Bepe Damasco: Defender a revolução bolivariana
não tem nada a ver com apoiar os erros e trapalhadas de Maduro
Quem teve a
oportunidade de assistir pela televisão a entrevista dos líderes da oposição
venezuelana Maria Corina Machado e Edmundo González (candidato a presidente)
pôde testemunhar o quão desqualificados política e eticamente são eles, mal
disfarçando suas intenções golpistas. Seus métodos nada ficam a dever ao
bolsonarismo mais tosco.
Passaram toda a
coletiva manipulando informações e mentindo. Diziam ter em mãos as atas de
votação, mas não as apresentaram em nenhum momento. Insistiram que esses mapas
eleitorais lhes asseguravam a vitória com 73%, percentual que não convence
ninguém com mais de dois neurônios dada a polarização da eleição.
Por sua vez, o
Conselho Nacional Eleitoral, em vez de pôr fim à crise divulgando as tais atas,
consagra a vitória de Maduro, que aproveita a ocasião para improvisar uma
cerimônia de posse sobre pau e pedra.
Não se deve ter
ilusões sobre os principais pilares do projeto da oposição: pôr fim aos avanços
sociais e às conquistas populares da revolução bolivariana e oferecer aos EUA,
de mão beijada, o abundante petróleo venezuelano.
Contudo, a defesa da
soberania nacional e popular do país vizinho não pode esconder os graves erros
de Nicolas Maduro. Aliás, Maduro está longe de ter a estatura de Chávez, que
faleceu precocemente aos 58 anos.
De frente para trás:
Maduro, para delírio
da extrema-direita do Brasil, atacou as nossas urnas eletrônicas, criticando
sua falta de auditagem, verdadeiro mantra bolsonarista.
Maduro, em vez de se
comprometer, em nome da normalidade democrática, em passar a faixa presidencial
caso perdesse a eleição, jogou lenha na fogueira falando em "banho de
sangue."
Maduro, com nítidos
objetivos eleitorais, sacou da algibeira a anexação do território de Essequibo,
região rica em petróleo e controlado pela Guiana desde o fim do século 19.
Sem falar que faltaram
explicações jurídicas detalhadas sobre aos vetos de candidatos de oposição que
tentaram se inscrever para o pleito. Claro que não devem ser flor que se cheire
e devem ter culpa no cartório em relação aos crimes dos quais são acusados. Mas
o mundo ficou sem saber se o devido processo legal foi cumprido.
Também não me parece
adequado o tratamento que Maduro dispensa a Lula, que tem sido um aliado fiel.
O presidente brasileiro não tem poupado esforços para reintegrar a Venezuela ao
Mercosul e foi um dos fiadores do Acordo de Barbados, através do qual a Venezuela
assumiu o compromisso de realizar eleições limpas, transparentes e
democráticas.
Até o momento em que
escrevia este texto, o ex-chanceler Amorim, enviado do governo Lula a Caracas,
seguia com a posição correta de aguardar a divulgação das atas para o governo
Lula reconhecer o resultado da eleição.
¨ Analistas veem oposição 'sem força' após eleições e desvalorizam
falas de Boric e Milei
Analistas que
acompanharam as eleições na Venezuela no domingo (28), na qual o atual
presidente Nicolás Maduro foi declarado vencedor, destacam que o país está
calmo e em paz.
Nesta segunda-feira
(29), o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela proclamou Maduro como
presidente reeleito da Venezuela para o período 2025-2031.
Maduro concorreu pela
coalizão governista Gran Polo Patriótico (esquerda) e obteve 5.150.902 de
votos, cerca de 51,20%, enquanto o principal candidato da oposição, Edmundo
González, da Plataforma Unitária Democrática (PUD, centro), obteve 4.445.978
votos, o equivalente a 44,2% das intenções.
Especialistas
compartilharam sua avaliação com o programa Telescópio após o longo dia
eleitoral vivido na Venezuela.
<><> Sistema
eleitoral confiável
Confrontada com
acusações da oposição alegando fraude, Giordana García Sojo, ex-ministra da
Cultura da Venezuela de 2013 a 2017, destacou a blindagem do sistema eleitoral
nacional.
"Tem mais de 17
auditorias ao longo do processo, cada auditoria é assinada por todos os
setores. É um sistema que foi reconhecido pelo Carter Center e por muitos
outros observadores como um dos mais claros, transparentes e confiáveis do mundo. É eletrônico, mas também tem cédula", comentou.
