AREJAR A NAÇÃO: É hora do Brasil semear novas lideranças políticas
A recente polêmica
sobre as condições físicas e mentais do presidente norte-americano Joe Biden,
de 81 anos, para encarar um novo mandato, serve também para uma reflexão sobre
a situação política no Brasil. Mais precisamente sobre a necessidade da efetiva
renovação para os cargos do Poder Executivo dos três entes federativos
(presidente da República, governadores e prefeitos).
Vejamos o caso da
presidência da República. Dos presidentes dos últimos 30 anos, temos vivos
Fernando Henrique Cardoso (reeleito uma vez), hoje com 92 anos; Michel Temer,
com 83 anos; Bolsonaro, com 69 anos, porém inelegível até 2030; Dilma Roussef
(reeleita uma vez), com 76 anos, e Luiz Inácio da Silva (eleito três vezes),
hoje com 78 anos e por coincidência, terá 81 anos ao final de seu mandato,
repetindo Joe Biden.
A respeito dos
governadores, a maioria já exerceu dois mandatos (contínuos ou não). Além
disso, em pelo menos 15 estados brasileiros tivemos, nas últimas três décadas,
quatro ou cinco pessoas se alternando no poder, muitas vezes integrantes das
mesmas famílias que dominam a política estadual há muito tempo.
Esses dados mostram,
por si próprios, que o Brasil reclama a oxigenação política em todos os níveis,
com o surgimento de novas lideranças e, consequentemente, de novas
candidaturas. É preciso criar espaço para políticos sem velhos vícios e com
ideias modernas, vitalidade e disposição para fazer do Brasil um país diferente
do que é hoje, socialmente mais justo, economicamente mais forte, e com
desenvolvimento crescente e sustentável.
Isso vale também para
as prefeituras – notadamente das capitais e grandes metrópoles – e ainda para o
Legislativo, igualmente importantes para o modelo administrativo e para a
democracia nacional.
O país tem muitos
parlamentares capazes e alguns ainda jovens que poderiam trazer a modernidade
ao Estado Brasileiro, com novas propostas e planos de governo mais compatíveis
com a grandeza de um país que possui a oitava economia do mundo, a quinta maior
população mundial e a quarta maior área territorial.
Há muito tempo,
ouvimos de tantos políticos sobre renovação política e o fim da reeleição, mas
nada se concretiza. Para um país que gosta tanto de copiar os modelos das
nações mais desenvolvidas, uma boa sugestão seria se inspirar nos limites
definidos pelos norte-americanos, cuja Constituição proíbe que uma pessoa
assuma o Executivo por mais de duas vezes – consecutivas ou não.
A regra foi criada
após os quatro mandatos consecutivos de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945),
por meio da 22ª emenda, promulgada em 1951. O limite de dois mandatos era uma
tradição em honra a George Washington, o primeiro presidente norte-americano, que
se recusou a concorrer a um terceiro período na presidência.
Aqui, Lula está no seu
terceiro mandato (não consecutivo) e, mesmo que aprovada uma emenda como a
sugerida, poderá buscar a reeleição e assim repetir Roosevelt e, ser o único a
alcançar o quarto mandato, muito embora, antes de vencer as eleições de 2022 tenha
dito ser favorável ao fim da reeleição, mudando de ideia depois das urnas
abertas.
A reeleição no Brasil
foi instituída através da Emenda Constitucional nº 16, de 1997, que deu ao
parágrafo 5º do art. 14 da Constituição Federal a seguinte redação: “O
Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os
Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos
poderão ser reeleitos para um único período subsequente.”
A adoção do modelo
americano seria bem-vinda, estatuindo-se que a reeleição aos cargos executivos
somente poderá ocorrer uma vez, seja ela consecutiva ou não, com a alteração
constitucional da seguinte forma: “art. 14, § 5º – O Presidente da
República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem
os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos
para um único período subsequente, consecutivo ou não.”
