Com apoio de Rússia e China, teria chegado a hora e a vez do Brasil no
Conselho de Segurança da ONU?
Itamaraty acredita estar mais perto do que nunca da
cadeira permanente do Conselho de Segurança da ONU. Saiba por que o Brasil está
investindo pesado na sua candidatura e se a meta de ascender ao principal órgão
da ONU ao final do mandato de Lula é realista.
Neste domingo (1º), o Brasil assume a presidência
do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em meio à intensa campanha para
reformá-lo. Segundo fontes do Itamaraty, a conjuntura atual é a mais propícia
para a concretização do objetivo brasileiro de se tornar membro permanente do
principal órgão decisório da ONU.
Durante sua recente estadia em Nova York (EUA),
para abrir os trabalhos da Assembleia Geral das Nações Unidas, o presidente do
Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu chanceler, Mauro Vieira, priorizaram a
reforma do Conselho de Segurança durante as reuniões em que o Brasil tomou
parte.
"O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo
progressivamente sua credibilidade", declarou o presidente Lula durante o
discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU. "Sua paralisia é a prova
mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior
representatividade e eficácia."
A delegação brasileira em Nova York priorizou
encontros com grupos e países envolvidos nas articulações pela reforma, como o
G4, formado pelos principais candidatos à cadeira permanente – Brasil, Índia,
Japão e Alemanha, e o L69, países em desenvolvimento que concordam com a
necessidade de mudanças na principal estrutura da ONU. Os diplomatas
brasileiros também priorizaram reuniões bilaterais com países-membros do
conselho, como Rússia e EUA, para enfatizar seu interesse na reforma.
Em todas as reuniões, o Brasil extraiu de seus
parceiros o compromisso de trabalho conjunto em prol da reforma, reportou a CNN
Brasil.
O Brasil também conseguiu formalizar o apoio dos
países do BRICS à reforma do órgão, ao incluir parágrafo sobre o tema no qual é
citado nominalmente na mais recente declaração do grupo, emitida durante a
Cúpula de Chefes de Estado de Joanesburgo, na África do Sul, no fim de agosto.
O objetivo do governo brasileiro é selar a entrada
do Brasil no Conselho de Segurança até o fim do mandato do presidente Lula, em
2026.
• A
hora e a vez do Brasil?
O otimismo do Itamaraty em relação a uma reforma
que muitos consideram irrealista se dá principalmente pela recente mudança da
posição dos EUA em relação ao tema, acredita o doutorando em Ciência Política
pelo IESP-UERJ e pesquisador do Núcleo de Estudos de Atores e Agendas de
Política Externa (NEAAPE), Eduardo Morrot.
"Os EUA têm se mostrado mais favoráveis a uma
mudança no sistema, tanto por reconhecer que a ordem internacional está
defasada, quanto por precisar mostrar certa flexibilidade em relação ao
tema", disse Morrot à Sputnik Brasil. "Eles querem evitar ser vistos como
um país que não cede ao Sul Global, preso ao seu poder adquirido em 1945."
Já o doutor em Relações Internacionais pela
Universidade Russa da Amizade dos Povos (RUDN, na sigla em russo), Johnatan
Santos, não acredita que Washington esteja disposto a reformar o sistema.
"Os EUA estão satisfeitos com a ONU da maneira
que ela é. Eles gozam de enorme poder como mantenedores da organização,
controlam boa parte de sua pauta, e garantem um grande número de
norte-americanos nos quadros administrativos e técnicos", disse Santos à
Sputnik Brasil.
Desde os anos 2000, os Estados Unidos têm feito
oposição à reforma do conselho, em contraste com a posição de China e Rússia,
que se colocam favoráveis às mudanças.
O apoio russo ao Brasil, por exemplo, foi
reafirmado recentemente pelo chanceler Sergei Lavrov em reunião bilateral com
Mauro Vieira, no dia 21 de setembro, e em entrevista cedida pelo embaixador da
Rússia no Brasil, Alexey Labetskiy, nesta segunda-feira (25).
"Rússia e China sempre se posicionaram de
forma relativamente favorável à reforma do conselho, apesar de Pequim ter
oposição a alguns candidatos em particular, como Índia e Japão",
esclareceu Morrot.
