terça-feira, 28 de maio de 2024

Humanos viverão por mais tempo até 2050, mas qualidade de vida vai diminuir

As conclusões do Estudo sobre a Carga Global de Doenças, Lesões e Fatores de Risco (GBD) revelam uma previsão de aumento na expectativa de vida global. Entre 2022 e 2050, é esperado que homens vivam 4,9 anos a mais e mulheres 4,2, com uma redução nas disparidades regionais. Esse crescimento é impulsionado por melhorias nas taxas de sobrevivência de doenças cardiovasculares, covid-19 e várias patologias transmissíveis, maternas, neonatais e nutricionais (CMNNs). Na contramão, problemas metabólicos, como pressão e colesterol alto, aumentaram quase 50% nas duas últimas décadas.

No entanto, há uma mudança nas taxas de CMNNs, que estão se tornando menos comuns, e de condições não transmissíveis (DNTs), que fazem mais vítimas a cada dia, como câncer, doença pulmonar obstrutiva crônica e diabetes. Esse deslocamento reflete um aumento na incidência de fatores de risco comportamentais e metabólicos, como obesidade, hipertensão, dieta inadequada e tabagismo. Essas condições mudarão os índices de anos de vida perdidos para anos vividos com incapacidade, ou seja, mais pessoas viverão mais tempo, mas com problemas de saúde.

Segundo o estudo, detalhado na revista The Lancet, a expectativa de vida global deve aumentar de 73,6 anos em 2022 para 78,1 anos em 2050. Paralelamente, a perspectiva de vida saudável deve subir de 64,8 anos para 67,4 anos. Isso indica que, embora a população mundial viva mais tempo, os anos com boa saúde não aumentarão na mesma proporção.

As regiões com menor expectativa de vida atual, como a África Subsariana, viverão elevações, graças a intervenções de saúde pública pontuais.

"Há imensas oportunidades pela frente para influenciarmos o futuro da saúde global, superando esses fatores de risco metabólicos e dietéticos crescentes, particularmente aqueles relacionados com fatores comportamentais e de estilo de vida, como açúcar elevado no sangue, índice de massa corporal elevado e pressão arterial elevada", reforçou  Amanda E. Smith, diretora assistente de Previsão do Instituto Izzy Colindres de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME), que participou do trabalho.

Otavio Castello, geriatra e diretor cientifico do Instituto Parentalidade Prateada, destaca a relevância do trabalho, que estudou 204 países. "Ele traz cenários e previsões. Algumas coisas são calculadas, como os anos de vida perdidos, ou quanto tempo a pessoa viveu doente. As pessoas vão viver mais, mas vão viver mais tempo doentes, o período com problemas de saúde no fim da vida será maior."

"Está havendo uma mudança no padrão de adoecimento que avi impactar na população. As principais causas de necessidade de cuidados em 2050 serão: doença isquêmica do coração, que causa infarto, diabetes, doença pulmonar obstrutiva crônica e derrame cerebral. Em 2022, o infarto e o derrame também estavam na lista, mas junto a doenças neonatais e infecções pulmonares", detalhou Castello.

Carol Sarmento, médica intensivista e paliativista e idealizadora do Cuida — projeto que estimula o autocuidado — detalha que com mais pessoas envelhecendo é fundamental melhorar a qualidade de serviços e de atenção na sociedade. "De maneira que as pessoas vivam isso com qualidade, mantendo a autonomia e sendo funcionais. Tudo isso faz bem às famílias e à sociedade também. Envelhecer com saúde e evitando doenças crônicas degenerativas da terceira idade."

Fernanda Carvalho Oliveira, médica especialista em longevidade e bem-estar, da clínica Viva Mais, em Brasília, destaca que doenças crônicas e inflamatórias passarão a ser não apenas as principais causas de morte, mas também responsáveis por sequelas e incapacidade. "Trazendo um paradoxo para o momento atual, onde se vive cada vez mais, mas não necessariamente melhor. Essa realidade tende a se agravar e tem grande impacto em como as pessoas viverão seus últimos anos, inclusive há repercussões sociais e econômicas, impactando a Previdência e os custos com saúde."

