sábado, 27 de julho de 2024

Paulo Nogueira Batista Jr.: ‘Críticas descabidas - Uma defesa do ministro Fernando Haddad’

Acordei hoje com vontade de defender o ministro Fernando Haddad. Não me ocorre sempre. Por diferenças de temperamento, fundamentalmente. A meu modesto juízo, Fernando Haddad peca por um espírito excessivamente conciliatório. Preocupado, às vezes um tanto demais, em atender a plutocracia local e o sistema financeiro, o ministro da Fazenda pode cometer enganos.

Por exemplo, o governo foi colocado numa camisa-de-sete-varas, quando se propôs um arcabouço fiscal relativamente inflexível, com metas ambiciosas que agora cobram o seu preço. As metas para 2025 e anos posteriores foram flexibilizadas (acertadamente) e foram encontradas algumas válvulas de escape. Manteve-se, entretanto, a meta de déficit zero para 2024, com um intervalo de intervalo de tolerância de apenas 0,25 ponto percentual do PIB para cima e para baixo. As novas projeções da Fazenda indicam um resultado primário no piso da meta, isto é, um déficit em torno de 0,25% do PIB.

O problema permanece, portanto, induzindo o governo a bloquear ou reduzir gastos essenciais, notadamente investimentos públicos, o custeio da máquina federal e transferências sociais.

O leitor ou leitora se for mais “realista” (ou mais “conformista”?) dirá que a “correlação de forças” na sociedade, na mídia e no Congresso não permite nada de muito diferente. Pode ser. Porém, “correlação de forças” não é um fato objetivo, fixado, que independa da ação dos governantes.

·        Críticas despropositadas a Fernando Haddad

Mas deixo de lado esses arroubos voluntaristas e entro no assunto que queria abordar hoje. É o seguinte: muitas das críticas a Fernando Haddad são descabidas. Inventaram agora que o ministro da Fazenda é um taxador inveterado, cunhando a expressão simplória – “Taxadd”. O objetivo evidente é atingir não só o ministro Fernando Haddad, como também o presidente Lula.

Não vejo como sustentar essa crítica. Vamos dar uma rápida olhada em algumas estatísticas, sem a pretensão de esgotar o assunto e nem sequer de abordar todos os seus principais aspectos.

A carga tributária global no Brasil (incluindo governo central, estados e municípios) tem oscilado entre 31% e 33% do PIB desde 2010. A do governo central, entre 21% e 23% do PIB. De 2022 para 2023, primeiro ano do suposto ministro “Taxadd”, a carga do governo central caiu um pouco, de 22,4% para 22% do PIB.

Há razões para prever aumento do nível global de tributação em 2024? Não há clareza quanto a isso ainda. Sabemos que a arrecadação federal aumentou 8,7% em termos reais no período janeiro/maio relativamente ao mesmo período do ano de 2023 (incluídos fatores não recorrentes) e de 5,4% (sem considerar esses fatores). Esses fatores não-recorrentes incluem rendimentos da tributação de fundos financeiros exclusivos e no exterior e a calamidade no Rio Grande do Sul.

Esse crescimento da arrecadação é um problema? Não me parece. Haveria por acaso condições de obter o ajustamento das contas do governo, pedido insistentemente pela mídia e pelo sistema financeiro, apenas cortando despesas? Sem aumentar a arrecadação e sem tocar nos juros da dívida?

O que parecem querer a plutocracia e a mídia tradicional é que se faça o ajuste em cima das classes mais baixas, cortando transferências sociais como o benefício de prestação continuada para pessoas com deficiência, supostamente para coibir irregularidades. Gostariam, também, que os idosos pagassem a conta do ajuste, reduzindo a correção das aposentadorias e pensões. Porém, mantendo para os mais ricos as generosas isenções tributárias e generosos juros da dívida pública.

Se Lula for por esse caminho, pergunto, não descumprirá a sua promessa de campanha de colocar o pobre o orçamento e o rico no imposto de renda?

·        Privilégios dos ricos e super-ricos

Isso leva diretamente a outra pergunta importante: sobre quem recai um eventual aumento de tributos? Estamos, obviamente, diante de uma questão distributiva.