A oposição garantiu,
antes de anunciar os resultados pela CNE, que González tinha pelo menos 30
pontos percentuais à frente de Maduro. Esta afirmação foi divulgada pela mídia
e até por entidades governamentais estrangeiras, como a da Argentina.
A ministra argentina
das Relações Exteriores, Diana Mondino, garantiu nas suas redes sociais,
momentos antes da CNE anunciar os resultados oficiais, que Maduro tinha perdido
nas urnas: "Perderam em todos os estados por mais de 35%".
Já Sergio Rodríguez
Gelfenstein, doutor em estudos políticos e mestre em Relações Internacionais e
Globais, além de ex-diretor de relações internacionais da Venezuela, desmentiu
quaisquer irregularidades: "Aqui já houve, com as de ontem, 31 eleições. O
chavismo ganhou 29, a oposição ganhou duas e 29 eleições foram chamadas de
'fraude' e estão iniciando uma campanha internacional contra a Venezuela,
basicamente desde 2015, sob sanções, sob fortes sanções", disse.
Gelfenstein também
criticou as acusações de governos estrangeiros que questionam os resultados
eleitorais. Mencionou, por exemplo, o caso do governo de Dina Boluarte, que
afirmou exercer uma presidência ilegítima.
"A Venezuela
construiu a sua própria democracia com base na sua herança histórica, na sua
cultura, nas suas tradições. É um modelo que não é melhor que o de ninguém, mas
também não é pior; é nosso e foi aprovado em um referendo constitucional em 1999
pela grande maioria da população, então o que [Gabriel] Boric diz ou o que
[Javier] Milei diz nos escapa", disse ele.
Já a escritora e
pesquisadora María Fernanda Barreto destacou que, semanas antes das eleições na
Venezuela, a narrativa de que se estava fabricando uma "fraude"
começou a surgir por parte dos grandes conglomerados de comunicação. Ela também
mencionou que supostas pesquisas de opinião eram utilizadas como ferramenta de
propaganda.
"Esses números
ridículos [das sondagens] foram precisamente apresentados para semear na
opinião pública mundial a ideia de que a vitória da oposição era iminente e que
qualquer vitória de Nicolás Maduro só seria possível através de fraude",
argumentou a analista.
<><> Oposição
desarticulada
Por outro lado, os
analistas concordaram que, depois das eleições, a oposição ficou desarticulada.
Por exemplo, a ex-ministra García Sojo considerou que as correntes contra o
atual governo são muito menos fortes atualmente do que em 2019, quando o opositor
Juan Guaidó se declarou presidente legítimo da Venezuela.
"O melhor momento
deles [da oposição] foi, creio eu, depois da morte do presidente [Hugo] Chávez
em 2013, tiveram até uma diferença muito pequena nas eleições com Nicolás
Maduro, uma participação grande, Henrique Capriles chegou a 7,2 milhões e Maduro
nos 7,5 milhões, a diferença foi curta. Nestas eleições não chegam aos 6
milhões", considerou.
A especialista
destacou também que não há apenas uma deterioração em termos de força de voto,
mas também no que diz respeito ao apelo a "chamados abertamente violentos
para atacar o chavismo".
Por sua vez,
Gulfenstein alertou que "as ações terroristas e de sabotagem"
continuarão no futuro: "Eles não têm programa, não têm programas, não têm
propostas, não têm ideia do país, do futuro e eles não têm liderança."
Os desafios de Maduro
O novo mandato do
presidente Maduro começará em janeiro do próximo ano. Diante disso, os
analistas preveem quais serão os desafios para seu próximo governo.
Fernanda Barreto disse
que além de continuar com a resistência, no próximo mandato haverá o desafio de
continuar a construir a Revolução Bolivariana e aprofundar o poder popular.
Já Gelenstein disse
que o próximo governo deve procurar uma administração mais eficiente, melhorar
a produção e distribuição de combustíveis e procurar reforçar o salário mínimo,
cujo último aumento foi registado em 2022.
"Embora [essas
questões] tenham um impacto muito forte na ação externa, existem grandes
possibilidades de serem resolvidas através da inventividade nacional e do
esforço nacional", explicou.
Para a ex-ministra
García Sojo, há também a necessidade de uma repolitização e reestruturação do
chavismo.