•        Avanços e retrocessos

O estudo GBD, com base em dados de 2021, também destacou que os fatores metabólicos, como pressão arterial sistólica elevada, glicose, índice de massa corporal (IMC) e colesterol LDL elevados, tiveram um impacto significativo na carga global de doenças. Entre 2000 e 2021, houve um acréscimo de 49,4% nos anos de vida ajustados por incapacidade atribuíveis a esses fatores. A população de 15 a 49 anos é particularmente afetada por IMC elevado e glicemia alta, o que agrava o risco de diabetes e outras doenças metabólicas.

As políticas de saúde focadas na redução da exposição a fatores de risco, como obesidade, tabagismo, poluição atmosférica e questões de saúde materno-infantil, têm sido eficazes na redução da carga global de doenças. De 2000 a 2021, houve declínio significativo em condições ligadas à desnutrição de mães e filhos e falta de saneamento básico. Esses avanços indicam o sucesso das medidas de saúde pública e iniciativas humanitárias nas últimas três décadas.

Por outro lado, problemas ligados ao tabagismo e à poluição atmosférica aumentaram. A contaminação do ar e os fatores metabólicos, como IMC alto, também aumentaram substancialmente.

"O GBD destaca que as tendências futuras podem ser bastante diferentes das tendências passadas devido a fatores como as alterações climáticas e o aumento da obesidade e da dependência, mas, ao mesmo tempo, existem enormes oportunidades para alterar a trajetória da saúde na próxima geração", frisou, em nota, Liane Ong, cientista e pesquisadora chefe do IHME.

Os cenários alternativos projetados pelo GBD demonstram que intervenções focadas em melhorar questões comportamentais e metabólicas podem diminuir de forma significativa a chance de doenças. Um cenário de "Riscos Comportamentais e Metabólicos Melhorados" prevê uma redução de 13,3% na carga de doenças até 2050. Outras intervenções, como melhorar a nutrição, vacinação infantil e criar ambientes mais seguros, também são essenciais para acelerar o progresso na saúde global.

Jamilly Drago, endocrinologista da Clínica Metasense, em Brasília, sublinha que é preciso mitigar a evolução dessas doenças. "Com campanhas nutricionais, principalmente para a população mais carentes e isso desde a infância porque crianças obesas são adultos obesos. Na alimentação é mais saudável e mais natural evitar os ultraprocessados que têm relação direta com essas doenças. Seria interessante a proibição de gorduras trans. Além de estimular a população a praticar exercícios, pelo menos 150 minutos semanais."

•        Prevenção é o caminho

"A melhoria nesse cenário da esperança de vida ao nascer está associada ao avanço de tratamentos, mas, principalmente, nas políticas de saúde pública que diminuíram as ocorrências de doenças transmissíveis. Os fatores contribuintes, como a vacinação infantil, já existem, mas precisam ser universalizados e amplamente divulgados. Medidas de saúde pública que propiciam melhor aporte nutricional às populações ajudariam, pois não adianta promover campanhas sobre dieta saudável se a maioria não tiver acesso. Em 2020 a The Lancet publicou um estudo onde mostra os 12 fatores de risco associados à demência. Entre eles se destacam nove, que são considerados modificáveis e que reduzem em quase 40% as chances de ter o problema, são eles: hipertensão, baixa escolaridade na infância, deficiência auditiva, tabagismo, obesidade, depressão, diabetes, baixo contato social e inatividade física. Se a população e o poder público se atentarem, contribuiremos com a redução de incidência de quadros demenciais, o que é muito animador." - Eva Bettine, gerontóloga da Universidade de São Paulo e da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz)

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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