Especialistas da ONU denunciam 'racismo sistêmico' na polícia e Justiça
dos EUA
Especialistas da ONU constataram, nesta
quinta-feira (28), o "racismo sistêmico" contra a comunidade negra na
polícia e no sistema judicial dos EUA, e enfatizaram a necessidade de uma
reforma urgente.
Após a morte do americano George Floyd, em 2020,
pelas mãos de um policial branco em Minneapolis, foi criado o "mecanismo
internacional de especialistas independentes para promover a justiça racial e a
igualdade no contexto da aplicação da lei".
Em abril e maio deste ano, membros da equipe se
reuniram com vítimas e representantes da sociedade civil, do sistema judicial,
de sindicatos de policiais, das autoridades federais e locais, em cidades como
Washington, Atlanta, Los Angeles, Chicago, Minneapolis e Nova York.
O relatório, enviado à imprensa nesta quinta-feira,
destaca o "racismo sistêmico e profundamente enraizado" com a
comunidade negra nos Estados Unidos e afirma que esta "herança da
escravidão (...) se expande no conjunto das forças de ordem e do sistema
judicial" americanos.
"Ouvimos dezenas de depoimentos chocantes
sobre como as vítimas não estão recebendo justiça ou indenização", indicou
uma das especialistas, Tracie Keesee, em um comunicado.
"Este é um problema sistêmico que requer uma
resposta sistêmica. Todos os atores envolvidos, incluindo os serviços e os
sindicatos policiais, devem unir forças para lutar contra a impunidade que
prevalece", exigiu.
O grupo de especialistas foi criado pelo Conselho
de Direitos Humanos da ONU em julho de 2021, cerca de um ano após a morte de
George Floyd, para investigar acusações de violência policial motivada pelo
racismo em todo o mundo.
O relatório também indicou vários estudos que
mostram que a probabilidade de uma pessoa negra ser morta por um agente da
polícia é três vezes maior que a de uma branca e a chance de ser presa é 4,5
vezes maior.
"Existem evidências sólidas que sugerem que o
comportamento abusivo de alguns policiais faz parte de um esquema mais
amplo", observou o pesquisador Juan Méndez.
"As atitudes da polícia e do sistema de
justiça criminal americanos refletem as atitudes da sociedade americana",
considerou o especialista, que destacou a "necessidade urgente de uma
reforma global".
O relatório apresenta 30 recomendações direcionadas
à administração dos Estados Unidos e aos 18 mil serviços policiais do país.
O grupo de especialistas pede que os policiais
armados não sejam mais os primeiros enviados automaticamente para um local em
situações de crise, especialmente quando se trata de questões relacionadas à
saúde mental, falta de moradia, trânsito e centros estudantis.
<><> Relatório diz que práticas do sistema prisional dos
EUA são 'afronta à dignidade humana'
O documento produzido por especialistas das Nações
Unidas baseou-se em testemunhos de 133 pessoas em cinco cidades
norte-americanas, bem como em depoimentos recolhidos em cinco centros de
detenção.
Em um relatório publicado nesta quinta-feira (28),
três especialistas nomeados pela ONU pediram grandes reformas no sistema de
justiça criminal dos Estados Unidos e afirmaram ter encontrado práticas nas
prisões norte-americanas que constituíam "uma afronta à dignidade
humana".
"As nossas conclusões apontam para a
necessidade crítica de uma reforma abrangente", Juan Mendez, disse um dos
especialistas das Nações Unidas, citado pela Reuters.
Os enviados fizeram visitas ao país em abril e maio
e recolheram testemunhos diretos sobre as condições em uma prisão de Louisiana,
onde afirmaram que milhares de prisioneiros, na sua maioria negros, foram
"forçados a trabalhar nos campos – até mesmo colhendo algodão – sob a
vigilância de 'homens livres' brancos a cavalo, em condições muito semelhantes
as de 150 anos atrás".
Os especialistas descreveram as histórias das
chamadas instalações de Angola, a maior prisão de segurança máxima do estado,
como "chocantes" e disseram que representavam "formas
contemporâneas de escravatura".
Uma outra prática encontrada foi a de restringir e
acorrentar mulheres negras prisioneiras durante o parto, e que,
consequentemente, perderam o bebê, afirma o relatório citado pela mídia.
