Renascer: A doação de órgãos salva vidas, multiplica a solidariedade e
a gratidão
Dizem que morrer é a única certeza da nossa
existência. Para nós, brasileiros, lidar com essa verdade ainda é angustiante.
Evitamos falar sobre a finitude. Talvez, por querer acreditar que é possível
driblar o inevitável. Não é. Mas, acredite, conversar sobre morte pode
multiplicar vida. O Setembro Verde é sobre isso também. O mês marca a campanha
de conscientização e debate em torno da doação de órgãos e tecidos para transplante.
O doador saudável, falecido por morte encefálica, pode doar fígado, rins,
pulmões, pâncreas, coração, intestino delgado e tecidos. A doação de órgãos
salva vidas, multiplica a solidariedade e a gratidão. Para ser doador, no
Brasil, é preciso abrir o diálogo, conversar com a família sobre o desejo de
doar, deixar explícita a sua vontade. Falar sobre a morte, sem tabus. Encarar o
fato que ela pode ocorrer a qualquer dia, em qualquer lugar, com quem está
vivo.
Há 10 anos, um acidente de carro tirou as vidas de
minha filha, Rafaela, e de minha neta, Clara. Rafa morreu na hora. Clarinha
ficou dois dias na UTI até a constatação da morte cerebral. Rafaela tinha 26
anos, Clara 2. Vivo o luto desde agosto de 2013. A dor é imensurável,
indescritível, dilacerante. Ninguém, absolutamente ninguém, está preparado para
o que acreditamos ser a inversão do curso natural da vida. Mas, ela ocorre e,
há 10 anos, ainda atordoados com o vazio da partida de nossas meninas, minha
família transformou a angústia e a tristeza de três famílias em esperança. Os
dois rins de Clarinha salvaram duas crianças. As córneas passaram a ser a
alegria de outra que, hoje, enxerga as cores e as belezas do mundo.
Em agosto passado, minha família revisitou a cidade
canadense onde minha filha e netinha viviam até o acidente. Encaramos uma
mistura de sentimentos. Receio, tristeza, alívio e gratidão se juntaram aos
questionamentos que volta e meia me acometem. Tudo ao mesmo tempo. Mas a vida
nos traz possibilidades que permitem ressignificar o que é irremediável. Doar é
um ato de amor. É fazer o bem não importa a quem. É uma certeza que permanece
intacta.
Rafaela era luz. Durante o período no qual
amamentou a Clarinha, no Canadá, ela amamentou, simultaneamente, a filha de um
casal amigo. Por ironia do destino, o mesmo casal que nos deu a notícia do
acidente. O mesmo que esteve conosco, lado a lado, neste retorno. Com
sentimentos à flor da pele, nos acolheu com gestos e palavras, nos levou até a
pessoa que prestou os primeiros socorros a minha netinha, no local da tragédia.
Foi um encontro repleto de emoção. A mulher que socorreu Clara nos revelou que
o atendimento a impactou definitivamente. Tanto que, um ano depois, deu à luz
uma menina. Clara é o nome escolhido para ela.
Reencontramos também a enfermeira que, há 10 anos,
nos comunicou a morte encefálica de Clarinha e perguntou se iríamos doar os
órgãos da nossa netinha. Revivemos o sofrimento imensurável e o SIM mais
significativo de nossas vidas. O aceno positivo foi possível porque sabíamos
que Rafaela era doadora. Conversávamos em família sobre doação de órgãos. Rafa
tomaria a mesma decisão. Falar sobre a finitude da vida não apressa o ponto
final. Tal diálogo é um caminho para entender que morrer é parte da nossa
história, pode ocorrer antes de estarmos preparados. Se podemos salvar vidas
doando órgãos, o ciclo se fecha com mais amor, solidariedade, empatia. Falar
sobre doação é ressignificar.
Venho ressignificando há dez anos. Todo o amor que
entreguei a Rafaela e Clara não morre. Ele me enobrece e floresce. A saudade
jamais me abandonará, mas tenho transformado a dor da ausência em luta por um
mundo melhor. Rafa era nutricionista, sonhava em amparar crianças desnutridas,
em ajudar a erradicar a fome, uma grave endemia no Brasil.
“Não desesperar, mesmo aos pedaços”, dizia dom
Helder Câmara. Ao ver que muitos sofrem com a dor da fome, resolvi descruzar os
braços. Afinal, a fome ao meu redor afronta a dignidade e destrói
possibilidades para 30% da população do meu País. Ela dói em mim. Passei a lutar
diariamente para transformar o sonho da Rafaela em realidade. Com nossa família
e amigos criamos o Instituto Doando Vida por Rafa e Clara, que acolhe,
atualmente, 80 crianças de 2 a 5 anos da região de maior índice de
vulnerabilidade social do DF, a Chácara Santa Luzia/Estrutural.
