sábado, 27 de julho de 2024

Em 10 anos, 1% mais rico faturou 19 vezes PIB do Brasil

A última década foi próspera para o 1% mais rico do planeta, que conseguiu aumentar suas fortunas em 42 trilhões de dólares (R$ 236,6 trilhões) – o equivalente a mais de 19 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que em 2023 foi de 2,17 trilhões de dólares, segundo dados do Banco Mundial. O valor é ainda 34 vezes superior ao reunido no mesmo período pelos 50% mais pobres do mundo.

Os dados são da Oxfam e foram divulgados nesta quinta-feira (25/07), mesma data em que ministros das Finanças do G20 se reúnem no Rio de Janeiro para discutir a taxação dos super-ricos.

Descontada a inflação, a ONG afirma que o 1% mais rico enriqueceu em média 400 mil dólares na última década, enquanto que a metade mais pobre do mundo acumulou 335 dólares no mesmo período.

A entidade alerta que os bilionários "têm pago uma taxa de imposto equivalente a menos de 0,5% de sua riqueza" em todo o mundo enquanto o mundo mergulha em "níveis obscenos" de desigualdade, com o resto do planeta disputando "migalhas".

"A parcela da renda do 1% mais rico nos países do G20 aumentou em 45% ao longo de quatro décadas, enquanto as taxas máximas de imposto sobre suas rendas foram reduzidas em aproximadamente um terço", afirma a Oxfam, atribuindo a queda na arrecadação junto aos mais ricos ao que chamou de "guerra contra a tributação justa". Segundo ela, impostos sobre a riqueza respondem hoje por menos de oito centavos de cada dólar arrecadado em receita tributária nos países do G20.

<><> Ministros das Finanças do G20 reunidos no Rio de Janeiro

O Brasil, que ocupa a presidência rotativa do G20, grupo que reúne 80% do PIB global – e, segundo a Oxfam, quase quatro em cada cinco bilionários –, fez da taxação dos super-ricos uma prioridade em seu mandato e tenta avançar em reuniões nesta quinta e sexta-feira com uma proposta para combater a evasão de impostos entre bilionários.

"Essa semana será o primeiro teste de fogo para os governos do G20. Eles têm  a vontade política para estabelecer um padrão global que coloque as necessidades da maioria antes da ganância de uns poucos da elite?", questionou o chefe de política de desigualdade da Oxfam International, Max Lawson.

França, Espanha, África do Sul, Colômbia e a União Africana apoiam a agenda brasileira, mas não os Estados Unidos, que são a maior economia do planeta. A Alemanha já sinalizou apoio à proposta no passado, mas enviou um representante à reunião desta quinta do Ministério das Finanças, gerido pelo liberal Christian Lindner (FDP), que dispensou a ideia taxando-a de "irrelevante".

Secretária do Tesouro americano, Janet Yellen afirmou nesta quinta que seu país não vê necessidade de negociar um acordo internacional nesse sentido, mas que apoia a taxação progressiva, em que ricos pagam mais e pobres, menos. "É muito difícil coordenar política fiscal globalmente", declarou a jornalistas no Rio. "Pensamos que todos os países deveriam se assegurar de que seus sistemas fiscais são justos e progressivos."

O economista francês Gabriel Zucman, que presta consultoria tributária ao G20, calcula que a taxa de impostos para bilionários equivalha a 0,3% de suas riquezas. Em um relatório recente encomendado pelo G20, o especialista recomendou a imposição de um tributo sobre 2% das fortunas.

<><> Brasil ousou na presidência do G20 e superou ceticismo sobre taxação de super-ricos, diz Haddad

Questionado sobre a resistência de algumas autoridades sobre a realização de um acordo global sobre a taxação dos chamados super-ricos, Haddad apontou que a inclusão desses mecanismos na declaração não impede que alguns países já comecem a tomar providências.

O ministro ainda ressaltou que esta é uma “conquista de natureza moral”, que busca a justiça fiscal e combater a evasão.

“É trabalhoso, mas o Brasil não se furtou a ousar na presidência do G20. Contra o ceticismo manifestado por todo mundo no começo do ano, temos um primeiro passo, reconhecido pelos 20 membros”, reforçou Haddad.

“Já é de conhecimento de todos os ministros que [a proposta de taxação dos super-ricos] foi aclamada. É uma discussão que está na ordem do dia, no mundo inteiro”, aponta.

O documento, que deve ser o primeiro do tipo feito em consenso pelo G20 desde 2021, foi apresentado em reunião realizada em um hotel na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, e deve ter a parte técnica e a redação revisadas.

