Ciclos de alavancagem e desalavancagem
financeira
A coevolução das
finanças pessoais, corporativas, públicas, bancárias e internacionais, em
ciclos de alavancagem e desalavancagem financeira, envolve interações dinâmicas
entre todos os setores. Esses ciclos são influenciados pela estrutura
institucional da economia, seja seu sistema financeiro caracterizado por
endividamento bancário (renda fixa), seja pelo mercado de capitais (renda
variável).
É possível modelar as
sequências típicas de decisões interativas dos chamados “setores
institucionais” em cada tipo de sistema financeiro e em cada fase.
Na primeira, o ciclo
de alavancagem financeira se inicia sob os diversos pontos de vista dos agentes
econômicos. No caso das famílias, as mais pobres aumentam seu consumo
financiado por empréstimos bancários, aproveitando as condições de crédito
favoráveis com baixos juros e fácil acesso.
São distintas as
decisões de tomada de financiamento para compra de moradias e as do crédito
direto para aquisição de bens de consumo duráveis. Adquirir imóveis exige
comprometimento com empréstimos em longo prazo. No financiamento com alienação
fiduciária, enquanto o valor total do empréstimo não for quitado, o comprador
usufrui do imóvel, mas a casa ou o apartamento é a garantia de pagamento ao
banco. Caso o comprador não honre com a dívida, perderá o imóvel.
Já o financiamento a
veículos costuma ser um “arroubo juvenil”. Antes de realizar o distante “sonho
da casa própria”, é mais fácil comprar automóveis financiados.
Muitos empreendedores
têm ideias, mas não têm capital. Criam empresas com investimentos em capital
fixo financiados através de empréstimos bancários.
Os bem-sucedidos, se
estão em fase de expansão de operações e inovação, já têm relações de clientela
com os bancos. Recorrem a empréstimos para ampliar a escala de produção e
atender à crescente demanda, seja de famílias, seja de outras empresas não-financeiras.
O motor de arranque
dessa fase costuma ser uma política fiscal expansiva: o governo aumenta os
gastos públicos e investimentos em infraestrutura, financiando-se através de
emissão de títulos de dívida pública. Adota essa política para estimular o
crescimento econômico e o emprego.
Os bancos aumentam a
oferta de crédito às famílias, empresas e governo, aproveitando a demanda por
empréstimos e a oportunidade de lucrar com os juros. Ao contrário da condenação
apriorística do crédito pelos críticos da “financeirização”, todos os devedores
tomam “decisões de servidão voluntária” porque são benéficas ou lucrativas!
Nessas circunstâncias
favoráveis e/ou otimistas, há redução dos requisitos de empréstimo. Os bancos
facilitam as condições em juros e garantias para concessão de crédito.
Em economia com um
sistema financeiro subdesenvolvido, do qual os cidadãos desconfiam e praticam
fugas de capital, os credores ou investidores estrangeiros são usados. São
abusados caso os devedores não obtenham a capacidade de pagamentos dos
empréstimos contabilizados em moeda estrangeira (dólar).
Inicialmente, devido à
diversificação de risco internacional ou geográfico, investidores
institucionais estrangeiros compram títulos de dívida emitidos pelo governo e
empresas, atraídos pelos retornos oferecidos bem superiores ao da “matriz”. O
fluxo de capital com entrada abundante de capital estrangeiro incentiva ainda
mais a alavancagem das empresas não-financeiras locais.
Ocorre até o início do
ciclo de desalavancagem financeira. Dado o elevado grau de endividamento, as
famílias começam a reduzir o consumo para pagar dívidas, enfrentando restrições
financeiras. Elas focam em aumentar a poupança para reduzir o endividamento.
O desinvestimento se
generaliza, quando as empresas começam a cortar custos, devido à queda na
demanda e à necessidade de pagar dívidas. Piora a situação a redução de emprego
com cortes de pessoal e congelamento de contratações.
Os neoliberais
ideólogos, piorando a situação, contaminam o jornalismo econômico… de más
ideias. Pressionam a adoção de austeridade fiscal.
Um governo inepto,
caso tenha sido eleito pelo populismo da direita ignorante, adota medidas de
austeridade para reduzir a dívida pública, cortando gastos e aumentando
impostos. Alegam ser políticas necessárias para a estabilidade inflacionária,
no sentido de evitar “a eutanásia dos rentistas” (quando a taxa de inflação
supera a taxa de juro prefixada) e restaurar a confiança.