Os ricos e super-ricos querem manter os seus diversos privilégios – isenções, desonerações, baixa tributação do patrimônio e das altas rendas, pagamentos de juros exorbitantes, para mencionar os mais evidentes. Não querem ouvir falar em dar a sua contribuição. Quando se tenta corrigir a injustiça, ergue-se um coro nos meios empresariais e na mídia reclamando contra a “voracidade tributária” do governo. É exatamente o que está acontecendo com Fernando Haddad. Passos discretos que ele vem dando são recebidos a pedradas.

Quem paga impostos no Brasil, recorde-se, são fundamentalmente os mais pobres, via impostos indiretos, e a classe média, via imposto de renda da pessoa física. Os ricos e super-ricos vivem num paraíso fiscal. Nunca foi implantado o Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto na Constituição desde 1988. A tributação do patrimônio (terras, heranças e doações, entre outros) é baixa para padrões internacionais.

E, graças ao tratamento privilegiado das rendas do capital no Imposto de Renda (lucros e dividendos isentos na pessoa física, tributação basicamente proporcional dos rendimentos financeiros, além de isenção para determinadas aplicações), a alíquota efetiva do Imposto de Renda sobre faixas mais altas de rendimento é pequena, inferior à que se aplica à classe média baixa.

O governo Lula tem tentado enfrentar o problema. Elevou a faixa de isenção do Imposto de Renda para pessoas físicas, por exemplo. Taxou os fundos financeiros fechados e no exterior. Positiva também foi a iniciativa de Fernando Haddad de convidar o economista Gabriel Zuckman, especialista no assunto, para formular propostas ao G20 de tributação dos super-ricos em nível internacional.

Mas é preciso fazer mais. O último ponto, por exemplo, não deve servir de argumento ou motivo para adiar o que se pode fazer, em nível nacional, para aumentar a tributação dos super-ricos brasileiros. A suposição de que eles fugiriam para outros países é duvidosa. Afinal, onde encontrariam no mundo um país que oferece remuneração financeira tão alta sobre ativos líquidos e sem risco real de crédito?

Fernando Haddad gastou capital político do governo nos seus dois anos iniciais, encampando uma reforma tributária do consumo de tipo convencional, que já estava na pauta do Congresso. Ela tem seus méritos, mas não melhora significativamente a estrutura regressiva do sistema tributário e só tem efeitos positivos sobre a economia no longo prazo – no prazo em que, como dizia Keynes, estaremos mortos.

Agora, o governo terá, talvez, dificuldade de propor e implantar uma tributação mais justa da renda e do patrimônio. Os privilegiados comemoram, em particular.

Não reconhecem em público, porém. Ao contrário, promovem uma campanha para tachar Fernando Haddad de entusiasta do aumento da carga tributária…

 

¨      O novo consenso macroeconômico. Por Matheus Silva

No presente artigo, tenho por objetivo apresentar a teoria econômica por detrás da independência do banco central com o intuito de demonstrar ao leitor a forma como este usa dos instrumentos de política monetária para controlar o governo como um refém.

<><> O retorno à ortodoxia nos anos 1970 e 1980

A política fiscal enquanto instrumento de política econômica sempre fez parte do ferramental do Estado capitalista para gestão dos recursos públicos, e durante boa parte do século XX foi objeto de debate entre os economistas da síntese neoclássica keynesiana e monetaristas ou novos-clássicos, discutindo temas como, os efeitos do déficit público sobre a inflação e o balanço de pagamentos ou os impactos do gasto público sobre a demanda agregada e os investimentos privados.

Contudo durante os anos 1970-80, os debates sobre a política fiscal seguiram outros rumos, visando a questão da sustentabilidade da dívida pública, a credibilidade da política econômica e as definições de regras fiscais para o controle dos gastos.

Com as mudanças ocorridas nas economias capitalistas mundiais nos anos 1980, devido ao fenômeno da globalização, e no acelerado desenvolvimento das teorias econômicas de monetaristas e novos-clássicos, a visão de condução da política fiscal aponta em direção a perda de graus de liberdade por parte dos governos no tocante aos temas de produto e emprego. Assim os modelos macroeconômicos passaram a questionar a validade da política fiscal enquanto instrumento adequado para afetar o nível do produto através da demanda agregada, emprego e renda.

