaborar com o governo aqui no futuro", assegura.

<><> As vozes da floresta

Durante os dois dias de visita na região do Tapajós, antes das reuniões do G20 que seguem até quarta-feira (24/07) no Rio de Janeiro, Schulze esteve com grupos de mulheres da Floresta Amazônica. Ela ouviu sobre a vida em comunidade, o combate a invasores e ao desmatamento, as ameaças enfrentadas.

Maria Ivete Bastos dos Santos, agricultora e sindicalista, contou que está jurada de morte há mais de uma década. Ela vive num assentamento agroextrativista com mais de 140 famílias de comunidades tradicionais como ribeirinhos, quilombolas e indígenas. Sem posse formal da terra, ela é ameaçada por grileiros e fazendeiros exportadores de commodities como soja, e já viu muitas lideranças na região serem assassinadas.

Com parcerias e financiamento de iniciativas sustentáveis no Brasil, a Alemanha também precisa dos recursos naturais do país para movimentar sua economia. A expectativa é que o território brasileiro seja um grande fornecedor de hidrogênio verde, uma das apostas alemãs para fazer a transição energética.

Questionada pela DW sobre o risco de a Alemanha financiar projetos que tragam impactos negativos para a população local, Schulze afastou essa possibilidade.

"Queremos realizar nossos projetos em parceria com o governo brasileiro para que todos se beneficiem. Isso significa que muitas energias renováveis que estão sendo desenvolvidas aqui no Brasil devem ser utilizadas aqui e, quando houver excesso para comercialização, como na produção de hidrogênio verde, queremos comprar no futuro. Mas queremos fazer isso de modo que gere valor agregado nos países e não seja prejudicial à população", assegurou.

 

¨      Humanidade sofre "epidemia de calor extremo", alerta ONU

A humanidade está sofrendo com uma "epidemia de calor extremo", alertou nesta quinta-feira (25/07) o Secretário-Geral das Nações Unidas, Antonio Guterres.

"Bilhões de pessoas estão enfrentando uma epidemia de calor extremo, murchando sob ondas de calor cada vez mais mortais, com temperaturas ultrapassando os 50ºC em todo o mundo", disse. "Isso é a meio caminho da fervura."

Guterres destacou que a segunda-feira foi o dia mais quente já registrado, superando o recorde estabelecido apenas um dia antes, e pediu ações para limitar o impacto das ondas de calor, que estão sendo exacerbadas pela mudança climática, e conter o aquecimento global.

<><> Calor mata mais que enchentes

Embora muitas vezes menos visível que outros efeitos devastadores da mudança climática, como tempestades ou inundações, o calor intenso é mais mortal: ceifou cerca de 489 mil vidas a cada ano entre 2000 e 2019 – bem menos que as 16 mil vítimas de ciclones, segundo o relatório "Chamado à Ação contra o calor extremo", lançado pela ONU nesta quinta-feira.

Guterres instou a comunidade internacional a adotar medidas para reduzir as mortes relacionadas ao calor, a começar pelos cuidados dos mais vulneráveis: pobres, idosos, jovens e doentes.

"O calor paralisante está em toda a parte, mas não afeta todos igualmente", explicou Guterres. "O calor extremo amplifica a desigualdade, inflama a insegurança alimentar e empurra as pessoas ainda mais para a pobreza."

<><> Sistemas de alerta de calor podem salvar vidas

A ONU também pediu melhores avisos de ondas de calor, mais "resfriamento passivo", melhor design urbano, mais proteção para trabalhadores ao ar livre e maiores esforços para combater as mudanças climáticas causadas pelo homem, que exacerba os extremos climáticos, e limitar o aquecimento global a 1,5ºC – algo que cientistas alertam que não ocorrerá se a humanidade não reduzir a queima de combustíveis fósseis e não detiver o desmatamento.

Segundo Guterres, cálculos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente mostram que a adoção de medidas de mitigação do calor podem "proteger 3,5 bilhões de pessoas até 2050", reduzir as emissões e economizar "1 trilhão de dólares (R$ 5,64 trilhões) por ano aos consumidores", disse Guterres, citando uma estimativa.

O documento lançado pela ONU nesta quinta afirma, com base em estimativas da Organização Mundial da Saúde e da Organização Meteorológica Mundial, que sistemas melhores de alerta de calor em 57 países poderiam salvar 98.314 vidas por ano.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Deutsche Welle

 

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