Variantes da Covid têm mutações geradas por antiviral molnupiravir, diz
pesquisa
Um estudo publicado na última segunda-feira (25) na
revista científica Nature descreve linhagens do Sars-CoV-2 geradas a partir do
uso do antiviral molnupiravir, da MSD (conhecida como Merck nos Estados Unidos
e Canadá), contra Covid.
As novas variantes do coronavírus surgem
espontaneamente no mundo todo, por mutações aleatórias que ocorrem no processo
de replicação do vírus. No entanto, de acordo com a pesquisa britânica,
liderada pelo geneticista Theo Sanderson, do Instituto Francis Crick, em
Londres, o uso da droga tem o risco de levar a algumas mutações que podem,
eventualmente, ser transmitidas de pessoa a pessoa.
A evidência dessa transmissão seria um sinal
genético nas novas linhagens do vírus associadas ao tratamento com o
molnupiravir. Isso ocorre devido ao mecanismo de ação da droga, que se liga ao
RNA viral com um aminoácido (parte de uma proteína) trocado, o que causa erros
de cópia do Sars-CoV-2 e impede sua replicação.
Como muitos desses erros acabam por inviabilizar o
vírus, ele reduz o tempo de infecção. Porém, esse mecanismo pode gerar algumas
formas viáveis que podem continuar se propagando.
Em nota, a MSD Brasil disse que dados de ensaios
clínicos e pré-clínicos do molnupiravir apontaram uma redução na replicação
viral e na disseminação do vírus, o que reduziria o risco de transmissão. Ainda
segundo a empresa, Sanderson e colegas se basearam em sequências divergentes de
Sars-CoV-2, capturando padrões mutacionais específicos.
"Os autores baseiam-se em associações
circunstanciais entre a região onde a sequência foi identificada e o período de
coleta em países onde o molnupiravir está disponível. Além disso, essas
sequências estavam associadas a casos esporádicos, e existem limitações nas
análises realizadas no estudo", completou a empresa, em nota.
O molnupiravir foi o primeiro antiviral aprovado
para combate à Covid, ainda em 2021. Essa provável relação entre a droga e
novas variantes do vírus havia sido levantada ainda naquele ano, quando a droga
começou a ser utilizada em larga escala no mundo.
Para avaliar essa hipótese, os pesquisadores
analisaram centenas de milhares de sequências genéticas do Sars-CoV-2
disponíveis em bancos de dados no mundo. Para cada linhagem observaram a
probabilidade de ocorrer mutações consideradas "naturais" —isto é,
que surgiram naturalmente na evolução do vírus— e mutações que podem ter sido
causadas pela droga.
O coronavírus é um vírus composto por
aproximadamente 30 mil nucleotídeos, como são chamadas as letras que formam o
material genético. Uma fita de material genético é formada por uma sequência de
nucleotídeos A, T, C ou G. Em geral, as mutações ocorrem por substituição (A
por T; T por A; C por G; G por C), deleção ou adição.
Só que algumas das trocas, por exemplo, G (guanina)
para A (adenina), não ocorrem naturalmente. Ao dividir as amostras em linhagens
na história evolutiva do coronavírus, eles viram alguns ramos da árvore com uma
frequência muito elevada dessas alterações associadas à droga, como a troca de
um par de base G para A.
O estudo cruzou, ainda, dados de sequências
genéticas do Sars-CoV-2 com os países que mais usaram o molnupiravir desde seu
lançamento, como Japão (600 mil amostras analisadas), Austrália (mais de 380
mil sequências), EUA (cerca de 240 mil) e Reino Unido (30 mil). No Reino Unido,
por exemplo, só 0,043% dos pacientes com amostras genéticas do vírus usaram
molnupiravir, mas 31% das linhagens com a mutação G para A vieram desses
pacientes.
Outro dado importante é que os traços genéticos
foram mais identificados em pacientes mais velhos, que representam aqueles que
tiveram maior indicação para uso da droga, devido ao alto risco de
hospitalização.
Apesar desses traços genéticos, porém, os
pesquisadores fazem uma ressalva: não foi encontrada nenhuma correlação entre
as variantes da ômicron que surgiram no final de 2021 e no início de 2022, como
a BA.4 e BA.5, e o uso da droga.
A descoberta, porém, pode ter um impacto na
produção do medicamento, uma vez que os países podem deixar de prescrever a
medicação como terapia para a Covid.
Nos estudos clínicos globais realizados naquele
ano, a MSD apontou uma redução inicial de 50% da hospitalização em pacientes
que usavam o molnupiravir, mas essa taxa caiu para 30% no ano seguinte. Com
base nos ensaios, a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomendou o uso do
molnupiravir para pacientes com alto risco de hospitalização. Estudos
produzidos pela própria farmacêutica depois mostraram uma proteção também
contra a hospitalização pela ômicron.
A EMA (Agência Europeia de Medicamentos) não
autorizou o licenciamento do molnupiravir para venda nos países da União
Europeia, ainda em 2021. Já a FDA (agência que regulamenta e fiscaliza
alimentos e remédios nos EUA) autorizou o uso emergencial.
No Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária) aprovou o molnupiravir em maio de 2022, e a sua venda é feita em
farmácias com prescrição médica. Apesar disso, não há muitos dados sobre o uso
da droga no país. Além disso, com o baixo sequenciamento genético feito no
país, seria difícil saber se há linhagens originadas pelas mutações induzidas
pelo antiviral.
Fonte: FolhaPress
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