Em consequência do
cenário pessimista, bancos restringem a concessão de novos empréstimos, devido
ao aumento dos riscos de inadimplência. Aumentam as provisões diante devedores
duvidosos para cobrir riscos de perdas.
Diante desse quadro de
reversão das expectativas otimistas, os credores ou investidores estrangeiros
providenciam logo a saída de capital antes do dólar encarecer ainda mais. Os
investidores estrangeiros retiram seus investimentos devido ao aumento da percepção
de risco. Essa fuga (ou repatriamento) de capital leva à desvalorização da
moeda local e a uma “inflação importada”.
Na economia de mercado
de capitais (renda variável), o ciclo de alavancagem financeira, sob o ponto de
vista microeconômico das famílias, inicia-se com o investimento em ações. Nos
EUA, cerca dos 10% mais ricos fazem compras diretas de ações e outros ativos de
renda variável, aproveitando a alta do mercado. Os demais investem em fundos de
ações sob a administração de gestores profissionais.
Na alta, é comum os
especuladores abusarem da utilização de crédito. Aumentam a alavancagem para
investir mais em mercados de capitais.
Aproveitando-se da
fase altista, as empresas abrem capital em IPOs (Oferta Pública Inicial) ou
fazem follow ons (ofertas subsequentes) ao emitirem ações para
financiar expansão e novos projetos. Justificam-se também pelo aumento dos
investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento, financiados por emissão de ações.
O governo oferece o
motor de arranque em caso de travamento do mecanismo privado. O Poder
Legislativo aprova incentivos fiscais e regulamentares para estimular o mercado
de capitais. O financiamento se dá, em países de capitalismo maduro, através do
mercado de capitais, onde a emissão de títulos de dívida pública concorre com a
de ações para atrair investidores.
As instituições
financeiras prestam serviços de administração de recursos de terceiros. Os
bancos oferecem, via subsidiárias, serviços de corretagem e gestão de ativos,
expandindo sua atuação no mercado de capitais. A concessão de crédito costuma
ser para operações de mercado de capitais.
No ciclo de alta, os
investidores estrangeiros aumentam o investimento direto e de portfólio em
ações e títulos. O fluxo de entrada de capital estrangeiro incentiva a
alavancagem.
Tudo vai bem, dando
motivos para a exigência de menores margens de segurança ou garantia.
Subitamente, a desconfiança diante do descolamento dos fundamentos explode a
bolha de ativos, detonando o ciclo de desalavancagem.
A baixa surge quando
as famílias começam a vender ativos de renda variável para liquidar posições,
realizar ganhos e reduzir riscos. Colocam foco na poupança, ou seja, no corte
do consumo, para a redução do endividamento.
As empresas não abrem
mais capital ou fazem redução de emissão de novas ações. Essa diminuição ocorre
devido à queda dos preços pelo menor interesse dos investidores. Elas partem
para o corte de gastos com a redução de despesas financeiras, trabalhistas e
com fornecedores. Há congelamento de novos projetos.
O governo toma medidas
para estabilizar os mercados e restaurar a confiança dos investidores.
Aceita-se, então, “a regulação do mercado” com a implementação de medidas
prudenciais para evitar práticas excessivamente arriscadas.
Os bancos fazem
restrição de crédito para especulação, isto é, operações alavancadas no mercado
de capitais. Cuidam de aumentar as provisões para devedores duvidosos, ou seja,
perdas em investimentos e operações de mercado.
Os credores e
investidores estrangeiros passam a “estar de saída”. A saída de capital leva à
depreciação da moeda nacional. Pior é quando há endividamento do país em moeda
estrangeira – e não há reserva cambial para pagar a dívida.
A coevolução das
finanças pessoais, corporativas, públicas, bancárias e internacionais, nos
ciclos de alavancagem e desalavancagem financeira, depende das interações
dinâmicas entre esses setores institucionais. Em economias de endividamento
bancário, o crédito bancário desempenha um papel central, enquanto em economias
de mercado de capitais, a emissão de ações e outros instrumentos de renda
variável são os principais motores.
Em ambos os casos, a
alavancagem leva a crescimento e expansão, mas posteriormente a
vulnerabilidades e crises. Estas requerem processos de desalavancagem para
restaurar a estabilidade econômico-financeira.
Fonte: Por Fernando
Nogueira da Costa, em A Terra é Redonda
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