sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Especialistas da ONU denunciam 'racismo sistêmico' na polícia e Justiça dos EUA

Especialistas da ONU constataram, nesta quinta-feira (28), o "racismo sistêmico" contra a comunidade negra na polícia e no sistema judicial dos EUA, e enfatizaram a necessidade de uma reforma urgente.

Após a morte do americano George Floyd, em 2020, pelas mãos de um policial branco em Minneapolis, foi criado o "mecanismo internacional de especialistas independentes para promover a justiça racial e a igualdade no contexto da aplicação da lei".

Em abril e maio deste ano, membros da equipe se reuniram com vítimas e representantes da sociedade civil, do sistema judicial, de sindicatos de policiais, das autoridades federais e locais, em cidades como Washington, Atlanta, Los Angeles, Chicago, Minneapolis e Nova York.

O relatório, enviado à imprensa nesta quinta-feira, destaca o "racismo sistêmico e profundamente enraizado" com a comunidade negra nos Estados Unidos e afirma que esta "herança da escravidão (...) se expande no conjunto das forças de ordem e do sistema judicial" americanos.

"Ouvimos dezenas de depoimentos chocantes sobre como as vítimas não estão recebendo justiça ou indenização", indicou uma das especialistas, Tracie Keesee, em um comunicado.

"Este é um problema sistêmico que requer uma resposta sistêmica. Todos os atores envolvidos, incluindo os serviços e os sindicatos policiais, devem unir forças para lutar contra a impunidade que prevalece", exigiu.

O grupo de especialistas foi criado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em julho de 2021, cerca de um ano após a morte de George Floyd, para investigar acusações de violência policial motivada pelo racismo em todo o mundo.

O relatório também indicou vários estudos que mostram que a probabilidade de uma pessoa negra ser morta por um agente da polícia é três vezes maior que a de uma branca e a chance de ser presa é 4,5 vezes maior.

"Existem evidências sólidas que sugerem que o comportamento abusivo de alguns policiais faz parte de um esquema mais amplo", observou o pesquisador Juan Méndez.

"As atitudes da polícia e do sistema de justiça criminal americanos refletem as atitudes da sociedade americana", considerou o especialista, que destacou a "necessidade urgente de uma reforma global".

O relatório apresenta 30 recomendações direcionadas à administração dos Estados Unidos e aos 18 mil serviços policiais do país.

O grupo de especialistas pede que os policiais armados não sejam mais os primeiros enviados automaticamente para um local em situações de crise, especialmente quando se trata de questões relacionadas à saúde mental, falta de moradia, trânsito e centros estudantis.

<><> Relatório diz que práticas do sistema prisional dos EUA são 'afronta à dignidade humana'

O documento produzido por especialistas das Nações Unidas baseou-se em testemunhos de 133 pessoas em cinco cidades norte-americanas, bem como em depoimentos recolhidos em cinco centros de detenção.

Em um relatório publicado nesta quinta-feira (28), três especialistas nomeados pela ONU pediram grandes reformas no sistema de justiça criminal dos Estados Unidos e afirmaram ter encontrado práticas nas prisões norte-americanas que constituíam "uma afronta à dignidade humana".

"As nossas conclusões apontam para a necessidade crítica de uma reforma abrangente", Juan Mendez, disse um dos especialistas das Nações Unidas, citado pela Reuters.

Os enviados fizeram visitas ao país em abril e maio e recolheram testemunhos diretos sobre as condições em uma prisão de Louisiana, onde afirmaram que milhares de prisioneiros, na sua maioria negros, foram "forçados a trabalhar nos campos – até mesmo colhendo algodão – sob a vigilância de 'homens livres' brancos a cavalo, em condições muito semelhantes as de 150 anos atrás".

Os especialistas descreveram as histórias das chamadas instalações de Angola, a maior prisão de segurança máxima do estado, como "chocantes" e disseram que representavam "formas contemporâneas de escravatura".

Uma outra prática encontrada foi a de restringir e acorrentar mulheres negras prisioneiras durante o parto, e que, consequentemente, perderam o bebê, afirma o relatório citado pela mídia.