Segundo Haddad, a decisão é histórica, já que se trata da primeira declaração do G20 sobre cooperação tributária.

“Vinte países terem concordado em se debruçar em um tema proposto pelo Brasil é algo de natureza ética que precisa ser comemorado.

Nós ficamos satisfeitos com o apoio recebido. Praticamente todos os participantes fizeram questão de enfatizar a liderança do Brasil no G20”, comemorou.

Mas o ministro da Fazenda indica que esse é o começo de um “processo mais amplo”, e que os próximos passos vão depender de uma participação maior da academia, de estudiosos e de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU).

“Proposta merece a atenção devida e mobilização dos organismos internacionais, e do próprio G20, para que mesmo quando Brasil deixar presidência [do grupo], esse tema não perca centralidade”, concluiu Haddad.

A proposta do Brasil – que preside o grupo das 20 maiores economias do mundo neste ano – é de cobrar um imposto de 2% sobre fortunas acima de US$ 1 bilhão. A expectativa de arrecadação é de US$ 250 bilhões anualmente, sobre a fortuna de 3.000 indivíduos.

O ministro afirmou ainda que há membros do G20 com preferências por outras soluções para o combate à pobreza e a fome, mas ao final da reunião realizada nesta quinta, todos concordaram que o assunto esteja na agenda internacional.

“As pessoas se desarmaram para o debate”, afirmou Haddad.

Mais cedo, durante a primeira reunião de ministros de Finanças e presidentes de Bancos Centrais do G20, a secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, afirmou que os Estados Unidos apoiam a tributação progressiva de acordo com a decisão de cada país, mas afirmou que não considera oportuno tentar negociar um acordo global sobre a tributação dos super-ricos.

<><> Alguns bilionários continuam evadindo sistemas tributários e jogam Estados uns contra os outros, diz Haddad

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parabenizou nesta quinta-feira (25) o esforço internacional pela taxação dos super-ricos, em discurso durante o 3º encontro entre ministros das Finanças e presidentes de Bancos Centrais do G20.

“Vários países, incluindo o Brasil, estão se esforçando para fortalecer sua capacidade fiscal, ao mesmo tempo em que procuram atender as aspirações legítimas de suas populações por justiça social e serviços públicos de alta qualidade”, disse Haddad.

“Enquanto isso, alguns poucos bilionários continuam evadindo os nossos sistemas tributários, jogando os Estados uns contra os outros, utilizando brechas para evitar o pagamento da sua justa contribuição em impostos, e minando capacidades das autoridades públicas”, enfatizou o ministro da Fazenda.

A expectativa é de que o encontro resulte em uma declaração em conjunto, entre essas autoridades do G20, endossando um mecanismo de taxação progressiva.

De acordo com a secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e coordenadora da trilha de finanças do G20, Tatiana Rosito, todas as propostas apresentadas pelo Brasil na área tributária estarão nos documentos finais da reunião, incluindo o plano para uma taxação mínima global sobre os super-ricos.

Haddad enfatizou que a declaração final será um documento histórico. “É a primeira vez que nós, ministros da trilha de Finanças do G20, falamos em uníssono sobre uma série de questões relativas à cooperação tributária internacional, desde o progresso na agenda de BEPS até a transparência tributária, incluindo a tributação dos super-ricos”, pontuou Haddad.

A “agenda BEPS” (Base Erosion and Profit Shifting, em português Erosão de Base e Transferência de Lucros) mencionada por Haddad se refere a essas políticas de transferência de renda.

“Devemos tributar mais os ricos e menos os pobres, melhorando a eficiência global e a legitimidade democrática do sistema tributário”, apontou o ministro da Fazenda.

A proposta do Brasil – que preside o grupo das 20 maiores economias do mundo neste ano – é de cobrar um imposto de 2% sobre fortunas acima de US$ 1 bilhão. A expectativa de arrecadação é de US$ 250 bilhões anualmente, sobre a fortuna de 3.000 indivíduos.

“Seguindo em frente, devemos unir esforços para construir uma convenção-quadro ambiciosa nas Nações Unidas, sempre com o apoio inestimável da União Africana,
concluir a agenda BEPS, e avançar no sentido de um imposto mínimo global coordenado sobre os bilionários”, concluiu Haddad.

