Paradoxos da transição energética brasileira
Os combustíveis fósseis são a causa fundamental do
aumento de CO2 na atmosfera, produzindo o efeito estufa. A queima de florestas
também emite CO2. O metano, menos presente na atmosfera, porém com mais poder
de estufa, é emitido pelos gases da digestão dos animais. Daí a grande
contribuição brasileira com seus 210 milhões de cabeças de gado bovino. Ainda
mais, o Brasil vai explorar o petróleo na foz do Amazonas em nome da própria
transição energética.
Entretanto, para mitigar os efeitos das mudanças
climáticas, é necessário mudar a matriz energética global para fontes que não
emitam CO2 na atmosfera. O Brasil, pela intensidade do sol e dos ventos, o
Brasil torna-se um dos países mais ricos do mundo nessa transição energética
que emita menos CO2. Não quer dizer que sejam limpas totalmente, mas não emitem
esse gás, portanto, ataca a causa fundamental das mudanças climáticas.
A região mais rica em sol e ventos do Brasil é o
Nordeste. Então, há enormes investimentos em parques eólicos e solares na
região. Porém, se não há impacto na atmosfera, há enormes impactos nas
comunidades locais, como invasão de território, destruição de topos de morros
com seus mananciais, derrubada da Caatinga pelas usinas solares, zumbido das
pás de ventos afastando animais e prejudicando pessoas, além do transtorno
fundamental da perda de terras e territórios para essas empresas por parte das
comunidades tradicionais como os Fundos de Pasto, Quilombolas, Territórios Indígenas
e pequenos camponeses difusos pela Caatinga.
O propósito fundamental – além de gerar energia
solar e eólica no conjunto do leque de energias brasileiras – é gerar o
Hidrogênio Verde. Esse combustível é simples de entender: o hidrogênio é o
elemento mais abundante no Universo, mas na Terra ele sempre está associado a
outros elementos. Por exemplo, na molécula de água (H2O), há dois átomos de
hidrogênio e um de oxigênio. Para capturar só o hidrogênio da água, é preciso
separar os dois átomos de hidrogênio do átomo de oxigênio, por um processo
chamado hidrólise. Acontece que para fazer essa separação é preciso muita
energia. Então, se a fonte dessa energia for combustível fóssil, continua a
emissão de CO2 na atmosfera. Portanto, a fonte de energia para separar os
átomos de Hidrogênio Verde tem que ser a solar ou a eólica.
Se a fonte da energia for suja, como o petróleo, e
o CO2 for emitido na atmosfera, então esse hidrogênio se chama Hidrogênio
Cinza. Se o CO2 for capturado e preso debaixo da terra, então esse hidrogênio
se chama Hidrogênio Azul. Se esse hidrogênio vier de fontes limpas, como a
solar e a eólica, lhe dão o nome de Hidrogênio Verde.
Esse Hidrogênio Verde pode ser vendido em bombas de
gasolina como qualquer combustível e, ao ser queimado, nos dizem os cientistas,
se transforma em vapor de água. Portanto, não emite CO2 na atmosfera e nem
desequilibra o volume de água do nosso planeta, já que a fonte principal do
Hidrogênio Verde seria a água, tendo como energias básicas para sua produção a
energia solar e a eólica. O impacto do Hidrogênio Verde nos mananciais de água
não está sendo analisado.
Esse combustível seria principalmente para a
Europa, que é muito pobre em termos energéticos. Portanto, o Brasil seria uma
espécie de “Arábia Saudita” desse tipo de combustível, o que infla os olhos do
capital.
Para o Brasil, o futuro seria o carro elétrico, já
que, com a abundância de energia solar e eólica, não teríamos problemas para
abastecer as baterias desses carros. Tanto é que, na Bahia, já está sendo
instalada a primeira fábrica de carros elétricos do Brasil. O impacto da
exploração minerária para fabricar essas baterias, principalmente o lítio,
também não está sendo discutido.
Enfim, a lógica é perfeita e letal. Não há
perguntas sobre a situação das comunidades invadidas por esses empreendimentos,
o impacto nas águas do Semiárido, nem se discute se é possível trilhar outros
caminhos, como o transporte público, ou menor consumo de energia, ou se essa
energia poderia ser produzida de forma descentralizada, a partir das casas do
povo e das pequenas e médias usinas nas comunidades rurais. Essas experiências
existem e são exitosas. Entretanto, o que há é um novo mercado de combustível
em gestação e o capital, que um dia já privatizou a terra e a água, agora já se
apropria dos ventos e do sol.
Fonte: Por Roberto Malvezzi (Gogó), em Outras
Palavras
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