Militares: Hora de cortar a cabeça do golpismo
Após escândalos de corrupção e depoimento de Mauro
Cid, militares estão acuados. Porém a ameaça golpista persistirá, caso Lula não
aproveite o momento para substituir oficiais radicalizados e demitir seu
ministro da Defesa.
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1) Que revelam as
investigações em curso?
Os fatos, até agora apenas parte do que dispõe a
Polícia Federal e o ministro Alexandre de Morais, vão apontando na direção da
culpa formada de Bolsonaro em um sem-número de crimes, sendo o mais importante
o de atentar contra a ordem democrática. Embora com menos precisões e detalhes,
vem transparecendo na mídia o envolvimento de oficiais das três armas e em
diferentes escalões, de tenentes a generais, numa sucessão de eventos que
configuram um clássico complô golpista que antecede e culmina com a intentona
de 8/1.
Ainda não veio à luz o conteúdo da delação premiada
do coronel Cid, mas algumas notícias filtradas em blogs, colunas e analistas
das TVs, permitem supor que não só Bolsonaro, mas todo o time dos generais do
Palácio (Braga Neto, Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos) e vários membros do
Alto Comando do Exército estiveram implicados nas manobras para desmoralizar as
urnas eleitorais, no apoio aos manifestantes golpistas acampados na porta de
dezenas de quartéis, nos eventos do dia 8/1 e em intensas articulações
conspiratórias visando várias alternativas de golpe.
Inquéritos da Polícia Civil do DF, investigando a
ação da PM, também enquadraram o comandante militar do Planalto. Diálogos para
lá de explícitos entre o general Dutra de Menezes e o comandante da PM,
assistidos pelo ministro da Justiça, mostram quão perto estivemos de um
enfrentamento armado, inclusive com a ameaça do uso da força de tanques. Toda
esta truculência tinha como propósito proteger os militantes golpistas,
refugiados à sombra dos canhões depois de terem destruído os palácios da Praça
dos Três Poderes. A virulência dos comandantes da tropa do Exército neste
enfrentamento verbal parece encontrar explicação no fato, apontado por vários
jornalistas, de que militares da reserva e familiares de militares da ativa e da
reserva estavam no acampamento e seriam presos se a PM cumprisse as ordens
recebidas. O ministro Flávio Dino vai ter que se explicar sobre o acordo que
ele endossou, adiando as prisões para a manhã seguinte, com o recuo da PM por
12 horas. Foi o tempo para os generais retirarem pessoas próximas, inclusive,
segundo algumas fontes, a esposa do general Villas Bôas, colocando-as a salvo
de prisões imediatas.
Se estes fatos são verídicos, o número de generais
a ser indiciado e investigado vai num crescendo. Os filmes das mais de 200
câmaras instaladas dentro e fora dos palácios não podem ter deixado de revelar
a presença de outros oficiais nos atos golpistas, sobretudo da reserva, mas até
agora não foi filtrada nenhuma notícia sobre estes possíveis participantes. A
PF está segurando informação ou preservando os implicados vinculados às FFAA?
Por outro lado, não é nada difícil acessar as redes
sociais de boa parte da oficialidade que ignorou o princípio da não
manifestação política quando na ativa e postou barbaridades antidemocráticas a
torto e a direito ao longo destes terríveis quatro anos. Tive acesso indireto a
umas quantas mensagens de grupos de amigos e parentes militares e parecia que
estava assistindo debates de um partido político revolucionário (só que à
direita) sobre a tomada do poder. Se o que vi é uma amostra representativa, o
“partido militar” está mais do que formado e só faltaria achar um nome de
batismo. Uma investigação minimamente séria provocaria uma hecatombe de
punições disciplinares, no mínimo, podendo até ir parar nas mãos do Xandão e
dos carcereiros da Papuda.
Enquanto isso, a Procuradoria Militar não encontrou
indícios de “mau comportamento” de qualquer oficial, a não ser um coronel da
reserva que proferiu impropérios contra os generais do Alto Comando por não
terem tomado a iniciativa de dar o golpe.
Não foram poucas as pesquisas de opinião nos
últimos anos, veiculadas aqui e ali na imprensa, indicando o amplo predomínio
do bolsonarismo nas três forças, mas sem que se possa estratificar os
percentuais de acordo com as patentes. Entretanto, como revelou uma gravação
entre o coronel Cid e um seu correligionário ou cúmplice: “dos comandos de
divisão para baixo, todos esperam uma ordem de marcha”, ou outra frase com o
mesmo sentido.
