segunda-feira, 29 de julho de 2024

AREJAR A NAÇÃO: É hora do Brasil semear novas lideranças políticas

A recente polêmica sobre as condições físicas e mentais do presidente norte-americano Joe Biden, de 81 anos, para encarar um novo mandato, serve também para uma reflexão sobre a situação política no Brasil. Mais precisamente sobre a necessidade da efetiva renovação para os cargos do Poder Executivo dos três entes federativos (presidente da República, governadores e prefeitos).

Vejamos o caso da presidência da República. Dos presidentes dos últimos 30 anos, temos vivos Fernando Henrique Cardoso (reeleito uma vez), hoje com 92 anos; Michel Temer, com 83 anos; Bolsonaro, com 69 anos, porém inelegível até 2030; Dilma Roussef (reeleita uma vez), com 76 anos, e Luiz Inácio da Silva (eleito três vezes), hoje com 78 anos e por coincidência, terá 81 anos ao final de seu mandato, repetindo Joe Biden.

A respeito dos governadores, a maioria já exerceu dois mandatos (contínuos ou não). Além disso, em pelo menos 15 estados brasileiros tivemos, nas últimas três décadas, quatro ou cinco pessoas se alternando no poder, muitas vezes integrantes das mesmas famílias que dominam a política estadual há muito tempo.

Esses dados mostram, por si próprios, que o Brasil reclama a oxigenação política em todos os níveis, com o surgimento de novas lideranças e, consequentemente, de novas candidaturas. É preciso criar espaço para políticos sem velhos vícios e com ideias modernas, vitalidade e disposição para fazer do Brasil um país diferente do que é hoje, socialmente mais justo, economicamente mais forte, e com desenvolvimento crescente e sustentável.

Isso vale também para as prefeituras – notadamente das capitais e grandes metrópoles – e ainda para o Legislativo, igualmente importantes para o modelo administrativo e para a democracia nacional.

O país tem muitos parlamentares capazes e alguns ainda jovens que poderiam trazer a modernidade ao Estado Brasileiro, com novas propostas e planos de governo mais compatíveis com a grandeza de um país que possui a oitava economia do mundo, a quinta maior população mundial e a quarta maior área territorial.

Há muito tempo, ouvimos de tantos políticos sobre renovação política e o fim da reeleição, mas nada se concretiza. Para um país que gosta tanto de copiar os modelos das nações mais desenvolvidas, uma boa sugestão seria se inspirar nos limites definidos pelos norte-americanos, cuja Constituição proíbe que uma pessoa assuma o Executivo por mais de duas vezes – consecutivas ou não.

A regra foi criada após os quatro mandatos consecutivos de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945), por meio da 22ª emenda, promulgada em 1951. O limite de dois mandatos era uma tradição em honra a George Washington, o primeiro presidente norte-americano, que se recusou a concorrer a um terceiro período na presidência.

Aqui, Lula está no seu terceiro mandato (não consecutivo) e, mesmo que aprovada uma emenda como a sugerida, poderá buscar a reeleição e assim repetir Roosevelt e, ser o único a alcançar o quarto mandato, muito embora, antes de vencer as eleições de 2022 tenha dito ser favorável ao fim da reeleição, mudando de ideia depois das urnas abertas.

A reeleição no Brasil foi instituída através da Emenda Constitucional nº 16, de 1997, que deu ao parágrafo 5º do art. 14 da Constituição Federal a seguinte redação: “O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente.”

A adoção do modelo americano seria bem-vinda, estatuindo-se que a reeleição aos cargos executivos somente poderá ocorrer uma vez, seja ela consecutiva ou não, com a alteração constitucional da seguinte forma: “art. 14, § 5º – O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente, consecutivo ou não.”

Essa simples e elegante solução de uma só vez oxigenaria o sistema político brasileiro inteiro e permitiria uma maior rotatividade nos cargos do executivo nacional. Faria bem à democracia.

Por outro lado, não há dúvidas de que o Brasil dispõe de recursos financeiros para a implementação de novas visões administrativas voltadas ao atendimento da grande maioria da população. Portanto, com capacidade de gestão, o país poderia dar um grande e inadiável passo em direção ao futuro.

É hora de o país inaugurar uma era meritória, capaz de reduzir desigualdades regionais e sociais que estão entre as maiores mazelas da nação porque sacrifica seu povo e vai eternizando a condição de cidadãos de classes distintas muitas vezes apenas pelo seu local de nascimento ou moradia.

A necessidade de modernização é indisfarçável. Temos hoje um país dividido não apenas política, mas também economicamente. Basta ver que, nas regiões Norte e Nordeste, as mais empobrecidas, os cidadãos locais têm renda per capita de 30% a 35% menor do que a média nacional e, mais grave ainda, têm expectativa de vida 5 anos inferior à média nacional. Além disso, mais de 60% da população brasileira vive com renda média mensal bruta de um salário-mínimo, ou seja, de apenas R$ 1.412,00.

O enfrentamento dessa situação exige um novo tempo político-administrativo, baseado em projetos modernos e estruturais, alicerçados na verdade, no patriotismo, na educação de qualidade das escolas públicas – como já tivemos no passado, a exemplo do Colégio Pedro II, e do Colégio de Aplicação, formador de bons e inesquecíveis professores, ambos no Rio de Janeiro – e na volta da ética e da honestidade como pilares do reerguimento de uma nação pronta para ingressar entre as quatro ou cinco nações mais desenvolvidas do mundo e mais justas socialmente.