¨ EUA e oposição vão atuar pela instabilidade da Venezuela após
urnas darem vitória a Maduro
Em meio a um dos
pleitos que mais despertou a atenção do mundo neste ano, o presidente Nicolás
Maduro foi reeleito na Venezuela para um mandato de seis anos, até 2031.
Especialistas analisam à Sputnik Brasil os impactos do resultado e como ficam
as relações venezuelanas no cenário internacional.
Com mais de 51% dos
votos no último domingo (28), Maduro venceu a terceira eleição seguida na
Venezuela diante de um dos processos eleitorais com maior número de candidatos
dos últimos anos.
Já o principal nome da
oposição, o ex-diplomata Edmundo González, ficou em segundo lugar, com pouco
mais de 44%, e já declarou que não vai aceitar o resultado divulgado pelo
Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Maduro chegou a denunciar uma tentativa de
golpe de Estado no país pelo grupo político, que chegou a afirmar ter
conquistado mais de 70% dos votos, sem apresentar provas.
O cientista político,
pesquisador e assessor venezuelano Luis Javier Ruiz avaliou à Sputnik Brasil
que a situação deve gerar "muita tensão política" nos próximos dias,
apesar do clima tranquilo registrado durante a votação.
"O não
reconhecimento dos resultados pela principal força de oposição abriu uma brecha
para um cenário imprevisível, somado às reações adversas que todos os
presidentes de direita na América Latina demonstraram. Internacionalmente, há
uma agenda importante e de tensão que este novo período de governo deve gerir,
evitando o maior dano possível, especialmente do ponto de vista econômico e da
legitimidade do processo eleitoral. Isso não significa que a Venezuela deva
perder sua soberania e autonomia eleitoral, mas, no contexto de manter a paz,
deve existir um ciclo de diálogo e verificação eleitoral", explica.
Enquanto países como
Rússia, China e Bolívia reconheceram a vitória de Maduro, outros já aventaram
que o resultado do pleito venezuelano foi fraudulento: Estados Unidos,
Argentina e Chile, por exemplo. Já o Brasil, por meio do Ministério das
Relações Exteriores, destacou o "caráter pacífico da jornada eleitoral na
Venezuela" e pontuou que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
"acompanha com atenção o processo de apuração". O assessor especial
para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, segue em Caracas para conversar com
as lideranças das duas principais candidaturas no país.
Na última semana, após
Lula chegar a demonstrar preocupação com as falas de Maduro durante a campanha,
o presidente venezuelano chegou a dizer que o sistema eleitoral do Brasil não é
"auditável", o que gerou insatisfações no Palácio do Planalto. Apesar
disso, o especialista avalia que o maior dano gerado pela situação está ligado
à amistosidade das relações entre os dois líderes, mas "nada que não possa
ser resolvido".
"Uma das
características que o Brasil tem buscado consolidar na região é a de um país
influente sobre seus vizinhos; em alguns casos com sucesso e, em outros, não. A
relação com Lula vai além do político, há coincidências ideológicas e
amistosas, mas também devemos estar com os pés no chão e compreender que do
presidente brasileiro também tem pressões políticas internas, de seus aliados,
que o obrigam a fixar posições como as conhecidas nas últimas semanas. Acredito
que Lula só busca se erguer como um mediador que quer estar bem com
todos", diz.
·
Quem é o presidente da Venezuela?
Maduro venceu a
primeira eleição em 2013, em um momento de turbulência no país por conta da
morte de Hugo Chávez. Esse foi o pleito mais apertado que o presidente já
disputou, quando venceu por uma margem estreita o então candidato da oposição
Henrique Capriles: 50,61% a 49,12%.
O cientista político
Luis Javier Ruiz acrescentou que o pleito de 2024 foi um dos que registrou mais
pressão na mídia internacional, com "tentativas de supostos
observadores" entrarem no país para acompanhar o processo.
"Acho que é
inédito na história da América Latina: um grupo de políticos influentes se
agrupou para tentar sabotar ou interferir na vida política interna de algum
país. Nem quando havia ditaduras militares em toda a região houve tal coisa.
Estamos diante de uma estratégia internacional de direita, que vai além de
reconhecer ou não a legitimidade do processo eleitoral. Estão destinados, por
todas as vias, a incluir a Venezuela nos governos influenciados pelos EUA. As
ações desses governos e figuras são irrelevantes em termos legais e internos
para a Venezuela, mas não podemos menosprezar o dano internacional que causam,
sobretudo do ponto de vista midiático, comunicacional e institucional. Mesmo
assim, o governo do presidente Maduro enfrentou no passado situações similares
ou piores", resume.
