segunda-feira, 29 de julho de 2024

‘Ato claro de racismo estrutural’, denuncia presidente da AFA sobre terreiro destruído na Chapada Diamantina

A operação de agentes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que destruiu o Terreiro de Jarê Peji da Pedra Branca, em Lençóis, foi um episódio de racismo estrutural, define Leonel Monteiro. Ele, que é presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia (AFA), cobra mudanças na gestão do Parque Nacional da Chapada Diamantina, onde o episódio ocorreu. O ICMBio apura a conduta dos servidores internamente.

No último domingo (21), moradores da região de Curupati, no Parque Nacional, foram surpreendidos pela ação de agentes do ICMBio. Com o pretexto de que apuravam denúncias de extração de madeira ilegal e ocupação irregular, os servidores destruíram, ao menos, seis imóveis. Entre eles, o Terreiro de Jarê Peji da Pedra Branca. O ICMBio diz que o templo só foi parcialmente demolido porque não reconheceu indícios de que se tratava de um terreiro.

O telhado do imóvel veio abaixo pelo maquinário usado pelos agentes, assim como parte da estrutura de madeira. Uma foto mostra o que restou: parte da casa onde há figuras religiosas, uma cruz e terços. Diversos objetos foram destruídos. Caso de uma imagem de Iemanjá, que teve a cabeça arrancada durante a ação. Leonel Monteiro, presidente da AFA, critica o desconhecimento do ICMBio.

“Foi um ato de racismo estrutural e racismo religioso, em que uma comunidade tradicional de matriz afro-indígena não foi respeitada. Se fosse outros templos, do cristianismo, por exemplo, a ação não teria sido tão brutal como foi”, diz Leonel Monteiro. O presidente da associação cobra mudanças na gestão do Parque Nacional da Chapada Diamantina. “Queremos que ocorra troca da gestão do parque e que os responsáveis respondam por esse ato de racismo religioso. O terreiro também deve ser reconstruído”, completa.

A tradição do terreiro é o jarê, prática religiosa que nasceu na Chapada Diamantina e mistura elementos indígenas, católicos e do candomblé. Mestre Damaré, líder religioso e guardião do terreiro, não estava no local no momento da ação e está abalado com o ocorrido. “Passei três dias sem comer e ainda estou me tremendo de raiva. Dormir também não tenho conseguido. A destruição impediu a nossa religião”, desabafa.

A reportagem entrou em contato com Cézar Gonçalves, chefe do Parque Nacional da Chapada Diamantina, mas ele não concedeu entrevista. Em nota, o ICMBio, responsável pela gestão do equipamento, admitiu o erro dos servidores e disse que instaurou procedimento para apurar o caso.

“Assim que os objetos de caráter religioso foram identificados no imóvel, a operação foi imediatamente interrompida. Para análise dos fatos, foi iniciada uma apuração interna. O Instituto Chico Mendes reconhece o erro e lamenta os danos causados pela violação do lugar religioso”, pontua o ICMBio.

O órgão diz também que, durante a operação do final de semana, apreendeu três caminhões, armas de caça e determinou o fechamento de duas serrarias envolvidas com a extração ilegal de madeira. A Delegacia Territorial de Lençóis investiga o caso.

•        Lideranças cobram reconstrução de terreiro destruído na Chapada Diamantina

A destruição do terreiro Peji da Pedra Branca, localizado dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina, repercutiu durante toda a semana entre os praticantes do jarê - religião exclusiva da localidade. Parte do templo religioso foi demolida durante ação de agentes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Agora, lideranças cobram a reconstrução do imóvel sagrado.

Segundo denúncia da comunidade local, o terreno onde o templo é localizado pertence à família de Gilberto Tito de Araújo, o Mestre Damaré, há 45 anos. Portanto, antes da criação do Parque Nacional, fundado em 1985 com o intuito de preservação ambiental e histórico-cultural.

Em 2014, um levantamento feito pela Associação dos Filhos de Santo do Palácio de Ogum e Caboclo Sete Serra mapeou 40 terreiros em cinco cidades da Chapada. Um deles foi o Peji da Pedra Branca. Sandoval Amorim, presidente da associação e filho de um dos maiores líderes do jarê, o falecido Pedro de Laura, é uma das lideranças que cobra medidas após a destruição.

“O que foi perdido na destruição do terreiro não tem preço, todos os assentamentos às entidades e as imagens antigas. Mas, queremos que os órgãos responsáveis construam um novo terreiro para o Damaré porque o que eles fizeram não foi certo”, afirmou Sandoval. A reportagem tentou contatar Gilberto Tito, mas não teve retorno. Em uma entrevista concedida após a demolição, Mestre Damaré disse estar abalado com o episódio.

A prefeitura de Lençóis acompanha o caso e cobrou esclarecimentos ao ICMBio, como explicou Uilami Dejan, diretor de Promoção da Igualdade Racial do município. “Nós criamos o Dia Municipal do Jarê, que foi celebrado pela primeira vez neste ano, em 16 de abril. Fizemos uma grande celebração nos bairros da cidade e, logo agora, tivemos um ataque a um dos nossos terreiros mais antigos. Foi algo muito simbólico e violento”, lamentou Uilami.

Em nota, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) informou que "instaurou procedimento para cobrar do Poder Público a adoção de medidas eficazes voltadas ao reconhecimento formal da prática de Jarê enquanto patrimônio cultural e a implementação de um plano de salvaguarda no município". O procedimento foi instaurado pela Promotoria Regional Ambiental do Alto Paraguaçu, em colaboração com o Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente (Ceama) e do Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Nudephac).

O jarê mistura saberes e práticas indígenas, além do candomblé e do cristianismo. É uma religião exclusiva da Chapada Diamantina e ganhou projeção nacional com o romance Torto Arado, publicado em 2019 pelo autor baiano Itamar Vieira Júnior. Em 2021, o CORREIO fez uma reportagem especial sobre a presença do jarê na região.

Para Leonel Monteiro, presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia (AFA), a destruição foi resultado do racismo estrutural. “Queremos que ocorra troca da gestão do parque e que os responsáveis respondam por esse ato de racismo religioso. O terreiro também deve ser reconstruído”, pontuou.

Antes da ação que ocorreu no Peji da Pedra Branca, agentes do ICMBio estiveram no terreiro de Pai Gil de Ogum, que também fica na parte norte do Parque Nacional da Chapada.

"Nosso terreiro é bem próximo ao que foi destruído. São cerca de 30 minutos de caminhada. Nós tivemos dias de muito medo de que eles voltassem para fazer a mesma coisa aqui. Ficamos pensando que eles não destruíram o terreiro porque haviam pessoas quando eles chegaram aqui", disse Layra Silva, que frequenta o terreito de Pai Gil há 13 anos. Ela contou que os religiosos foram ameaçados de multa e tiveram que retirar um assentamento de mais de 30 anos do terreiro.

 

Fonte: Correio

 

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