Açaí vira moda global e cresce preocupação
com acidentes na coleta
O AÇAÍ É considerado
um superalimento pelos seus benefícios nutricionais e ganhou projeção no
mercado internacional, mas quem está na ponta da cadeia enfrenta problemas de
saúde e segurança na coleta do fruto. Quedas de árvores, picadas de cobra e
dores na coluna fazem parte do cotidiano dos apanhadores de açaí na região
amazônica, a principal origem do alimento consumido mundo afora.
“É arriscado, mas vale
a pena”, conta Abimael Guimarães. Ele faz parte de um contingente de 12 mil
coletores de açaí em Codajás, o município campeão na produção no estado do
Amazonas.
O Brasil é o maior
produtor de açaí no mundo. Seu cultivo já atingiu a marca de 1,7 milhão de
toneladas em 2022, gerando um valor superior a R$ 6,1 bilhões – 125% a mais do
que em 2018.
De botina, camiseta de
manga comprida e um facão na bainha do calção, Gabriel Freire, 23, sobe no
açaizeiro de 15 metros e a árvore estala com seu peso para apanhar um cacho de
20 quilos apoiado no braço. Ele vive na comunidade ribeirinha Nova Esperança e
começou a apanhar açaí com 14 anos de idade. No auge da safra Freire chega a
subir em 40 árvores por dia para encher até dez sacas de 50 quilos cada. “É um
pouco arriscado e dá medo, mas deixa o medo de lado e vai”, conta.
“Às vezes acontece uma
fatalidade”, relata o apanhador Francisco Silva de Oliveira, que vive na
comunidade vizinha, Terra Preta. Ele já se acidentou quando coletava um cacho:
“eu percebi que a árvore ia quebrar, fechei os olhos e esperei a porrada”. Por sorte,
caiu na água e não se machucou.
A Repórter Brasil foi
até Codajás e conversou com dezenas de apanhadores de açaí, como são conhecidos
os coletores do fruto no Amazonas. É consenso que a coleta é uma atividade
perigosa, mas para os coletores vale a pena pelo valor do produto.
Se há cerca de 20 anos
os ribeirinhos deixavam o açaí apodrecer nas árvores pela falta de demanda –
fora o consumo interno e vendas ocasionais – hoje existe uma corrida para
apanhar o fruto. Além de abastecer o mercado amazonense, o açaí já chegou na
região sudeste do país e mais longe: Estados Unidos e até Singapura.
“A pressão de mercado
vai fazer com que a extração passe a ser predatória. Isso faz com que as
relações de trabalho se tornem cada vez mais vulneráveis”, ressalta Paulo
Simonetti, gerente de inovação em bioeconomia do Idesam, o Instituto de
Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia.
Na última safra as
fábricas de açaí pagaram um valor médio de R$ 140 pela saca de açaí. O
apanhador Francisco comemora e lembra que chegou a receber R$ 5 pelo produto
anos atrás, quando não havia compradores.
O aumento das vendas
anima os produtores, mas também gera preocupação em entidades públicas, como o
Ministério Público do Trabalho (MPT). “A popularização do açaí a nível mundial
tem pressionado as comunidades tradicionais. A extração se intensificou e os
coletores tiveram que trabalhar de uma forma muito mais intensa, agravando o
risco de acidentes e de sequelas”, avalia a procuradora Gabriela Menezes
Zacareli, que vê com preocupação a mudança da produção familiar para uma
“escala industrial” nos últimos dez anos.
“Quando essa escala
maior envolve grandes empregadores, que lucram bastante com o produto desse
trabalho, ao lado desse lucro, essas empresas atraem também a responsabilidade
social”, avalia Emerson Costa, auditor fiscal do trabalho do Ministério do Trabalho
e Emprego.
Waldivan dos Santos
Cardoso coleta açaí desde os dez anos. Seus braços e peito têm marcas de
queimadura, que ele atribui a coleta do fruto: “a árvore queima por cima da
camisa, engrossa o couro”. Coletor experiente, ele sofreu um acidente quando a
peconha (instrumento utilizado para apoiar os pés e subir na árvore) quebrou:
“deixei o couro no açaizeiro mas não soltei o cacho”, lembra.
• Açaí: cultura e perigos
A extração do açaí é
uma atividade de povos tradicionais da Amazônia. Mais do que um produto que
ganha espaço no mercado, ele é um elemento fundamental da cultura e segurança
alimentar das comunidades. Os coletores aprendem a técnica da coleta observando
os mais velhos.
“Isso faz com que a
discussão sobre o açaí se torne muito mais complexa. Porque não é simplesmente
olhar para uma produção para atender uma demanda internacional ou nacional.
Estamos falando de uma cultura, de um modo de subsistência”, ressalta Simonetti,
do Idesam.
