Elon Musk: Starlink resiste a mudar
identificação de compradores de antenas na Amazônia
A Starlink, empresa
que comercializa antenas de comunicação via satélite do bilionário Elon Musk,
resiste a mudar seu método de identificação dos compradores do produto no
Brasil, como, por exemplo, adicionar cuidados adicionais como uso de
videochamadas e biometrias faciais.
O procurador da
República em Manaus (AM) André Luiz Porreca Ferreira Cunha disse à Agência
Pública que “cerca de 90%” das antenas Starlink apreendidas até o momento em
garimpos ilegais na Amazônia estavam registradas em nome de laranjas. A empresa
já reconheceu que, no ato da venda, exige apenas informações básicas, como
dados pessoais, endereço e contato telefônico, mas argumenta que inexiste lei
que a obrigue a agir de forma diferente.
“Sem dúvida está
comprovado [o uso de laranjas]. Quando se apreende a antena e vai se ver o
comprador, são pessoas que não residem na Amazônia. Residem no Sul, no Sudeste,
no Centro-Oeste. O que causa uma estranheza gigante. São pessoas que não
residem no local em que a antena é apreendida”, disse o procurador da
República, que, em maio, abriu um inquérito civil para investigar o avanço do
uso das antenas Starlink pelo crime em áreas de garimpo e mineração ilegais.
Há também casos de
contrabando de países vizinhos. Em janeiro passado, por exemplo, a Polícia
Federal (PF) prendeu uma brasileira no rio Solimões, perto de Tabatinga (AM),
em um barco com quatro antenas Starlink. Ela disse que comprou os equipamentos
no Peru e iria revendê-los em Santo Antônio do Içá (AM).
A chegada das antenas
Starlink à Amazônia a partir de 2022 revolucionou a comunicação em regiões com
pouco ou nenhum sinal de telefone celular, mas elas têm sido usadas também, em
larga escala, para atividades criminosas, principalmente por garimpeiros que
invadem terras indígenas a fim de roubar minérios. Há duas semanas, a Pública
revelou que de março para cá ao menos 50 antenas Starlink foram apreendidas em
garimpos ilegais dentro da Terra Indígena Yanomami.
Em maio último, o
Ministério Público Federal (MPF) em Manaus abriu um inquérito civil a fim de
“apurar o avanço da internet via satélite em áreas de garimpo e mineração
ilegais no Estado do Amazonas, especialmente sob o viés da irrestrita
disponibilização do serviço por parte da empresa Starlink que, em teoria, não
tem adotado critérios básicos de verificação da identidade dos usuários e da
veracidade da documentação apresentada e dos endereços declinados no momento da
contratação, fomentando, hipoteticamente, a prática de crimes ambientais”.
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Por que isso importa?
• A Starlink detém dados preciosos que
permitiriam identificar e localizar envolvidos no garimpo ilegal em terras
indígenas, o que poderia facilitar as ações de combate na região.
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Presidente do Ibama disse que Starlink não colabora com o órgão
A investigação já
revelou também que a empresa não tem colaborado com o Ibama, órgão responsável
pela repressão aos crimes ambientais. Consultado pelo MPF, o presidente do
Ibama, Rodrigo Agostinho, respondeu por ofício que as antenas se tornaram
“instrumentos utilizados para a prática das infrações ambientais”, destinadas
“a viabilizar e facilitar a comunicação das pessoas que se encontram nas
frentes de lavra ilegal com pessoas localizadas nas cidades, o que possibilita
a organização da logística, o envio de suprimentos e mantimentos, bem como toda
a articulação necessária para viabilizar a continuidade do crime ambiental”.
“Todas as antenas
possuem número de série. Contudo o acesso aos dados cadastrais a partir do
número de série não está disponível ao Ibama, o que inviabiliza constatar a
autoria das infrações. A Dipro/Ibama não tem conhecimento de qualquer tipo de
contribuição [da Starlink para as ações do Ibama]”, escreveu Agostinho no
ofício.
A PF informou que a
disposição da Starlink em colaborar com as suas investigações mudou apenas
“recentemente”. “Em consulta a unidades que demandaram informações à empresa
[Starlink], sobrevieram respostas de que a empresa tem, mais recentemente,
atendido aos ofícios da PF com a informação de dados cadastrais, o que não
ocorria anteriormente”, informou ao MPF o delegado da PF Humberto Freire de
Barros, diretor de Amazônia e Meio Ambiente da PF.
Na entrevista à
Pública, o procurador da República André Cunha disse que o inquérito civil
ainda está em andamento e que, por isso, ainda não pode emitir um juízo de
valor, mas salientou que “há uma série de medidas que podem ser adotadas”.
“Que existe uma
ilegalidade, existe. Porque essas antenas não podem permanecer nas mãos de
usuários laranjas, de pessoas que residem em outros estados e estão fornecendo
os dados para usuários daqui na Amazônia. E não podem ser usadas como
instrumentos do crime e nenhuma medida ser adotada e essas pessoas não serem
identificadas. Porque a empresa tem o dever de, pelo menos, fornecer os dados
para que os órgãos públicos possam saber quem são. Enfim, há uma série de
medidas que podem ser adotadas”, disse o procurador.
