O temor no Líbano sobre nova fase perigosa
na luta entre Hezbollah e Israel
Desde outubro, os
ataques transfronteiriços quase diários entre Israel e o Hezbollah, a poderosa milícia e
movimento político apoiado pelo Irã no Líbano, mataram centenas de
pessoas e forçaram dezenas de milhares a abandonarem as suas casas em ambos os
lados, aumentando o receio de que a violência possa evoluir para um conflito
total.
No entanto, entre
ataques e contra-ataques, houve indícios de que havia possibilidades de evitar
um grande confronto. Mas erros de cálculo sempre foram um risco, e o ataque de sábado (27/7)
à cidade drusa de Majdal Shams, nas Colinas de Golã ocupadas
por Israel, pode ter sido um exemplo disso.
Israel acusa o
Hezbollah de ser o responsável pelo ataque em um campo de futebol que matou
pelo menos 12 pessoas, incluindo crianças, o ataque mais mortal entre as atuais
hostilidades, e prometeu responder.
“Israel não irá
ignorar este ataque assassino”, disse o primeiro-ministro israelense, Benjamin
Netanyahu, de acordo com um comunicado divulgado pelo seu gabinete. “O
Hezbollah pagará um preço elevado que não pagou até agora.”
O Hezbollah nega que
tenha sido o responsável pelo ataque.
Antes que a dimensão
do ataque se tornasse clara, no entanto, o Hezbollah disse que a Brigada Hermon
era um dos alvos do grupo com um míssil Falaq de fabricação iraniana, um dos
vários ataques realizados naquele dia. A base, nas encostas do Monte Hermon,
fica a cerca de 3 km de onde aconteceu a explosão, levantando a possibilidade
de o míssil ter errado o alvo.
Daniel Hagari,
porta-voz dos militares israelenses, disse que informações de inteligência
indicavam que o ataque havia sido realizado pelo Hezbollah no Líbano,
descrevendo a negação do grupo como “uma mentira”.
O secretário de Estado
dos EUA, Antony Blinken, também disse que “todas as indicações” apontam que o
míssil foi disparado pelo Hezbollah e que os EUA defende “o direito de Israel
de defender os seus cidadãos de ataques terroristas”.
Diante desse cenário,
o Líbano aguarda uma possível reação israelense.
Os ataques do
Hezbollah começaram em 8 de outubro, um dia após o ataque mortal do Hamas a
Israel, com o grupo afirmando que apoiava os palestinos em Gaza. Até agora,
mais de 450 pessoas foram mortas no Líbano, incluindo cerca de 350 combatentes
do Hezbollah e pelo menos 100 civis. Em Israel, 23 civis e pelo menos 17
soldados foram mortos por causa desse conflito.
No Líbano, a maior
parte dos ataques israelenses atingiram o sul, onde as aldeias estão destruídas
e desertas, e o leste de Bekaa Valey, duas áreas onde o Hezbollah opera.
Uma campanha
israelense visando locais que, até agora, permaneceram intocados, incluindo
partes da capital Beirute, poderia levar a uma fase perigosa e imprevisível nos
combates.
Visto como um inimigo
significativamente mais formidável do que o Hamas, o Hezbollah tem se preparado
para outro grande conflito com Israel desde o último, em 2006, que infligiu
pesados danos a ambos os lados.
Segundo estimativas
ocidentais, o grupo possui cerca de 150 mil foguetes e mísseis, que poderiam
sobrecarregar os sofisticados sistemas de defesa aérea de Israel. O arsenal
também inclui mísseis guiados de precisão capazes de atingir profundamente o
território israelense.
As autoridades
israelenses descreveram repetidamente os ataques do grupo como inaceitáveis e estão sob pressão crescente para agirem para permitir o
regresso dos residentes deslocados às comunidades do norte.
Oficiais militares
disseram que as Forças de Defesa de Israel (IDF, por suas siglas em inglês),
que ainda conduzem grandes operações contra o Hamas em Gaza, estão prontas para
lançar uma ofensiva contra o Hezbollah, embora os detalhes sobre o que isso possa
envolver ainda sejam obscuros.
Hassan Nasrallah, o
líder de longa data do Hezbollah, disse repetidamente ao grupo que não quer uma
guerra em grande escala com Israel, mas que estava pronto para uma.
No mês passado, ele
disse que o grupo tinha mobilizado apenas uma fração das suas armas e alertou
Israel que qualquer guerra seria travada “sem restrições ou regras”.
Uma grande operação
contra o grupo poderia levar ao envolvimento de outras milícias apoiadas pelo
Irã na região, que fazem parte do que Teerã chama de “Eixo da Resistência”.