"Os especialistas ouviram, em primeira mão,
testemunhos diretos insuportáveis de mulheres grávidas algemadas durante o parto, que devido ao acorrentamento perderam
os seus bebês”, afirmou. Solicitado a fornecer detalhes, um porta-voz dos direitos
humanos da ONU referiu-se a "vários" casos e confirmou que todos envolviam
mulheres negras.
O relatório também manifestou alarme diante do uso generalizado
do confinamento solitário, que, segundo ele, parecia ser aplicado de forma
desproporcional aos reclusos de ascendência africana. Um homem negro disse aos
especialistas que foi mantido isolado durante 11 anos sem interrupção.
As condições nas prisões dos EUA têm sido uma
preocupação há décadas e os grupos de defesa dos direitos humanos há muito que
apelam à reforma ou encerramento das instalações com os piores registros.
Ao todo, o documento contém uma lista de 30
recomendações para as autoridades dos EUA, incluindo um apelo à criação de uma
nova comissão sobre reparações para pessoas de ascendência africana.
Ø Votos de ministros da Suprema Corte dos EUA não são secretos, ao
contrário do sugerido por Dino
No último dia 5 de
setembro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), afirmou
que na Suprema Corte dos Estados Unidos o público não conhece o posicionamento
individual dos juízes. A declaração foi dada após o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) defender o sigilo dos votos dos ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF) para evitar “animosidade”. Mas, segundo especialistas, apenas o
processo de deliberação da corte é privado nos EUA. Quando o resultado é
publicado, é possível ver quais juízes assinaram a decisão principal, bem como
pareceres divergentes.
“Ela [Suprema Corte dos Estados Unidos] delibera a partir de
votos individuais e é comunicada a posição da corte e não a posição individual
desse ou daquele ‘Justice’ nos Estados Unidos”, disse o ministro da Justiça
e Segurança Pública, Flávio Dino, em entrevista no último dia 5 de setembro.
Na ocasião, Dino foi questionado sobre uma fala do
presidente Lula no programa governamental “Conversa com o Presidente”. O mandatário
defendeu que, para evitar “animosidade” após os julgamentos, a
sociedade não deveria saber como votou cada ministro do Supremo.
A declaração foi feita após setores da
esquerda criticarem algumas decisões do ministro Cristiano Zanin, recentemente
indicado por Lula ao STF.
Mas, embora existam diferenças entre o sistema
adotado no Brasil e nos Estados Unidos, é possível saber, sim, o posicionamento
individual dos juízes da Suprema Corte norte-americana, ao contrário do
sugerido por Dino.
·
Como vota o Supremo dos
EUA?
Diferentemente do Brasil, o processo de deliberação
da Suprema Corte dos Estados Unidos é privado. Além disso, os votos costumam
ser redigidos em conjunto. Porém, a decisão final é sempre divulgada ao público e inclui“o
parecer majoritário ou principal, bem como quaisquer opiniões concordantes ou
divergentes”.
Segundo Rubens
Glezer, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas,
no modelo norte-americano, os juízes deliberam para chegar a um consenso sobre
o voto. Porém, isso não quer dizer que eles sejam secretos.
“Eles
deliberam como vai ser e escrevem juntos, por consenso, o posicionamento do
tribunal. Digamos que uma parte não concorda, eles se juntam e redigem a
posição. E pode ter outros que concordam com o resultado, mas por outros
fundamentos. Alguns pareceres são individuais, inclusive. Então, a posição dos
ministros é sempre conhecida”, explicou
Glezer.
A professora norte-americana de Direito
Constitucional da Universidade de Akron, em Ohio, Tracy Thomas, reiterou ao AFP Checamos que, apesar da
deliberação não ser aberta ao público, é possível conhecer o posicionamento de
cada juiz.
“Quando
os nove ministros se sentam à mesa de conferência e revelam como estão
inclinados a votar um parecer, esses votos não são revelados ao público.
Durante a deliberação decide-se quem receberá a tarefa de relatar a posição da
maioria. (...) Quando o parecer é publicado,
são indicados os nomes dos ministros para cada parecer. Então, é possível ver
quem assinou o parecer majoritário, assim como qualquer dissidência ou
concordância.”