Para concluir: embora falte muita informação ainda
mantida sob reserva pelo STF e pela PF tudo indica que há um considerável
número de oficiais de todas as patentes envolvidos em atividades
antidemocráticas, com variados graus de comprometimento, desde conclamações pelas
redes sociais até a proteção dos golpistas na frente dos quartéis. Tudo isto é
coerente com o histórico das nossas FFAA, em particular no período de
redemocratização, quando a alta oficialidade não deixou de pressionar as
autoridades civis em vários momentos, ao mesmo tempo que afrontava a democracia
abertamente, comemorando o golpe de abril de 1964 com ordens do dia
laudatórias, ano após ano.
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2) Como estão se
posicionando as FFAA, o judiciário e o executivo?
O comandante em chefe do Exército, general Tomás
Ribeiro Paiva, nomeado por Lula após o 8/1, adotou uma postura de maior rigor
nas exigências do cumprimento do preceito disciplinar que impede as
manifestações políticas dos militares da ativa, mas ainda não vi nenhuma
avaliação sobre o conteúdo das comunicações posteriores nas redes sociais.
Durante o período do governo Bolsonaro tornou-se comum o compartilhamento de
informações, com alta circulação de fake news disseminadas pelo “gabinete do
ódio”. Aparentemente houve um recuo generalizado entre os oficiais, muitos
deles formados nos cursos virtuais do “filósofo” Olavo de Carvalho, com muitos
perfis fechados e outros transformados em sites politicamente anódinos no
Facebook, mas não é controlável o que rola em grupos de WhatsApp. O general
Paiva chamou para si o monopólio das manifestações do Exército e as manteve
voltadas para temas profissionais. Quanto aos oficiais da reserva, eles
continuam se manifestando agressivamente, quer em seus canais nas redes quer
através do Clube Militar. A imprensa adotou a posição de ignorar estas
manifestações, quem sabe para não dar visibilidade a provocações.
Embora de forma bastante discreta, o comandante do
exército tem buscado contatos com o Judiciário, dentro de uma estratégia de
“separar o joio do trigo”, isto é, defendendo que sejam investigados e julgados
oficiais comprometidos com os atos golpistas, mas circunscrevendo as
responsabilidades aos momentos mais graves dos desafios à democracia, ou seja,
a intentona de 8/1. Como já foi dito antes, não há ações do Ministério Público
Militar responsabilizando os ativistas que bancaram o apoio aos acampamentos
nas portas dos quartéis, mesmo os que foram mais desafiadores como os que
abrigaram os golpistas do 8/1, em Brasília. Parece que se busca jogar aos leões
(leia-se Alexandre de Morais e PF) o ex-presidente Bolsonaro, o coronel Mauro
Cid e algum outro auxiliar direto de Bolsonaro, limitando a limpeza ao máximo.
O princípio defendido em público é o de respeito pelo Judiciário e a aceitação
do enquadramento de qualquer oficial comprometido, enquanto se pressiona nos
bastidores pela minimização das investigações.
Resta saber como vão se comportar os Altos Mandos
das três armas e a oficialidade em geral se as investigações em curso forem se
ampliando para implicar outros generais, como os três palacianos e o
ex-comandante do Exército, general Júlio Cesar Arruda e o comandante militar do
Planalto, general Dutra de Menezes, além de outros oficiais menos graduados.
