Botanarquia: esverdear as ruas com guerrilha verde
Para muitos, a imagem de um anarquista é a de
alguém vestido de preto, quebrando janelas e lançando bombas incendiárias
contra a polícia, ou talvez um jovem com cabelos verdes e piercings por
todo o corpo. Às vezes, são ambos ao mesmo tempo.
No entanto, para Ellen Miles, defensora da chamada
“botanarquia“, a anarquia
significa esverdear as ruas com ação direta.
Com uma espátula em uma mão e um regador na outra,
Miles está inspirando jovens a pegar enxadas para cuidar dos canteiros
negligenciados e espaços verdes nas ruas e propriedades de suas comunidades.
Ao jornal The
Guardian, ela explica: “A jardinagem de guerrilha é a prática de plantar em espaços
públicos do seu bairro. Para mim, isso se resume à noção de propriedade e
pertencimento comunitário. Acredito que temos o direito de cultivar esses
espaços nas áreas que chamamos de lar – e também temos a responsabilidade.”
No entanto, ao exercer esse direito natural, os
guerrilheiros verdes desafiam outro direito que se tornou fundamental na
sociedade ocidental: o direito à propriedade. Para Miles, a jardinagem de
guerrilha é uma manifestação dos ideais anarquistas, que une pessoas para
melhorar os lugares onde vivem, sem serem impedidas por aqueles que não vivem
na comunidade.
Ellen Miles, que evita os rótulos de “TikToker”,
“influenciadora” ou “criadora de conteúdo”, conseguiu alcançar um público
significativo por meio das redes sociais nos últimos anos. Seus vídeos de
instruções baseados em suas próprias experiências na botanarquia foram assistidos
milhões de vezes. Agora, seu projeto amadureceu e se transformou em um livro
intitulado “Get Guerrilla Gardening”, publicado em junho pela Dorling
Kindersley.
A história de como Ellen Miles se envolveu na botanarquia é inspiradora
para qualquer pessoa interessada em seguir esse caminho. Tudo começou durante o
início da pandemia, quando ela viu a necessidade de ajudar as pessoas a se
conectarem com a natureza, especialmente quando os parques estavam fechados e
muitas estavam isoladas. Sua frustração com a falta de acesso à natureza a
levou a lançar uma campanha para incluir o acesso à natureza verde na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, que posteriormente se tornou o tema
de seu primeiro livro.
No entanto, suas tentativas de persuadir as
autoridades a fornecerem espaços comunitários para interações com a natureza
não deram frutos. Foi quando Ellen percebeu que a mudança teria que começar nas
próprias comunidades. Ela descobriu o “urbanismo
tático” por meio de amigos, um movimento no qual as pessoas se apropriam
de espaços urbanos compartilhados, e se apaixonou pela vertente da jardinagem
de guerrilha. Mesmo sem experiência prévia em jardinagem, Miles recorreu à
comunidade, postando em grupos locais de ajuda mútua no WhatsApp, na página do
Facebook da Rebelião da Extinção de Hackney e até mesmo no Nextdoor.
Ela encontrou aliados imediatamente. “Basicamente,
os guerrilheiros estão por toda parte”, diz ela. A maioria deles está ciente de
que o que estão fazendo não é estritamente legal, mas eles não anunciam. As
pessoas com quem ela se conectou não apenas estavam dispostas a se juntar a ela
na jardinagem ilegal, mas também podiam fornecer plantas, composto e
ferramentas.
Enquanto visitamos Homerton, Ellen Miles aponta
para jardins de guerrilha escondidos à vista de todos. Um pedaço de alface
aqui, um espetáculo de flores brilhantes do lado de fora de uma casa ali. Ela
enfatiza: “Eu não inventei a botanarquia.
Não sou a única fazendo isso; eles estão por toda parte. E uma das coisas que
destaco no livro é que muitas vezes, quando comecei a conversar com as pessoas
sobre isso, elas diziam: ‘Oh, eu já fiz isso. Plantei algo no meu caminho
porque tenho um barco no canal ou fiz isso com meu amigo por diversão. É apenas
mostrar às pessoas que é possível fazer isso.”
À medida que as cidades crescem, as temperaturas
aumentam e a vida selvagem é pressionada pela urbanização, indústria e
agricultura, tornar nossas cidades mais verdes se torna crucial. Ellen Miles
destaca que as plantas podem desempenhar um papel importante na redução da
poluição do ar, na mitigação do efeito das ilhas de calor urbanas e na criação
de habitats e fontes de alimento para a vida selvagem.