E com o fortalecimento da ortodoxia no mainstream acadêmico, as ideias de credibilidade da política econômica, sustentabilidade da dívida pública e regras de controle das contas públicas passaram a ganhar cada vez maior notabilidade, repercutindo uma mudança na visão sobre o papel da política fiscal e ajudaram a definir aquilo que Philip Arestis e Malcolm Sawyer denominaram em seu artigo “Reinventing Fiscal Policy” publicado no Journal of Post Keynesian Economics em 2003 de “novo consenso macroeconômico”.

Portanto a disciplina na política fiscal para a ortodoxia novo-clássica encontra-se relacionada à austeridade irrestrita e atemporal, na qual a autoridade fiscal (governo central) fica comprometida em elaborar seus orçamentos levando em conta a restrição de financiamento, a estabilidade da inflação e os compromissos da dívida a serem honrados.

Dessa forma alguns economistas do campo ortodoxo novo-clássico se mostram completamente contra qualquer tipo de flexibilização da política fiscal, defendendo a visão de que a política fiscal deve ter como objetivo central a geração de superávits, cobrando maior responsabilidade dos governos com maiores cortes de gastos.

Em síntese a ortodoxia chegou ao consenso de que os problemas das variáveis econômicas que se relacionam com os fundamentos fiscais só podem ser resolvidos com a manutenção da confiabilidade da trajetória sustentável das contas públicas.

Nesta visão o principal papel da política fiscal é ser “responsável”, assegurando a boa credibilidade do governo na perspectiva dos seus credores, pois somente assim os agentes que atuam de acordo com as expectativas racionais, ou seja, que reagem assumindo posições embasadas na avaliação do cenário macroeconômico vigente e a credibilidade da política econômica adotada, aceitaria reduzir o prêmio de risco (taxa de juros) e voltariam a investir, mantendo o equilíbrio externo, isto é, financiando o balanço de pagamentos e a estabilidade da taxa de câmbio.

Assim a política econômica deve ser enxergada como um processo contínuo, independente do governo vigente, de modo a criar um ambiente onde os agentes privados (capitalistas), acreditem na manutenção futura das políticas atuais, pois a presença de descontinuidades poderia afetaria a manutenção de seus interesses e ampliar os riscos de mercado. Nesta perspectiva teórica é papel do Estado, novamente, independentemente do governo, manter a consistência intertemporal dessa política de austeridade irrestrita.

<><> O domínio da política monetária sobre a política fiscal

Durante os anos 1970 as proposições monetaristas, conduzidas principalmente por Milton Friedman alegavam que o problema da inflação era estritamente monetário, assim o poder de controlar a inflação dependia exclusivamente de conter a taxa de oferta monetária do Banco Central. Contudo durante os anos 1980, os novos-clássicos, conduzidos sobretudo por Thomas Sargent e Neil Wallace, propuseram que apenas o poder da autoridade monetária não seria o suficiente para poder controlar a inflação, seria preciso estabelecer um tipo de coordenação entre a política monetária e fiscal.

Contudo essa coordenação entre as duas políticas não pode ser de maneira igualaria, isto é, com as determinações de uma política sendo atendidas em colaboração com a outra e vice-versa, no esquema, “uma mão lava a outra”, não, pois os teóricos novos-clássicos, chegaram à conclusão que pode ocorrer casos em que ao definir o orçamento, através da dívida pública (interna), o governo obrigasse a autoridade monetária a seguir seus objetivos.

E caso o Estado use títulos da dívida pública com taxas de juros reais maiores do que a taxa de crescimento da economia para financiar seus déficits, o resultado seria um aumento da relação dívida/PIB, fazendo com que em algum momento aconteça a ampliação da base monetária e a elevação da inflação por causa da expansão monetária usada para financiar o déficit. Assim para os autores o problema da dominância fiscal seria um problema de temporalidade, ou seja, em troca da redução da inflação no presente através da austeridade monetária, teríamos uma inflação mais elevada no futuro, fazendo com que os agentes em busca de antecipar a inflação futura provocada pelo aumento da inflação já esperada, aumentassem os preços no presente.

