Bahia tem um caso de intolerância religiosa
a cada dois dias
No metrô, dentro do
shopping e até no ambiente de trabalho. Os episódios de intolerância religiosa
não têm dia nem horário para acontecer e deixam marcas profundas nas vítimas de
preconceito. A Bahia, estado que tem a maior proporção de pessoas autodeclaradas
pretas no país, registra uma denúncia de intolerância religiosa a cada dois
dias.
Foram 90 denúncias de
violação contra liberdade religiosa e de crença registradas no estado no
primeiro semestre deste ano. Ou seja, 15 por mês, em média. As informações
estão no Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do
Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC). No mesmo período, a Bahia
registrou 145 violações pelo mesmo motivo. A diferença se dá porque uma única
denúncia pode conter mais de um tipo de violação.
Em maio deste ano, Mãe
Iara de Oxum, 57, denunciou ter sido vítima de intolerância religiosa em um
salão de beleza, dentro de um shopping em São Cristóvão, em Salvador. Ela, que
é idealizadora da Caminhada da Pedra de Xangô, disse que uma funcionária do
estabelecimento se recusou a atendê-la porque a vítima usava roupas brancas e é
do candomblé.
“[...] ela disse que:
‘eu que não atendo esse povo’. Por que eu estou de branco? Sexta-feira? E eu
não vou me calar. Intolerância religiosa nunca mais”, falou Mãe Iara de Oxum,
em um vídeo publicado logo após o ocorrido. A advogada Maíra Vida, presidente
da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da Ordem dos Advogados do
Brasil na Bahia (OAB-BA), explica no que consiste o crime.
"Intolerância
religiosa é qualquer conduta dirigida a limitar ou impedir o pleno gozo da
liberdade religiosa, que é um direito fundamental. O Código Penal, no art. 140,
prevê reclusão, de um a três anos, e multa para quem ofender a honra de alguém
por motivo de religião. É a chamada injúria preconceituosa por motivo de
religião", explica a advogada.
Maíra Vida reforça que
praticantes de qualquer religião podem ser vítimas do crime. "As práticas
de intolerância religiosa podem se dirigir a qualquer grupo religioso e
afrontam a filosofia religiosa que fundamenta a convicção do segmento",
completa. As vítimas mais recorrentes, no entanto, são pessoas negras.
Das 90 denúncias
registradas neste ano na Bahia, 64 tiveram pessoas negras como vítimas - o que
corresponde a 71% das ocorrências. O painel de dados, que reúne denúncias
feitas através do Disque 100, revela que os 40 pessoas pardas e 24 pretas foram
vítimas de intolerância religiosa no estado. Foram 20 brancas e uma indígena. O
estado tem a maior proporção de pessoas pretas no país. Segundo o Censo 2022,
22,4% da população se autodeclara dessa forma.
Quando praticado
contra pessoas adeptas às religiões de matriz africana, a intolerância pode ser
caracterizada como racismo religioso, como explica a presidente da Comissão de
Combate à Intolerância Religiosa da OAB-BA. " No art. 20 da Lei federal n.
7716/89, o racismo religioso é punido com reclusão de um a três anos e multa,
sendo a diferença fundamental, na atualidade, se tratar de crime imprescritível
e inafiançável", diz Maíra Vida.
Para Leonel Monteiro,
presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia
(AFA), o preconceito afeta pessoas de diferentes etnias, mas o racismo
estrutural intensifica os ataques contra negros e pardos, principalmente.
“A intolerância
religiosa atinge a todos, independente de raça e nível social. Porém, nós
vivemos em uma sociedade em que o racismo é muito brutal e existem um grande
número de casos acontecendo em todo o Brasil e na Bahia”, diz. Leonel Monteiro
analisa que as redes sociais amplificam as denúncias, como aconteceu com Mãe
Iara de Oxum, mas também favorecem falas criminosas.
“Parece que as redes
sociais são uma terra sem lei, onde o ódio religioso é potencializado de uma
forma ruim. Em poucos segundos, uma postagem tem milhares de acessos e
contribui para a disseminação de mentiras”, completa.
Em maio, a
influenciadora Michele Dias Abreu foi denunciada pelo Ministério Público de
Minas Gerais (MP/MG) por intolerância religiosa. Ela justificou que as
enchentes no Rio Grande do Sul aconteceram pelo estado ser “um dos com maior
número de terreiros de macumba”. Foram registradas 182 mortes no estado gaúcho
em decorrência da tragédia. As falas viralizaram nas redes sociais.
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Salvador
Entre as cidades da
Bahia, Salvador é o município com mais denúncias desse tipo. Foram 44 casos
entre janeiro e junho deste ano - quase metade dos 90 registros no estado. Em
janeiro, uma mulher denunciou um caso de intolerância religiosa que teria
ocorrido na estação Pituaçu do metrô de Salvador. Ela relatou que foi
constrangida por um homem porque utilizava um colar de contas, símbolo do
candomblé.
"Não podemos mais
conviver o ódio religioso, que é um mal persistente na nossa sociedade",
diz Eurico Alcântara, coordenador de Ações Transversais da Secretaria Municipal
da Reparação (Semur), de Salvador. Para coibir o crime, a pasta realiza uma
série de ações. "A prefeitura juntou-se com todas as secretarias para
tratar de um programa de combate ao racismo institucional. Lançamos ainda o
programa Casa Odara, que prevê a regularização fundiária dos terreiros da
capital", ressalta.
Neste ano, em
Salvador, o Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância
Religiosa Nelson Mandela (CRNM) recebeu 70 denúncias - 10 a mais do que no
mesmo período do ano passado.