"Os especialistas ouviram, em primeira mão, testemunhos diretos insuportáveis ​​de mulheres grávidas algemadas durante o parto, que devido ao acorrentamento perderam os seus bebês, afirmou. Solicitado a fornecer detalhes, um porta-voz dos direitos humanos da ONU referiu-se a "vários" casos e confirmou que todos envolviam mulheres negras.

O relatório também manifestou alarme diante do uso generalizado do confinamento solitário, que, segundo ele, parecia ser aplicado de forma desproporcional aos reclusos de ascendência africana. Um homem negro disse aos especialistas que foi mantido isolado durante 11 anos sem interrupção.

As condições nas prisões dos EUA têm sido uma preocupação há décadas e os grupos de defesa dos direitos humanos há muito que apelam à reforma ou encerramento das instalações com os piores registros.

Ao todo, o documento contém uma lista de 30 recomendações para as autoridades dos EUA, incluindo um apelo à criação de uma nova comissão sobre reparações para pessoas de ascendência africana.

 

Ø  Votos de ministros da Suprema Corte dos EUA não são secretos, ao contrário do sugerido por Dino

 

No último dia 5 de setembro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), afirmou que na Suprema Corte dos Estados Unidos o público não conhece o posicionamento individual dos juízes. A declaração foi dada após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defender o sigilo dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar “animosidade”. Mas, segundo especialistas, apenas o processo de deliberação da corte é privado nos EUA. Quando o resultado é publicado, é possível ver quais juízes assinaram a decisão principal, bem como pareceres divergentes.

“Ela [Suprema Corte dos Estados Unidos] delibera a partir de votos individuais e é comunicada a posição da corte e não a posição individual desse ou daquele ‘Justice’ nos Estados Unidos”, disse o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, em entrevista no último dia 5 de setembro.

Na ocasião, Dino foi questionado sobre uma fala do presidente Lula no programa governamental “Conversa com o Presidente”. O mandatário defendeu que, para evitar “animosidade” após os julgamentos, a sociedade não deveria saber como votou cada ministro do Supremo.

A declaração foi feita após setores da esquerda criticarem algumas decisões do ministro Cristiano Zanin, recentemente indicado por Lula ao STF.

Mas, embora existam diferenças entre o sistema adotado no Brasil e nos Estados Unidos, é possível saber, sim, o posicionamento individual dos juízes da Suprema Corte norte-americana, ao contrário do sugerido por Dino.

·         Como vota o Supremo dos EUA?

Diferentemente do Brasil, o processo de deliberação da Suprema Corte dos Estados Unidos é privado. Além disso, os votos costumam ser redigidos em conjunto. Porém, a decisão final é sempre divulgada ao público e inclui“o parecer majoritário ou principal, bem como quaisquer opiniões concordantes ou divergentes”.

Segundo Rubens Glezer, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas, no modelo norte-americano, os juízes deliberam para chegar a um consenso sobre o voto. Porém, isso não quer dizer que eles sejam secretos.

“Eles deliberam como vai ser e escrevem juntos, por consenso, o posicionamento do tribunal. Digamos que uma parte não concorda, eles se juntam e redigem a posição. E pode ter outros que concordam com o resultado, mas por outros fundamentos. Alguns pareceres são individuais, inclusive. Então, a posição dos ministros é sempre conhecida”, explicou Glezer.

A professora norte-americana de Direito Constitucional da Universidade de Akron, em Ohio, Tracy Thomas, reiterou ao AFP Checamos que, apesar da deliberação não ser aberta ao público, é possível conhecer o posicionamento de cada juiz.

“Quando os nove ministros se sentam à mesa de conferência e revelam como estão inclinados a votar um parecer, esses votos não são revelados ao público. Durante a deliberação decide-se quem receberá a tarefa de relatar a posição da maioria. (...) Quando o parecer é publicado, são indicados os nomes dos ministros para cada parecer. Então, é possível ver quem assinou o parecer majoritário, assim como qualquer dissidência ou concordância.”