Qualquer guerra teria
um impacto devastador em ambos os países, mas especialmente no Líbano, que se
encontra num estado de crise permanente há mais de meia década.
A economia entrou em
colapso, estimando-se que 80% da população esteja na pobreza, e as disputas
políticas bloquearam a eleição de um presidente durante quase dois anos.
O governo tem
influência limitada – se é que tem alguma – sobre o Hezbollah, que, tal como o
Hamas, é considerado uma organização terrorista pelo Reino Unido, pelos EUA e
outros.
Mas uma guerra em grande
escala não é inevitável. Os diplomatas tentavam evitar uma grande escalada nas
hostilidades, e o ministro dos Negócios Estrangeiros libanês, Abdallah Bou
Habib, disse à BBC que as autoridades estavam “pedindo ao Hezbollah que não
retaliasse”.
O porta-voz do
Ministério dos Negócios Estrangeiros israelense, Oren Marmorstein, disse que a
“única forma” de evitar um conflito seria implementar a Resolução 1701 das
Nações Unidas, aprovada para pôr fim à guerra de 2006. O texto inclui a
retirada de grupos armados do sul do Líbano, entre o rio Litani e a Linha Azul,
fronteira não oficial com Israel, mas nunca foi aplicado integralmente.
Agora, disse
Marmorstein, é o “último minuto” para evitar diplomaticamente uma guerra.
¨ 'É o inferno na terra': a vida em Gaza em meio a água de esgoto
e montanhas de lixo
“Condições horríveis.”
“Fedor insuportável.” “Situação desumana”.
As agências de ajuda
humanitária já não têm mais palavras para descrever o estado de Gaza após
nove meses de guerra e bloqueio como resposta ao ataque do Hamas a Israel em
outubro do ano passado.
O alto nível de
destruição deixado pelos bombardeios israelenses e a
impossibilidade de entrar na Faixa com materiais para reparar a infraestrutura
básica levaram os habitantes de Gaza a
viver entre esgoto e montanhas de lixo.
Infecções e doenças
facilmente evitáveis e tratáveis se enraizaram em um território que agora
enfrenta temperaturas diárias de mais de 35 graus com muito pouca água. E na
qual ratos, escorpiões, moscas, piolhos e mosquitos estão transformando a
existência de seus 2,2 milhões de habitantes em um verdadeiro “inferno na
Terra”, conforme descrito por Louise Wateridge, porta-voz da Agência das Nações
Unidas para os Direitos Humanos para Refugiados da Palestina no Oriente Médio
(UNRWA).
Israel negou alegações feitas pelas agências
humanitárias e ONGs sobre a situação e até acusou vários funcionários da UNRWA
de terem laços com o Hamas e a Jihad Islâmica. As acusações não foram
comprovadas de forma independente, mas levaram um grupo de países doadores a
retirar fundos da organização em janeiro.
“A situação é
desastrosa em termos de doenças, saneamento e higiene”, diz Wateridge à BBC
Mundo do campo de refugiados de Nuseirat, no centro de Gaza. “Centenas de
milhares de pessoas estão vivendo em condições de superlotação e condições
insalubres.”
Essas condições
transformaram a Faixa em um foco de infecções. Hepatite A, sarna, disenteria ou
diarreia aguda são comuns entre os habitantes do território, e os médicos temem
que, com o aumento das temperaturas, seja cada vez mais provável que surja um surto
de cólera se as condições de vida não mudarem drasticamente.
Mas a lista de perigos
não para por aí: as autoridades de saúde de Gaza afirmam ter detectado o vírus
da pólio em amostras de águas residuais coletadas na Faixa. A informação foi
corroborada por Israel, cujo exército ordenou que todos os soldados destacados
na área sejam vacinados ou recebam uma dose de reforço.
O cheiro emitido pelas
toneladas de lixo não coletado e pelos corpos que foram deixados sob os
escombros e que, no momento, são impossíveis de recuperar, é insuportável,
denunciam os habitantes desse território devastado pela guerra. Isso se soma às
águas residuais que emergem dos canos estourados pelas bombas e que não podem
chegar às estações de tratamento porque também foram destruídas nos ataques do
exército israelense, nos quais quase 39 mil pessoas já morreram.
Grande parte do
problema se deve ao fato de a rede de infraestrutura de água e saneamento da
Faixa estar completamente destruída. De acordo com o último relatório da ONG
Oxfam, os habitantes de Gaza mal têm acesso a 4,74 litros de água por pessoa
por dia para beber, cozinhar ou lavar, uma quantidade equivalente a lavar um
vaso sanitário.