Dos registros deste
ano, 46 foram casos de racismo, 18 de intolerância religiosa e seis ocorrências
correlatas. O órgão é vinculado à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e
dos Povos e Comunidades Tradicionais (Sepromi). Ângela Guimarães, titular da
pasta, chama atenção para uma possível subnotificação dos casos.
“Ainda falta
conhecimento sobre os direitos e os canais de denúncia disponíveis. A
naturalização do racismo e da intolerância religiosa e a crença na impunidade
contribuem para que muitas ocorrências não sejam reportadas", afirma.
<><> Como
denunciar a intolerância religiosa:
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Canais do Disque 100
• Ligação gratuita, basta discar 100;
• WhatsApp (61) 99611-0100;
• Telegram (digitar
"direitoshumanosbrasil" na busca do aplicativo);
• Site da Ouvidoria
(https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh/);
• Videochamada em Libras
(https://atendelibras.mdh.gov.br/acesso).
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Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA)
• Disque 129
• Endereço: Avenida Ulisses Guimarães, nº
3.386, Edf. Multicab Empresarial – Sussuarana
• Telefone: (71) 3117-9160 - segunda a
sexta-feira, das 8h às 17h.
<<<<
Ministério Público da Bahia (MP-BA)
• Site do Ministério Público da Bahia
• Pelo mapa do racismo: aplicativo do MP
para esses tipos de denúncias
• Promotorias: direto nas promotorias de
Justiça de cada município - no caso de Salvador, é a 1ª Promotoria de Justiça
de Direitos Humanos da capital
<<<<
Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi)
• Telefone (71) 3117-7448 - segunda a
sexta-feira, das 9h às 12h, e também das 14h às 18h.
• Todos os casos registrados são direcionados ao Centro de Referência de
Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, responsável por
oferecer apoio psicológico, social e jurídico às vítimas de racismo e
intolerância religiosa.
• Ao menos 10 terreiros foram alvos de
depredação em dois anos
Pelo menos 10
terreiros foram alvo de depredações na Bahia desde 2022. As informações fazem
parte do levantamento da Associação Brasileira de Preservação da Cultura
Afro-Ameríndia (AFA), o qual o CORREIO teve acesso. O último episódio aconteceu
no domingo (21), quando servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) destruíram um templo religioso no Parque Nacional da
Chapada Diamantina.
Os agentes realizavam
uma operação de combate ao desmatamento ilegal e ocupação irregular quando
demoliram parte do Terreiro de Jarê Peji da Pedra Branca, em Lençóis. O ICMBio
admitiu o erro e disse que o imóvel foi destruído porque não havia indícios externos
de que se tratava de um templo religioso. Lideranças locais denunciam que foram
alvo de intolerância religiosa. O caso é investigado pela Polícia Civil.
Em janeiro do ano
passado, um homem invadiu o Terreiro Casa de Xangô, em Vitória da Conquista, e
destruiu objetos religiosos. Segundo o líder da casa de candomblé, Pai Lucas de
Xangô, o invasor mora próximo ao templo e é filho de um pastor evangélico.
O levantamento da AFA
inclui episódios semelhantes registrados em outras cinco cidades da Bahia:
Salvador, Lauro de Freitas, Eunápolis, Dias D’Ávila e Itaetê. Uma das denúncias
foi feita por Pai Weslei, do Terreiro Nzo Tumbá Kreuizilé Keuamazi, em Sussuarana,
na capital baiana. Segundo a AFA, uma vizinha do terreiro joga baldes de água
nas oferendas feitas pelo religioso.
Neste mês, o CORREIO
noticiou que a Bahia registrou 90 denúncias de violação contra a liberdade
religiosa e de crença no primeiro semestre deste ano. Foram 15 por mês, em
média. Os casos podem ser relatados pelo Disque 100. Intolerância religiosa é
crime com punição de um a três anos de prisão.
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Episódios de depredação em terreiros, segundo a AFA
>>> 2022
# Ilê Axé Gbamin
(Lauro de Freitas): 10 assentamentos de orixá foram retirados do terreiro sem
autorização
# Ilê Axé de Logun Edé
(Eunápolis): um culto foi realizado na porta do terreiro e objetos sagrados
foram quebrados
# Ilê Axé Alafin Oyá
Ohun Balé (Dias D'Ávila): uma vizinha arremessa pedras no telhado e ameaça
jogar bomba no terreiro
>>> 2023
# Nzo Reino de Nzaazi:
Casa de Xangô (Vitória da Conquista): o terreiro foi invadido e objetos
sagrados destruídos
# Ilê Axé Airá Tolami
(Dias D'Ávila): portas e janelas foram arrombadas, além de objetos pessoais,
eletrodomésticos e alimentos furtados
# Ilê Axé Oyá Gemin
(Lauro de Freitas): terreiro foi arrombado e depredado
# Ilê Axé Pai Xangô
Aganju (Itaeté): três incêndios atingiram o terreiro sem motivos aparentes.
Vizinhos ameaçam o culto e a existência do terreiro
# Ilê Axé Onipó Filho
(Salvador): vizinho quebra os vidros da janela do barracão, adentra o local e
quebra elementos religiosos
>>> 2024
# Nzo Tumbá Kreuizilé
Keuamazi (Salvador): oferendas feitas pelo líder religioso são depredadas por
uma vizinha
# Terreiro de Jarê
Peji da Pedra Branca (Lençóis): foi destruído por agentes do ICMBio
Fonte: Correio
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