Por ofício, Cunha
indagou à Starlink quais mecanismos a empresa tem adotado para verificação da
identidade dos compradores, citando como exemplos “biometria facial,
videochamada, conferência manual de documentos de identificação”. De acordo com
a própria empresa, ela exige apenas “informações básicas” para o cadastro do
comprador.
Em resposta assinada
pelo diretor da Starlink Brazil Serviços de Internet e da Starlink Brazil
Holding Ltda., Vitor James Urner, a empresa argumentou que “não existe no
Brasil lei ou regulamentação que obrigue prestadores de serviços de
telecomunicações, ou prestadores de serviços de outros setores regulados, à
utilização de identificação biométrica dos usuários”.
“A identificação
biométrica é uma tecnologia que tem sérias implicações no contexto mundial
atual, de rápido desenvolvimento da inteligência artificial, e que continua em
estudo a nível mundial pelo seu impacto nos dados pessoais dos usuários.”
Urner afirmou que a
Starlink “adota medidas proativas para identificar o uso dos serviços que
disponibiliza para fins lícitos [sic] no Brasil e no mundo todo” e que tem
colaborado com a PF
Em julho, os advogados
que representam a Starlink no inquérito, do escritório Tozzini Freire
Advogados, solicitaram uma reunião com o procurador da República. Conforme
registra a ata, durante a reunião o procurador voltou a questionar a empresa
sobre as medidas tomadas para melhor identificação dos compradores das antenas.
A advogada representante da empresa reiterou a resposta anterior e salientou
que a “Starlink não exige identificação com foto, como fazem as concessionárias
de telefonia. Arguiu, ainda, a existência de limitações impostas pela Lei Geral
de Proteção de Dados (LGPD)”.
Em sua resposta por
escrito, a empresa argumentou que “como qualquer outro bem eletrônico de
mercado de massa, a Starlink não pode ser obrigada a policiar de forma
independente a forma na [sic] qual cada terminal é usada após a compra”.
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Empresa admitiu desativação de 68 antenas dentro da Terra Indígena Yanomami
Entre os documentos
enviados pela própria Starlink ao MPF, a própria empresa alega que desativou 68
terminais de usuários localizados na Terra Indígena Yanomami “por suspeita de
violação aos Termos de Serviço”.
“A Starlink usou os
dados disponíveis para identificar terminais de usuários em áreas associadas ao
garimpo ilegal nas terras indígenas Yanomami. […] Os usuários da Starlink
afetados pelas desativações foram instruídos a fornecer determinadas
informações de verificação, incluindo prova de identificação e uma descrição
detalhada de como planejam usar os serviços da Starlink, para garantir que a
Starlink seja usada apenas para fins legítimos. Atualmente, a Starlink está
analisando as solicitações de reativação de um subconjunto dos 68 terminais de
usuários desativados”, disse a empresa ao MPF.
Dessa forma, o
documento confirma que a empresa tem condições técnicas de saber onde estão e
quem comprou todas as antenas de comunicação via satélite utilizadas por
garimpeiros ilegais que operam, por exemplo, dentro de terras indígenas. Porém,
a empresa alegou ao MPF que “as prestadoras de serviços de telecomunicações
estão sujeitas à proibição legal expressa quanto à inviolabilidade do sigilo do
fluxo das comunicações dos usuários pela internet, salvo por ordem judicial”.
Na sua resposta ao
MPF, o representante legal da Starlink disse ainda que “nenhum usuário da
Starlink pode ter múltiplas antenas e, se for detectado pela Starlink, os
usuários que estiverem praticando revenda ilegal têm imediatamente os
respectivos contratos suspensos”.
A empresa afirmou que
tem colaborado com a PF – inclusive “permitiu” que uma delegacia do órgão
“utilize um Kit Starlink para auxílio no combate ao crime” – e que, no ano
passado, respondeu a ofício da PF de Roraima e “forneceu informações
importantes à SR PF [Superintendência Regional], que viabilizaram a captura de
diversos garimpeiros nas comunidades indígenas Yanomami, além da apreensão de
11 equipamentos da Starlink”.
“As medidas adotadas
no dia a dia pela Starlink, na identificação de usuários que se valem os
serviços para o exercício de atividades ilícitas, e o apoio oferecido às
autoridades locais competentes são uma amostra clara do compromisso da Starlink
de colaborar com a Justiça e autoridades no Brasil, no máximo nível possível,
para fins do combate ao garimpo ilegal”, disse a empresa ao MPF.
Procurado pela
Pública, o escritório que representa a Starlink no inquérito civil, o Tozzini
Freire Advogados, respondeu, na íntegra: “Obrigada pelo seu contato, mas
infelizmente não comentamos casos em andamento”.
Fonte: Por Rubens
Valente, em Agência Pública
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