Ebulição global: a era das ondas de calor
extremo
Ebulição global é uma
expressão utilizada para alertar sobre a gravidade das consequências do
aquecimento global e a urgência que isso representa, já que os efeitos das
mudanças climáticas têm atingido o planeta com intensidade severa e ritmo
acelerado.
O termo foi utilizado
pela primeira vez em 2023, pelo então secretário-geral da Organização das
Nações Unidas (ONU), António Guterres. Na época, a temperatura global havia
batido um recorde aterrador, o mês de julho de 2023 havia sido o mês mais
quente do planeta, desde 1940, quando os dados passaram a ser registrados. E
ainda faltava uma semana para o fim do mês.
Na ocasião, Guterres,
que discursava na sede da ONU, frisou a urgência de se estabelecerem medidas
relacionadas às emissões de gases de efeito estufa, além da necessidade do financiamento para
adaptação climática. Durante sua fala, o secretário-geral da ONU reforçou a
importância da questão, fazendo o alerta “a era do aquecimento global acabou, a
era da ebulição global começou”.
<><> Era
da ebulição global
De acordo com o
Copernicus Earth Observation Programme, a temperatura global tem superado seus
próprios recordes consecutivamente. O mês de abril de 2024 se estabeleceu como
o 11º mês seguido, atingindo temperaturas mais altas do que as máximas já
registradas.
O período entre maio
de 2023 e abril de 2024 foi considerado pelos cientistas, até então, mais
quente do que qualquer outro período de 12 meses já registrado. O aumento de
temperatura atingiu 0,73 ºC acima da média considerada entre 1991 e 2020. Em
relação à média calculada para o período pré-industrial, tomando como base os
anos entre 1850 e 1900, a temperatura média global subiu 1,61 ºC.
Além disso, a média
global da temperatura da superfície do mar (TSM ou SST, da sigla em inglês),
além das regiões polares, atingiu seu valor máximo já registrado para um mês de
abril. Essa foi a 13ª vez seguida que a temperatura do mar bateu recorde.
Os pesquisadores
também reforçam o papel do El Niño no aumento da TSM. No entanto, apontam que
outras áreas do oceano, que não sofrem influência desse fenômeno climático,
também registraram valores de temperatura nunca antes vistos. Conforme explicam
os especialistas, isso ocorre graças ao aumento das concentrações de gases de
efeito estufa na atmosfera, que retém cada vez mais energia solar que, por
consequência, é absorvida pelos oceanos.
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Ebulição amazônica
Os efeitos da ebulição
global atingem e prejudicam incontáveis ecossistemas ao redor do mundo. As
consequências do aquecimento do planeta podem ser sentidas também na Amazônia.
A região amazônica passou a sofrer com secas severas, com o declínio do nível
das águas de seus rios, afetando de forma trágica a biodiversidade e o bem
estar de comunidades, que vivem em comunhão com uma das florestas mais
importantes do mundo.
A primeira seca
registrada na região, no século 21, ocorreu entre 1997 e 1998, depois em 2005,
em 2010, novamente entre 2015 e 2016 e, de forma mais recente, entre 2022 e
2023. No entanto, em 2023 a Amazônia enfrentou os efeitos da ebulição global,
com eventos extremos, com uma seca histórica, acompanhada de ondas de calor.
<><> Seca
histórica reforça ebulição global
Uma pesquisa realizada
por cientistas de cinco países, publicada pela Nature, analisou as condições e
anomalias climáticas que atingiram a região amazônica ao longo de 2023. A
publicação destaca fatores extremos ocorridos durante o período, como o nível das
águas no porto de Manaus, que atingiram 12,7 m, o menor valor registrado desde
1902. Para se ter uma ideia da gravidade do problema, o estado de emergência é
declarado quando o nível atinge 15,8 m.
Os números são
proporcionais ao tamanho do desastre. A bacia amazônica é a maior bacia
hidrográfica existente no mundo, compreendendo cerca de 6,87 milhões de
quilômetros quadrados. Isso representa quase 18% de toda a água doce do
planeta, que deságua nos oceanos.
A Amazônia é também
fundamental para os sistemas de convecção terrestre, que são essenciais para o
equilíbrio da circulação atmosférica e a ocorrência de chuvas e outros eventos.
A Amazônia recebe cerca de 13% de toda a chuva que cai no planeta, sobre os
continentes. No entanto, o desmatamento da floresta, em conjunto com os efeitos
da ebulição global, tem modificado o bioma de maneira atroz.
A Amazônia tem
influência direta em eventos climáticos globais, por isso se fala tanto sobre a
importância da sua conservação. Ainda assim, a floresta está prestes a alcançar
seu ponto de inflexão, que poderia causar o colapso do bioma.
<><> El
Niño e La Niña
De acordo com os
pesquisadores, os eventos de seca na Amazônia estão diretamente relacionados
aos efeitos do El Niño, que ocorre durante o verão austral (no Hemisfério Sul),
e também com temperaturas mais elevadas na região do Atlântico Tropical Norte,
entre o inverno e a primavera.