Para Miles, a botanarquia e a campanha pela natureza como um direito humano
estão intrinsecamente ligadas, ambos buscando um mundo onde a natureza seja
acessível a todos e onde os habitats humanos estejam interligados com a
natureza. Ela acredita que a falta de agência e autonomia das pessoas na
sociedade atual é um problema, e a jardinagem de guerrilha é uma maneira de
lembrar às pessoas que elas têm o poder de moldar seu ambiente.
“Sabemos agora que não podemos confiar no governo
para fazer essas coisas. Precisamos assumir isso em nossas próprias mãos”, conclui
Ellen Miles.
Ø Reino Unido deixa vegetação rasteira crescer nas calçadas para aumentar
rewilding urbano e incomoda alguns moradores
O Reino
Unido está deixando crescer vegetação rasteira espontânea para aumentar a
biodiversidade urbana. Mas muitas pessoas estão insatisfeitas com o
choque cultural estético que as plantas nativas causam.
A questão do crescimento de ervas espontâneas nas
calçadas começou com a proibição do herbicida glifosato por sua ligação com câncer em humanos e danos ambientais,
especialmente na qualidade do solo.
Mas as medidas ecológicas estão incomodando alguns
moradores antiambientalistas, que acham que o rewilding “foi longe
demais”.
Rewilding, ou renaturing, em inglês, é um termo ainda sem
equivalente oficial em português, mas pode ser traduzido como
“resselvagenização”, “renaturalização” ou “reintegração animal”. Na prática,
sua criação procura alertar para a importância de reintroduzir as plantas e os
animais, como os insetos, no ambiente urbano.
Animais menos atraentes, como os insetos, possuem
uma relevância significativa para ecossistemas inteiros. Mas, a cultura do medo
ou nojo desses seres, e até mesmo o uso de pesticidas em plantas, têm inviabilizado a biodiversidade, extinguindo inclusive animais mais atraentes como o dingo, também
chamados de “espécie-bandeira”.
“O que as pessoas não entendem é que as cidades fazem
parte do meio ambiente, e por isso precisamos torná-las mais verdes”, diz a
agricultora urbana Amanda Pereira.
Ivan Lyons, vereador conservador de Westdene e Hove
Park, diz que, embora a maioria das pessoas com quem ele fala se contente com a
vegetação crescendo, deixar isso acontecer nas calçadas é “ir longe
demais”.
A vereadora conservadora Anne Meadows, do distrito
de Patcham e Hollingbury, concorda: “Costumava ser a segunda preocupação dos
residentes, agora é a número um. O número um costumava ser a coleta de lixo.”
Apesar da insatisfação, deixar a vegetação rasteira
crescer tem as vantagens de poupar dinheiro para os municípios e de reduzir as
emissões de carbono decorrentes de menos corte, mas a principal razão
ideológica apresentada é que a grama mais longa cria mais espaço para a vida
selvagem nas cidades.
Os cientistas alertam que a crise da biodiversidade
é tão grave como a crise climática, que estas duas questões estão ligadas e que
os conselhos locais precisam de responder em conformidade.
A grama alta abriga invertebrados, como borboletas
e mariposas, que põem ovos nela, e abelhas, que fazem ninhos nela.
Mas muitos residentes em Brighton não estão
convencidos destes benefícios comprovados cientificamente para a vida
selvagem.
Outra disputa em torno de cestos pendurados em
Salisbury. Alguns residentes ficaram indignados depois que o conselho municipal
optou por substituir as tradicionais exibições de flores por plantas nativas,
melhores para a vida selvagem nativa e que exigem menos irrigação.
Este choque de valores está a espalhar-se pelas
vilas e cidades do Reino Unido. Um vereador de Torridge, em Devon, disse que
deixar a grama
crescer até 60 centímetros em algumas áreas
transmitia uma imagem de “Torridge não se importa”, acrescentando que era
“muito desrespeitoso” ter grama por tanto tempo no cemitério da cidade.
Outro vereador, em Lydney, Gloucestershire, disse
que a renaturalização deixa a cidade bagunçada e é “catastrófica para a vida
selvagem”, citando Alan Titchmarsh dizendo a uma investigação da Câmara dos
Lordes que era uma tendência “impensada”.
A maioria dos opositores parece vir da direita
política.
Os investigadores dizem que o apoio a uma meta
líquida zero no Reino Unido até 2050 é expresso
entre todos os eleitores políticos, mas o anti-ambientalismo parece ter sido
identificado como um vencedor de votos.
Fonte: eCycle
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