É preciso dar oportunidade para um novo começo, acabando com as capitanias hereditárias modernas do século XXI, nas quais alguns poucos, donos do poder, se refestelam em regalias e privilégios, enquanto aos vassalos modernos – os cidadãos comuns – restam apenas deveres e quase nenhuma esperança de vida melhor.

Esse caminho precisa ser cimentado pelo resgate ético – com o consequente sepultamento do egoísmo personalíssimo –, pelos bons exemplos, pelo imprescindível combate efetivo à corrupção e pela busca incessante da eficiência administrativa e da qualidade dos serviços prestados à população. Sequer é necessária a criação de muitas novas leis, mas o cumprimento das já existentes, sem flexibilização – porque os países com muitas leis geralmente são nações pouco éticas, que utilizam delas para suprir o vácuo da honestidade e dos bons costumes. Por outra face, parafraseando Frederic Douglas, é fundamental o país valorizar a educação-conhecimento, único caminho para tornar o ser humano inservível para a escravidão (mesmo a disfarçada, em qualquer de suas várias modalidades).

É tempo de abrirmos as janelas para arejar a nação. Cultivar novas lideranças significa colhermos os frutos da modernidade, com raízes profundas de ética e dignidade, sem as quais nunca seremos a nação que sonhamos.

 

¨      A consolidação autoritária. Por Wladimir Safatle

No dia 16 de julho, Wilson Gomes publicou, no jornal Folha de S. Paulo, um artigo em que exortava a aceitar a normalização pretensamente inevitável da extrema direita.

Chamando as reações a tal processo de “dogmas” animados por alguma forma de cruzada moral contra setores muitas vezes hegemônicos das populações mundiais, O autor julgou por bem lembrar que, “se o voto é o meio consagrado pelas democracias para legitimar pretensões políticas”, não haveria razão alguma para agir como se a extrema direita não fosse democraticamente legítima.

Por fim, não faltou estigmatizar aqueles que falam em “fascismo” ao se referir atualmente a tais correntes.

Esse artigo não é peça isolada, mas representa certa tendência forte entre analistas liberais e conservadores do mundo inteiro. Tal tendência consiste em recusar a tese da ascensão mundial da extrema direita como movimento catastrófico global de consolidação autoritária e de esgotamento terminal das ilusões da democracia liberal.

Vimos algo semelhante há pouco, quando comentaristas políticos tentavam explicar que um partido como o francês Reunião Nacional, com seu racismo e xenofobia orgânicos, seus vínculos com o passado colaboracionista e colonial francês, seu aparato policial pronto para atirar contra tudo o que se assemelhe a um árabe, não era afinal um problema assim tão grande e nem sequer deveria o partido ser chamado de “extrema direita”.

Posições como essas não são apenas equivocadas. Não há catástrofe política que não tenha sido minimizada pelos que, em momento de crises estruturais, se apresentam como “antidogmáticos”, “equilibrados” e avessos a palavras de ordem”. Diria, na verdade, que esse pretenso “equilíbrio” é uma peça fundamental do problema e de sua extensão.

Pois, aos que pregam a normalização da extrema direita, eu diria que ela nunca teria força tão grande atual mente se não estivesse há muito normalizada. Não pelos eleitores, mas pelos políticos e formadores de opinião liberais. Há uma aliança objetiva entre os dois grupos.

As políticas anti-imigração precisam ser inicialmente implantadas pelo “centro democrático” para que a extrema direita cresça.

A paranoia securitária precisa estar cotidianamente na boca dos analistas políticos “liberais” para que a extrema direita conquiste seus eleitores e eleitoras.

Idem para a equalização entre militantes de movimentos sociais e tropas de bolsonaristas, trumpistas e afins. Ou seja, quando a extrema direita enfim sobe ao poder, normalmente ela precisa apenas chutar uma porta podre. A normalização real já tinha definido a agenda do debate político.

Contra essa tendência, eu diria que se espera da classe intelectual ao menos a capacidade de chamar de gato um gato. Insistir, por exemplo, que um discurso marcado pelo culto à violência, pela indiferença em relação a grupos mais vulneráveis, pela concepção paranoica de fronteiras e identidade, pelo anticomunismo congênito, pela transferência de poder a uma figura ao mesmo tempo autoritária e caricata, tem um nome analítico preciso, a saber, “fascismo”. É uma forma de sensibilizar a sociedade para os riscos e tendências reais que ela enfrenta atualmente.

Lembrar disso em um país como o Brasil, que conheceu nos anos 1930 um dos maiores partidos fascistas fora da Europa, que teve dois militares integralistas na junta militar de 1969, que teve um presidente que há alguns anos assinava cartas a nação com o lema “Deus, pátria, família”, é sinal de honestidade intelectual mínima.

A universidade brasileira já tem uma responsabilidade enorme em ter tratado o fascismo estrutural em nossa sociedade com zombarias até vir um governo marcado por genocídios indígenas, massacres espetacularizados em favelas e 700 mil mortos na pandemia em nome da preservação das dinâmicas de acumulação capitalista.

Recusar a normalização da extrema direita não significa ignorar os sofrimentos reais de seus eleitores e a precarização crônica da situação social dos que a apoiam. Muitos menos significa impor discursos morais no lugar de decisões políticas.

Significa não compor de forma alguma com as soluções da extrema direita ẹ ter a capacidade de recusar de forma absoluta a sua maneira de definir o debate.

Significa também tensionar a sociedade com uma visão alternativa de transformação e ruptura. Mas talvez seja exatamente isso que alguns mais temam.

 

Fonte: Por Samuel Hanan, no Le Monde/A Terra é Redonda

 

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