Moisés Mendes: A certeza de Augusto Heleno de que os generais vão
escapar de novo
Deputados da CPI do Golpe repetiram essa semana,
diante do general Augusto Heleno, o que seus colegas diziam há mais de dois
anos na CPI da Pandemia diante de coronéis da quadrilha de vampiros das
vacinas: desta vez, vocês não escapam.
O deputado Rogério Correia e a deputada Jandira
Feghali foram os portadores da esperança mais categórica na sabatina de Heleno.
Os militares escaparam de punição dos crimes da
ditadura, mas agora seria diferente. Correia disse ao general sobre as reuniões
de Bolsonaro com a presença do coronel Mauro Cid:
– Se ele (Cid) não falava, ele escutava. Ouvia tudo
e é um delator importante. Ele vai delatar inclusive o senhor.
Heleno respondeu com uma meia gargalhada, porque um
golpista derrotado não pode se atrever a dar uma gargalhada inteira:
– Me delatar? Hahaha.
E jogou a cabeça para trás, com a ironia se
expressando pelo corpo todo. Heleno estava sendo jocoso, como ele mesmo define
as frases que dizia sobre ameaças de golpe. Eram apenas tiradas jocosas.
A arrogância de um perdedor também ganha forma na
jocosidade, no deboche recorrente e nos palavrões usados em resposta às
perguntas da senadora e relatora Eliziane Gama. Heleno perdeu, mas é um
general.
Seu projeto de poder foi derrotado, na eleição e no
golpe, mas ele continua jocoso e ri quando vê uma fotografia em que aparece com
Mauro Cid às suas costas, em reunião de Bolsonaro com militares.
Riu muitas vezes no depoimento à CPI porque é um
general. Vai continuar rindo, porque ele, Braga Netto e todos os comandantes
militares suspeitos de envolvimento com as conspirações golpistas têm certeza
de que vão escapar.
Rogério Correia e Jandira Feghali disseram que eles
não escapam. Muitos militares estão certos de que já escaparam.
Heleno é um homem atrapalhado, que caiu em
contradição em vários momentos e que não respondeu se participou da reunião
golpista de 24 de novembro ou se tomou café com o hacker Walter Delgatti. Mas
foi seguro ao se comunicar com a sua turma. Eu vou escapar, é o que ele queria
dizer.
Os primeiros manés, patriotas e terroristas
julgados pelo Supremo já pegaram até 17 anos de cadeia. Mas Heleno acha que não
pegará nem mesmo uma pena de prestação de serviços comunitários.
Ele e outros militares que se articularam com
Bolsonaro e, na hora da verdade, deixaram os manés sozinhos podem até aparecer
no relatório da CPI como golpistas. Mas têm certeza de que escaparão.
Como estão escapando até agora os 79 citados no
relatório da CPI da Pandemia. Como estão convencidos de que já escaparam os
financiadores do golpe, não os repassadores de dinheirinho miúdo para gasolina
e mortadela, mas os donos da dinheirama e chefes de tesoureiros laranjas.
Heleno acha que escapa junto com os bloqueadores de
estradas, até agora impunes. Escapa assim como escaparam, não os motoristas dos
caminhões, mas os patrões deles.
Todos têm bons advogados, com velhos truques e
dribles que já asseguraram impunidade em processos por sonegação, contrabando,
lavagem de dinheiro.
O histórico dos poderosos recomenda a crença na
impunidade. Mas eles podem ser alcançados por uma figura não presente em outras
situações. A figura é Alexandre de Moraes.
Todos os poderosos impunes, que vieram até aqui com
suas falas irônicas, mesmo que derrotados e com alguns deles acovardados, vivem
da crença de que não vai dar nada.
Mas desta vez pode dar. Porque, se os grandes civis
e fardados escaparem de novo, as estruturas do sistema de Justiça e a
perspectiva de retomada da normalidade serão abaladas ou destruídas.
Desta vez é diferente. O general Heleno disse na
CPI que o seu GSI do tempo de Bolsonaro investigava possibilidades. E as
possiblidades têm hoje esse componente, general: agora há Alexandre de Moraes.
Ter fé em certezas pode ficar cada vez mais
difícil, quanto mais o cerco se fechar em torno dos poderosos impunes e
jocosos.
Ø General Ridauto Lúcio Fernandes, alvo da Operação Lesa Pátria era um
kid preto, com tática de guerra irregular. Por Denise Assis
O general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, que
integrou grupo de elite do Exército, os chamados 'kids pretos', ou “pelopes”,
como costumam se referir entre eles, é suspeito de ter usado os gradis como
escada de acesso aos andares mais altos dos três prédios depredados em
Brasília. As câmeras flagraram vários oficiais com seus habituais uniformes
pretos – daí a denominação – e boinas da mesma cor.
