Porque não se deve comparar a delação premiada de Mauro Cid com a Lava
Jato
A homologação do acordo de colaboração premiada do ex-ajudante de Ordens da
Presidência, tenente-coronel Mauro Cid, pelo ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 9 de setembro, caiu como uma
bomba em Brasília. Logo, aqueles que defendiam essa indústria no âmbito da
Operação Lava Jato se mostraram contra, curiosamente usando os abusos da
República de Curitiba como exemplo.
No mesmo dia, em meio a falta de anuência do
Ministério Público Federal (MPF) sobre o acordo, fechado pela Polícia Federal
(PF), procurador-geral da República, Augusto Aras, protestou, pelas redes
sociais: A PGR “não aceita delações
conduzidas pela Polícia Federal, como aquelas de Antonio Palocci e Sérgio
Cabral“.
Contudo, a comparação sobre o feito esquematizado
pela defesa do tenente-coronel com as vítimas da Lava Jato, que cederam à
pressão por delação para preservar vidas, não cabe, avalia o pesquisador e
advogado criminalista Fernando Augusto Fernandes.
O jurista destaca ao GNN a diferença entre os casos, uma vez que a delação de Cid
se dá a partir da vigência da Lei 13.964/2019, que impôs uma série de
exigências na negociação e homologação de acordos de colaboração premiada,
definindo como “negócio jurídico
processual e meio de obtenção de prova, que pressupõem utilidade e interesse
públicos”.
O dispositivo dispõe em especial a exigência de que
“registro das tratativas e dos atos de
colaboração deverá ser feito pelos meios ou recursos de gravação magnética,
estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a
obter maior fidelidade das informações, garantindo, assim, a disponibilização
de cópia do material ao colaborador”.
“No
passado, as negociações entre os advogados, o mesmo Ministério Público e os
procuradores eram feitas de maneira oculta. A lei de 2019 trouxe a obrigação de
que toda negociação e conversa fosse integralmente gravada, portanto ela é
auditável. Ou seja, as negociações a partir de 2019, podem ser objeto de
fiscalização pelo Judiciário quanto à voluntariedade e legalidade das
negociações (…) por
isso por isso você tem uma diferença entre a coqueluche das delações premiadas
realizadas pela Lava Jato”, pontua o advogado.
O jurista ainda acrescenta que “essas mesmas pessoas que vibravam com as
penas estratosféricas da Lava Jato carioca ou da Lava Jato de Curitiba, agora
querem utilizar argumentos garantistas de ocasião em um procedimento que está
cumprido devido processo legal”.
·
A voluntariedade
Crítico da delação, Fernandes pondera que a questão
da voluntariedade do investigado, assim como o cumprindo do direito do juízo
natural, norteiam a legalidade do procedimento.
“De maneira
ampla, o que a Lava Jato fez foi prender em larga escala. Retirava as pessoas
dos locais onde moravam, ou seja, tiravam as pessoas de São Paulo, Rio de
Janeiro, Brasília e deslocavam para Curitiba, distanciando os presos do seus familiares,
dos seus advogados e os colocando sobre posse corporal exclusiva das
autoridades que conduziam aquela investigação (…) No caso do Cid, ele foi preso
em Brasília e permaneceu em Brasília”, explica.
“Cid teve
uma prisão legal e lícita e permaneceu no local onde estava. No caso da Lava
Jato havia interferência das autoridades estatais, colocando tanto juiz, como
os procuradores, para que os investigados os presos mudassem de advogado
(…) O Palocci, por exemplo, foi pressionado a mudar de advogado para fazer
delação premiada, no caso do Cid foi absolutamente contrário e a mudança de
advogado fez com que a percepção de uma defesa independente chegasse à
conclusão de que havia prova suficiente para a condenação e aí a opção pela
confissão”, pondera o advogado.
Em maio deste ano, o GGN publicou o relato do preso da Lava Jato, Eduardo
Aparecido de Meira, que foi pressionado a mudar de defesa para fechar acordo de
delação. Segundo ele, a tortura pela força-tarefa “não era só psicológica, era física”.
Um dos casos mais chocantes, cujos bastidores foram
revelados por Meira, envolve justamente a delação do ex-ministro Antonio
Palocci, uma das mais importantes da Lava Jato, usada em condenações do
presidente Lula (PT).
De acordo com Meira, que compartilhou a cela com o
sócio e amigo do ex-ministro, Branislav Kontic, que também foi preso
preventivamente pela força-tarefa, a delação de Palocci foi obtida por meio de
pressão psicológica. “Palocci fez
aquela delação, naquela hora e daquela forma, porque o sócio dele tentou o
suicídio dentro da PF“, lembrou Meira.
·
A briga pelo Poder
No caso da anuência do MPF sobre os acordos de
delação, é importante lembrar que é o órgão que deve oferecer ou não denúncia
sobre os fatos investigados, seja os apurados pelo próprio MPF ou pela PF.
Mas, Fernandes acredita que a negativa sobre a
homologação da delação de Cid se trata de “uma briga de poderes entre o Ministério Público e a Polícia Federal”,
isso porque o “Ministério Público quer
mais poder em relação aos casos criminais. Não se está falando de legalidade ou
ilegalidade, mas exclusivamente de poder”.
“Todo o
acordo de delação premiada, que é um contrato entre o sujeito e o estado,
precisa ter a voluntariedade e cláusulas legais, se isto foi cumprido não há
porque o judiciário não homologar”, ressalta o advogado.
“A quebra da Democracia é
muito maior do que a corrupção”
Já na semana passada, veio a público que Cid teria
revelado na delação premiada que Bolsonaro se reuniu, no ano passado, com a cúpula das
Forças Armadas e aliados militares para discutir a
possibilidade de implementar uma minuta de intervenção militar no país.
