sábado, 30 de setembro de 2023

Planejamento familiar e a saúde da mulher

A desinformação é, sem dúvida, uma barreira para o planejamento familiar no Brasil. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipec, a pedido da Divisão Farmacêutica da Bayer, revela que 43% das brasileiras internautas já usaram a pílula do dia seguinte, embora 52% dessas mulheres afirmem que a quantidade de hormônios nos métodos contraceptivos influencia em sua escolha.

O estudo constatou que o uso do medicamento é mais alto entre as mulheres entre 25 e 34 anos. De acordo com Eli Lakryc, vice-presidente médico da Divisão Farmacêutica da Bayer no Brasil e na América Latina, as pílulas do dia seguinte têm 1,5 miligrama do hormônio levonorgestrel, quantidade muito alta quando comparada a outros métodos contraceptivos.

A matemática é simples: uma única dose da pílula do dia seguinte equivale a meia cartela da pílula anticoncepcional padrão. O resultado não poderia ser diferente: o uso indiscriminado do medicamento causa efeitos colaterais consideráveis no organismo, como náuseas, sangramentos fora do período menstrual, dores abdominais, cansaço excessivo, dores de cabeça, sensibilidade nas mamas e vertigens. Portanto, a disseminação dessa prática é crescente, assim como os danos no organismo feminino, em idades ainda tenras.

Entre as respondentes que já recorreram à pílula do dia seguinte, 32% afirmam que não usam atualmente nenhum método anticoncepcional. Ainda em relação àquelas que já buscaram prevenção de emergência, 33% disseram utilizar pílulas contraceptivas e 24%, os preservativos. Mas apenas 5% das mulheres realizam a combinação entre os dois métodos (pílula e preservativo), enquanto 82% admitem não utilizar preservativos, o que potencializa riscos de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), embora saibamos que os preservativos são considerados bastante eficazes para evitar a gravidez – e o único método capaz de evitar as ISTs.

Embora a eficácia contraceptiva de ambos os métodos utilizados concomitantemente (pílula + preservativo) seja considerada alta (98%), diversos fatores podem influenciar negativamente esse índice. No caso da pílula oral, aspectos como o uso irregular ou incorreto, a administração de antibióticos, antidepressivos e anticonvulsivantes, vômitos e consumo de álcool podem comprometer seu princípio ativo. Já em relação aos preservativos, a má utilização e a má conservação são as principais causas de sua falta de sucesso.

Em um outro estudo divulgado pela multinacional farmacêutica, em parceria com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e Ipec, 62% das mulheres que já engravidaram no país tiveram pelo menos uma gravidez não planejada, o que demonstra que o Brasil precisa avançar no quesito educação sexual.

Fato é que muitos mitos ainda precisam ser derrubados, assim como crenças antigas e não comprovadas cientificamente, para que homens e mulheres saibam como conduzir a própria vida reprodutiva e mudar as estatísticas sobre a falta de planejamento familiar.

 

       Os riscos da gravidez não planejada para a gestante. Por Andrea Ciolette Baes - Diretora de Saúde Feminina da Organon Brasil

 

No Brasil, duas em cada três mulheres gestantes (66%) não haviam planejado a gravidez em 2021, de acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto. E diversos são os fatores apontados para explicar essa realidade. Segundo o Fundo da População da ONU no Brasil (UNFPA), estão entre as principais razões o baixo acesso a métodos contraceptivos seguros e modernos — com apenas 58% das brasileiras usando-os continuamente, como mostra um levantamento feito pelo Instituto Ipsos a pedido da Organon — e a incapacidade de recusar relações sexuais, seja por questões culturais ou por diferentes graus de violência.

Esses dados não apenas colocam em evidência uma realidade preocupante no Brasil, mas também levantam outro aspecto crucial: a relação entre as emoções e a saúde física. Gerar uma vida é sempre um grande desafio. São diversas as mudanças, não apenas no corpo e no emocional da mulher, mas em toda a estrutura familiar. Em muitos casos, elas não contam com uma boa rede de apoio e sequer têm acesso à saúde de qualidade. Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha em maio de 2023, metade das mães brasileiras são solo. Entre elas, 18% estão desempregadas e 44% sobrevivem com uma renda de até R$ 1.212 por mês, revelando a dificuldade financeira como outro obstáculo na vida delas.

No que se refere à saúde física, a falta de planejamento reprodutivo para evitar a gravidez indesejada está entre os fatores que agravam a situação da mortalidade materna no Brasil, que alcançou o índice de 117,4 mortes a cada 100 mil nascidos vivos em 2021, de acordo com levantamento do Ministério da Saúde.Em comparação, nos EUA, essa correlação foi de 32,9 no mesmo período. Ou seja, a taxa brasileira é 3,5 vezes maior do que a norte-americana, demonstrando o tamanho do desafio a ser vencido aqui.

Por outro lado, a Associação Brasileira de Medicina Psicossomática (ABMP) enfatiza a ligação entre traumas, negativismo, pressão ou violência psicológica e seus impactos sobre o corpo. Em todo o mundo, os problemas de saúde mental materna são considerados um grande desafio para saúde pública e, apesar disso, o tema ainda é pouco abordado, tanto na atenção ao pré-natal como no pós-parto. Segundo o Ministério da Saúde, a gravidez não planejada está entre os diversos fatores de risco que podem contribuir para o desenvolvimento de questões relacionadas à saúde mental, assim como o histórico familiar de doença mental, baixo apoio social, socioeconômico, entre outros

A pesquisa Nascer no Brasil, realizada entre 2011 e 2012 pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP-Fiocruz), foi a primeira a abordar, em âmbito nacional, a ocorrência de sintomas depressivos entre as mulheres que haviam recentemente dado à luz no país. O estudo realizado com 24 mil participantes revelou que a prevalência de possíveis casos de depressão foi calculada em 26% — ou seja, uma em cada quatro mulheres apresentava indícios de depressão pós-parto.

Segundo a ENSP/Fiocruz, aproximadamente 10% das mulheres durante a gravidez e 13% no período pós-parto enfrentam algum tipo de questão relacionada à saúde mental, predominantemente depressão, embora outras questões como ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, psicose pós-parto, transtorno de pânico e fobias também sejam relatadas.E aqui estamos falando de estudos gerais. Não sabemos ao certo quantas dessas mulheres foram surpreendidas com uma gravidez não planejada, o que tem potencial para agravar o quadro.

Nesse cenário, faz-se ainda mais necessária a discussão de medidas e políticas públicas para incluir o acompanhamento da saúde mental na rotinade cuidado com a gestante. Tão ou mais importante que isso, precisamos avançar em medidas para que mulheres e pessoas com útero tenham acesso ao planejamento reprodutivo, como também à informação, segurança e saúde. E, claro, a métodos contraceptivos modernos, de qualidade e que atendam às necessidades de cada uma delas. Mulheres saudáveis física e mentalmente, com autonomia de seus próprios corpos, são essenciais para uma sociedade mais forte, igualitária e digna para todos.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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