Todos os integrantes do governo de Bolsonaro
pertenciam a essa Força, que domina técnicas de guerrilha, as “guerras
irregulares”. Até mesmo o general Eduardo Pazuello, o responsável por guinda
para o governo o coronel Elcio franco – pivô do escândalo das vacinas – na
função de secretário executivo do Ministério da Saúde, e o próprio Ridauto, a
quem designou o almoxarifado, responsável pela compra de insumos e equipamento,
tais como os aspiradores, indispensáveis durante a pandemia.
O ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde,
da reserva, foi alvo nesta manhã de 29/09, de um mandado de busca e apreensão
da Polícia Federal. Os investigadores deflagraram a 18a fase da Operação “Lesa
Pátria” para detê-lo e para que fosse ouvido por sua participação nos atos
terroristas de 8 de janeiro. As informações eram de que Ridauto Fernandes abriu
caminho para a turba de terroristas que penetraram no Planalto e no teto dos
dois poderes: Câmara e Senado, amarrando os gradis que tiraram das mãos da PM e
transformando-os em escadas que agilmente foram escalados pelos ágeis e bem
treinados oficiais. O general não terá como negar a sua participação, pois
gravou vídeos diretamente do local, afirmando que pelo seu país estaria
disposto a matar e morrer e comemorando o fato de estar participando da “festa
da Selma”.
Consta que foi ele quem providenciou as balaclavas
– toucas ninjas – para os da linha de frente e luvas próprias para que se
consiga segurar as granadas “bailarinas”, que fervem e quicam, (de uso
exclusivo dessa força), o que impede que sejam arremessadas de volta sobre a
polícia, como acontecem com as comuns, se agarradas rapidamente. De acordo com
o noticiário, no inquérito policial, existem vários depoimentos de vândalos
presos relatando a ação de indivíduos de balaclava e luvas ajudando e incentivando
os demais a entrarem no Congresso Nacional.
Os investigadores dos atos de 8 de janeiro tem
chamado o grupo dos Kids de “invisíveis” e suspeitam do envolvimento do general
da reserva com este grupo, que abre acessos especiais para a invasão do Congresso.
Outra informação importante é a de que as “bailarinas” estavam escondidas no
gramado da Praça dos Três Poderes e os kids só tiveram acesso a elas graças à
ordem do governo do DF de abrir o acesso à Praça dos Três Poderes.
Os agentes cumpriram um mandado de busca e
apreensão na casa do general da reserva, na Asa Sul, bairro nobre de Brasília.
Durante a ação, os policiais federais apreenderam um celular, arma e o
passaporte do general, que serviu pelo Exército, em missões especiais nos EUA e
fala vários idiomas. O general não reagiu, embora parecesse assustado. Em
seguida, foi levado a prestar depoimento.
Por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF),
Ridauto teve determinado o bloqueio de ativos e valores, por estar sendo
considerado executor e possivelmente um dos idealizadores dos atos golpistas. O
general foi para o cargo em julho de 2021 e exonerado no dia 31 de dezembro,
último dia do governo de Jair Bolsonaro (PL) e atua como professor do Instituto
Sagres de Política e Gestão Estratégica Aplicadas. Os "kids pretos"
passam por formação no Comando de Operações Especiais em Goiânia, em Goiás, ou
na 3ª Companhia de Forças Especiais, em Manaus, no Amazonas. A Companhia de
Goiás foi para onde Mauro Cid foi designado pelo Alto Comando, assim que
deixasse o governo. Ridauto Fernandes era seu amigo e o visitou no Batalhão de
Polícia do Exército, enquanto Cid esteve ali, preso. As Forças Especiais
recebem treinamento para situações que envolvam sabotagem, operações de
inteligência, planejamento de fugas e evasões.
Ridauto Lúcio Fernandes ingressou no Exército em
1981, na Escola Preparatória de Cadetes de Campinas, sua cidade. É formado pela
AMAN, na turma de 1987, é da Arma de Infantaria e o primeiro colocado da turma
de Infantaria.
·
Como se chega ao generalato
Existem generais no Alto Comando de todas as Armas,
pois todas as sete armas do Exército podem chegar ao generalato e ao Alto
Comando, exceto a de Intendência que chega no máximo até general de Divisão. E
esse é o caso do general Eduardo Pazuello.
É muito raro que generais de materiais bélicos e
Comunicações - outras duas armas -, cheguem ao Alto Comando. Geralmente os que
chegam são os de Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenharia, as quatro
Armas com os maiores efetivos da Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN). Até
por uma questão de distribuição proporcional de cotas de oficiais, são essas as
armas que chegam ao Alto Comando.
