Como jovens são cooptados pelo Estado
Islâmico no Brasil
Um jovem brasileiro
ligado ao Estado Islâmico usou grupos na internet para recrutar quatro
adolescentes de cidades do interior do Rio de Janeiro e de São Paulo entre os
anos 2022 e 2023. Pelo menos dois menores de 18 anos já estavam em avançado
estágio de radicalização.
Conhecido nas redes
pelo codinome Mahmoud al-Brazili, Fábio Samuel da Costa Oliveira, hoje com 20
anos, foi preso quando tentava chegar à África, onde se juntaria aos
terroristas. Ele foi condenado a 7 anos de prisão por terrorismo e corrupção de
menores em maio deste ano. A defesa alega que ele tem deficiência mental e vai
entrar com um pedido de revisão criminal.
A prisão de Fábio
Samuel chegou a ser divulgada na imprensa no ano passado, mas agora o
Metrópoles teve acesso a documentos inéditos da investigação da Polícia Federal
(PF) que revelam detalhes de como o grupo terrorista tentava cooptar jovens e
adolescentes do Brasil.
Mensagens do
aplicativo Telegram revelam a idealização de atentados terroristas em
território brasileiro, orientações sobre a construção de bombas caseiras,
discursos fundamentalistas religiosos e o compartilhamento de vídeos contendo
violência extrema.
• Atentado em igreja
Os investigadores da
PF tomaram conhecimento dessa pequena célula do ISIS (sigla em inglês para
Estado Islâmico) no Brasil em 2022, após um alerta do serviço de inteligência
de Marrocos.
A embaixada do Brasil
no Marrocos foi informada de que foi interceptada uma conversa de Mahmoud
al-Brazili sobre um possível atentado em uma Igreja Católica de Barbacena (MG).
Fábio Samuel morava na cidade com a avó.
Essa denúncia foi
repassada para a Divisão de Enfrentamento ao Terrorismo da PF no mesmo dia.
• FBI entra na história
A situação ficou ainda
mais urgente depois que o FBI, a polícia federal do Estados Unidos, entrou em
contato com os investigadores brasileiros. Um vídeo no pCloud, serviço de
armazenamento criptografado, mostrava Fábio Samuel de capuz e rosto coberto, respondendo
a uma espécie de questionário do grupo terrorista.
“Eu tenho apoiadores
para os quais eu tenho explicado por quais razões o califado é verdade, porque
ele está do lado certo”, diz o encapuzado na gravação em inglês. O “califado” a
que ele se refere é um sistema de governo religioso defendido pelo ISIS.
Ainda na gravação,
Fábio Samuel diz que tem feito traduções de documentos da organização
terrorista. Ele aprendeu árabe e inglês sozinho pela internet. Atualmente, o
Estado Islâmico atua no norte de Moçambique, que tem o português como idioma
oficial.
“Um chamamento aos
irmãos falantes do português, irmãos de países como: Brasil, Cabo Verde,
Angola, Moçambique. Eu tenho visto muitos irmãos apoiadores e quero ser um
recrutador deles”, declara ainda o jovem brasileiro na gravação que foi parar
nas mãos do FBI.
• “Meu sonho era explodir”
Conversas pelo
Telegram mostram a rotina de doutrinação e radicalização a que eram submetidos
os adolescentes. Fábio Samuel selecionou os adolescentes em grupos mais amplos
de estudo do alcorão e convidou eles para um mais reservado.
Esse grupo mais
reservado era batizado com diferentes nomes como “Clube do Xadrez” e “Estudos
de Geopolítica”, uma forma de esconder seu verdadeiro conteúdo. Nas mensagens
identificadas pela PF são cogitados atentados terroristas dentro do Brasil.
“Meu sonho era
explodir o consulado israelense aqui. O foda é que não tem uma base sólida de
salafis brasileiros. Então não ia servir de nada. Colocar uma mochila com uns
10kg de explosivo no portão”, escreveu um dos adolescentes cooptados em
mensagem para Fábio Samuel em março de 2022.
O termo “salafis”
usado pelo adolescente se refere aos adeptos do salafismo, um movimento
ultraconservador dentro do islamismo sunita.
