65% das ações contra planos de saúde
brasileiros questionam negativa de cobertura assistencial
Apenas 6% dos clientes
brasileiros já acionaram a Justiça contra planos de saúde. E os principais
motivos que levam alguém a questionar judicialmente operadoras são negativas de
cobertura assistencial (especialmente de cirurgias e medicamentos), suspensão
de contratos e reajuste de mensalidades.
Esses dados são da
pesquisa “Raio-X da Saúde Suplementar no Brasil”, da FGV Justiça. O estudo foi
apresentado nesta segunda-feira (29/7), em evento no Centro Cultural da
Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro.
A proposta da pesquisa
foi analisar a opinião de usuários e não usuários de planos de saúde sobre esse
setor econômico, a partir de um diagnóstico e do acompanhamento de sua imagem.
Para tanto, foi feita
uma amostra nacional de dois mil entrevistados entre a população adulta, de
todas as regiões do país, e subamostra de usuários de planos de saúde, no
período compreendido entre 16 e 22 de maio deste ano, sendo composta pela
compilação de dados quantitativos, coletados por meio de questionário elaborado
pelo Ipespe em conjunto com a FGV Justiça, constituído por perguntas acerca da
realidade da saúde suplementar no Brasil, sem perder de vista a comparação com
a saúde pública.
• Judicialização da saúde
Os dados foram
apresentados pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Antonio Saldanha
Palheiro, coordenador da linha de pesquisa de Saúde da FGV Justiça.
Entre os
entrevistados, 78% não conhecem o termo “judicialização da saúde”. Após uma
breve descrição do conceito, a prática tende a ser entendida como um recurso
dos usuários na defesa de seus interesses, contra planos suspostamente pouco
comprometidos com os direitos dos clientes. Dessa maneira, 63% consideram a
judicialização “um instrumento legítimo e eficaz para fazer cumprir o direito
dos usuários dos planos”.
Apesar disso, somente
6% dos entrevistados já acionaram a Justiça contra seus planos de saúde, e 26%
conhecem alguém que o fez. Embora pareça pouco, 6% equivalem a três milhões de
pessoas (há cerca de 50 milhões de segurados no país), ressaltou Saldanha.
“Então, estamos falando de três milhões de ações judiciais, que é uma coisa
avassaladora.”
Entre os motivos que
levaram alguém a acionar a Justiça contra o plano de saúde, “a negativa de
cobertura assistencial” aparece isolada em primeiro lugar, com 65%. Quanto ao
que foi negado, “cirurgia” é o item mais citado (51%), seguido de longe por
“medicamentos” (12%), além de outros com menos de 10% das menções.
A segunda razão que
mais leva pessoas a mover ações contra operadoras é a suspensão de contratos,
especialmente por “mudança das cláusulas” (59% dos casos); “cancelamento do
plano sem aviso prévio” (19%); e “cancelamento do plano por inadimplência”
(12%). Já o terceiro motivo da judicialização, responsável por 14% dos
processos, são “questões relacionadas ao reajuste da mensalidade”.
Saldanha ressaltou que
é preciso combater as fraudes no setor de saúde suplementar e deixar claro para
os usuários o que planos de saúde cobrem e o que não cobrem. O ministro
destacou como magistrados tendem a conceder liminares garantindo a cobertura de
procedimentos, já que não são especialistas no assunto e não têm tempo para
pedir perícias.
• Rol da ANS
O ministro do STJ Luis
Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça e coordenador do Centro de
Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Justiça, afirmou que a
pesquisa busca identificar as causas que geram deformação no processo de judicialização
e apontar soluções. “Hoje há uma excessiva judicialização da saúde no Brasil.
Todos perdem, ninguém ganha nesse processo.”
O também ministro do
STJ Messod Azulay Neto manifestou preocupação com a Lei 14.454/2022, que
normatizou o caráter exemplificativo do rol da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS). A lei foi editada em resposta à posição firmada pela 2ª
Seção do STJ no sentido de que o rol de procedimentos da ANS é taxativo, mas
pode ser mitigado em situações excepcionais.
Azulay destacou que os
integrantes da ANS são técnicos, profissionais que conhecem a matéria.
Portanto, têm condições de decidir o que deve e o que não deve integrar o rol
de procedimentos obrigatoriamente cobertos pelos planos. Assim, a Lei
14.454/2022 gerou “uma insegurança jurídica e econômica de muita relevância”,
que pode afetar consumidores e empresas, colocando em risco milhares de
empregos.
• Respeito a crença religiosa justifica
bloqueio de verba para cirurgia sem transfusão
A garantia da saúde e
o respeito à crença religiosa de um cidadão justifica, em caso de inércia de
entes públicos, o bloqueio de verba pública em valor necessário para viabilizar
a realização, em hospital privado, de procedimento cirúrgico sem a adoção de
transfusão de sangue.
Com esse entendimento,
a juíza Ana Cecilia Argueso Gomes de Almeida, da 3ª Vara Cível da Comarca de
São João de Meriti (RJ), concedeu tutela de urgência para o bloqueio de contas
do município em que atua e do Estado do Rio de Janeiro a fim de pagar o
procedimento ortopédico de uma paciente.
• Testemunha de Jeová
A autora da ação é
seguidora das testemunhas de Jeová, vertente cristã que não permite a
transfusão de sangue.
Antes, a juíza havia
determinado que a paciente fosse levada a um outro hospital público habilitado
a realizar o procedimento necessário sem a transfusão, o que não foi atendido,
quando decidiu-se, então, pelo bloqueio.
“Defiro o sequestro de
verba pública no montante do orçamento apresentado pela autora nos autos para
que […] providencie a autora a realização da cirurgia de osteossíntese de
fratura de fêmur em caráter de urgência, em hospital privado que tenha condições
técnicas de atendê-la de modo a garantir sua saúde e ainda respeitando sua
crença religiosa, isto é, hospital em que a equipe médica empregue técnica que
dispense a realização de transfusão para a manutenção da saúde do paciente”,
escreveu a magistrada.
• Repercussão geral
A decisão surge às
vésperas de o Supremo Tribunal Federal julgar o Tema 952, em que se discute o
conflito entre a liberdade religiosa e o dever do Estado de assegurar
prestações de saúde universais e igualitárias.
O julgamento de
repercussão geral, previsto para 8 de agosto, se debruça sobre um recurso
extraordinário que trata de condenação à União, ao Estado do Amazonas e ao
município de Manaus a custearem cirurgia indisponível no SUS também em razão de
a convicção religiosa do paciente, que é testemunha de Jeová, proibir a
transfusão de sangue.
Fonte: Revista
Consultor Jurídico
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