Essa simples e
elegante solução de uma só vez oxigenaria o sistema político brasileiro inteiro
e permitiria uma maior rotatividade nos cargos do executivo nacional. Faria bem
à democracia.
Por outro lado, não há
dúvidas de que o Brasil dispõe de recursos financeiros para a implementação de
novas visões administrativas voltadas ao atendimento da grande maioria da
população. Portanto, com capacidade de gestão, o país poderia dar um grande e inadiável
passo em direção ao futuro.
É hora de o país
inaugurar uma era meritória, capaz de reduzir desigualdades regionais e sociais
que estão entre as maiores mazelas da nação porque sacrifica seu povo e vai
eternizando a condição de cidadãos de classes distintas muitas vezes apenas
pelo seu local de nascimento ou moradia.
A necessidade de
modernização é indisfarçável. Temos hoje um país dividido não apenas política,
mas também economicamente. Basta ver que, nas regiões Norte e Nordeste, as mais
empobrecidas, os cidadãos locais têm renda per capita de 30% a 35% menor do que
a média nacional e, mais grave ainda, têm expectativa de vida 5 anos inferior à
média nacional. Além disso, mais de 60% da população brasileira vive com renda
média mensal bruta de um salário-mínimo, ou seja, de apenas R$ 1.412,00.
O enfrentamento dessa
situação exige um novo tempo político-administrativo, baseado em projetos
modernos e estruturais, alicerçados na verdade, no patriotismo, na educação de
qualidade das escolas públicas – como já tivemos no passado, a exemplo do Colégio
Pedro II, e do Colégio de Aplicação, formador de bons e inesquecíveis
professores, ambos no Rio de Janeiro – e na volta da ética e da honestidade
como pilares do reerguimento de uma nação pronta para ingressar entre as quatro
ou cinco nações mais desenvolvidas do mundo e mais justas socialmente.
É preciso dar
oportunidade para um novo começo, acabando com as capitanias hereditárias
modernas do século XXI, nas quais alguns poucos, donos do poder, se refestelam
em regalias e privilégios, enquanto aos vassalos modernos – os cidadãos comuns
– restam apenas deveres e quase nenhuma esperança de vida melhor.
Esse caminho precisa
ser cimentado pelo resgate ético – com o consequente sepultamento do egoísmo
personalíssimo –, pelos bons exemplos, pelo imprescindível combate efetivo à
corrupção e pela busca incessante da eficiência administrativa e da qualidade dos
serviços prestados à população. Sequer é necessária a criação de muitas novas
leis, mas o cumprimento das já existentes, sem flexibilização – porque os
países com muitas leis geralmente são nações pouco éticas, que utilizam delas
para suprir o vácuo da honestidade e dos bons costumes. Por outra face,
parafraseando Frederic Douglas, é fundamental o país valorizar a
educação-conhecimento, único caminho para tornar o ser humano inservível para a
escravidão (mesmo a disfarçada, em qualquer de suas várias modalidades).
É tempo de abrirmos as
janelas para arejar a nação. Cultivar novas lideranças significa colhermos os
frutos da modernidade, com raízes profundas de ética e dignidade, sem as quais
nunca seremos a nação que sonhamos.
¨ A consolidação autoritária. Por Wladimir Safatle
No dia 16 de julho,
Wilson Gomes publicou, no jornal Folha de S. Paulo, um artigo em que exortava a aceitar a normalização
pretensamente inevitável da extrema direita.
Chamando as reações a
tal processo de “dogmas” animados por alguma forma de cruzada moral contra
setores muitas vezes hegemônicos das populações mundiais, O autor julgou por
bem lembrar que, “se o voto é o meio consagrado pelas democracias para
legitimar pretensões políticas”, não haveria razão alguma para agir como se a
extrema direita não fosse democraticamente legítima.
