Noctalgia: a perda do direito ao céu escuro
A humanidade está testemunhando uma lenta mas constante perda do acesso ao céu
noturno, e os astrônomos encontraram um novo termo para descrever o
sentimento de tristeza associado a essa perda: “noctalgia“, que pode ser entendida como o “luto do céu“.
Junto com nossa tendência à poluição do ar e da
água, bem como a emissão desenfreada de carbono na atmosfera, desencadeando as
mudanças climáticas, criamos outro tipo de poluição – a poluição luminosa.
A maior parte dessa poluição luminosa provém de fontes terrestres. Embora a
humanidade tenha utilizado fogueiras e lanternas portáteis por eras, a
quantidade de luz que produzimos por meio da eletricidade é surpreendente.
Iluminamos nossos prédios de escritórios, ruas, estacionamentos e residências.
É claro que parte dessa iluminação é necessária para garantir segurança e
proteção, mas uma parcela significativa dela é desperdiçada. Além disso, antes
de conscientizarmos sobre a poluição
luminosa, tendíamos a permitir que a luz se dispersasse em todas as
direções, incluindo para o céu
noturno.
Ironicamente, a transição para uma iluminação LED eficiente
frequentemente agravou o problema. Devido ao baixo custo operacional e à longa
vida útil dessas luzes, muitos planejadores urbanos e proprietários
simplesmente mantiveram as luzes acesas durante toda a noite, sem considerar os
custos ou a necessidade de substituição.
Atualmente, é apenas em desertos remotos, áreas
selvagens e sobre os oceanos que conseguimos encontrar um céu tão escuro quanto
nossos antepassados conheceram.
Recentemente, o crescimento explosivo das
“constelações” de satélites de comunicação, como o sistema Starlink da SpaceX,
resultou na órbita de uma quantidade exponencialmente maior de satélites do que
há uma década, com ainda mais em rota de colisão. Esses satélites não apenas
atrapalham as observações astronômicas do espaço profundo quando atravessam o
campo de visão de telescópios, mas também dispersam e refletem a luz solar de
seus painéis solares.
Essa abundância de satélites está aumentando o
brilho geral do céu em todo o mundo. Alguns pesquisadores estimam que, em
média, nossos céus noturnos mais escuros, localizados nas regiões mais remotas
do mundo, estão 10% mais iluminados do que eram há meio século, e o problema só
parece piorar.
A perda do céu noturno tem impactos tangíveis e
culturais significativos. Estamos perdendo uma rica tradição de conhecimento
cultural humano; ao longo da história, culturas de todo o mundo utilizaram o
céu como uma tela para a imaginação, traçando heróis, monstros e mitos nas
constelações. Hoje em dia, os habitantes das cidades têm a sorte de conseguir
enxergar apenas as estrelas mais brilhantes no céu, quanto mais o fraco
contorno de uma constelação familiar.
Essas tradições celestiais milenares não são
meramente histórias aleatórias destinadas à diversão em torno do fogo;
frequentemente, são fundamentais para as culturas e sociedades inteiras. Todos
compartilhamos o mesmo céu, e qualquer pessoa da mesma cultura pode identificar
as mesmas constelações noite após noite. A perda desse acesso e desse
patrimônio representa uma perda de parte da nossa humanidade.
Muitas espécies animais também estão sofrendo as
consequências. Para que servem os sentidos adaptados à noite em espécies
noturnas se o céu noturno não é muito mais escuro do que o céu diurno? Os
pesquisadores identificaram várias espécies cujos ritmos circadianos estão
sendo alterados, tornando-as vulneráveis à predação (ou, inversamente, à
incapacidade de localizar eficazmente suas presas).
Dada a gravidade dos efeitos nocivos da poluição
luminosa, dois astrônomos propuseram um novo termo para concentrar esforços na
sua contenção. Como relatado em um breve artigo no banco de pré-publicação
arXiv e em uma carta à revista Science, esse termo é “noctalgia”. Em essência, ele
significa “luto pelo céu” e captura a dor coletiva que estamos experimentando à
medida que continuamos a perder o acesso ao céu noturno.
Felizmente, existem formas de combater a noctalgia, assim como existem
maneiras de combater as mudanças
climáticas. Em todo o mundo, esforços têm surgido para criar
“reservas de céu escuro“,
onde as comunidades vizinhas se comprometem a não contribuir para a expansão da
poluição luminosa. No entanto, essas reservas geralmente estão localizadas em
regiões extremamente remotas e inacessíveis do globo, o que levou outros
esforços a se concentrarem em trabalhar com líderes comunitários e empresariais
para instalar iluminação noturna adequada, como dispositivos que desligam
automaticamente ou direcionam a luz apenas para o solo (ou simplesmente não são
usados).