Fernandes classifica “que a quebra da Democracia é muito maior do que a corrupção”
porque “ela corrompe todo o sistema de
uma única vez”, por isso o peso dessa delação “é gigantesco”.
O que Cid “disse
somado aos elementos de prova que ele entrega ou que a Polícia Federal obtém,
cria condições de ação penal contra o Bolsonaro e a gigantesca possibilidade de
condenação”, explica.
“Somente um
alienado é capaz de desconectar os fatos realizados por ele mesmo, como os
discursos do 7 de Setembro; os ataques pessoais ao STF; o incentivo permanente
da desconfiança não só a urna eletrônica, mas da conclusão do processo
eleitoral; somado aos fatos achados desde a minuta do golpe, agora notícia da
reunião para falar da viabilidade de golpe; o incentivo aos acampamentos dos
quais saíram a bomba para o caminhão que só explodiu por circunstâncias
alheias; e aquelas pessoas que saíram desses acampamentos e foram depredar os
prédios públicos parte de um plano golpista. Então, isso tudo torna se um
processo de uma prova muito evidente”, diz.
“Agora, a
todos no Brasil é garantido devido processo legal, o juiz natural e aos
recursos inerentes que neste caso continuam no STF. Mas, diferentemente do
processo do Lula no qual hoje foi julgado por um juiz declarado suspeito,
Bolsonaro terá o julgamento justo”, completa Fernandes.
Ø PF vai ouvir Bolsonaro, Garnier, Filipe Martins e todos os citados na
delação de Mauro Cid
Para checar a delação do ex-assessor de Jair
Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, a Polícia Federal (PF) vai ouvir todos os
envolvidos nos fatos narrados por ele, inclusive os que já haviam dado
depoimento antes.
Além do próprio ex-presidente, um dos que serão
chamados a depor é Filipe Martins, assessor especial de Bolsonaro que, segundo
Cid, teria levado a uma reunião uma minuta de projeto “autorizando” um golpe de
Estado no Brasil.
O almirante de esquadra da Marinha Almir Garnier,
que teria afirmado ao ex-presidente que suas tropas estariam prontas para
responder à convocação de Bolsonaro, segundo Cid, também será ouvido no
inquérito.
Cid contou que o então presidente teve uma reunião
com a cúpula das Forças Armadas e seus ministros mais próximos, e o encontro só
não resultou em uma proposta de golpe de Estado porque a ideia de intervenção
militar não foi aceita pelo comandante do Exército, general Marco Antonio
Freire Gomes e outros participantes, como revelaram os jornalistas Bela Megale
e Aguirre Talento.
A Polícia Federal está checando os elementos
fornecidos por Cid para comprovar se o seu relato é confirmado por outras
provas.
Ø Comandante do Exército de Lula elogia almirante golpista delatado por
Mauro Cid
O comandante do Exército, general Tomás Paiva,
afirmou à Folha que a Força cumpriu a lei ao respeitar o resultado da eleição e
disse que o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha sob
suspeita de golpismo, “sempre foi uma pessoa honrada”.
“Eu fui colega dele [Garnier], sempre foi uma
pessoa honrada, correta. Eu acho difícil ele ter apoiado uma tentativa de
golpe. Mas isso está sob investigação e eu não devo me pronunciar mais sobre
isso”, declarou Tomás. Para ele, Garnier é uma pessoa “tranquila” e
“inteligente”.
“O que eu posso garantir é que o meu comandante
[general Freire Gomes], quando eu era integrante do Alto Comando, deixou claro
que não tinha possibilidade de fazer qualquer coisa que não fosse
constitucional”, continuou, ao ser questionado a respeito da delação premiada
do tenente-coronel Mauro Cid à Polícia Federal.
Segundo depoimento de Cid à PF, Jair Bolsonaro (PL)
submeteu a militares de alta patente uma minuta de decreto para dar um golpe de
Estado após o segundo turno das eleições de 2022.
De acordo com reportagem do UOL, Cid afirmou que
Garnier, então comandante da Marinha, manifestou-se favoravelmente às intenções
golpistas durante as conversas de bastidor, mas que o plano não teve o apoio do
Alto Comando das Forças Armadas.
Tomás Paiva disse à Folha nesta quarta-feira (27)
que não teve acesso à delação de Cid, mas afirmou que Freire Gomes, então
comandante da Força, cumpriu com suas obrigações legais.
“Ele [Freire Gomes] definiu que a gente ia seguir o
que está previsto na lei, não há nenhum mérito nisso. É cumprir a lei e ponto
[respeitar as eleições]. A única pessoa que se expressa pelo Exército é o
comandante. Ele tem essa obrigação legal”, afirmou Tomás, dizendo também não
saber o teor das reuniões delatadas por Cid.
Tomás também comentou a decisão do TSE (Tribunal
Superior Eleitoral) que excluiu as Forças Armadas da lista de entidades que
fiscalizam o processo eleitoral. Para ele, isso representa um “retorno à
normalidade”.
Como a Folha revelou à época, o almirantado não era
favorável às posições do comandante Garnier.
O conjunto de chefes da Marinha ainda se opôs ao
comandante Garnier às vésperas do Natal, em reunião no Rio de Janeiro, quando o
chefe militar ameaçou deixar o cargo antes da posse de Lula na presidência da
República.
Em ato inédito na democracia, como protesto,
Garnier faltou à passagem de comando da Marinha para o almirante Marcos Sampaio
Olsen.
Fonte: Jornal GGN/Metrópoles/FolhaPress
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