Por fim, não faltou
estigmatizar aqueles que falam em “fascismo” ao se referir atualmente a tais
correntes.
Esse artigo não é peça
isolada, mas representa certa tendência forte entre analistas liberais e
conservadores do mundo inteiro. Tal tendência consiste em recusar a tese da
ascensão mundial da extrema direita como movimento catastrófico global de
consolidação autoritária e de esgotamento terminal das ilusões da democracia
liberal.
Vimos algo semelhante
há pouco, quando comentaristas políticos tentavam explicar que um partido como
o francês Reunião Nacional, com seu racismo e xenofobia orgânicos, seus
vínculos com o passado colaboracionista e colonial francês, seu aparato
policial pronto para atirar contra tudo o que se assemelhe a um árabe, não era
afinal um problema assim tão grande e nem sequer deveria o partido ser chamado
de “extrema direita”.
Posições como essas
não são apenas equivocadas. Não há catástrofe política que não tenha sido
minimizada pelos que, em momento de crises estruturais, se apresentam como
“antidogmáticos”, “equilibrados” e avessos a palavras de ordem”. Diria, na
verdade, que esse pretenso “equilíbrio” é uma peça fundamental do problema e de
sua extensão.
Pois, aos que pregam a
normalização da extrema direita, eu diria que ela nunca teria força tão grande
atual mente se não estivesse há muito normalizada. Não pelos eleitores, mas
pelos políticos e formadores de opinião liberais. Há uma aliança objetiva entre
os dois grupos.
As políticas
anti-imigração precisam ser inicialmente implantadas pelo “centro democrático”
para que a extrema direita cresça.
A paranoia securitária
precisa estar cotidianamente na boca dos analistas políticos “liberais” para
que a extrema direita conquiste seus eleitores e eleitoras.
Idem para a
equalização entre militantes de movimentos sociais e tropas de bolsonaristas,
trumpistas e afins. Ou seja, quando a extrema direita enfim sobe ao poder,
normalmente ela precisa apenas chutar uma porta podre. A normalização real já
tinha definido a agenda do debate político.
Contra essa tendência,
eu diria que se espera da classe intelectual ao menos a capacidade de chamar de
gato um gato. Insistir, por exemplo, que um discurso marcado pelo culto à
violência, pela indiferença em relação a grupos mais vulneráveis, pela concepção
paranoica de fronteiras e identidade, pelo anticomunismo congênito, pela
transferência de poder a uma figura ao mesmo tempo autoritária e caricata, tem
um nome analítico preciso, a saber, “fascismo”. É uma forma de sensibilizar a
sociedade para os riscos e tendências reais que ela enfrenta atualmente.
Lembrar disso em um
país como o Brasil, que conheceu nos anos 1930 um dos maiores partidos
fascistas fora da Europa, que teve dois militares integralistas na junta
militar de 1969, que teve um presidente que há alguns anos assinava cartas a
nação com o lema “Deus, pátria, família”, é sinal de honestidade intelectual
mínima.
A universidade
brasileira já tem uma responsabilidade enorme em ter tratado o fascismo
estrutural em nossa sociedade com zombarias até vir um governo marcado por
genocídios indígenas, massacres espetacularizados em favelas e 700 mil mortos
na pandemia em nome da preservação das dinâmicas de acumulação capitalista.
Recusar a normalização
da extrema direita não significa ignorar os sofrimentos reais de seus eleitores
e a precarização crônica da situação social dos que a apoiam. Muitos menos
significa impor discursos morais no lugar de decisões políticas.
Significa não compor
de forma alguma com as soluções da extrema direita ẹ ter a capacidade de
recusar de forma absoluta a sua maneira de definir o debate.
Significa também
tensionar a sociedade com uma visão alternativa de transformação e ruptura. Mas
talvez seja exatamente isso que alguns mais temam.
Fonte: Por Samuel
Hanan, no Le Monde/A Terra é Redonda
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