Alguns dias depois de
receber a ideia de um atentado contra o consulado, Fábio Samuel enviou um
documento com instruções de fabricação de bombas para esse adolescente. O jovem
e o adolescente manifestaram no Telegram sobre o interesse em se juntar ao ISIS
em Moçambique.
De acordo com a
investigação da PF, Fábio Samuel orientou dois adolescentes, de codinomes
Hassan e Shams, para cometer um ataque terrorista contra uma representação dos
Estados Unidos no Brasil, caso ele fosse barrado na imigração ou preso, quando
tentasse sair do país para se juntar ao ISIS.
No momento em que foi
preso no Aeroporto de Guarulhos, em 11 de junho do ano passado, Fábio Samuel
pediu para fazer uma ligação e entrou em contato com um desses adolescentes. A
PF acredita que a ideia era colocar o plano em prática.
• Foco na juventude
O recrutamento de
jovens para o Estado Islâmico não é uma exclusividade no Brasil. Estudo do
sociólogo franco-iraniano Farhad Khosrokhavar calculou que 67% dos militantes
que se juntaram ao ISIS na Síria e no Iraque entre 2012 e 2015 tinham idades
entre 14 e 25 anos.
“A palavra-chave do
Estado Islâmico é ‘perpetuação’. Ele quer perpetuar o califado. E, para isso,
ele se volta para o recrutamento de crianças e adolescentes, porque enxerga
neles facilidades de atraí-los e futuros novos combatentes. Principalmente em
idades sem maturidade emocional e em que a identidade ainda não foi formada”,
explicou ao Metrópoles o doutor em Educação e especialista em Inteligência,
Carlos Frederico Felício Fagundes. Ele investiga a “pedagogia da cooptação” por
organizações criminosas.
Os pais dos
adolescentes que estavam sendo cooptados pelo ISIS não sabiam o que estava
acontecendo. Todos os adolescentes possuem uma surpreendente facilidade em
aprender novas línguas, mas pelo menos dois deles passaram a apresentar mal
desempenho na escola.
Um dos adolescentes
chegou a ser expulso da escola porque levou uma faca para a sala de aula. Isso
aconteceu na mesma época em que ele passava pelo processo de radicalização pelo
Telegram.
Essa investigação da
PF sobre o ISIS no Brasil está dentro de um conceito mais amplo que é o do
Extremismo Violento Ideologicamente Motivado (Evim), do qual também fazem parte
os casos de atentados com motivação neonazista e de subculturas da internet de
ódio a mulheres.
• Ex-coroinha
Fábio Samuel foi
condenado na Justiça Federal e não houve tentativa de recurso. Ele era
assistido pela Defensoria Pública da União. No entanto, um novo advogado da
família pretende entrar com um pedido de revisão criminal por considerar que
ele possivelmente tem algum tipo de espectro autista, na expectativa de que
seja considerado semi-imputável. Na cidade de Barbacena, o jovem era visto
apenas como uma pessoa “estranha”.
O advogado Greg
Andrade descreve Fábio Samuel como alguém que era muito ativo na Igreja
Católica, ao ponto de ser coroinha. Ele se converteu ao islamismo quando
começou a trabalhar em serviços gerais num curtume de abate halal, que é um
tipo de preparo de produtos de origem animal para exportação ao mercado
muçulmano.
A PF suspeita que
Fábio Samuel foi cooptado e radicalizado dentro da religião pelos irmãos
brasileiros Thaylan e Thauann Palomanes, presos em Málaga, na Espanha, em
novembro do ano passado, por envolvimento com o Estado Islâmico.
Para Greg, Fábio
Samuel é uma pessoa com hiperfoco e muito inteligente, mas sem apoio necessário
do Estado. De fato, os investigadores da PF ficaram impressionados com a
facilidade do jovem em falar inglês e árabe.
“O sonho dele é fazer
medicina. Os integrantes do Estado Islâmico entraram na mente dele e falaram
que lá ele teria condições de estudar e ter várias esposas. Ele ficou muito
envolvido, se sentindo muito importante. Talvez foi a única vez na vida que ele
se sentiu importante. Nós não damos valor à nossa juventude, mas o terrorismo
deu”, avalia o advogado.