 

¨      Falta de imposto sobre fortunas custou EUR 380 bi à Alemanha

Os mais ricos da Alemanha tinham seu patrimônio taxado em 1% ao ano – até 1996, a partir de quando o imposto deixou de ser arrecadado. De 1997 até 2023, essa renúncia já custou ao Estado alemão mais de 380 bilhões de euros, constata uma análise publicada na terça-feira (02/07) pela Netzwerk Steuergerechtigkeit (Rede Justiça Tributária) e a ONG de desenvolvimento Oxfam.

A quantia equivale a 80% do orçamento federal previsto para 2024, de 477 bilhões de euros. Paralelamente, desde 2001 a fortuna dos 100 alemães mais ricos foi acrescida em 460 bilhões de euros.

"Uma maioria esmagadora da população na verdade é a favor da reintrodução do imposto, mas ao mesmo tempo teme a evasão fiscal dos ricos", afirmam os autores Michaela Alka e Christoph Trautvetter, da Netzwerk Steuergerechtigkeit, sediada em Berlim.

<><> Sem medo de evasão fiscal

Sob o título Sem medo de evasão fiscal, o estudo examina com que leis o Estado alemão tem procurado impedir esse comportamento, nos últimos 100 anos. Desde a introdução do imposto de migração, em 1972, ficou caro para os super-ricos simplesmente transferir o local de residência pessoal para o exterior, pois "devem entregar na fronteira um terço do patrimônio total acumulado na Alemanha".

Alka e Trautvetter dão um exemplo: se Susanne Klatten, grande acionista da BMW e mulher mais rica de Alemanha, decidisse mudar de país, isso lhe custaria cerca de 6,5 bilhões de euros.

Pouco antes da implementação da lei, sete bilionários alemães abandonaram o país. Os legisladores reagiram a tentativas de fuga posteriores, como a da família Porsche em 2010, fechando lacunas. "Hoje a migração não tributada só é possível se o patrimônio permanece na Alemanha, sujeito a impostos", explica o estudo.

Também a transferência de empresas ou partes delas pode ficar cara. Categorias fiscais pouco conhecidas do público, como o "imposto de saída" (Entstrickungsbesteuerung ou exit tax) ou a tributação da transferência de funções, resultam em os proprietários "deverem ceder quase a metade de seu patrimônio acumulado" no país.

A sonegação de impostos clássica também ficou mais difícil desde a entrada em vigor do intercâmbio de informações automático, que permite ao fisco nacional obter dados de mais de 100 países sobre as contas bancárias locais de contribuintes alemães.

A conclusão da análise conjunta da rede Steuergerechtigkeit e Oxfam é que o temor de que, com a reintrodução do imposto sobre grandes fortunas, os bilionários abandonariam a Alemanha, não é fundamentado. Tampouco há motivo para recear que a medida resulte numa perda de postos de trabalho locais.

<><> Culpa do governo conservador cristão-neoliberal

No geral, os autores dão boa nota à legislação tributária nacional: "Nas últimas décadas, a Alemanha estabeleceu regras abrangentes e exemplares no âmbito internacional que dificultam seriamente, se não impedem, a evasão fiscal." Portanto, a reintrodução de um imposto sobre grandes fortunas é "não só possível, como urgentemente necessária".

A possibilidade de tributar fortunas está expressamente prevista no Artigo 106 da Lei Fundamental (Constituição) alemã, cabendo as quantias arrecadadas aos respectivos estados federados.

Mas em 1995 o Tribunal Constitucional Federal considerou incompatível com a Lei Fundamental a forma como o imposto estava sendo recolhido, até então. Entre outros pontos, os juízes criticaram a base de avaliação como obsoleta e, portanto, baixa demais para a tributação de imóveis.

A coalizão governamental da época, formada pela União Democrata Cristã (CDU) e Social Cristã (CSU) e o Partido Liberal Democrático (FDP), posicionou-se contra as exigências do tribunal de uma reavaliação e em tributação imobiliária mais severa. Como justificativa, citaram a elevada alíquota fiscal máxima, de 53% – hoje limitada a 45%.

Consequentemente, o governo conservador cristão-neoliberal liderado Helmut Kohl suspendeu a cobrança do imposto sobre fortunas. A lei concernente, contudo, nunca foi revogada.

Em 1996, último ano de aplicação do imposto, recolheu o equivalente a 4,6 bilhões de euros. O presente cálculo se baseia na hipótese de que as arrecadações se manteriam na média dos últimos anos antes da suspensão. Nesse caso, até 2023 a quantia anual estaria em cerca de 30 bilhões de euros, somando, pelo menos, um total de 380 bilhões de euros.

 

Fonte: Deutsche Welle/CNN Brasil

 

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