A Arma é escolha do militar e uma vez feita, ao
ingressar na AMAN, não tem mais volta. O que pode é o oficial ao longo da carreira
fazer algumas especializações, como o curso de Paraquedismo, de Forças
Especiais, Comunicações, Artilharia de Costa, Antiaérea, a depender de suas
especialidades. O conjunto de armas formadas na AMAN são sete: Infantaria,
Cavalaria, Artilharia, Comunicações, Material Bélico, Engenharia e Intendência.
Como a Infantaria tem o maior número de oficiais, é de suas fileiras que sai o
maior número de generais também.
Cada turma de AMAN, em média, faz entre 21 e 25
generais de brigada. Depois de três anos como general de brigada, que é o duas
estrelas, cerca de 10 desses 25 saem general de Divisão, que é o general três
estrelas. Depois de três anos como general de Divisão, daqueles 10, quatro saem
general, quatro do Exército. Dessa forma, a carreira de general pode chegar até
9 anos. Ao chegar a general de Exército ele fica mais três anos no posto e mais
três como general de Brigada, dá 9 anos no posto de general.
O Brasil tem hoje em torno de 150 generais, entre
os de Brigada e de Exército. É a elite hierárquica da carreira. Quando ele vai
para a reserva ele leva o grau hierárquico. O que ele não pode na reserva é
usar a sua designação hierárquica em algumas situações. Entre elas em atuação
político partidária. Essa prática, porém, foi totalmente esquecida no período
de Bolsonaro no poder.
·
Ridauto chegou lá
Ridauto chegou ao generalato a bordo do título de
aluno 01. O primeiro colocado da Arma de Infantaria. Foi promovido a general de
Brigada no ano de 2017, no dia 31 de março daquele ano. Como general de Brigada
e foi comandar a Brigada de Natal, no RN. Ali ficou até 2018, quando por razões
pessoais pediu para ir para a reserva. Cerca de um ano depois que ascendeu ao
generalato, primeiro da turma. Ninguém entendeu.
Ao ir para a reserva, pelo que se sabe, assumiu uma
coordenação no Instituto Sagres, uma organização privada, de militares da
reserva, de ultradireita, que produziu o projeto “Brasil Nação para 2035”,
lançado com pompa e circunstância, numa cerimônia ao modelo dos anos de 1960,
com direito a bandas marciais e salamaleques ao general Villas Boas, o seu
patrono.
O nome dele consta no documento como um dos
consultores. Para se ter uma ideia, o projeto defendia a privação do SUS, a
adoção das universidades pagas, o apoio ao garimpo e outras terraplanices. Ele
ainda atua como um dos conselheiros do Instituto Sagres e o projeto, por sinal,
foi lançado com a chancela do Instituto General Villas Boas, na Poupex, a caixa
de previdência e crédito imobiliário voltada para os militares. Diga-se de
passagem, um “cabidão”, onde estão pendurados em cargos de confiança vários
parentes dos generais que serviram ao governo anterior.
O evento aconteceu em 19 de maio, no setor militar
de Brasília. Intitulado Projeto de Nação: o Brasil de 2035, o documento foi
elaborado por integrantes do Instituto General Villas Bôas, Instituto Sagres e
Instituto Federalista, sob a coordenação do general Luiz Eduardo Rocha Paiva. O
evento foi noticiado pelos sites oficiais da Defesa e do Executivo.
De acordo com os autores, o propósito da iniciativa
era “estabelecer uma estratégia nacional de longo prazo que seja apartidária e
isenta de radicalismos ideológicos, étnicos, religiosos, identitários ou de
qualquer natureza”. Imaginem se assim não fosse. Toda a estrutura do projeto,
porém, descamba para uma visão autoritária do poder e da sociedade. Com
aproximadamente cem páginas, o documento desenha um aparato de estrutura
político-estratégica que burla a Constituição de 1988 e implica riscos ao
sistema democrático vigente no país.
A saída dele para a reserva, em 2018, ao que consta
foi por motivos pessoais, depois de apenas um ano de generalato, abdicando de
outros quase sete anos e foi trabalhar na iniciativa privada. Lembrando que
2018 foi a campanha de Bolsonaro. Ele e outros colegas coronéis, ou já generais
da reserva, integraram a campanha.
Em 2020, quando o Ministério da Saúde foi
militarizado pelo general Eduardo Pazuello, e em 15 de maio de 2020 Nelson
Teich pediu demissão do Ministério da Saúde, Pazuello assumiu a interinidade
por dois meses. Nesse período, recheou a pasta com diversos militares das
Forças Especiais –e o Ridauto, que é Força Especial, um kid preto -, foi
trabalhar na Saúde.