No processo que decidiu a inconstitucionalidade das ações afirmativas em universidades, por exemplo, o ministro John Roberts relatou o parecer da maioria, porém os votos das juízas Sonia Sotomayor, Ketanji Jackson e Elena Kagan, que discordaram do resultado, também foram apresentados em conjunto.

Além disso, foram igualmente apresentados os pareceres que concordavam com a posição final, embora com outros argumentos.

Os votos podem ser conferidos no parecer final disponibilizado pela Suprema Corte. O posicionamento de cada ministro também foi divulgado pela imprensa norte-americana.

Thomas fez uma ressalva, no entanto, de que a Suprema Corte pode emitir decisões “per curiam” (pelo tribunal, em tradução livre) não assinadas. Nesse caso, o voto “é unânime, mas não vemos quem foi o autor do parecer”.

Este conteúdo também foi verificado pelo Aos Fatos.

 

Ø  França enfrenta ação coletiva histórica por suposta discriminação racial da polícia

 

O mais alto tribunal administrativo da França considerará na sexta-feira sua primeira ação coletiva contra o Estado, alegando discriminação racial por parte da polícia -- e poderá, no processo, moldar o futuro ativismo social.

Seis organizações de direitos humanos argumentam que a polícia discrimina sistematicamente, especialmente jovens árabes e negros, ao decidir quem parar em patrulhas de rotina.

Se forem bem-sucedidas, as ações poderão abrir caminho para desafios legais amplos semelhantes em um país onde o ativismo tradicionalmente assume a forma de protesto direto e onde as ações coletivas só se tornaram possíveis em 2014 e continuam raras.

O processo, apoiado por declarações de 40 vítimas, pede ao Conseil d'Etat (Conselho de Estado) que exija reformas concretas do governo, incluindo a limitação dos poderes da polícia para verificar documento de identidade e a obrigatoriedade de um registro das verificações.

"Não é aceitável que as crianças tenham que descobrir que a cor de sua pele é um problema", disse Omer Mas Capitolan, presidente de uma das seis organizações, a Community House of Development in Solidarity.

O governo e a polícia já estão sob pressão depois que um policial matou a tiros Nahel, um adolescente de ascendência norte-africana, durante uma parada de trânsito em junho, trazendo o ressentimento há muito tempo latente entre as comunidades urbanas de imigrantes.

O Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação Racial condenou a "prática contínua de perfis raciais" e instou a França a abordar as "causas estruturais e sistêmicas da discriminação racial" na polícia.

O Ministério do Interior não respondeu a um pedido de comentário, mas disse anteriormente que a criação de "perfis étnicos pela polícia é proibida" e que o racismo na polícia não é sistêmico.

No entanto, a França limita o uso de estatísticas sobre raça e etnia, e especialistas dizem que o país não pode mais fechar os olhos para as acusações de grupos de direitos de que o racismo influencia o recrutamento, o treinamento, a doutrina e a prática da polícia.

"O objetivo é olhar para o futuro -- traçar todas as formas necessárias para erradicar esse erro", disse Antoine Lyon-Caen, advogado das seis organizações, que incluem Anistia, Human Rights Watch e Open Society Justice Initiative.

Nos argumentos apresentados ao tribunal, Lyon-Caen cita como modelo uma decisão de 2013 contra a cidade de Nova York por causa de perfis raciais e práticas inconstitucionais de parada e busca da polícia.

"Esse julgamento (nos Estados Unidos) traz esperança, pois coloca em prática medidas para transformar a polícia e um mecanismo de monitoramento", disse ele.

Quanto ao veredicto, Gwénaële Calvès, professora de direito da Universidade de Cergy-Pontoise, disse que ele também enviará uma mensagem mais ampla sobre ações coletivas na França: "'Vá em frente' ou 'Não vale a pena'"

Um membro do Conseil d'Etat fará uma recomendação na audiência de sexta-feira e a decisão será tomada nas próximas semanas.

 

Fonte: AFP/Sputnik Brasil/Reuters

 

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