“Isso é menos de um
terço do que a comunidade internacional considera o padrão mínimo de água
necessário em uma situação de emergência (15 litros) e 94% menos do que o que
eles tinham antes da guerra”, explica à BBC Mundo Lama Abdul Samad,
especialista em água e saneamento da Oxfam e autora do relatório.
Em uma situação
normal, a OMS recomenda entre 50 e 100 litros de água por pessoa por dia para
atender às necessidades básicas e evitar problemas de saúde.
Cerca de 90% da
população de Gaza foi forçada a se mudar, de acordo com a ONU, e muitos vivem
mal em abrigos precários construídos com plástico, tecido e o lixo que as
famílias podem encontrar.
Abrigos que não
protegem do calor, nem do cheiro, “nem dos ratos e insetos que correm para onde
quer que você olhe. Qualquer pessoa com quem você conversa aqui fala sobre
picadas de escorpião, mosquitos ou moscas”, descreve Louise Wateridge.
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O problema da água
Desde o início da
guerra em 7 de outubro, depois que o Hamas matou mais de 1,2 mil pessoas em
Israel e sequestrou outras 152, o governo israelense ordenou o bloqueio total
da Faixa.
“Vamos submeter Gaza a
um cerco total... Sem eletricidade, sem comida, sem água, sem gás: tudo está
fechado”, declarou o ministro da Defesa, Yoav Gallant, na época.
Apenas 12% da água
consumida em Gaza veio de Israel, mas essa torneira foi fechada pela companhia
pública israelense de água, Mekorot, em 9 de outubro.
Em todos esses meses,
embora em algum momento os oleodutos tenham sido reativados, “a linha que
abastece o norte foi cortada 95% das vezes e a que vai para Khan Yun em 81%”,
detalha Lama Abdul Samad.
A maior parte da água
consumida em Gaza antes da guerra veio da própria Faixa. Mas os bombardeios
israelenses destruíram praticamente toda a infraestrutura de água e saneamento
do território, de acordo com a Oxfam, que denuncia que Israel “está usando a água
como arma de guerra” contra as convenções do Direito Internacional Humanitário.
As restrições que
Israel impõe à entrada de combustível, necessárias para iniciar as bombas de
água, agravaram o problema. De acordo com Abdul Samad, Israel forneceu apenas
um quinto das necessidades de combustível solicitadas pelas organizações de
ajuda humanitária coordenadas pela ONU que trabalham no terreno com água e
saneamento.
Entre a infraestrutura
destruída, não há apenas oleodutos, mas também tanques, poços, usinas de
dessalinização, laboratórios onde a água é analisada e até armazéns onde são
armazenados canos e peças de reposição, que o bloqueio israelense também não
permite que sejam trazidos para Gaza.
E não só isso: 70% de
todas as estações de bombeamento de águas residuais foram destruídas, assim
como todas as estações de tratamento, explica o especialista da Oxfam.
“É por isso que
estamos vendo inundações em Jabalia e esgoto nos bairros de Khan Yunis”,
acrescenta.
O nível de destruição
não tem precedentes, denuncia Lama Abdul Samad, que dá dois exemplos para
comparação: “Na Síria, após 10 anos de guerra, o nível de danos chegou a 50%,
segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha. No Iêmen, após 9 anos, eles
atingiram 40% de danos à água e ao saneamento. Aqui estamos vendo mais de 70%
(em 9 meses) e em lugares como a Cidade de Gaza, estamos falando de 100%.”
Reparar o que foi
destruído é, além disso, uma tarefa quase impossível. Louise Wateridge diz que,
como Israel não permite a entrada de peças mecânicas na Faixa, os funcionários
da UNRWA tiveram que começar a desmontar veículos antigos para remover peças que
podem ser usadas para alimentar bombas de água de poços.
“Eles precisam ser
criativos e usar qualquer coisa que já esteja na Faixa de Gaza para consertar
as coisas”, diz a porta-voz da organização.
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O lixo
Wateridge descreve uma
imagem que se repete em toda a Faixa de Gaza: “No momento, estou olhando pela
janela para uma montanha de cerca de 100 mil toneladas de lixo bem na porta de
onde estou, na qual cães estão cavando e onde muitas vezes também vejo crianças
procurando algo para comer, materiais para fazer um abrigo ou coisas que possam
servir de combustível porque não há gás para cozinhar”.
O lixo, que apodrece,
cheira mal e é um ninho para ratos e todos os tipos de insetos, está por toda
parte.
Já antes da guerra,
devido ao bloqueio que Israel impôs à Faixa em 2007, não havia caminhões de
lixo suficientes em Gaza ou equipamentos para separar e reciclar o lixo urbano.