O açaí é cultivado em
roças e fazendas, mas também é coletado pelos ribeirinhos em árvores nativas
dentro da floresta. De acordo com o relatório sobre a extração de açaí no Pará
feito em 2016 pelo Tribunal Regional do Trabalho e pelo Instituto Peabiru, a
“atividade é uma das mais perigosas do Brasil”. Antes de subir, o coletor tem
que verificar o estado da árvore: se as raízes estão firmes no chão e a
condição do tronco, que pode estar “fraco” por conta de pragas. Quando está
fraco, o risco de rompimento e acidentes é alto.
“Não tem quase nada de
segurança lá em cima, soltou a mão [do tronco] e já era”, afirma Abimael
Guimarães, da comunidade Nova Esperança, também na região próxima de Codajás.
Ele conseguiu segurar em um galho de outra árvore quando a peconha estourou na
descida do açaizal de quase 20 metros. “Se eu tivesse caído poderia ter
morrido”.
Outro perigo é o
ataque de cobras, escorpiões e insetos. Esse tipo de acidente é mais comum nas
áreas de açaí nativo na floresta. Em áreas remotas uma picada pode ser fatal.
Elizeldo do Rosário Pereira, assistente de saúde da comunidade Nova Esperança,
já teve que navegar por horas durante a noite para levar um paciente: “já levei
um que levou picada de cobra e cheguei à 1h em Codajás [município que tinha
socorro]”.
• Dores da coleta
Depois de cortar os
cachos, os ribeirinhos debulham os frutos com as mãos e carregam o saco de açaí
até o local de venda. “A meninada já cresce carregando peso. Com 30, 35 anos já
tem problemas de coluna, quadril, dor nas pernas e joelhos”, explica Pereira.
“A maioria usa remédios para aliviar a dor que é para no outro dia estar
inteiro pra batalha”, comenta.
Na comunidade Monte
Sião, localizada na zona rural de
Codajás, “tem pelo menos três pessoas com hérnia de disco”, estima Judenir
Carvalho de Oliveira, apanhador de açaí desde os 12 anos. Com apenas 33 anos,
ele passou dois meses na cidade para tratar a dor na coluna. “Foi finalizando a
safra e fui ficando doente. A maioria das pessoas que trabalham com o açaí tem
dor”, destaca.
• Mercado do açaí
O Pará concentra 96%
da produção do açaí cultivado no Brasil. Logo atrás do ranking vem o Amazonas,
com 2,9%. Em 2022, a região de Codajás gerou uma renda de R$ 140 milhões do
açaí cultivado.
“Tem gente parando o
plantio de roça e até pecuária para colocar o açaí”, aponta Hilário Cesário,
produtor da comunidade Monte Sião.
O comércio ganhou
tração em 2008, quando a empresa Bellamazon se instalou em Codajás, e mais
ainda a partir de 2018, com a inauguração de uma fábrica da Frooty Brasil, uma
das principais empresas do setor, em Manacapuru, município no trajeto até a
capital Manaus.
Em seu site, a Frooty
afirma ser “a marca líder em vendas de açaí no mundo”. Em sua política de
fornecimento da matéria prima destaca a “preocupação com o devido uso de
ferramentas e processos de segurança do trabalho, saúde do fornecedor e
condições de vida do trabalhador”.
Procuramos a
Bellamazon e a Frooty para saber se as empresas possuem diretrizes de segurança
do trabalho durante a coleta.
A Frooty afirmou que
faz treinamento nas comunidades sobre o uso de EPIs e que entrega de cartilha
sobre Saúde e Segurança do Trabalho e
que visita as comunidades no período de colheita. A empresa também disse que faz
três visitas pela empresa anuais aos locais de coleta e que envia um auditor
externo, além de promover ações de conscientização para evitar acidentes.
Segundo a companhia são fornecidos óculos de proteção, bainha para facão,
perneira, luva pigmentada e bota de PVC ou botina cano curto.
A Bellamazon não respondeu até a publicação desta reportagem.
O espaço segue aberto para futuras manifestações.
• Avanços
Em 2024, o açaí de
Codajás conquistou o registro de Indicação Geográfica (IG), concedido pelo
Instituto Nacional da Propriedade Industrial – órgão vinculado ao Ministério da
Economia.
Além da garantia de
procedência e qualidade, o IG determina que o produtor deve se comprometer com
as leis trabalhistas e ambientais vigentes.
Hoje a Cooperativa
Agropecuária de Codajás, mentora do projeto de identificação geográfica, conta
com 30 integrantes, e tem atuado na implementação de boas práticas sobre
qualidade do produto, saúde e segurança.
Francisco Dantas,
presidente da cooperativa, reconhece que o trabalho de coleta é duro. Ele
avalia que houve um avanço nos últimos anos em relação aos índices de acidentes
no setor. “Quem sabe, futuramente a gente tenha uma categoria dos coletores
regularizada”.
Fonte: Repórter Brasil
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