sábado, 30 de setembro de 2023

Renascer: A doação de órgãos salva vidas, multiplica a solidariedade e a gratidão

Dizem que morrer é a única certeza da nossa existência. Para nós, brasileiros, lidar com essa verdade ainda é angustiante. Evitamos falar sobre a finitude. Talvez, por querer acreditar que é possível driblar o inevitável. Não é. Mas, acredite, conversar sobre morte pode multiplicar vida. O Setembro Verde é sobre isso também. O mês marca a campanha de conscientização e debate em torno da doação de órgãos e tecidos para transplante. O doador saudável, falecido por morte encefálica, pode doar fígado, rins, pulmões, pâncreas, coração, intestino delgado e tecidos. A doação de órgãos salva vidas, multiplica a solidariedade e a gratidão. Para ser doador, no Brasil, é preciso abrir o diálogo, conversar com a família sobre o desejo de doar, deixar explícita a sua vontade. Falar sobre a morte, sem tabus. Encarar o fato que ela pode ocorrer a qualquer dia, em qualquer lugar, com quem está vivo.

Há 10 anos, um acidente de carro tirou as vidas de minha filha, Rafaela, e de minha neta, Clara. Rafa morreu na hora. Clarinha ficou dois dias na UTI até a constatação da morte cerebral. Rafaela tinha 26 anos, Clara 2. Vivo o luto desde agosto de 2013. A dor é imensurável, indescritível, dilacerante. Ninguém, absolutamente ninguém, está preparado para o que acreditamos ser a inversão do curso natural da vida. Mas, ela ocorre e, há 10 anos, ainda atordoados com o vazio da partida de nossas meninas, minha família transformou a angústia e a tristeza de três famílias em esperança. Os dois rins de Clarinha salvaram duas crianças. As córneas passaram a ser a alegria de outra que, hoje, enxerga as cores e as belezas do mundo.

Em agosto passado, minha família revisitou a cidade canadense onde minha filha e netinha viviam até o acidente. Encaramos uma mistura de sentimentos. Receio, tristeza, alívio e gratidão se juntaram aos questionamentos que volta e meia me acometem. Tudo ao mesmo tempo. Mas a vida nos traz possibilidades que permitem ressignificar o que é irremediável. Doar é um ato de amor. É fazer o bem não importa a quem. É uma certeza que permanece intacta.

Rafaela era luz. Durante o período no qual amamentou a Clarinha, no Canadá, ela amamentou, simultaneamente, a filha de um casal amigo. Por ironia do destino, o mesmo casal que nos deu a notícia do acidente. O mesmo que esteve conosco, lado a lado, neste retorno. Com sentimentos à flor da pele, nos acolheu com gestos e palavras, nos levou até a pessoa que prestou os primeiros socorros a minha netinha, no local da tragédia. Foi um encontro repleto de emoção. A mulher que socorreu Clara nos revelou que o atendimento a impactou definitivamente. Tanto que, um ano depois, deu à luz uma menina. Clara é o nome escolhido para ela.

Reencontramos também a enfermeira que, há 10 anos, nos comunicou a morte encefálica de Clarinha e perguntou se iríamos doar os órgãos da nossa netinha. Revivemos o sofrimento imensurável e o SIM mais significativo de nossas vidas. O aceno positivo foi possível porque sabíamos que Rafaela era doadora. Conversávamos em família sobre doação de órgãos. Rafa tomaria a mesma decisão. Falar sobre a finitude da vida não apressa o ponto final. Tal diálogo é um caminho para entender que morrer é parte da nossa história, pode ocorrer antes de estarmos preparados. Se podemos salvar vidas doando órgãos, o ciclo se fecha com mais amor, solidariedade, empatia. Falar sobre doação é ressignificar.

Venho ressignificando há dez anos. Todo o amor que entreguei a Rafaela e Clara não morre. Ele me enobrece e floresce. A saudade jamais me abandonará, mas tenho transformado a dor da ausência em luta por um mundo melhor. Rafa era nutricionista, sonhava em amparar crianças desnutridas, em ajudar a erradicar a fome, uma grave endemia no Brasil.

“Não desesperar, mesmo aos pedaços”, dizia dom Helder Câmara. Ao ver que muitos sofrem com a dor da fome, resolvi descruzar os braços. Afinal, a fome ao meu redor afronta a dignidade e destrói possibilidades para 30% da população do meu País. Ela dói em mim. Passei a lutar diariamente para transformar o sonho da Rafaela em realidade. Com nossa família e amigos criamos o Instituto Doando Vida por Rafa e Clara, que acolhe, atualmente, 80 crianças de 2 a 5 anos da região de maior índice de vulnerabilidade social do DF, a Chácara Santa Luzia/Estrutural.