A avó de Fábio Samuel,
Naide da Costa, de 61 anos, considera que a condenação e prisão do neto foi
injusta e entende que ele foi vítima por ter sido cooptado pelo grupo
terrorista. “Tem que sempre verificar o que os filhos fazem e aconselhar,
porque, por mais que a pessoa seja boa, sempre tem predadores nas redes
sociais.”
• Filho de militar queria traduzir manual
para grupo terrorista
Um adolescente
brasileiro, filho de um oficial da Aeronáutica, planejava traduzir manuais de
guerra das Forças Armadas para ajudar o grupo terrorista Estado Islâmico. A
ideia era ajudar terroristas que estão atuando no norte de Moçambique, na
África.
Essa situação foi
revelada em uma investigação da Polícia Federal (PF), à qual o Metrópoles teve
acesso, sobre um jovem de Minas Gerais ligado ao ISIS (sigla em inglês para
Estado Islâmico) que tentava recrutar quatro adolescentes pelo aplicativo
Telegram. Ele foi condenado a sete anos de prisão por terrorismo e corrupção de
menores.
“O Exército Brasileiro
desenvolveu uma doutrina muito grande de guerra irregular. Dá para traduzir
esse conhecimento para o inglês e fazê-lo chegar em quem vai dar bom uso,
inshaAllah”, escreveu o adolescente filho de oficial das Forças Armadas em uma
das mensagens do grupo usado para radicalização.
Adolescente queria
traduzir documento das Forças Armadas para ajudar o Estado Islâmico
Ainda no aplicativo, o
adolescente diz que essa doutrina do Exército Brasileiro não funcionaria na
Síria e no Iraque, mas sim na atuação do grupo terrorista na África. Ele
pretendia traduzir os documentos “Patrulha de Emboscadas” e “Patrulha de longo
alcance com características especiais”.
• Tradução de documentos
O jovem de Minas
Gerais que chefiava o grupo no Telegram de radicalização para o ISIS é Fábio
Samuel da Costa Oliveira, que está preso na penitenciária de Três Corações
(MG).
Play Video
A inteligência do
governo do Marrocos e o FBI, polícia federal americana, identificaram contatos
dele com lideranças do grupo terrorista avisaram a Divisão de Enfrentamento ao
Terrorismo da PF. Em um vídeo encapuzado, ele diz que traduz documentos do Estado
Islâmico.
Além disso, Fábio
Samuel também tinha a intenção de traduzir os documentos das Forças Armadas
brasileiras para o árabe. O jovem, que hoje tem 20 anos, aprendeu inglês e
árabe sozinho. Ele morava com a avó, Naide da Costa, de 61 anos, em Barbacena
(MG).
De acordo com as
investigações, Fábio Samuel orientou os adolescentes a cometerem um atentado em
uma representação dos Estados Unidos no Brasil, caso não conseguisse sair do
país.
Fábio foi preso pela
PF em junho do ano passado quando tentava embarcar para a Turquia, de onde
seguiria para se juntar ao ISIS na África.
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Situação vulnerável
A defesa de Fábio
Samuel defende que ele possui um grau de autismo e acabou sendo influenciado
pelos terroristas pela internet. O advogado Greg Andrade pretende entrar com um
pedido de revisão criminal para que o jovem seja considerado semi-imputável.
Segundo o defensor, o
seu cliente era muito ligado à igreja católica e era coroinha. Na vida adulta
se converteu ao islamismo, mas acabou passando por um processo de radicalização
pela internet.
“O sonho dele é fazer
medicina. Os integrantes do Estado Islâmico entraram na mente dele e falaram
que lá ele teria condições de estudar e ter várias esposas. Ele ficou muito
envolvido, se sentindo muito importante. Talvez foi a única vez na vida que ele
se sentiu importante. Nós não damos valor na nossa juventude, mas o terrorismo
deu”, avalia o advogado.
• Ex-coroinha e inteligente: quem é
brasileiro condenado por terrorismo
Fábio Samuel da Costa
Oliveira era um adolescente tido como estranho, mas muito inteligente.