Combater a poluição causada por satélites é outra
questão, que exigirá cooperação internacional e pressão sobre empresas como a
SpaceX para gerenciar de forma mais responsável o espaço que ocupam com seus
equipamentos. Ainda assim, não é uma tarefa impossível, e há esperança de que
um dia a noctalgia seja apenas uma lembrança do passado.
Ø Poluição luminosa do LED possui “impactos biológicos substanciais”,
alerta pesquisa
A poluição
luminosa do LED deriva do uso contínuo dessas luzes em centros
urbanos e outros locais ao ar livre.
Ao longo do tempo, as luzes de sódio foram sendo
substituídas por lâmpadas de LED na iluminação de áreas externas em prédios e
ruas. E, embora sejam mais eficientes em termos energéticos e mais baratas do
que outras lâmpadas convencionais, especialistas acreditam que sua poluição luminosa pode gerar
impactos biológicos substanciais ao redor do mundo.
LED é um acrônimo derivado do inglês para light emitting diode,
que pode ser traduzido para diodo emissor de luz. Essas lâmpadas podem produzir
uma luz até 90% mais eficiente do que as lâmpadas incandescentes. Desse modo,
tornou-se um padrão ao redor do mundo para a iluminação de cidades.
Por sua eficiência energética, essa luz foi
considerada uma alternativa mais eco-friendly que
lâmpadas incandescentes. Entretanto, pesquisas apontam que a poluição luminosa do LED pode
oferecer mais riscos do que era acreditado anteriormente.
·
Luz azul
Uma pesquisa conduzida pela Universidade de Exeter identificou as mudanças na
iluminação de ambientes externos ao redor da Europa para essas lâmpadas.
Através de imagens produzidas pela Estação Espacial Internacional, os
especialistas conseguiram analisar que as emissões de poluição luminosa de luzes
alaranjadas de sódio foram amplamente substituídas por emissões de luzes
brancas características do uso do LED.
De acordo com os pesquisadores, as lâmpadas
de LED estão
associadas a um aumento de radiação de luz azul, que causa “impactos biológicos substanciais”. E, além disso, também
confirmam que pesquisas anteriores subestimaram os impactos desse
fenômeno.
A luz azul é um fenômeno conhecido através do mundo
como derivado de tablets, celulares e outros dispositivos
eletrônicos. Contudo, a exposição a outros tipos de luzes de LED também é responsável pela
incidência de seus efeitos na saúde.
Diversas pesquisas já comprovaram que a luz azul
pode suprimir a produção de melatonina, o hormônio responsável pela regulação dos padrões de sono em humanos
e outros organismos. Portanto, uma maior exposição pode piorar os hábitos de
sono das pessoas, ocasionando condições de saúde severas.
Por outro lado, a poluição luminosa do LED derivada da luz azul também pode impactar
seres vivos de outra forma, o que contribui para os impactos ambientais dessa
iluminação.
·
Efeitos no meio
ambiente
O estudo também evidenciou o possível impacto do
aumento da radiação de luz azul em outras formas de vida. Especialistas
confirmam que a poluição luminosa
do LED e de outras fontes de luz tem um efeito negativo em algumas
espécies de animais.
A luz azul pode alterar os padrões comportamentais
de animais como morcegos e mariposas, ocasionando uma mudança de movimentos em
direção às fontes de luz ou para longe das mesmas. Além disso, a população de
invertebrados também diminuiu consideravelmente por conta dessa forma de
poluição, uma vez que alguns insetos ativamente habitam locais iluminados por
luzes LED.
·
Luzes internas
Os resultados da pesquisa sobre os perigos da poluição luminosa do LED podem
alertar alguns consumidores. Porém, os efeitos ambientais dessas luzes são
associados apenas aos ambientes externos.
O consumo de luzes de LED para iluminação interna cresceu tanto quanto o seu uso na
iluminação externa. Tendências no TikTok e outras mídias sociais impulsionaram
o uso das “luzinhas” como uma alternativa de luz ambiente.
Embora seja importante notar que os efeitos da luz
azul à saúde ainda são válidos para o uso interno de lâmpadas de LED, a poluição luminosa é um fenômeno estritamente externo e
influenciado pela iluminação de locais públicos, como o telões de prédios ou
lâmpadas de rua.
Fonte: Scientific
American/eCycle
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