Nesse sentido, o Brasil está em uma posição mais
confortável do que seus colegas de G4, já que não teria sua candidatura
bloqueada por nenhum membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
"A verdade é que o Brasil tem todas as
credenciais diplomáticas e é um dos países mais cotados para assumir uma
cadeira no conselho", disse Morrot. "Só não entramos no conselho
ainda porque a reforma não saiu do papel."
Por outro lado, países aliados do Brasil na América
Latina, como Argentina e México, participam de grupos de oposição à reforma do
conselho e negam que estariam representados por uma eventual cadeira permanente
brasileira. Além disso, nem todos os países da ONU acreditam que o Brasil tenha
o peso geopolítico necessário para ser alçado ao principal órgão da
organização.
"Muitas vezes nos esquecemos de que o Brasil é
um país isolado geopoliticamente. Por isso é necessário convencer os membros da
comunidade internacional da sua relevância e capacidade de influenciar a agenda
de forma positiva", considerou Santos.
• Membro
de 2ª classe
Para driblar a oposição à reforma do Conselho de
Segurança, o Brasil já declarou estar disposto a aderir sem o poder de veto. Os
cinco membros originários do Conselho – Rússia, EUA, China, França e Reino
Unido – podem vetar qualquer decisão do grupo de forma unilateral.
"Acho que, mesmo sem o poder de veto, vale a
pena para o Brasil entrar no conselho", acredita Morrot. "O Brasil
tem uma postura internacional avessa ao bloqueio de debates e dificilmente
usaria o poder de veto em alguma questão consensual."
O acordo em debate incluiria a entrada de novos
membros sem poder de veto, com uma garantia de que o tema fosse discutido em um
futuro próximo.
"O objetivo seria, futuramente, debater a
própria existência do veto, propondo a migração para um sistema mais eficiente,
como o da aprovação de decisões por maioria qualificada", considerou
Morrot.
Para Santos, o Brasil não deveria aceitar a entrada
sem poder de veto com a promessa de receber concessões futuras, sob pena de
cair em uma armadilha.
"Na formação da ONU, em 1945, também nos
prometeram uma entrada no Conselho de Segurança no futuro. Agora nos oferecem
uma cadeira sem poder de veto, prometendo uma discussão sobre o veto em um
futuro próximo. Mas sabemos que esse futuro pode nunca chegar", acredita
Santos.
• Conselho
esvaziado
Outra preocupação é de que o Brasil invista grande
capital diplomático pra entrar no conselho de uma organização que já não tem
relevância geopolítica, avalia Santos.
"A ONU já perdeu relevância, está com o
processo decisório emperrado e conduziu missões de paz com grau de sucesso
duvidosos, como a do Haiti", considerou o especialista. "A sua
capacidade de ser um fórum para estabelecimento de metas conjuntas também está
sendo questionada pelo insucesso da Agenda 2023, que já sabemos que não será
cumprida. Durante a COVID-19 tampouco vimos a ONU criando mecanismos eficientes
de combate à pandemia."
Segundo ele, a diplomacia brasileira teria mais a
ganhar investindo na consolidação do BRICS estendido como uma alternativa à ONU.
"Claro que seria bom para o Brasil entrar no
conselho, mas do jeito que a ONU tem trabalhado ultimamente, vemos que a
participação no BRICS é mais efetiva", declarou Santos. "O BRICS
poderá se estabelecer como uma estrutura paralela e substituir a ONU no trato
de vários temas da agenda internacional."
Enquanto as Nações Unidas seguirem operando como
órgão com maior número de adesões internacionais, o Brasil tem o dever de
pressionar por um lugar no topo, acredita Morrot.
"Se formos realistas demais, nada sai do
papel. Claro que é ousado, claro que é difícil, mas sem pressão a reforma da
ONU nunca vai sair. Não podemos nos contentar. Temos todo o direito e dever de
pressionar por uma reforma, nos articulando com países que concordam com a
nossa posição", concluiu o especialista.
Sul
Global 'está cansado' da hegemonia do Ocidente nos mercados globais, diz
especialista
O Ocidente obviamente está perdendo suas posições
no mercado global, sua hegemonia está gradualmente chegando ao fim, enquanto
70% do crescimento da economia mundial já corresponde aos países do chamado Sul
Global, disse à Sputnik Vitaly Mankevich, representante da União Russo-Asiática
de Industriais e Empresários.
"O Ocidente está claramente perdendo suas
posição no mercado mundial, recuando, sua hegemonia está gradualmente chegando
ao fim", disse ele.
