Infância: e quando a tela substitui o
quintal?
Uma pessoa no Brasil
passa, em média, 56,61% do seu tempo acordado em frente a telas, é o que indica
um levantamento realizado em 2022. Mundialmente apenas 35,6% de crianças entre
2 e 5 anos estão observando o tempo de tela recomendado pela Organização Mundial
de Saúde (OMS), que é de 1h por dia. Quanto maior o tempo de exposição a telas
maiores podem ser os riscos relacionados a problemas de saúde e de
desenvolvimento para crianças e adolescentes. Jovens em situação socioeconômica
mais vulnerável podem ser desproporcionalmente afetados, é o que mostra o
estudo “Tempo de Tela para Crianças e Adolescentes”, publicado pelo Instituto
Veredas sob encomenda da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República (Secom).
Observando os
resultados de diversos estudos, sabemos que existe uma relação entre o tempo
excessivo de exposição a telas e diversos problemas de saúde, como miopia,
duração mais curta do sono e outros, como atraso no desenvolvimento da
linguagem. Por este ser um fenômeno complexo, é difícil afirmar uma relação
direta de causa e consequência, mas o contexto em que o uso de telas acontece
tem grande influência nos efeitos positivos e negativos desta exposição.
O tempo excessivo de
exposição às telas, infelizmente, não é a única preocupação quando falamos do
universo digital, existem diversos riscos de segurança relacionados ao uso da
internet que podem impactar negativamente a vida de crianças e adolescentes. Um
deles é a versão digital do já conhecido bullying, o cyberbullying, em que a
tecnologia é usada como meio de insultos, assédios, ameaças e humilhações. A
disseminação de notícias falsas e ideias preconceituosas também impacta
especialmente crianças e adolescentes, que são mais suscetíveis à manipulação.
Alguns estudos,
analisados na publicação para a Secom, apontam que uma exposição a conteúdos
negativos online, como ódio, discriminação e extremismo violento, está
associada a níveis mais baixos de felicidade e satisfação na vida. Além disso,
existe o risco de abuso e exploração sexual infantil, de diversas formas.
Crianças que sofrem negligência, punição física, assédio sexual e outros tipos
de violência offline têm maior probabilidade de também serem expostas à
solicitação sexual online.
Apesar disso, o uso de
telas não é de todo mal: existem também benefícios associados, quando este uso
é feito de forma saudável, por exemplo, assistir conteúdos educativos em
família pode influenciar positivamente o desenvolvimento da linguagem, em idade
mais avançada. Em alguns países, crianças relatam que o envolvimento em
atividades sociais online faz com que se sintam bem, com sentimento de
pertencimento e laços de confiança com colegas e amigos. O ambiente virtual
também permite maior exposição a diferentes experiências e pontos de vista,
além de acesso a informações sobre saúde física e mental, por exemplo.
• Caminhos possíveis
As telas vieram para
ficar, sabemos disso, então é inútil propor o fim das telas, uma política de
abstinência ou qualquer coisa do tipo, mas isso não significa que não há nada a
ser feito. É muito mais produtivo enfrentarmos este desafio com uma postura preventiva,
buscando inspiração na redução de danos, individual e coletivamente. No
contexto familiar, por exemplo, podemos seguir as orientações da Sociedade
Brasileira de Pediatria, que estão alinhadas com as orientações da OMS.
Uma recomendação que
vale para todas as idades é não fazer uso de telas durante as refeições e
desconectar entre uma ou duas horas antes de dormir. Para crianças menores de
dois anos, o ideal é que não sejam expostas a telas, nem mesmo de forma
passiva, e, conforme a criança vai crescendo, o tempo de tela tende a crescer
junto, chegando ao máximo de 3 horas por dia para adolescentes entre 11 e 18
anos. Outro ponto essencial é que o uso de telas por crianças e adolescentes
seja sempre monitorado por um adulto responsável. Além de um menor tempo de
tela, fazer atividades ao ar livre, ter o uso da tela monitorado por familiares
e cuidadoras(es), e assistir programas educacionais no ambiente escolar, por
exemplo, tendem a reduzir os efeitos negativos do uso de tela.
Pensando de forma mais
coletiva, governos podem tomar algumas iniciativas de forma mais estruturante,
por exemplo: exigir que empresas que afetam os direitos das crianças em relação
ao ambiente digital implementem termos de serviço que prezem pela ética,
privacidade e segurança. Além disso, podem também determinar que a
possibilidade de configurar dispositivos seja mais fácil e transparente para
que as famílias tenham maior segurança. Eliminar anúncios comerciais dos
programas e aplicativos infantis é outro caminho para que o uso de telas seja
mais saudável para as crianças.
Países ao redor do
mundo têm adotado diferentes abordagens para lidar com essas questões. Muitos
fazem recomendações relacionadas ao tempo de tela, mas muitos também focam em
políticas de segurança digital. Por exemplo, países como França e México promovem
políticas educacionais e de conscientização digital, enquanto outros, como
Colômbia e Bélgica, implementam leis específicas para proteção de crianças na
internet.
No fim das contas, o
caminho para enfrentar esses desafios é encontrar um equilíbrio entre o uso de
telas e outras atividades, como a prática de esportes e brincadeiras ao ar
livre e interações sociais. Além disso, é preciso investir em políticas públicas
que promovam a segurança digital e a educação dos pais sobre os riscos e
benefícios do mundo digital. Dessa forma caminhamos em direção a um futuro em
que crianças e adolescentes possam desfrutar dos benefícios da tecnologia de
forma mais segura e saudável.
Fonte: Por Carolina
Scherer Beidacki, em Outras Palavras
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