Dessa forma só haveria sucesso no controle da inflação no caso contrário, isto é, a política monetária, controlada por um Banco Central independente, impusesse a disciplina econômica, nas palavras de Thomas Sargent e Neil Wallace em seu artigo “Some Unpleasant Monetarist Arithmetic” publicado em 1981 e disponível no Federal Reserve Bank of Minneapolis: “[…] Ao fazer isso de forma obrigatória, a autoridade monetária obriga a autoridade fiscal a escolher uma sequência D(t) (regra) consistente com a política monetária anunciada. Essa forma de contenção monetária permanente é um mecanismo que efetivamente impõe a disciplina fiscal. Mecanismos monetários alternativos que impõem disciplina fiscal foram sugeridos, por exemplo, taxas de câmbio fixas ou um padrão monetário de commodities, como o padrão-ouro. Nada em nossa análise nega a possibilidade de que a política monetária possa afetar permanentemente a taxa de inflação sob um regime monetário que efetivamente disciplina a autoridade fiscal.” (SARGENT & WALLACE, 1981, p. 07).

Como a ideia acima pode soar muito complexa para aqueles que não possuem tanta familiaridade com teoria macroeconômica, irei fazer uma síntese das hipóteses trabalhadas.

Para defender essa mudança de perspectiva, os teóricos novo-clássicos partem da seguinte hipótese. Quando o governo eleva seus gastos através da política fiscal (construindo novos aeroportos, hospitais públicos, universidades, etc.), os agentes privados (capitalistas), incorporam em suas expectativas racionais, que ele, o Estado, deverá aumentar seu nível de financiamento no futuro, ele poderá fazer isso de diversas formas, tributação, emissão de dívida, ou ainda, emissão monetária.

Os agentes racionais, isto é, “capitalistas racionais”, se é que realmente existem fora do plano teórico, olhando para o futuro, tenderão a elevar seu nível de poupança no tempo presente, e deixarão de investir, com a ausência de investimentos e elevação dos níveis de gastos por parte do Estado ocorrem dois processos simultâneos: (i) os trabalhadores passam a consumir mais, pois a economia é aquecida pelos gastos do governo.

(ii) Devido à ausência da elevação no nível de oferta de bens e serviços por parte dos capitalistas no mesmo montante que o nível agregado da demanda, ocorre um desequilíbrio macroeconômico no curto prazo que eleva o nível de preços, e para amortecer o aumento da inflação, o Banco Central inicia uma política monetária restritiva, vendendo títulos e tirando moeda de circulação, porem os capitalistas que haviam elevado seu nível de poupança, principalmente comprando títulos, agora requerem um maior prêmio de risco para realizar a venda desses títulos, fazendo com que novamente o déficit público se eleve.

Portanto para evitar esse ciclo de aumento de déficit, é necessário que o Banco Central use de restrição orçamentária eficaz para anular o crescimento da dívida, trata-se, portanto, de um cenário onde a política monetária exerce dominância sobre a fiscal forçando está a definir objetivos que estejam alinhados com as determinações da autoridade monetária, sendo esta, impedir a todo custo a elevação da dívida pública (mesmo em conjunturas econômicas onde essa elevação seja necessária).

A política fiscal, exercida pelo governo, seja este qual for, nessa posição teórica ocupa posição subordinada a política monetária, coordenada pelo Banco Central “independente” (de quem?) e por consequência perde função de instrumento de política macroeconômica ativo, ficando a política monetária responsável pela estabilidade econômica.

<><> Conclusão

Como demonstrado no texto acima a entidade que mais se beneficia como o novo teto de gastos é o recente cooptado, pelo mercado, Banco Central, a partir do esquema teórico visto, temos noção agora de porquê o BC não se propor a iniciar uma jornada de redução dos juros curto da dívida, mesmo com as advertências do governo sobre os fenômenos prejudiciais causados a economia, antes que este (governo) apresentasse um esquema de regras, que aquele (BC) considerasse adequado.

O que está ocorrendo no Brasil, é uma situação política onde, não importa o governo que esteja no poder, o mercado (no nosso caso, o financeiro) sempre leva a melhor e tem seus interesses atendidos, pois pode, agora a partir de seu banco particular, forçar o governo eleito pelo voto popular, a atender seus interesses a qualquer momento.

O Banco Central é o principal dono do novo teto de gastos, e através dessa regra rígida sobre as despesas do Estado, ele irá forçar e impor sua própria disciplina, de mercado, ao povo brasileiro, independente do governo que o povo eleja através do voto.

 

Fonte: A Terra é Redonda

 

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