A OSC também fortalece a comunidade com cursos e oficinas em diversas áreas, incentivando o empreendedorismo, preparando adultos para a o mercado de trabalho. É uma luta, muitas vezes, inglória. Quem viveu no descaso a vida inteira, aprende a não acreditar em si. Mas, aos poucos vamos avançando. O assistencialismo, pura e simplesmente, não transforma. A vida é mais desafiadora. Sabemos disso. Então, no Instituto Doando Vida por Rafa e Clara, lutamos para matar todas as fomes. Não basta assistir, é preciso apontar trilhas. Assim como não basta viver, é preciso doar. Amor, solidariedade, dignidade e órgãos. Você é doador? Converse com sua família e doe. Fazer o bem, faz bem!

 

       Transplantes dão salto de 16% no 1º semestre

 

O Ministério da Saúde divulgou, nesta quinta (28), um balanço dos transplantes no país este ano. Segundo os dados da pasta, de janeiro a junho de 2023, mais de 1,9 mil doadores possibilitaram a realização de 4.377 cirurgias para pessoas que necessitavam receber algum órgão. Levantamento do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) mostra que houve um aumento de 16% no número absoluto de transplantes, se comparado a 2022.

"Batemos um recorde não só no credenciamento de serviços, mas de doadores no primeiro semestre de 2023. Foram quase 2 mil doadores efetivos de órgãos entre janeiro e junho, o maior número registrado em 10 anos. Todas as ações do Ministério da Saúde têm uma importância crucial para o trabalho nos transplantes", exultou a ministra da Saúde, Nísia Trindade.

O mote da campanha de conscientização promovida pela pasta nas redes sociais é "Doe uma segunda chance, doe órgãos". No evento que apresentou os números, o apresentador de tevê Fausto Silva, o Faustão — que recentemente recebeu um coração novo e fez questão de ir às redes sociais fazer campanha pela doação e deixar claro que o Sistema Único de Saúde (SUS) faz um trabalho de excelência em cirurgias desse tipo —, gravou um vídeo ressaltando a importância de doar órgãos e salvar a vida de quem necessita de transplantes.

De acordo com o Ministério da Saúde, atualmente 40.371 pacientes aguardam um novo órgão. Os estados que têm a maiores filas de espera são São Paulo (19.688 pessoas), Minas Gerais (3.647), Paraná (2.258) e Bahia (1.979).

Por modalidade de transplante, de acordo com os dados do Sistema Nacional, foram realizados este ano 10.575 reaplicações de córnea, 3.930 de rim, 1.972 de medula óssea, 1.574 de fígado, 281 de coração, 58 de pâncreas e rim conjugados, 55 de pulmão, 15 de pâncreas e um multivisceral.

Nísia salientou a importância do gesto da doação de órgãos. "É um dia muito especial porque é um dia de reafirmação de uma luta de tantas famílias, de tantas pessoas no Brasil que precisam de um órgão. É um dia especial para o Ministério da Saúde, para todos os gestores. É um momento muito especial pelo que a política de transplante, pelo que o sistema de transplante expressa do nosso Sistema Único de Saúde", afirmou.

•        Eficiência

Secretário de Atenção Especializada à Saúde do ministério, Helvécio Magalhães reforçou que, por meio da rede pública, o Brasil é o maior país transplantador do mundo. "Os dados deste ano mostram que, apesar de todas as dificuldades, é possível crescer o número de transplantes no Brasil. Comparando com 2022, tivemos um aumento no número de transplantes de 9,5%. As redes do SUS, com suas milhares de unidades básicas, de especialidades e hospitalares, têm dado uma contribuição também nessa campanha permanente", observou.

O ministério registrou, também, um aumento no número de potenciais doadores — índice de 67,6 por milhão de pessoas, enquanto que, no ano passado, o número registrado foi de 62,6/milhão de pacientes. No caso dos doadores efetivos, o Brasil atingiu o percentual de 19,0 por milhão de população (pmp) em 2023.

Em relação ao potencial de doação por milhão de população, o Distrito Federal aparece como o primeiro da lista, com 125,0. Em seguida, aparecem Roraima (110,1), Paraná (105,9) e Santa Catarina (92,5). O Paraná é a unidade da Federação que lidera o ranking com o maior número de doações efetivas de órgãos (42,5), seguido por Santa Catarina (41,5) e Roraima (29,1). Helvécio aponta que é necessário aumentar o número de doações, garantir o acesso igualitário, atualizar e revisar as normas técnicas e aumentar o envolvimento das instituições públicas, privadas e filantrópicas no processo.

 

Fonte: Por Henrique Andrade,  fundador do Instituto Doando Vida por Rafa e Clara, para o Correio Braziliense

 

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