Moro alvo do CNJ e da PF: entenda a investigação e saiba o que pode
acontecer com o senador
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por
determinação recente do corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe
Salomão, abriu uma investigação inédita contra Sergio Moro para apurar
possíveis irregularidades da época em que atuava como juiz na gestão de
recursos bilionários oriundos dos acordos de colaboração e de leniência
firmados pela operação Lava Jato com a Petrobrás e homologados pela 13ª Vara
Federal de Curitiba.
A investigação tem como alvos, ainda, a juíza
Gabriela Hardt, que substituiu Moro na 13ª Vara, e os desembargadores federais
Loraci Flores de Lima, João Pedro Gebran Neto e Marcelo Malucelli, todos do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
Trata-se de um desdobramento da correição
extraordinária realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça na 13ª Vara
Federal de Curitiba e no TRF-4, que apontou uma “gestão caótica” dos recursos
de acordos de leniência entre 2015 e 2019, período em que a Petrobrás era
investigada nos Estados Unidos e Moro comandava a 13ª Vara Federal, que
homologou tais acordos com a petrolífera.
Segundo Luís Felipe Salomão, Moro autorizou o
repasse de R$2,1 bilhões à Petrobrás no período investigado, e há, nesta
movimentação, “indícios de violação reiterada dos deveres de transparência, de
prudência, de imparcialidade e de diligência do cargo”. O corregedor nacional
de Justiça aponta que esse repasse foi feito “ao ímpeto de efetuar a execução
imediata dos termos estabelecidos nos acordos firmados pela força-tarefa, o que
terminava por consolidar verdadeira dispensa do devido processo legal”.
Em outras palavras, Moro teria tentado, atendendo
aos seus interesses e aos da Lava Jato, à época comandada pelo então procurador
Deltan Dallagnol, “fazer voltar” esses recursos dos acordos de leniência para
criar a “Fundação Lava Jato”, que seria sediada em Curitiba e promoveria o
“combate à corrupção”.
"O alegado combate à corrupção não pode servir
de biombo para se praticar, no processo e na atividade judicante, as mesmas
condutas que se busca reprimir", escreveu Salomão no despacho em que
determinou a abertura de investigação contra Moro.
"Durante a operação intitulada Lava Jato, foi
adotado pelo então juiz federal Sergio Fernando Moro, juntamente com
integrantes da força-tarefa que se formou para executar aquela operação,
critério de destinação dos valores decorrentes dos acordos de colaboração e de
leniência absolutamente distante do critério legal de decretação de
perda", prosseguiu o corregedor.
• Como
funcionava o esquema
Segundo o relatório parcial da correição
extraordinária realizada na 13ª Vara Federal de Curitiba, que motivou a
abertura da investigação contra Moro, os repasses bilionários à Petrobrás foram
feitos antes do trânsito em julgado de parte das ações penais que a empresa era
alvo. Moro e Gabriela Hardt teriam, ainda, desconsiderado o fato de que a
petrolífera estava sob investigação de autoridades norte-americanas desde
novembro de 2014, na condição de ré em processos que apuravam suspeitas de
corrupção.
“Verificou-se a existência de um possível conluio
envolvendo os diversos operadores do sistema de justiça, no sentido de destinar
valores e recursos no Brasil, para permitir que a PETROBRAS pagasse acordos no
exterior que retornariam para interesse exclusivo da força-tarefa”, diz um
trecho do relatório elaborado por membros do CNJ.
Esse “interesse exclusivo da força-tarefa” citado
na correição extraordinária se trata da intenção de Moro, Dallagnol e cia de
criar a chamada “Fundação Lava Jato”.
De acordo com o mesmo documento do CNJ, a correição
extraordinária identificou ausência do “dever de cautela, de transparência, de
imparcialidade e de prudência de magistrados que atuaram na Lava Jato,
promovendo o repasse de valores depositados judicialmente e bens apreendidos à
Petrobrás e outras empresas antes da sentença com trânsito em julgado, que
retornariam no interesse de entes privados, como foi o caso da intenção da
criação da Fundação Lava Jato com cerca de R$ 2,5 bilhões”.
Na prática, o esquema funcionaria da seguinte
maneira: a Lava Jato repassou R$ 2,1 bilhões à Petrobrás e, depois, houve o
“retorno” de R$2,5 bilhões que seriam destinados ao “interesse exclusivo” da
operação, que seria a criação da tal fundação.
O ministro Flávio Dino, da Justiça, explica:
“Foram dois acordos. No primeiro, a Petrobrás
aparece como vítima. No segundo, a Petrobrás aparece como autora de danos, com
participação dos Estados Unidos e da Suíça. Esse dinheiro teria dois destinos,
para a fundação e para pagar alguns acionistas minoritários da própria
Petrobrás”, detalhou Dino.
A declaração de Dino veio após o ministro receber o
relatório parcial da correição extraordinária realizada na 13ª Vara Federal. Na
ocasião, ele anunciou, ainda, que solicitou à Polícia Federal que constitua um
grupo de trabalho junto ao CNJ para apurar o caso.
"[A PF vai] investigar a origem e o destino do
dinheiro, de onde o dinheiro veio, como veio, e para onde foi. E se houve, na
origem, no uso, no destino, alguma ilegalidade", assegurou Flávio Dino.
• Possíveis
crimes
Consultado pela Fórum, o advogado criminalista
Berlinque Cantelmo explicou que a investigação aberta pelo CNJ contra Moro se
trata de uma apuração “acerca da licitude das devoluções [dos valores dos
acordos de leniência firmados pela Lava Jato], sobretudo em relação ao momento
ao qual foram realizadas. Isso porque os processos de investigação não haviam
transitado em julgado, portanto, com a possibilidade de reversão das decisões”.
“Os acordos de leniência visam promover um
compromisso de colaboração por parte do infrator em determinada investigação,
para que, voluntariamente, forneça informações úteis de modo a contribuir com o
deslinde da apuração, em troca do abrandamento das sanções impostas.
Ressalta-se que, uma vez transferidos os recursos para a vítima (Petrobrás), em
caso de eventual modificação da decisão no sentido de isentar a
responsabilidade das empresas investigadas, não haveria possibilidade de
restituição de valores pagos na efetivação desses acordos. Nesse sentido, as
investigações visam apurar eventuais irregularidades na atuação do
ex-magistrado para se constatar possíveis violações relacionadas aos deveres de
imparcialidade e transparência ao proferir as decisões que autorizaram o
repasse de mais de R$ 2 bilhões à Petrobrás, violando o princípio do devido
processo legal”, detalha Cantelmo.
Sobre possíveis crimes e punições, Cantelmo
ressalta que, como Moro não ocupa mais o cargo de juiz, não há mais como
responsabilizá-lo na esfera administrativa, mas destaca que o ex-juiz pode
sofrer consequências no âmbito criminal - até mesmo pelo fato de que o ministro
da Justiça, Flávio Dino, colocou a Polícia Federal para entrar no caso.
“No que diz respeito ao âmbito criminal, faz-se
necessária uma apuração robusta acerca da destinação dos valores e eventuais
condutas tipificadas como criminosas durante sua atuação. A partir de então,
constatando-se possíveis crimes de responsabilidade ou improbidade, deve ser
observado, ainda, o prazo prescricional punitivo para se avaliar possíveis
sanções a serem aplicadas ao atual senador”, explica o advogado.
Também ouvido pela Fórum, Michel Saliba, advogado
especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito
Eleitoral e Político (Abradep), vai na mesma linha.
“As punições podem ocorrer na esfera penal e cível,
por eventual caracterização de crime (em tese) praticado, além da reparação do
dano e responsabilização por ato de improbidade administrativa. No caso, não
vislumbro o cabimento de sanção administrativa disciplinar, porque ele [Sergio
Moro] deixou a magistratura por vontade própria”, pontua Saliba.
Já com relação ao fato da Polícia Federal ter sido
acionada por Dino para investigar a gestão de recursos por parte da Lava Jato,
o advogado afirma que essa deve ser a maior preocupação de Sergio Moro: “A de
mostrar lisura na sua conduta. Há indícios divulgados pela imprensa apontando
em sentido diametralmente oposto, cabe ao (hoje) investigado, (amanhã quem
sabe) réu, provar a sua inocência, a qual deve ser presumida em favor dele”.
“Eu não acredito na absoluta inocência do Moro, por
todo o conjunto da obra divulgado nos órgãos de comunicação, que a cada dia que
passa mais surpreende a sociedade brasileira. Penso que a Lava Jato começou de
uma forma e foi se tornando um projeto de servidores públicos federais
ambiciosos, que, conscientemente, sabiam estar usando do poder e de toda a
estrutura dos cargos que ocupavam para atingir objetivos outros, para além de
simplesmente cumprir o dever imposto pelo juramento que fizeram ao assumir as
funções de juiz federal e/ou procurador da República”, atesta Saliba.
O advogado Berlinque Cantelmo, entretanto, pondera
que “a maior dificuldade ao vislumbrar uma eventual responsabilização criminal
de Sergio Moro se dá na medida em que ele pediu sua exoneração em novembro de
2018 para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública”.
“Ou seja, eventuais crimes próprios do cargo
cometidos durante a carreira como magistrado não mais lhe podem ser imputados.
A responsabilização criminal depende do delito imputado, principalmente no
tocante à prescrição. Uma eventual improbidade ainda poderia ser apurada, mas
prevaricação, não mais”, ressalta.
• Crime
para combater o crime?
O corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe
Salomão, ao determinar a abertura de investigação contra Sergio Moro, destacou
que o alegado combate à corrupção que era pretendido pela Lava Jato não pode
ser usado para reproduzir as mesmas condutas que se procurava reprimir. Segundo
o advogado Michel Saliba, a manifestação de Salomão é “categórica”.
“Pouco importa a tipificação do delito, se é crime
de corrupção, peculato, apropriação indébita, ou outro, o que está em jogo é a
mensagem clara do ministro corregedor de que juiz não combate corrupção, juiz
julga, quem combate o crime é a polícia e o Ministério Público, e que supostas
práticas criminosas não podem ser enfrentadas com ações criminosas”, diz.
Em entrevista ao Jornal da Fórum, o advogado
criminalista Fernando Hideo foi na mesma direção de Saliba.
“O CNJ usou o termo gestão caótica, um eufemismo,
para mostrar que eles não tinham controle do dinheiro público que eles se
colocaram na posição de administradores. Isso é um grande absurdo. É de uma
gravidade comparável ao que imputavam aos outros. É a gestão do dinheiro
público de forma obscura, sem transparência. Eles diziam combater isso e
estavam fazendo isso, a mesma coisa. Há muito o que se revelar ainda sobre a
Lava Jato”, opina Hideo.
• Cassação
e inelegibilidade no radar
Para além de possíveis punições na esfera criminal,
a investigação aberta pelo CNJ contra Sergio Moro pode gerar consequências
políticas. Isso porque o corregedor Luis Felipe Salomão apontou, no despacho em
que determinou a instauração de reclamação disciplinar contra o ex-juiz,
“indícios de atuação na magistratura com fins político-partidários”, o que é
vedado pela Constituição Federal e por resolução do próprio CNJ.
Segundo Salomão, quando Moro pediu exoneração da
magistratura para ser ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, o
ex-juiz respondia a cerca de 20 procedimentos administrativos no CNJ, e a
jurisprudência do órgão visa evitar que magistrados deixem a carreira para se
livrar de eventuais punições administrativas e disciplinares.
Caso, ao final das investigações, seja constatado
que Moro usou a oportunidade de ser ministro para construir uma carreira
política e se livrar de eventuais punições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
pode ser acionado e, neste caso, a Corte já possui uma jurisprudência de caso
parecido: o de Deltan Dallagnol, que foi cassado e declarado inelegível por ter
deixado o Ministério Público Federal (MPF) para se candidatar a deputado
enquanto respondia a reclamações disciplinares que tinham potencial para se
tornarem processos administrativos.
“A grande polêmica em torno dessa questão
relaciona-se ao fato de que efetivamente houve a homologação do registro da
candidatura do ora senador por parte do Tribunal Superior Eleitoral, levando a
crer que o entendimento foi pela inexistência de infrações, pelo menos no
momento da homologação. Todavia, a rediscussão do caso é cabível na medida em
que forem descobertos fatos novos e, uma eventual cassação e inelegibilidade
poderiam se utilizar do precedente instaurado com a cassação do mandato do
ex-procurador Deltan Dallagnol, eis que a base legislativa é a mesma, qual
seja, a Lei da Ficha Limpa, devendo, para tanto, restar comprovado que Sergio
Moro teria deixado a carreira para se livrar de eventuais punições
administrativas e disciplinares”, explica o advogado Berlinque Cantelmo.
“A cassação em razão de condenação criminal ou por
improbidade, ou, em exercício mais elástico, até por quebra de decoro, não
estão descartadas após a conclusão do devido processo legal do que será
apurado”, pontua, por sua vez, o advogado Michel Saliba.
Tacla
Duran, que acusa Moro de vender sentenças, ironiza ex-juiz após nova bomba de
Tony Garcia
O advogado Rodrigo Tacla Duran, um dos principais alvos
da operação Lava Jato, voltou a provocar Sergio Moro (UB-PR) após o empresário
e ex-delator Tony Garcia apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF)
documentos que provariam uma atuação ilícita do senador em sua época de juiz
titular da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Garcia, alega ter desempenhado o papel de agente
infiltrado de Moro em 2004, entregou ao STF documentos de um acordo de
colaboração premiada que revelam uma suposta tentativa do ex-juiz de investigar
ilegalmente desembargadores, juízes e ministros do Superior Tribunal de Justiça
(STJ), incluindo o uso de grampos ilegais.
Acusado de realizar lavagem dinheiro para a
Odebrecht, Rodrigo Tacla Duran foi uma das primeiras pessoas a denunciar as
práticas criminosas realizadas por Sergio Moro e pelo ex-chefe da força-tarefa
no Ministério Público Federal (MPF), o então procurador Deltan Dallagnol. Há
anos o advogado acusa a dupla de extorsão e de venda de sentenças.
Nesta sexta-feira (29), Duran foi às redes sociais
para ironizar o novo revés de Moro diante dos documentos entregues por Tony
Garcia ao STF.
"Russo, era juiz, delegado, procurador,
testemunha, vítima e advogado de defesa, no mesmo processo…", escreveu o
ex-advogado da Odebrecht.
>>>> Confira:
• Moro
teria tentado grampear e investigar autoridades ilegalmente
O ex-deputado estadual paranaense e ex-delator Tony
Garcia, que alega ter desempenhado o papel de agente infiltrado do senador
Sergio Moro durante o período em que o ex-juiz era o titular da 13ª Vara
Federal de Curitiba, entregou recentemente ao Supremo Tribunal Federal (STF) um
conjunto de documentos explosivos. Esses documentos revelam uma suposta
tentativa de Moro de investigar ilegalmente desembargadores, juízes e ministros
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), incluindo o uso de grampos ilegais.
Os documentos em questão fazem parte de um acordo
de colaboração premiada firmado entre Tony Garcia e Sergio Moro em 2004. Até
recentemente, esses documentos estavam sob sigilo na 13ª Vara Federal de
Curitiba, mas o juiz Eduardo Appio decidiu levantar este sigilo, permitindo que
Tony Garcia tivesse acesso. Agora, esses materiais foram entregues pelo
ex-delator ao STF com o objetivo de anular as ações de Moro contra ele.
No conjunto de documentos, obtido pela TV Globo,
estão registradas cerca de 30 tarefas que foram designadas a Tony Garcia por
Moro como parte do acordo para evitar sua prisão. Estas tarefas incluíam
investigações de autoridades paranaenses com foro privilegiado, utilizando
métodos questionáveis, uma vez que essas investigações estavam, legalmente,
fora da alçada de atuação de Moro enquanto juiz.
O material entregue ao STF inclui até mesmo
registros de conversas telefônicas entre Moro e Garcia, nas quais o ex-juiz
pressiona pela execução das tarefas consideradas ilegais.
Em um trecho do acordo, fica evidente a intenção de
Moro em obter informações sobre um advogado paranaense e um desembargador,
mencionando a busca por uma fita cassete que, supostamente, conteria
informações relevantes.
“O beneficiário [Tony Garcia] procurará obter a
fita cassete junto a Nego Scarpin, onde constaria tal fato, podendo, neste
caso, realizar escutas externas”, diz um dos documentos.
Sergio Moro, por sua vez, nega todas as acusações e
ressalta que nenhuma das gravações entregues por Tony Garcia ao STF envolve
pessoas com foro privilegiado.
Moro emitiu uma declaração afirmando: "Tony
Garcia é um criminoso que foi condenado, com trânsito em julgado, por fraude e
apropriação indébita. Em 2004, fez acordo de colaboração que envolveu a
devolução de valores roubados do Consórcio Garibaldi e a utilização de escutas
ambientais autorizadas judicialmente e com acompanhamento da Polícia Federal e
do MPF. Essas diligências foram realizadas por volta de 2004 e 2005, e todas
foram documentadas".
Fonte: Fórum
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