O lobby mortal da indústria dos agrotóxicos
Um novo estudo
descobriu que a quantidade de pesticidas utilizada nas fazendas estava fortemente
associada à incidência de muitos tipos de câncer — não apenas para os
agricultores e suas famílias, mas para comunidades inteiras. Isso vem logo após
lobby significativo da indústria de pesticidas na primavera para limitar sua
responsabilidade por processos judiciais relacionados aos impactos na saúde de
seus produtos.
A análise
recém-lançada mostrou que “os pesticidas agrícolas podem aumentar seu risco
para alguns tipos de câncer tanto quanto o tabagismo”, diz o coautor Isain
Zapata, professor associado de pesquisa e estatísticas na Rocky Vista
University, no Colorado. Por exemplo, viver em lugares com alto uso de
pesticidas aumentou o risco de câncer de cólon e pâncreas em mais de 80%,
resultados que surpreenderam até mesmo os pesquisadores.
“Na minha opinião,
isso é loucura”, disse Zapata, acrescentando que eles não esperavam encontrar
uma associação tão significativa.
A ideia para a
pesquisa surgiu de um dos alunos de Zapata, um estudante de medicina que
cresceu em uma fazenda. Os cientistas obtiveram dados sobre o uso de sessenta e
nove pesticidas diferentes a partir de pesquisas conduzidas pelo Departamento
de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Eles então compararam esses dados com
as taxas de incidência de câncer por condado em todo o país, utilizando bases
de dados do Instituto Nacional de Saúde e dos Centros de Controle e Prevenção
de Doenças de 2015 a 2019.
Finalmente, ajustaram
a análise para outros fatores que poderiam ter contribuído, incluindo
disparidades socioeconômicas. Os resultados foram publicados na quinta-feira
no jornal acadêmico Frontiers in Cancer Control and Society (Fronteiras
no Controle do Câncer e na Sociedade).
Os pesquisadores
afirmam que este estudo é a primeira avaliação abrangente do risco de câncer
associado aos pesticidas em nível populacional. Zapata explicou que eles foram
cuidadosos para não atribuir danos a compostos ou empresas específicas, pois na
realidade as pessoas frequentemente estão expostas a múltiplos pesticidas,
complexos “coquetéis” que podem ter impacto muito além do local onde foram
aplicados originalmente. O vento pode levar resíduos dos campos ou a água da
chuva pode carregar substâncias químicas para o lençol freático, ele explica.
“Pense nisso como o
escapamento em uma cidade”, diz ele. “Você pode ser exposto a ele mesmo sem
estar dirigindo.”
Os pesticidas são
atualmente parte integrante do sistema agrícola industrializado do país: de acordo com o USDA, cerca de
um bilhão de libras de pesticidas são usadas a cada ano, em quase todos os estados do
país.
A indústria argumenta
que as regulamentações atuais de pesticidas são rigorosas e que o governo
deveria “controlar as ervas daninhas, não a
agricultura”. No entanto, trabalhadores rurais relataram lesões após
serem pulverizados por aviões agrícolas ou hospitalizações após colherem
produtos recém-tratados. Enquanto isso, produtos químicos associados à infertilidade são
amplamente encontrados em alimentos como Cheerios.
O novo estudo
contribui para um longo debate científico sobre
quão prejudiciais os pesticidas podem ser, um corpo de pesquisa que
alguns cientistas afirmam ter
sido prejudicado pela indústria, retardando a regulamentação. Leland Glenna, um
professor que estuda os impactos sociais e ambientais da ciência e tecnologias
agrícolas na Penn State, e que não esteve envolvido no estudo da Frontiers,
disse que esse tipo de análise epidemiológica é crucial porque é “difícil
contestar tendências populacionais amplas”.
Frequentemente, a
toxicidade dos pesticidas é determinada em estudos controlados com animais, já
que existem preocupações éticas com testes de produtos químicos em pessoas. Mas
expor ratos de laboratório a pesticidas não necessariamente demonstra o que essas
substâncias podem fazer com seres humanos que vivem e trabalham regularmente
com elas.
Para complicar ainda
mais, a Agência de Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency – EPA),
que monitora e aprova pesticidas, estuda apenas ingredientes ativos
isoladamente. Eles ignoram outros ingredientes inertes que podem ainda conter
substâncias nocivas como PFAS (conhecidos como “produtos químicos eternos”) e
não examinam as formulações finais do produto — apesar de evidências
substanciais de que a combinação de ingredientes pode torná-los mais tóxicos.