No processo que decidiu a inconstitucionalidade
das ações afirmativas em universidades, por exemplo, o ministro
John Roberts relatou o parecer da maioria, porém os votos das juízas Sonia
Sotomayor, Ketanji Jackson e Elena Kagan, que discordaram do resultado, também
foram apresentados em conjunto.
Além disso, foram igualmente apresentados os
pareceres que concordavam com a posição final, embora com outros argumentos.
Os votos podem ser conferidos no parecer
final disponibilizado pela Suprema Corte. O posicionamento de cada
ministro também foi divulgado pela imprensa norte-americana.
Thomas fez uma ressalva, no entanto, de que a
Suprema Corte pode emitir decisões “per curiam” (pelo tribunal, em
tradução livre) não assinadas. Nesse caso, o voto “é unânime, mas não
vemos quem foi o autor do parecer”.
Este conteúdo também foi verificado pelo Aos Fatos.
Ø França enfrenta ação coletiva histórica por suposta discriminação
racial da polícia
O mais alto tribunal administrativo da França
considerará na sexta-feira sua primeira ação coletiva contra o Estado, alegando
discriminação racial por parte da polícia -- e poderá, no processo, moldar o
futuro ativismo social.
Seis organizações de direitos humanos argumentam
que a polícia discrimina sistematicamente, especialmente jovens árabes e
negros, ao decidir quem parar em patrulhas de rotina.
Se forem bem-sucedidas, as ações poderão abrir
caminho para desafios legais amplos semelhantes em um país onde o ativismo
tradicionalmente assume a forma de protesto direto e onde as ações coletivas só
se tornaram possíveis em 2014 e continuam raras.
O processo, apoiado por declarações de 40 vítimas,
pede ao Conseil d'Etat (Conselho de Estado) que exija reformas concretas do
governo, incluindo a limitação dos poderes da polícia para verificar documento
de identidade e a obrigatoriedade de um registro das verificações.
"Não é aceitável que as crianças tenham que
descobrir que a cor de sua pele é um problema", disse Omer Mas Capitolan,
presidente de uma das seis organizações, a Community House of Development in
Solidarity.
O governo e a polícia já estão sob pressão depois
que um policial matou a tiros Nahel, um adolescente de ascendência
norte-africana, durante uma parada de trânsito em junho, trazendo o
ressentimento há muito tempo latente entre as comunidades urbanas de
imigrantes.
O Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação
Racial condenou a "prática contínua de perfis raciais" e instou a
França a abordar as "causas estruturais e sistêmicas da discriminação
racial" na polícia.
O Ministério do Interior não respondeu a um pedido
de comentário, mas disse anteriormente que a criação de "perfis étnicos
pela polícia é proibida" e que o racismo na polícia não é sistêmico.
No entanto, a França limita o uso de estatísticas
sobre raça e etnia, e especialistas dizem que o país não pode mais fechar os
olhos para as acusações de grupos de direitos de que o racismo influencia o recrutamento,
o treinamento, a doutrina e a prática da polícia.
"O objetivo é olhar para o futuro -- traçar
todas as formas necessárias para erradicar esse erro", disse Antoine
Lyon-Caen, advogado das seis organizações, que incluem Anistia, Human Rights
Watch e Open Society Justice Initiative.
Nos argumentos apresentados ao tribunal, Lyon-Caen
cita como modelo uma decisão de 2013 contra a cidade de Nova York por causa de
perfis raciais e práticas inconstitucionais de parada e busca da polícia.
"Esse julgamento (nos Estados Unidos) traz
esperança, pois coloca em prática medidas para transformar a polícia e um
mecanismo de monitoramento", disse ele.
Quanto ao veredicto, Gwénaële Calvès, professora de
direito da Universidade de Cergy-Pontoise, disse que ele também enviará uma
mensagem mais ampla sobre ações coletivas na França: "'Vá em frente' ou
'Não vale a pena'"
Um membro do Conseil d'Etat fará uma recomendação
na audiência de sexta-feira e a decisão será tomada nas próximas semanas.
Fonte: AFP/Sputnik Brasil/Reuters
Nenhum comentário:
Postar um comentário