A OSC também fortalece a comunidade com cursos e
oficinas em diversas áreas, incentivando o empreendedorismo, preparando adultos
para a o mercado de trabalho. É uma luta, muitas vezes, inglória. Quem viveu no
descaso a vida inteira, aprende a não acreditar em si. Mas, aos poucos vamos
avançando. O assistencialismo, pura e simplesmente, não transforma. A vida é
mais desafiadora. Sabemos disso. Então, no Instituto Doando Vida por Rafa e
Clara, lutamos para matar todas as fomes. Não basta assistir, é preciso apontar
trilhas. Assim como não basta viver, é preciso doar. Amor, solidariedade,
dignidade e órgãos. Você é doador? Converse com sua família e doe. Fazer o bem,
faz bem!
Transplantes
dão salto de 16% no 1º semestre
O Ministério da Saúde divulgou, nesta quinta (28),
um balanço dos transplantes no país este ano. Segundo os dados da pasta, de
janeiro a junho de 2023, mais de 1,9 mil doadores possibilitaram a realização
de 4.377 cirurgias para pessoas que necessitavam receber algum órgão.
Levantamento do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) mostra que houve um
aumento de 16% no número absoluto de transplantes, se comparado a 2022.
"Batemos um recorde não só no credenciamento
de serviços, mas de doadores no primeiro semestre de 2023. Foram quase 2 mil
doadores efetivos de órgãos entre janeiro e junho, o maior número registrado em
10 anos. Todas as ações do Ministério da Saúde têm uma importância crucial para
o trabalho nos transplantes", exultou a ministra da Saúde, Nísia Trindade.
O mote da campanha de conscientização promovida
pela pasta nas redes sociais é "Doe uma segunda chance, doe órgãos".
No evento que apresentou os números, o apresentador de tevê Fausto Silva, o
Faustão — que recentemente recebeu um coração novo e fez questão de ir às redes
sociais fazer campanha pela doação e deixar claro que o Sistema Único de Saúde
(SUS) faz um trabalho de excelência em cirurgias desse tipo —, gravou um vídeo
ressaltando a importância de doar órgãos e salvar a vida de quem necessita de transplantes.
De acordo com o Ministério da Saúde, atualmente
40.371 pacientes aguardam um novo órgão. Os estados que têm a maiores filas de
espera são São Paulo (19.688 pessoas), Minas Gerais (3.647), Paraná (2.258) e
Bahia (1.979).
Por modalidade de transplante, de acordo com os
dados do Sistema Nacional, foram realizados este ano 10.575 reaplicações de
córnea, 3.930 de rim, 1.972 de medula óssea, 1.574 de fígado, 281 de coração,
58 de pâncreas e rim conjugados, 55 de pulmão, 15 de pâncreas e um multivisceral.
Nísia salientou a importância do gesto da doação de
órgãos. "É um dia muito especial porque é um dia de reafirmação de uma
luta de tantas famílias, de tantas pessoas no Brasil que precisam de um órgão.
É um dia especial para o Ministério da Saúde, para todos os gestores. É um
momento muito especial pelo que a política de transplante, pelo que o sistema
de transplante expressa do nosso Sistema Único de Saúde", afirmou.
• Eficiência
Secretário de Atenção Especializada à Saúde do
ministério, Helvécio Magalhães reforçou que, por meio da rede pública, o Brasil
é o maior país transplantador do mundo. "Os dados deste ano mostram que,
apesar de todas as dificuldades, é possível crescer o número de transplantes no
Brasil. Comparando com 2022, tivemos um aumento no número de transplantes de
9,5%. As redes do SUS, com suas milhares de unidades básicas, de especialidades
e hospitalares, têm dado uma contribuição também nessa campanha
permanente", observou.
O ministério registrou, também, um aumento no
número de potenciais doadores — índice de 67,6 por milhão de pessoas, enquanto
que, no ano passado, o número registrado foi de 62,6/milhão de pacientes. No
caso dos doadores efetivos, o Brasil atingiu o percentual de 19,0 por milhão de
população (pmp) em 2023.
Em relação ao potencial de doação por milhão de
população, o Distrito Federal aparece como o primeiro da lista, com 125,0. Em
seguida, aparecem Roraima (110,1), Paraná (105,9) e Santa Catarina (92,5). O
Paraná é a unidade da Federação que lidera o ranking com o maior número de
doações efetivas de órgãos (42,5), seguido por Santa Catarina (41,5) e Roraima
(29,1). Helvécio aponta que é necessário aumentar o número de doações, garantir
o acesso igualitário, atualizar e revisar as normas técnicas e aumentar o
envolvimento das instituições públicas, privadas e filantrópicas no processo.
Fonte: Por Henrique Andrade, fundador do Instituto Doando Vida por Rafa e
Clara, para o Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário