Planejamento familiar e a saúde da mulher
A desinformação é, sem dúvida, uma barreira para o
planejamento familiar no Brasil. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipec, a
pedido da Divisão Farmacêutica da Bayer, revela que 43% das brasileiras
internautas já usaram a pílula do dia seguinte, embora 52% dessas mulheres
afirmem que a quantidade de hormônios nos métodos contraceptivos influencia em
sua escolha.
O estudo constatou que o uso do medicamento é mais
alto entre as mulheres entre 25 e 34 anos. De acordo com Eli Lakryc,
vice-presidente médico da Divisão Farmacêutica da Bayer no Brasil e na América
Latina, as pílulas do dia seguinte têm 1,5 miligrama do hormônio
levonorgestrel, quantidade muito alta quando comparada a outros métodos
contraceptivos.
A matemática é simples: uma única dose da pílula do
dia seguinte equivale a meia cartela da pílula anticoncepcional padrão. O
resultado não poderia ser diferente: o uso indiscriminado do medicamento causa
efeitos colaterais consideráveis no organismo, como náuseas, sangramentos fora
do período menstrual, dores abdominais, cansaço excessivo, dores de cabeça,
sensibilidade nas mamas e vertigens. Portanto, a disseminação dessa prática é
crescente, assim como os danos no organismo feminino, em idades ainda tenras.
Entre as respondentes que já recorreram à pílula do
dia seguinte, 32% afirmam que não usam atualmente nenhum método
anticoncepcional. Ainda em relação àquelas que já buscaram prevenção de
emergência, 33% disseram utilizar pílulas contraceptivas e 24%, os
preservativos. Mas apenas 5% das mulheres realizam a combinação entre os dois
métodos (pílula e preservativo), enquanto 82% admitem não utilizar
preservativos, o que potencializa riscos de infecções sexualmente
transmissíveis (ISTs), embora saibamos que os preservativos são considerados
bastante eficazes para evitar a gravidez – e o único método capaz de evitar as
ISTs.
Embora a eficácia contraceptiva de ambos os métodos
utilizados concomitantemente (pílula + preservativo) seja considerada alta
(98%), diversos fatores podem influenciar negativamente esse índice. No caso da
pílula oral, aspectos como o uso irregular ou incorreto, a administração de
antibióticos, antidepressivos e anticonvulsivantes, vômitos e consumo de álcool
podem comprometer seu princípio ativo. Já em relação aos preservativos, a má
utilização e a má conservação são as principais causas de sua falta de sucesso.
Em um outro estudo divulgado pela multinacional
farmacêutica, em parceria com a Federação Brasileira das Associações de
Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e Ipec, 62% das mulheres que já
engravidaram no país tiveram pelo menos uma gravidez não planejada, o que
demonstra que o Brasil precisa avançar no quesito educação sexual.
Fato é que muitos mitos ainda precisam ser
derrubados, assim como crenças antigas e não comprovadas cientificamente, para
que homens e mulheres saibam como conduzir a própria vida reprodutiva e mudar
as estatísticas sobre a falta de planejamento familiar.
Os
riscos da gravidez não planejada para a gestante. Por Andrea Ciolette Baes -
Diretora de Saúde Feminina da Organon Brasil
No Brasil, duas em cada três mulheres gestantes
(66%) não haviam planejado a gravidez em 2021, de acordo com a Pesquisa
Nacional de Aborto. E diversos são os fatores apontados para explicar essa
realidade. Segundo o Fundo da População da ONU no Brasil (UNFPA), estão entre
as principais razões o baixo acesso a métodos contraceptivos seguros e modernos
— com apenas 58% das brasileiras usando-os continuamente, como mostra um
levantamento feito pelo Instituto Ipsos a pedido da Organon — e a incapacidade
de recusar relações sexuais, seja por questões culturais ou por diferentes
graus de violência.
Esses dados não apenas colocam em evidência uma
realidade preocupante no Brasil, mas também levantam outro aspecto crucial: a
relação entre as emoções e a saúde física. Gerar uma vida é sempre um grande
desafio. São diversas as mudanças, não apenas no corpo e no emocional da
mulher, mas em toda a estrutura familiar. Em muitos casos, elas não contam com
uma boa rede de apoio e sequer têm acesso à saúde de qualidade. Segundo
pesquisa realizada pelo Datafolha em maio de 2023, metade das mães brasileiras
são solo. Entre elas, 18% estão desempregadas e 44% sobrevivem com uma renda de
até R$ 1.212 por mês, revelando a dificuldade financeira como outro obstáculo
na vida delas.
No que se refere à saúde física, a falta de
planejamento reprodutivo para evitar a gravidez indesejada está entre os
fatores que agravam a situação da mortalidade materna no Brasil, que alcançou o
índice de 117,4 mortes a cada 100 mil nascidos vivos em 2021, de acordo com
levantamento do Ministério da Saúde.Em comparação, nos EUA, essa correlação foi
de 32,9 no mesmo período. Ou seja, a taxa brasileira é 3,5 vezes maior do que a
norte-americana, demonstrando o tamanho do desafio a ser vencido aqui.
Por outro lado, a Associação Brasileira de Medicina
Psicossomática (ABMP) enfatiza a ligação entre traumas, negativismo, pressão ou
violência psicológica e seus impactos sobre o corpo. Em todo o mundo, os
problemas de saúde mental materna são considerados um grande desafio para saúde
pública e, apesar disso, o tema ainda é pouco abordado, tanto na atenção ao
pré-natal como no pós-parto. Segundo o Ministério da Saúde, a gravidez não
planejada está entre os diversos fatores de risco que podem contribuir para o
desenvolvimento de questões relacionadas à saúde mental, assim como o histórico
familiar de doença mental, baixo apoio social, socioeconômico, entre outros
A pesquisa Nascer no Brasil, realizada entre 2011 e
2012 pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP-Fiocruz), foi a
primeira a abordar, em âmbito nacional, a ocorrência de sintomas depressivos
entre as mulheres que haviam recentemente dado à luz no país. O estudo
realizado com 24 mil participantes revelou que a prevalência de possíveis casos
de depressão foi calculada em 26% — ou seja, uma em cada quatro mulheres
apresentava indícios de depressão pós-parto.
Segundo a ENSP/Fiocruz, aproximadamente 10% das
mulheres durante a gravidez e 13% no período pós-parto enfrentam algum tipo de
questão relacionada à saúde mental, predominantemente depressão, embora outras
questões como ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, psicose
pós-parto, transtorno de pânico e fobias também sejam relatadas.E aqui estamos
falando de estudos gerais. Não sabemos ao certo quantas dessas mulheres foram
surpreendidas com uma gravidez não planejada, o que tem potencial para agravar
o quadro.
Nesse cenário, faz-se ainda mais necessária a
discussão de medidas e políticas públicas para incluir o acompanhamento da
saúde mental na rotinade cuidado com a gestante. Tão ou mais importante que
isso, precisamos avançar em medidas para que mulheres e pessoas com útero
tenham acesso ao planejamento reprodutivo, como também à informação, segurança
e saúde. E, claro, a métodos contraceptivos modernos, de qualidade e que
atendam às necessidades de cada uma delas. Mulheres saudáveis física e
mentalmente, com autonomia de seus próprios corpos, são essenciais para uma
sociedade mais forte, igualitária e digna para todos.
Fonte: Correio Braziliense
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