·
Em que a Venezuela se destaca?
O principal motor da
economia venezuelana é a extração de petróleo e gás, que nos últimos anos
sofreu severas sanções encabeçadas pelos Estados Unidos. Entre as consequências
da medida intervencionista norte-americana estava o processo de hiperinflação iniciado
em 2017, quando índices mensais eram superiores a 50% e levaram à redução do
poder aquisitivo da população. Após cinco anos, no fim de 2022, os números
voltaram a cair em meio ao Programa de Recuperação Econômica, Crescimento e
Prosperidade do governo Maduro.
O presidente
venezuelano prometeu seguir no próximo mandato com foco na retomada econômica
do país e em reconstituir a estabilidade social. Eden Pereira Lopes da Silva,
professor de história e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre
a África, Ásia e as Relações Sul-Sul (NIEAAS) da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), destacou à Sputnik Brasil que o governo Maduro também deve
aprofundar os "laços de integração regional" com outros países da
América Latina. "O governo venezuelano hoje se encontra numa posição muito
estratégica, no sentido de favorecer o diálogo e a cooperação entre os países
do Sul Global", afirma.
Entre os principais
objetivos do país para os próximos anos no cenário internacional, segundo o
especialista, está a tentativa de retorno do país ao Mercosul, suspenso do
bloco desde 2016 e, também, a conquista de espaço no BRICS, que este ano ganhou
um número recorde de novos membros.
"A Venezuela, por
exemplo, expandiu em alguma medida muito a sua presença dentro da América
Central, no Caribe. Isso para eles acabou sendo muito importante, embora hoje
tenham uma relação muito difícil porque esperavam uma integração com o Mercosul,
e isso acabou não acontecendo […]. Caracas já indicou sua disponibilidade,
inclusive para poder participar do BRICS. E se depender dos demais grandes
países do grupo, como África do Sul, Índia, China e Rússia, é um país com
grandes chances de se tornar membro. Porém, eu vejo ainda uma posição
brasileira muito lenta com relação a esse processo", argumenta.
Além disso, o
professor lembra que no Brasil há diversas pressões internas que defendem um
afastamento do país com Caracas, o que acaba refletindo nas relações entre os
dois governos. "Mas, em alguma medida, as relações entre o Brasil e a
Venezuela estão em um nível muito melhor do que estavam, por exemplo, após
2016, quando os anteriores presidentes brasileiros, o Michel Temer e o Jair
Bolsonaro, trabalharam ativamente com a diplomacia e com a política externa dos
Estados Unidos, no sentido não só de sabotar, mas também de derrubar o governo
Maduro. O governo brasileiro atua para fortalecer a estabilidade da
Venezuela", enfatiza.
·
Qual é a relação da Venezuela com os
Estados Unidos?
Desde o governo de
Barack Obama ainda em 2016, os EUA passaram a sancionar a Venezuela diante de
divergências com o governo Maduro e, apesar da tentativa de reaproximação no
ano passado — inclusive com a suspensão das medidas por um curto período de
tempo —, Washington voltou a realizar ataques públicos contra o país. No
último, pediu a recontagem dos votos do último pleito e até ameaçou
intensificar as restrições que afetam principalmente o setor de petróleo e gás
do país.
O professor Eden
Pereira enfatiza que as tensões cresceram ainda mais durante a gestão de Donald
Trump, que chegou a reconhecer o governo do autoproclamado presidente Juan
Guaidó. Além disso, as tentativas de intervenção norte-americanas contra
Caracas são históricas e, ainda no início do século XX, o país sofreu um
bloqueio econômico.
"A Venezuela
conseguiu caminhar muito na direção do estabelecimento de sua soberania desde o
início do processo da Revolução Bolivariana. Porém, esse processo evidentemente
vai se dar em choques, não só internacionais, mas também choques internos, com
alguns dos setores que se beneficiavam desse sistema no qual as potências
estrangeiras estabeleciam os rumos internos. O país ainda consegue mobilizar a
sua própria população no sentido de resguardar e de defender a sua
soberania", finaliza.
Fonte: Brasil
247/Sputnik Brasil
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