·
Veneno sob medida
Um dos pesticidas mais
controversos em uso hoje é o glifosato, também conhecido pelo nome comercial
Roundup. Sua fabricante original, a Monsanto, sediada no Missouri, foi
adquirida pela empresa multinacional de biotecnologia Bayer em 2018,
desenvolvendo interesse por herbicidas durante os anos 1960.
Eles foram um dos
principais fabricantes do Agente Laranja, um
desfolhante amplamente utilizado durante a Guerra do Vietnã para eliminar a
cobertura vegetal para o Viet Cong, que o Exército dos EUA estava combatendo.
(Cientistas levantaram preocupações sobre o Agente Laranja já
em 1965; mais tarde foi comprovado que causava
impactos severos à saúde, incluindo defeitos de nascimento e câncer. Um dos
ingredientes do Agente Laranja, o 2,4-D, ainda é amplamente usado como herbicida
nos Estados Unidos, incluindo em produtos comuns de cuidado com o gramado.)
Após a guerra, a
Monsanto desenvolveu o Roundup, que
foi promovido como uma alternativa mais segura a outros herbicidas. O glifosato
mata as plantas inibindo uma enzima que
as plantas usam para produzir energia. Embora os humanos não possuam essa
enzima, algumas pesquisas descobriram que ela compartilha caminhos com
as bactérias intestinais, perturbando nosso microbioma. Isso pode levar à
inflamação e estresse oxidativo,
danificando o DNA celular.
Com o tempo, esses
danos podem se acumular, desencadeando mutações que causam câncer. Mesmo em
níveis muito baixos de exposição, o glifosato pode perturbar o sistema endócrino,
acelerando o crescimento de tumores.
Nos anos 1990, a
Monsanto começou a vender sementes geneticamente modificadas para que os
agricultores pudessem pulverizar o Roundup sobre as colheitas, e apenas as
ervas daninhas morressem. Quanto à toxicidade de pesticidas, diz Lori Ann Burd,
diretora do programa de saúde ambiental da organização sem fins lucrativos
Center for Biological Diversity, o glifosato está longe de ser o pior. Mas ela
acrescenta que o veneno está na quantidade da dose. “Desenvolvemos todo um
sistema agrícola em torno das culturas resistentes ao Roundup”, diz Burd, “e
por causa disso, usamos uma quantidade tão absurdamente grande que está
causando danos enormes”.
O glifosato é agora
o pesticida mais usado no
país, com um mercado global de 10 bilhões de dólares. Ele foi
detectado em níveis inseguros em águas pluviais e
em mulheres grávidas sem
exposição conhecida. E assim como o Agente Laranja, a Monsanto negou publicamente os
riscos associados por muitos anos — mesmo que documentos internos da
empresa mostrem que tinha razões para acreditar que o glifosato era perigoso
desde pelo menos 1983.
Em um estudo de 2021, Glenna
da Penn State descobriu que a Monsanto, agora de propriedade da Bayer,
anteriormente tentou manipular o processo de revisão por pares científicos. Ele
documentou os esforços da empresa usando e-mails internos divulgados durante um
processo judicial, mostrando que a Monsanto usou escritores fantasmas e conduziu campanhas para influenciar decisões editoriais
em revistas acadêmicas, com o objetivo aparente de “manipular o processo
regulatório para poder continuar vendendo um produto que a pesquisa da própria
empresa indicava ser perigoso”.
Em resposta a um
pedido de comentário, Jessica Christiansen, chefe de comunicações de ciência da
colheita da Bayer, escreveu em uma declaração por e-mail: “Nós apoiamos um
sistema regulatório previsível e baseado na ciência e a certeza e
disponibilidade que ele proporciona aos agricultores americanos”.
Glenna explicou que
tanto o público quanto os reguladores tendem a confiar em estudos revisados por
pares e desconfiar de pesquisas patrocinadas por empresas. Por isso, em um e-mail, um funcionário da
Monsanto explicitamente diz que o objetivo de não listar pessoas da empresa
como autores é “ajudar a aumentar a credibilidade”. Outros e-mails mostram interpretações
seletivas de resultados de toxicidade e mais preocupação em evitar estudos de
acompanhamento do que com a segurança pública.
A EPA baseou-se nesses
tipos de estudos quando concluiu em 2016 que
o glifosato “provavelmente não é carcinogênico para os humanos” e emitiu
uma decisão de reaprovação do
pesticida em 2020. Isso contradiz diretamente a pesquisa das principais autoridades globais na Organização Mundial
da Saúde (OMS), que encontraram o glifosato como um provável carcinógeno em
2015. A EPA dependeu muito de
estudos regulatórios não publicados, enquanto a organização de saúde
internacional baseou-se principalmente em trabalhos revisados por pares.