Ao mesmo tempo, disse, "o crescimento da
economia mundial, uma grande cota-parte, 70%, já é produzido não no Ocidente,
mas no chamado Sul Global, que inclui países da Ásia, África e América Latina.
"Esses países ao longo das décadas têm se
cansado dos gritos constantes de Washington e Bruxelas e estão agindo de forma
cada vez mais independente", disse Mankevich.
Ele também observou que a maioria dos países do Sul
Global é amigável em relação à Rússia, esclarecendo que só 40 países decretaram
sanções contra a Rússia.
"A maioria da comunidade mundial - dois terços
da população mundial - ainda mantém boas relações com Moscou. Eles representam
todos os continentes. São a China, Índia, Brasil, Argentina, Egito, Etiópia,
Irã, Turquia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos", concluiu o
especialista.
• FMI
declara apoio à expansão do BRICS
Porta-voz afirmou que é bem-vindo e estimulado pela
organização o desejo de mais países aderirem ao grupo, atualmente composto por
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) apoia e
encoraja a entrada de novos países ao BRICS, declarou nesta quinta-feira (28) a
porta-voz do fundo, Julie Kozack, em coletiva de imprensa.
"O desenvolvimento e a expansão da cooperação
internacional, o aprofundamento dos vínculos comerciais e de investimento entre
grupos de países, como, por exemplo, o BRICS, é algo que celebramos e
encorajamos, contanto que o objetivo seja o de reduzir a fragmentação do
mercado, fortalecer os negócios e transações e diminuir os custos com
investimentos", disse Kozack.
Em agosto, os líderes do BRICS convidaram seis
novos países a aderirem formalmente ao grupo em 1º de janeiro de 2024:
Argentina, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Egito e Etiópia. O anúncio foi
feito durante a XV cúpula do grupo, realizada em Joanesburgo, na África do Sul.
<><> Pagamentos em moedas nacionais
entre Rússia e Índia cresce 5 vezes em 2023
As transações em moedas nacionais entre a Rússia e
a Índia quintuplicaram em 2023 em comparação ao ano anterior, afirmou Anatoly
Popov, vice-presidente do conselho executivo do banco russo Sberbank, durante a
conferência SberVED 2023.
O dado de Popov acompanha a tendência mundial de
desdolarização das transações internacionais, que vê pagamentos sendo
realizados em fortes moedas nacionais, como é o caso do yuan chinês.
"O Sberbank é um parceiro bancário importante
para clientes corporativos que trabalham em moedas nacionais com a Índia. Neste
ano, os volumes de liquidações com a Índia cresceram cinco vezes em termos
monetários em comparação com o mesmo período do ano passado", disse Popov,
destacando a importância do banco para clientes interessados em realizar
negócios na Índia. Ao mesmo tempo, o total médio de transações no primeiro
semestre do ano aumentou em 83%, segundo o banco.
Os esforços mundiais pela desdolarização vêm, em
grande parte, de países-membros do BRICS, que veem no padrão do dólar uma
possível "arma" por parte dos Estados Unidos na hora de exercer
sanções econômicas. Em abril, durante uma visita à China, Luiz Inácio Lula da
Silva, presidente do Brasil, questionou:
"Quem decidiu que o dólar era a moeda depois
que desapareceu o ouro como padrão?"
Para a ex-presidente do Brasil e atual presidente
do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, Dilma Rousseff, a expansão dos
mecanismos de pagamento em moedas locais e outros instrumentos financeiros,
como uma possível moeda comum do grupo, podem "construir um novo sistema
financeiro mais multilateral e inclusivo".
Ø Veto europeu ao acordo Mercosul-UE vem de pressão dos setores agrícolas
francês e alemão
Na próxima semana, uma nova reunião presencial
entre representantes do Mercosul e da União Europeia (UE) acontecerá em
Brasília. Dela espera-se um andamento no tema do acordo de livre comércio entre
os dois blocos econômicos. Ponto de entrave principal, a questão ambiental
deverá ser tema decisivo na reunião.
Em uma carta paralela, a UE acrescentou demandas
ambientais que extrapolam acordos internacionais em vigor atualmente, gerando
preocupações quanto ao fechamento do tratado, que já está em negociações há 20
anos.
No entanto, com as novas declarações de Marina
Silva, ministra do Meio Ambiente, de que o país está aumentando sua meta de
redução de emissões de CO2, o Brasil já está além das expectativas mundiais.