Diferentemente de outros garotos da sua idade, não gostava de festas e música
alta. Preferia ficar no computador na casa de sua avó onde morava em Barbacena,
interior de Minas Gerais. Ali, ele aprendeu sozinho a falar inglês e árabe.
Hoje com 20 anos,
Fábio Samuel foi condenado a sete anos de prisão por terrorismo e cooptação de
menores. Ele tentava recrutar quatro adolescentes do interior de São Paulo e
Rio de Janeiro para o grupo terrorista Estado Islâmico. O esquema foi desfeito
pela Polícia Federal (PF).
A sentença da 2ª Vara
Federal de Minas Gerais que condena Fábio Samuel é do dia 13 de maio, mas só
foi divulgada agora. Reportagem do Metrópoles publicada neste sábado (27/7)
revela detalhes inéditos da investigação sobre o recrutamento de jovens pelo ISIS
(sigla em inglês para Estado Islâmico) no Brasil.
Tanto Fábio Samuel
como os quatro adolescentes que passavam pelo processo de radicalização viviam
com seus responsáveis, que não sabiam do envolvimento deles com o grupo
terrorista.
“Precisa sempre
verificar o que os filhos fazem e aconselhar, porque por mais que a pessoa seja
boa, sempre tem os predadores nas redes sociais”, declarou ao Metrópoles Naide
da Costa, de 61 anos, a avó de Fábio Samuel, com quem ele vivia desde os 9
anos.
O garoto foi viver com
a avó materna após a morte do pai. A mãe acabou se afastando do filho.
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Vulnerabilidade
Fábio Samuel vem de
uma família pobre, a avó é zeladora de um prédio. Quando era mais jovem era
muito dedicado à Igreja Católica, onde era coroinha.
Ao completar a
maioridade, se converteu ao islamismo quando trabalhava de serviços gerais em
um curtume de abate halal, que é uma forma de preparo de alimentos para
exportação a consumidores muçulmanos.
Os investigadores da
Polícia Federal suspeitam que Fábio Samuel foi cooptado para o ISIS pelos
irmãos Thaylan e Thauann Palomanes, presos em Málaga, na Espanha, por
envolvimento com o Estado Islâmico, em novembro do ano passado.
Greg Andrade, advogado
de Fábio Samuel, entende que o cliente tem um tipo de autismo e pretende entrar
com uma revisão criminal do caso. Para o defensor, o jovem era muito
inteligente e tinha peculiaridades, mas não teve apoio do Estado.
“O sonho dele é fazer
medicina. Os integrantes do Estado Islâmico entraram na mente dele e falaram
que lá ele teria condições de estudar e ter várias esposas. Ele ficou muito
envolvido, se sentindo muito importante. Talvez foi a única vez na vida que ele
se sentiu importante. Nós não damos valor na nossa juventude, mas o terrorismo
deu”, avalia o advogado.
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Planejamento de ataques
Fábio Samuel tinha o
codinome de Mahmoud al-Brazili e radicalizava quatro adolescentes pelo
aplicativo de mensagens Telegram. Ele foi preso em junho do ano passado quando
embarcava em Guarulhos (SP) com destino para a Turquia. De lá, seguiria para
algum país da África onde o grupo terrorista atua.
Nas mensagens do
Telegram, ele manifestava sua vontade de se juntar ao ISIS em Moçambique, onde
o grupo luta atualmente na região norte do país.
O jovem brasileiro de
Minas Gerais orientava os adolescentes a cometerem um ataque contra uma
representação dos Estados Unidos no Brasil, caso ele não conseguisse sair do
país, segundo relatório da Polícia Federal.
Em um vídeo
interceptado pelo FBI, a polícia federal americana, Fábio Samuel responde a uma
espécie de questionário do ISIS e convoca novos militantes que falam português
para formar o califado, governo religioso defendido pelos terroristas.
Já o setor de
inteligência do governo do Marrocos identificou uma conversa em que o
denominado Mahmoud al-Brazili falava sobre a intenção de cometer um atentado em
uma igreja católica de Barbacena.
Fonte: Metrópoles
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