Em 2022, o Tribunal de
Apelações do Nono Circuito determinou que a decisão da EPA foi baseada em procedimentos defeituosos, observando que o próprio painel consultivo científico da
agência havia criticado os critérios que ela utilizou. Eles exigiram que a EPA
reavaliasse o pesticida; dois anos depois, isso ainda não foi feito.
·
Liberdade sem fiscalização
Essas revisões de
registro de pesticidas são rotineiramente atrasadas. Parte do problema, segundo
Glenna, é que os reguladores precisam depender das indústrias para liberar
informações toxicológicas porque estas são consideradas informações
proprietárias. “[É] propriedade intelectual”, diz ele, “então cientistas de
universidades ou financiados pelo público simplesmente não têm a capacidade de
realizar essa pesquisa”.
Quando um pesticida é
registrado pela primeira vez com os reguladores federais, a grande maioria das
informações disponíveis sobre ele é científica e conduzida pela empresa que o
fabricou. “A presunção nos EUA é a favor da segurança do produto químico”, diz
Burd. Em outros lugares, como na União Europeia, “os produtos químicos não
são considerados seguros por
padrão; adotam uma abordagem muito mais precaucionária”.
Na verdade, de acordo com a legislação federal, a EPA só pode recusar o registro de um pesticida se seus
riscos forem maiores do que os benefícios que ele proporciona, medidos pela
produtividade ou qualidade das colheitas. Como resultado, cerca de um terço do
uso de pesticidas nos EUA envolve produtos químicos proibidos na China, Brasil
e União Europeia.
Há também uma porta
giratória entre a agência e a indústria que regula. Alexandra Dunn, ex-administradora assistente do
Escritório de Segurança Química e Prevenção da Poluição, por exemplo, agora lidera a CropLife
America, o principal grupo de lobby da indústria de pesticidas. Ela é apenas a
mais recente; desde 1974, todos os diretores do escritório passaram a trabalhar para empresas de pesticidas.
Esta influência da
indústria dentro da agência é exacerbada pelo fato de que cerca de 40% do financiamento do Escritório de
Segurança Química e Prevenção da Poluição da EPA vem de taxas de registro —
pagas pelas próprias empresas.
Monsanto descreveu a
maneira como aproveitou esse ambiente regulatório como “Liberdade para Operar”,
um princípio operacional que definiu em e-mails internos da empresa como
“as ações regulatórias, técnicas, de marketing e comunicação para estabelecer
um ambiente mais favorável para garantir as autorizações de nossos produtos e
tecnologias”.
Essas ações
incluíram premiar funcionários por
defender a empresa após a designação do Roundup como cancerígenos pela OMS, e
manipular relatórios de exposição no local de trabalho de
funcionários doentes.
Os reguladores podem
em breve estar dando um passo adicional para trás. O Projeto 2025, um relatório de políticas
conservadoras desenvolvido por interesses corporativos para
moldar uma futura administração de Donald Trump, afirma que os programas da EPA
“são constantemente pressionados para banir o uso de certos produtos químicos,
geralmente baseados no medo como resultado de ciência mal caracterizada ou
incompleta”. Ele deseja garantir que as regulamentações químicas dos EUA
permaneçam “baseadas em risco, em vez de adotar abordagens precaucionárias
baseadas em perigos”.
Em última análise, ele
advoga que “[os] agricultores e o sistema alimentar devem estar livres de
qualquer intervenção governamental desnecessária” e que os reguladores
agrícolas deveriam priorizar “a liberdade pessoal, a propriedade privada e o
Estado de Direito”.
·
Ameaça existencial
Embora a Bayer insista
que o produto que herdou de sua fusão de 2018 com
a Monsanto é seguro, enfrenta mais de 170.000 processos judiciais relacionados
ao glifosato, mesmo após um acordo de $10 bilhões em
2020 com milhares de vítimas que afirmam que o pesticida causou suas doenças.
Nesta primavera, a gigante de biotecnologia tem feito lobby no Congresso para
restringir sua responsabilidade por processos judiciais relacionados à
exposição ao glifosato, incluindo o trabalho para redigir uma linguagem sobre o
assunto no próximo projeto de lei agrícola.
Segundo o Washington Post, os deputados Dusty Johnson (R-SD) e Jim Costa (D-CA)
trabalharam em estreita colaboração com a empresa para redigir a medida que
impede futuros pagamentos por processos judiciais relacionados ao glifosato,
que foi posteriormente adicionada ao projeto de lei agrícola, responsável por
definir a política agrícola do país a cada cinco anos e previsto para votação
neste outono. O comitê de ação política da empresa também contribuiu para
as campanhas de Johnson e Costa por várias eleições.