Para Gustavo Nikolaus, professor de planejamento
energético na Universidade Federal de Ouro Preto, a ampliação da meta é uma boa
notícia, "uma vez que posiciona o Brasil como um dos líderes na questão
ambiental da agenda política internacional", mas destaca que, para que o
objetivo seja alcançado, o governo deverá ser mais incisivo no combate ao
desmatamento dos biomas brasileiros.
Vinícius Rodrigues Vieira, professor de Relações
Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), compartilha da
opinião, ressaltando que há um atraso na visão europeia em relação aos esforços
brasileiros.
"A imagem que se tem no público e mesmo em
alguns políticos europeus é muito negativa, muito em função do legado dos anos
Bolsonaro e da falta de conhecimento", aponta. "Por exemplo: o Brasil
gera sua energia de modo muito mais limpo e, portanto, com menos emissões per
capita do que uma Alemanha. Ainda mais no contexto da questão da Ucrânia, que tem
uma grande matriz suja, regredindo muito nesse contexto."
O especialista também vê nas exigências um claro
lobby do setor agrícola francês e alemão. "A UE est[a exatamente
inflexível porque no fundo essa pauta ambiental foi capturada por lobbies
protecionistas que temem a competição da agricultura brasileira e
argentina", afirmou.
Demandas ambientas europeias preveem o embargo a
produtos agrícolas
Um dos pontos mais contenciosos das demandas da
União Europeia para o tratado de livre comércio é a previsão de embargo a
produtos advindos de regiões de desmatamento.
Vista com estranhamento por parte de agricultores,
políticos e pela população, a cláusula tem origens mistas, segundo Larissa
Farnetti, cofundadora da CooperaClima. "Não há dúvida que o consumidor
médio do ocidente europeu apresenta cuidados e preocupações maiores com os
impactos ambientais de seu consumo", afirmou.
"Porém, é nítida a pressão de agricultores
europeus, em especial franceses, para que os produtos oriundos de fora da
Europa tenham taxas ou penalidades para compensar o fato de que sua produção
não sofre a mesma fiscalização por critérios ambientais que a agropecuária
europeia."
·
Responsabilidades diferentes para países diferentes
Em seu discurso na Cúpula da Ambição Climática da
ONU, Marina Silva afirmou que a responsabilidade histórica do Brasil é menor do
que a dos países ricos e repetiu a temática de Lula sobre o combate a pobreza.
"Nenhum país deve ter que escolher entre lutar contra o aquecimento global
ou combater a fome ou a pobreza."
Segundo Nikolaus, a frase da ministra tem um
sentido claro de pontuar, historicamente, a crise climática atual.
"A concentração de carbono na atmosfera
aumentou de 280 ppm (partes por milhão) da era pré-industrial para próximo de
400 ppm atualmente devido principalmente às emissões de carbono dos países de
industrialização antiga, que usaram o carvão mineral e o petróleo como base de
suas matrizes energéticas", afirmou.
Marta Camila Carneiro, professora de ESG e mudanças
climáticas da FGV, destaca a institucionalidade da afirmação da ministra.
"O Acordo de Paris de 2015 enfatiza uma
responsabilidade compartilhada, porém diferenciada. Isso significa que todos os
países têm a responsabilidade de tomar medidas para combater as mudanças
climáticas, mas os países desenvolvidos devem liderar e apoiar os países em
desenvolvimento na mitigação e adaptação."
Apesar disso, ainda parece haver lacunas nos
esforços europeus para combater as mudanças climáticas de maneira 100% efetiva.
Nikolaus destaca o valor de US$ 100 bilhões (R$ 504
bilhões) prometidos pelos países mais ricos na COP 2009, em Copenhague, como
forma de auxiliar nas medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas
nos países mais pobres. Até hoje o valor não foi atingido.
Outra lacuna nos esforços europeus está na falta de
transferência de tecnologia verde.
Para Rodrigues Vieira, deveria haver obrigações
claras de transferência de tecnologias de baixa emissão no acordo comercial a
ser firmado entre UE e Mercosul.
"Se eles querem, de fato, promover a expansão
do uso de tecnologias de baixo carbono via acordo Mercosul-UE, o ideal seria
difundir essas tecnologias para os países parceiros."
Fonte: Sputnik Brasil
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