A agressividade golpista foi contida e o
bolsonarismo está na defensiva na oficialidade. No entanto, seria muita
ingenuidade supor que depois de flertarem com um golpe de Estado esta ampla
maioria bolsonarista da oficialidade vai enfiar a viola no saco e voltar-se
para seus afazeres profissionais. Nunca é demais lembrar que estivemos muito
perto de um desfecho sinistro no 8/1 ou mesmo antes disso. Como já expus em
outros artigos, faltou aos golpistas o elemento central do comando centralizado
para que as tropas fossem para as ruas e estradas. Quando a maioria do Alto
Comando do Exército se posicionou contra o golpe, a única hipótese da intentona
seguir adiante seria uma convocação de Bolsonaro por cima das cabeças de seus
generais de quatro estrelas, apelando para uma intervenção “dos generais de
divisão para baixo”. Mesmo nesse caso, as condições seriam muito mais difíceis
pois seria necessário que algum general de divisão tomasse a iniciativa de
romper a cadeia de comando e isto, em uma organização militar, não é coisa
fácil. Lembremos que em 1964, com todo o Alto Comando na jogada houve um
momento de vacilação e foi preciso que um general de brigada, Olímpio Mourão,
quebrasse o impasse colocando suas tropas na estrada Juiz de Fora/Rio de
Janeiro. O resto veio por adesão com os comandantes de Exército correndo atrás da
iniciativa para não perder a autoridade. Lembremos também que, em 1961, bastou
que um comandante de Exército, o do terceiro, da região sul, se colocasse
frontalmente contra o golpe para paralisar o movimento. Com comando unificado
os oficiais vacilam em entrar em bolas divididas; sem ele fica mais difícil
ainda tomar a iniciativa, por medo de agir sem ser seguido. O Mourão de 64 era
um conhecido impulsivo, mas agiu com o apoio do poder civil em Minas Gerais, o
governador Magalhães Pinto e amplo apoio das classes dominantes e da grande
imprensa. No caso atual, sem a convocação de Bolsonaro e sem um Mourão para
quebrar a cadeia hierárquica o resultado foi a paralisia. A última tentativa
foi a insinuação da decretação de uma GLO que daria poder legal de controle do
espaço brasiliense pelo comando militar do Planalto. Quando Lula recusou a
proposta de seu próprio ministro da Defesa, que o tornaria refém dos generais,
o blefe foi encarado e ninguém se mexeu.
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3) Oportunidades perdidas?
Preocupa saber que, limpado o meio de campo dos
casos mais graves, a ampla gama de militares que foram ativistas políticos e
que conspiraram contra a democracia, vai ficar intocada, ocupando postos
estratégicos e esperando o momento de retomar a ofensiva. É preciso ter muito
claro que o status quo militar não é de tranquilidade e de respeito pelo poder
civil e as instituições da República. Temos uma massa de oficiais ressentidos
com o desastre da perda das eleições, a covardia de seu líder e a derrota do
seu plano de permanência no poder. Não é um quadro fácil de ser enfrentado, mas
vai ser preciso fazê-lo.
Muita coisa vai depender do grau de radicalidade do
Judiciário na busca pela punição ao golpismo. Até agora, o STF, em particular o
ministro Alexandre de Morais, segue firme no aprofundamento das investigações,
muito embora continue bastante opaca a parte dos inquéritos que toca a
responsabilização da oficialidade das FFAA ou a dos financiadores da máquina
golpista. Se o poder judiciário for fundo na limpeza, o desmonte da máquina golpista
poderá reduzir os riscos futuros e, sobretudo, abrir espaço para um debate na
sociedade e nas próprias FFAA sobre o seu papel no Brasil do século XXI, pós
fim da guerra fria. Afastar os elementos mais comprometidos e ameaçadores na
oficialidade vai dar uma lição que os outros vão compreender, mesmo que suas
convicções continuem, no íntimo, simpáticas a um golpismo.
E qual o papel do poder executivo neste quadro
altamente arriscado para a democracia? O Executivo não tem, aparentemente, o
que fazer neste momento, já que a bola está com o judiciário. Mas temos que
lembrar que o presidente é o comandante em chefe das FFAA e que a oficialidade
lhe deve obediência hierárquica. Este poder começa com o do ministro da Defesa,
que tem a caneta das promoções na mão, com o respaldo do presidente. Bolsonaro
usou este poder para nomear um ministro de seu agrado e para afastar
comandantes que não o eram. Para fazer o mesmo, Lula vai ter que mapear os
posicionamentos dos oficiais na cadeia hierárquica para selecionar os menos
comprometidos para assumirem posições estratégicas. Não vai ser fácil pelo grau
de adesão dos oficiais ao golpismo, mas certamente sempre é possível
identificar os mais ameaçadores e os mais profissionais. Para isso, ele tem que
ter do seu lado um ministro que tenha habilidade e pulso firme e não o atual,
verdadeiro cúmplice do golpismo.
O que não dá para fazer é tentar adoçar a boca dos
raivosos candidatos frustrados a golpistas com benesses, aumentos de salários,
altos orçamentos para compras de armamentos e outros gestos que não deixarão de
ser interpretados pelos destinatários senão pelo que eles são: uma manifestação
de temor pelo que eles poderiam ter feito e pelo que poderão fazer.