Nesse caso, ocorre uma
grande manifestação da subsidência atmosférica, que é quando o movimento do ar
é descendente, ou seja, se locomove de cima para baixo. Esse fator inibe a
formação de nuvens. A subsidência atmosférica está relacionada a uma alta pressão
atmosférica, o que gera bloqueios atmosféricos e, por sua vez, ondas de calor.
Somado a isso, o El
Niño também causa anomalias nas chamadas células de Hadley–Walker, que são
modelos de circulação atmosférica, que atuam na zona equatorial e ocorrem
simultaneamente.
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Circulação atmosférica
Numa situação padrão,
na célula de Hadley, as massas de ar se movimentam no sentido norte-sul,
enquanto que na de Walker, o movimento ocorre no sentido leste-oeste. Essas
massas de ar são formadas, em parte, por ventos alísios, que são ventos mais
quentes, úmidos e constantes.
Os ventos alísios se
deslocam dos trópicos (que são zonas de alta pressão) sentido linha do equador
(zona de baixa pressão), de nordeste para sudoeste (acima da Linha do Equador)
e de sudeste para noroeste (abaixo da Linha do Equador).
O encontro dos ventos
alísios na chamada Zona de Convergência Intertropical (ZCTI) é a causa da
abundância de chuvas na faixa equatorial, que beneficia as regiões Norte e
Nordeste do Brasil no verão.
Por outro lado, os
ventos contra-alísios, que também compõem essas massas de ar, atuam de forma
contrária. Eles partem da zona equatorial, retornando aos trópicos com
características opostas, pois são ventos mais frios e secos.
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Reações em cadeia
De acordo com
especialistas do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec/Inpe),
El Niño e La Niña fazem parte de um sistema interligado. Esse sistema causa um
fenômeno atmosférico-oceânico que ocorre na porção equatorial do oceano
Pacífico.
Quando esses fenômenos
ocorrem, acontecem reações em cadeia. O El Niño está relacionado a um aumento
de temperatura (acima da média) nas águas do oceano Pacífico, que liberam mais
vapor, aquecendo também a atmosfera. Esse aquecimento desequilibra os sistemas
de pressão atmosférica. As mudanças de pressão na atmosfera impactam
diretamente no padrão das massas de ar, mudando o comportamento dos ventos,
alterando o padrão de chuvas. No Brasil, causa secas no Nordeste, reduz as
chuvas no Norte e aumenta as chuvas no Sul.
Já no fenômeno de La
Niña, o processo é inverso. O fenômeno está relacionado ao resfriamento, abaixo
da média, do oceano Pacífico. A sequência que se segue é exatamente oposta ao
do El Niño, afetando, novamente, o padrão de chuvas.
Acompanhado à seca
histórica, em 2023 a região amazônica enfrentou recordes de temperatura do ar,
as mais quentes registradas desde, pelo menos, a década de 1970, entre os meses
de junho e outubro. Os pesquisadores afirmam que tanto as mudanças climáticas,
quanto o desmatamento desenfreado das florestas, são as principais causas do
que chamam de “transição biofísica” da Amazônia.
<><> Botos
mortos no Amazonas
Setembro de 2023 foi
considerado o mês de setembro mais quente já registrado na história recente do
planeta Terra, até então. Dados do Copernicus mostram que a temperatura do mês
inteiro atingiu 1,75 ºC acima da média, comparado ao período pré-industrial.
Os impactos foram
sentidos ao redor do mundo e na Amazônia, além das secas, outro evento
absolutamente triste foi marcado pela quantidade de botos encontrados mortos em
águas amazonenses.
Mais de 150
botos-vermelhos (da espécie Inia geoffrensis, também conhecidos como
botos-cor-de-rosa) e tucuxis (Sotalia fluviatilis, golfinhos de água doce)
foram encontrados mortos no lago Tefé, no Amazonas.
De acordo com
pesquisadores do Instituto Mamirauá, que trabalharam na emergência, junto ao
ICMBio, a temperatura da água, que atingiu 39,1 ºC, está diretamente
relacionada com a morte dos animais. Outro caso semelhante aconteceu no
município de Coari, onde foram contabilizados, pelo menos, 117 animais mortos.
Os impactos da
ebulição global são implacáveis. As mudanças climáticas trazem consigo uma
série de consequências devastadoras para a humanidade, afetando a população de
forma desigual, causando sofrimento também a animais inocentes.
Medidas de adaptação
para enfrentar os eventos extremos do clima são fundamentais mas, mais
importante ainda, é estabelecer soluções definitivas para conter e, quem sabe
retroceder, os níveis de poluição e estabilizar o clima da Terra.
É papel do cidadão se
conscientizar sobre essas questões e problemas que a humanidade já está
enfrentando e escolher, com sabedoria, seus representantes. No fim, são as
decisões deles que têm o poder de mudar as coisas, para melhor ou para pior.
Fonte: eCycle
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