Mas desde 7 de
outubro, Israel bloqueou o acesso à área de fronteira, que é onde estão
localizados os dois principais aterros sanitários da Faixa, Juhr al-Dik, que
servia ao norte, e Al Fujari, que atendia o centro e o sul do território. A
UNRWA estima que, até 10 de junho, mais de 330 mil toneladas de resíduos
sólidos haviam se acumulado, o suficiente para encher 150 campos de futebol.
Além disso, há uma
média de 2 mil toneladas a mais por dia.
“Pedimos às
autoridades israelenses todos os dias o acesso aos aterros sanitários, mas
nossas demandas são rejeitadas, então o lixo está literalmente se acumulando em
todos os lugares”, revela Louise Wateridge.
Em um estudo publicado
recentemente, a ONG holandesa Pax identificou pelo menos 225 lixões informais
em toda a Faixa, incluindo 14 de emergência designados pela ONU. A mesma
organização reconhece que é muito provável que o número real seja ainda maior,
já que aterros menores podem não ser visíveis nas imagens de satélite que eles
usaram para vasculhar a área.
Os riscos para uma
população já vulnerável são enormes, diz Pax no relatório “Guerra e lixo em
Gaza”: desde doenças respiratórias devido à deterioração da qualidade do ar
devido à queima de lixo e ao cheiro de lixo em decomposição até os perigos
enfrentados pelas pessoas que vasculham, expostas a resíduos médicos ou
industriais tóxicos.
Além disso, existe o
risco de que uma “sopa química” composta de matéria orgânica solúvel,
componentes inorgânicos, metais pesados e compostos orgânicos xenobióticos
acabe contaminando as terras agrícolas e o aqüífero, “permitindo que
substâncias tóxicas penetrem na cadeia alimentar e entrem na cadeia alimentar
de volta aos humanos”, alerta Pax.
E onde há lixo, há
parasitas e insetos. Baratas, moscas, mosquitos, vermes e escorpiões... todos
eles vêm do lixo e se esgueiram pelas fendas das tendas precárias nas quais
centenas de milhares de pessoas sobrevivem.
“Eles estão em toda
parte”, alerta o porta-voz da UNRWA. “Quando há moscas, seu instinto natural é
afastá-las. Você nem pensa nisso. Mas aqui eu vi crianças no hospital com 10 ou
15 moscas pairando em torno de suas cabeças e elas nem se mexem de tão acostumadas
que estão com esses insetos.”
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Higiene
Quase 39 mil mortes
foram causadas pelos bombardeios israelenses, mas as terríveis condições
sanitárias na Faixa têm potencial para matar muito mais. Em uma carta publicada
na revista médica The Lancet, um grupo de pesquisadores projetou, levando em
conta números de outros conflitos, que as mortes indiretas em Gaza poderiam
chegar a 186 mil.
A estimativa foi
questionada por outros cientistas, mas, deixando de lado as projeções, a
realidade fala por si mesma: um em cada quatro habitantes de Gaza (26% da
população) ficou gravemente doente devido a doenças facilmente evitáveis, de
acordo com dados da Organização Mundial da Saúde.
Até 28 de maio,
729.909 casos de doenças relacionadas à água e à falta de saneamento haviam
sido registrados.
Particularmente
preocupantes foram os 485.300 casos de diarreia aquosa aguda, incluindo 112.882
crianças menores de 5 anos, bem como 9,7 mil casos de diarreia com sangue
(suspeita de disenteria) e 81 mil casos de icterícia aguda (suspeita de
hepatite A).
A maioria da população
não tem como tomar banho, nem lavar suas roupas ou pertences, porque quase não
há sabão devido ao bloqueio.
“Os farmacêuticos da
UNRWA nos dizem que tratam constantemente crianças com diarreia, piolhos,
doenças de pele e úlceras por não se lavarem, mas que elas não são curadas
porque as crianças retornam às mesmas condições insalubres que as causaram”,
diz Luise Wateridge.
O mesmo acontece nos
hospitais, onde a falta de produtos de limpeza e desinfetantes devido ao
bloqueio israelense faz com que pacientes gravemente feridos se deitem em
colchões ensanguentados, ou que os médicos tenham que trabalhar na unidade de
terapia intensiva com as janelas abertas. Moscas e mosquitos entram na UTI por
causa da falta de combustível para ligar o ar condicionado.
“No hospital Nasser,
na semana passada, os médicos estavam limpando com água feridas horríveis após
um bombardeio porque não tinham mais nada. O hospital estava cheio de crianças
que perderam partes do corpo”, lamenta a porta-voz da agência para refugiados
palestinos. “É horrível.”
Fonte: BBC News
Oriente Médio
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