Durante um discurso em
uma conferência nesta primavera, o CEO da Bayer, Bill Anderson, chamou a potencial responsabilidade legal
pelos impactos à saúde de seus pesticidas de uma “ameaça existencial”. Agora,
está considerando usar uma
estratégia chamada “Texas two-step“. Nesse
movimento legal, uma empresa se divide em duas, sendo que uma metade mantém os
ativos e a outra os passivos. Esta última então entra com pedido de falência,
forçando as pessoas que buscam compensação a entrar na justiça de falências, o
que frequentemente resulta em acordos adiados ou menores.
Além de seu lobby
federal, a Bayer intensificou seus esforços de lobby estado por estado. Ela
forneceu linguagem semelhante para projetos de lei apresentados este ano
em Missouri, Flórida, Idaho e Iowa, que protegeriam as empresas de pesticidas
de futuros processos judiciais relacionados ao glifosato, em parte excluindo
essas empresas dos requisitos estaduais de informação sobre seus potenciais
perigos ou riscos.
Em sua declaração ao
Lever, Christiansen da Bayer escreveu que o “apoio da empresa a legislações
como essa, tanto em nível federal quanto estadual, ajuda a proteger a
integridade do processo regulatório e garante que as conclusões minuciosas e
baseadas cientificamente da EPA sejam a base para os rótulos de proteção de
cultivos”.
Em Idaho, o
vice-presidente de assuntos governamentais estaduais e locais da Bayer
apresentou pessoalmente o projeto de lei que a empresa esperava aprovar em um
comitê do Senado. Para angariar apoio ao projeto de lei, a empresa aumentou
seus gastos no estado, gastando mais de $8.000 e empregando pelo menos três pessoas.
Ela veiculou anúncios em jornais locais proclamando: “Apoie os
Agricultores de Idaho, Não Advogados de Julgamento”. A Bayer também criou uma
coalizão multiestadual chamada Modern Ag Alliance, afirmando
que oitocentos empregos em Idaho estão ligados à produção de glifosato,
juntamente com quinhentos em Iowa.
As iniciativas
legislativas foram derrotadas em Idaho e Flórida, mas passaram pelo Senado
estadual em Iowa e ainda estão tramitando na casa legislativa de Missouri.
Essas táticas fazem
parte do plano de cinco partes da
empresa para lidar com sua responsabilidade, o qual está sendo usado para
tranquilizar acionistas preocupados. Segundo
documentos da empresa, o primeiro passo é “buscar uma decisão positiva da
Suprema Corte dos EUA”.
Assim como em seus
projetos de lei estaduais propostos, a empresa argumenta que, como a EPA até
agora concluiu que o glifosato não causa câncer e não exige um rótulo de aviso,
as leis estaduais de falha em avisar devem ser preteridas. Eles entraram com duas
ações judiciais federais com esse objetivo, que atualmente estão em tramitação
nos tribunais.
Burd diz que não está
surpresa com as manobras da Bayer, mas “o que é decepcionante é que há tantos
legisladores dispostos a apoiá-las”.
Embora o glifosato
tenha um perfil alto, Zapata, da Rocky Vista University, diz que o problema
final é muito mais complexo do que apenas um pesticida, ou mesmo uma empresa
tão influente como a Bayer.
“O fato de não
ouvirmos sobre outras coisas não significa que não seja um problema”, ele diz.
É por isso que seu estudo recente tentou capturar o quadro geral de como,
coletivamente, esses compostos estão de fato influenciando a saúde das pessoas.
Ele afirma que suas
motivações são apolíticas — e que há muita responsabilidade a ser
compartilhada. “Se queremos ir ao supermercado e comprar tomates baratos,
provavelmente eles serão produzidos usando um sistema muito industrializado”,
ele diz.
Ao mesmo tempo, ele
reconhece que divulgar esse tipo de risco tem um valor econômico e ético. “Se
você compra terra em uma área com alta capacidade agrícola, está assumindo
também parte desse risco”, ele explica. E as pessoas que têm a capacidade de
escolher viver em outro lugar, ou que têm recursos suficientes para não
precisar trabalhar em empregos mal remunerados com maior exposição, estão
simplesmente terceirizando esse perigo.
“Se você não mora
naquele lugar, outra pessoa terá que morar”, diz Zapata.
Fonte: Por Lois
Parshley, com tradução de Sofia Schurig, para Jacobin Brasil
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