O presidente Lula está mais preocupado em governar
de forma a promover o desenvolvimento e ampliar a inclusão social, a oferta de
empregos e o aumento dos salários e da renda dos mais pobres. É, sem dúvida, a
principal prioridade do governo. Mas não enfrentar a ameaça institucional de
uma oficialidade que andou à beira da insurreição e carregada de uma ideologia
de ultradireita, é um suicídio político e um risco permanente contra os seus
projetos de governo.
Até agora, o comportamento do governo Lula tem
sido, também neste tema, um repeteco do passado. A nomeação de José Múcio para
ministro da Defesa, em nome de suas “boas relações com os militares” indicou a
intenção de fazer quantas concessões fossem necessárias para “tranqulizar a
tropa”. Na efervescência do processo golpista em andamento, Múcio fez
declarações simpáticas aos acampados nas portas dos quartéis, inclusive dizendo
ter amigos e parentes entre estes últimos. Quando ocorreu a provocação máxima
do movimento golpista em 8/1, José Múcio levou a Lula a proposta do comandante
do Exército de decretar uma GLO. Esta GLO era o que se pode chamar de “programa
mínimo” do golpismo. Não afastaria o Lula, anularia as eleições, fecharia o STF
e o Congresso, os elementos chave do “programa máximo” do golpismo. A GLO seria
uma saída honrosa para os generais do Alto Comando, buscando mais poder de
barganha com o governo Lula e evitando a ruptura da ordem democrática. Lula,
sabiamente, recusou esta hipótese, que o deixaria em um incômodo e perigoso
condomínio com um bando armado. E, sobretudo, deixaria o Exército em condições
ideais para intervir, se o quadro favorável se apresentasse no futuro.
A decisão de Lula e a não reação da generalada à
sua recusa foi decisiva, mas foi logo enfraquecida pela decisão seguinte, a de
não demitir os generais que ameaçaram o ministro da Justiça, o interventor na
segurança pública do DF e o comandante da PM do DF quando tentaram prender os
golpistas abrigados à sombra do quartel general do Exército.
Na queda de braço entre a autoridade civil e a
militar preponderou esta última e uma oportunidade de ouro de dar uma
demonstração de força foi perdida. Foi preciso que o comandante do Exército se
recusasse a reverter a nomeação do Coronel Mauro Cid para uma brigada
estratégica em posição chave para atacar o poder executivo para Lula decidir
afastá-lo, mais uma vez, em posição contrária ao seu ministro da Defesa. Com a
sucessão de meias medidas, avanços e recuos do Executivo foi um golpe de sorte
que o primeiro general na lista de promoções para o comando do Exército era
mais para profissional do que para bolsonarista, muito embora haja quem diga
que o atual comandante foi um aderente do ex-presidente até a undécima hora, ou
seja, até a decisão do Alto Comando contrária ao golpe. Daí para frente ele foi
ficando cada vez mais enérgico em suas declarações pelo respeito à hierarquia e
às instituições. Uma análise mais política apontaria para uma postura que
convidava a simpatia do novo governo. Se foi o caso o general Paiva mostrou-se
um bom político ao, formalmente, se afastar da politização das FFAA.
A permanência de Múcio no Ministério da Defesa
continua sendo um indicativo de que este governo quer conciliar, transar,
transigir, aplacar, agradar ou qualquer outro verbo que indique a realidade de
uma posição acuada frente aos militares.
A oportunidade perdida talvez nunca mais volte. Os
militares estão na defensiva e vulneráveis juridicamente. Politicamente estão
derrotados e mal vistos pela opinião pública. A sucessão de escândalos de
militares acusados de envolvimento em corrupção dá munição para mantê-los na
defensiva. É neste momento de fraqueza do bolsonarismo que o governo deveria
tomar a iniciativa de, sem alarde, cumprir a sua parte no desmonte do golpísmo:
afastar os generais mais comprometidos e promover os oficiais que se mostraram
mais profissionais nestes tempos conturbados. Para isso Lula vai ter que
começar por trocar este ministro da Defesa, que adotou o papel, literalmente,
da defesa … dos golpistas. Por outro lado, o governo deveria criar, no
ministério da Defesa, mas não restrito aos militares, um grupo de trabalho para
discutir o papel desejável das FFAA na conjuntura mundial, regional e nacional.
Sem isolar o mais possível a oficialidade golpista e sem colocar o debate sobre
o lugar e papel das FFAA na sociaidade e no Estado brasileiros, o nó que nos
amarra desde a proclamação da República não vai ser desatado e estaremos sempre
à sombra das ameaças dos fardados.
Fonte: Por Jean Marc von der Weid, em Outras
Palavras
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