Os oficiais mais destacados (tanto da ativa quanto
da reserva) foram aproveitados ali, como o secretário Executivo, o coronel
Élcio Franco, pivô do escândalo das vacinas, também das Forças Especiais da
turma de 1986, da AMAN.
Operações Especiais são também conhecidos como:
“pelopes” e incumbidos de missões estratégicas, ordenadas pelo comando do
Exército Brasileiro, em condições de grande risco que exigem diversas
qualidades dos seus participantes.: espírito de sacrifício, adaptação, forte e
constante vontade, rusticidade e resistência, sobriedade e discrição,
camaradagem e coesão, são alguns dos atributos que os envolvidos devem ter.
Essas operações exigem também os melhores e mais atualizados equipamentos
disponíveis para as tropas, sendo empregados por meio dos snipers (atiradores
de elite), paraquedistas, comandos, dentre outros.
Para entender como funcionam as promoções e
escolhas na carreira militar, uma turma de AMAN tem em torno de 400 oficiais.
Na Infantaria são cento e poucos, dos 400 infantes (aspirantes), artilharia uns
70, cavalaria uns 60, e o restante distribuído pelas outras opções. Como dito
acima, dos 400 de cada turma, apenas quatro saem generais de Exército, para
compor o Alto Comando. Cerca de 25 chegam a coronel em promoção nas 25 vagas e
o Alto Comando escolhe quem quer, para ser general do Exército, independente da
ordem ou idade. Uma disputa ferrenha.
Não se pode esquecer que o general Pazuello chegou
ao ministério da Saúde na condição de oficial da ativa, autorizado pelo comando
para ser ministro da Saúde. O secretário executivo que era o coronel Elcio
Franco. O general Ridauto foi ser o chefe do Departamento Logístico,
responsável pela aquisição, armazenagem e distribuição dos insumos, além da
compra de vacinas e equipamentos. Consta que ele chegou também a trabalhar para
uma empresa de vendas de aspiradores, e outros componentes. Ficou no Delog da
Saúde até o final do governo, em 31 de dezembro. Antes de sua ida para a
reserva um ano após a promoção, chegou a conciliar o cargo Instituto Sagres com
as suas atividades na ativa. Não é ilegal, mas é imoral, porque as atividades
tinham manifestação política e ideológica pública. Nesse período, participava
ativamente do Twitter, incentivando pessoas a irem para a frente dos quartéis e
participou do 8 de janeiro. Para as pessoas que imaginavam participar de um
golpe militar, a presença de um general das Forças Especiais entre eles passava
quase a certeza de que esse estava por vir.
Sua fama é a de um oficial competente, primeiro de
turma, mas politicamente um ultradireita. “O Ridauto é um representante do que
pensa uma geração, em termos políticos, que se pode chamar de “filhotes da
ditadura”, definiu um colega de turma.
Segundo esse colega, a geração formada nos anos de
1970 “foi a que foi para o governo. Heleno, Mourão, Braga Netto, todo mundo”. O
efeito – alguns estavam ainda na ativa – foi o exemplo, levando em conta que é
o Alto Comando que escolhe os generais para subirem nas estrelas”. Daí se pode
ter uma ideia do efeito que essa geração de oficiais que formou essas turmas,
tiveram sobre a geração dos anos de 1980. Quando essa turma que foi para o
governo se formou na AMAN, eles eram cadetes no AI-5. (De 1968 a 1978). Um
general Braga Netto, por exemplo, saiu da AMAN em 1978, que é o ano do fim do
AI-5. Para ele sair em 1978, significa que ele entrou lá no auge da repressão,
em 1972 ou 1973.
Quem os ensinava? Eram os capitães e majores que
trabalhavam na repressão, nos DOI-CODIS da vida. O que os cadetes olhavam para
cima, onde eles viam os generais dos anos de 1970? No poder. Governando o
Brasil, sob a forma de ditadura e chefiando estatais. Quando essa geração que
se formou nos anos de 1970, começou a chegar ao generalato nos anos de 2000, e
nos anos de 2010, ao Alto Comando, partiram para a ação de natureza política,
ainda como oficiais na ativa. Foram para a publicação dos tuítes, como foi o
caso de Villas Boas, e como foi o lançamento da candidatura na AMAN, em 2014,
quando lá era chefe o atual comandante do Exército, general Tomás Paiva.
As condições dadas nessa formação fizeram tanto a
geração de 1970 como as de jovens oficiais dos anos de 1980 ter a certeza de
que um governo de Bolsonaro seria o governo da geração de 1970. Era a
oportunidade de chegarem ao poder pela “democracia”. Hoje estamos vivenciando o
reflexo de tudo isto.
Fonte: Brasil 247
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