Diálogos mostram parceria entre Deltan e Bruno Dantas no auge da Lava
Jato
Troca de mensagens privadas hackeadas e depois
colhidas pela Operação Spoofing, da Polícia Federal, mostra uma relação
amistosa e colaborativa no auge da Operação Lava Jato entre o atual presidente
do TCU (Tribunal de Contas da União), Bruno Dantas, e o deputado federal
cassado e ex-procurador da República Deltan Dallagnol, que chefiava a
força-tarefa da operação em Curitiba.
Os diálogos obtidos pela reportagem ocorreram de
março a junho de 2017, por meio do aplicativo Telegram. Hoje os dois trocam
críticas públicas.
Em uma das conversas, datada de 31 de março daquele
ano, Dantas felicita o então chefe da Lava Jato pela ação de improbidade movida
na véspera contra o PP e dirigentes da legenda, entre eles o atual presidente
da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (AL).
"Parabéns pela ação de ressarcimento contra os
partidos e os agentes políticos!!! Como não temos jurisdição administrativa
sobre eles, essa atuação de vocês complementa a nossa no ressarcimento dos
danos!", escreveu Dantas.
"Obrigado Bruno! Parte de um grande trabalho
conjunto!!", respondeu Deltan, segundo as mensagens.
Cerca de dois meses depois, em 9 de junho de 2017,
Dantas mandou nova mensagem ao então procurador, afirmando ter atendido a um
pedido seu, "com o máximo de discrição", e perguntando se ele havia
visto a MP (medida provisória) 784, que permitia ao Banco Central estabelecer
acordos de leniência com instituições financeiras.
"Opa ótima notícia! Vimos [a MP]. Carlos
Fernando [outro integrante da força-tarefa] vai escrever algo sobre ela",
respondeu Deltan.
Dez dias antes dessas mensagens, o TCU havia
aprovado a concessão de prazo adicional de 60 dias para que a força-tarefa
fechasse acordos de delação com construtoras alvo da operação. O pedido, feito
por Deltan, foi relatado por Dantas. A MP acabou caducando sem ser votada pelo
Congresso Nacional.
Dantas afirmou ainda em outras mensagens ao
procurador que a Odebrecht estaria à época querendo firmar um acordo de delação
direta com o TCU, o que ele disse considerar inadequado, além de suspeitar de
que isso pudesse ser uma forma de indispor o tribunal com a força-tarefa.
Por meio da assessoria do TCU, Bruno Dantas
encaminhou à Folha nota que afirma que as mensagens de 2017 comprovam "que
a Lava Jato enganou e abusou da boa-fé da imprensa, da sociedade brasileira e
de muitos servidores de várias instâncias, inclusive de tribunais".
Conforme a manifestação, esses servidores
desconheciam a forma da operação de atuar "fora da lei e contra a
democracia" e que os contatos foram institucionais e em nome do dever
funcional.
"É o caso concreto, em momento incipiente em
que os primeiros acordos de leniência foram celebrados pelo MPF [Ministério
Público Federal] e havia esforço das instituições públicas para dar a eles
alguma funcionalidade, respeitadas as competências constitucionais e legais de
cada órgão."
A nota prossegue afirmando que a evolução das
reuniões revelou que a Lava Jato queria, na verdade, se sobrepor e usurpar as
competências dos outros órgãos. "Isso foi repelido com veemência pelo TCU,
como o noticiário revelou na época."
"O ministro Bruno Dantas informa que suas
declarações públicas e votos proferidos em processos do TCU entre 2017 e 2022
falam por si" e são muito mais importantes que diálogos que "apenas
mostram o momento em que se começou a entender o que a Lava Jato sempre foi,
uma tentativa de destruir a democracia."
Também em nota, Deltan afirma não reconhecer a
autenticidade das mensagens e que suas conversas com autoridades sempre foram
republicanas e institucionais. Apesar disso, comentou o conteúdo delas.
"É lamentável que altas autoridades da
República, que apoiavam a Lava Jato, tenham se tornado ferrenhas opositoras da
operação da noite para o dia, a ponto de demonizar e perseguir ilegalmente
juízes e procuradores quando isto se tornou conveniente para seus projetos
pessoais e ambições de poder político", afirma o texto.
Sem citar diretamente o nome de Dantas, a nota do
deputado cassado menciona o fato de o presidente do TCU ser hoje cotado para a
próxima indicação de Lula (PT) para o STF (Supremo Tribunal Federal) —"o
que deveria levantar sérios e críticos questionamentos da sociedade e da
imprensa a respeito de suas motivações ao atacar a Lava Jato e seus agentes."
Em 2018, quando a Lava Jato ainda gozava de amplo
respaldo político e jurídico, a relação entre Dantas e Deltan já não era boa.
Em junho daquele ano, por exemplo, o ministro do
TCU deu entrevista ao jornal O Globo em que chamou de "carteirada"
uma decisão de Sergio Moro, então juiz da operação, que proibia o uso de provas
contra empresas e delatores que haviam firmado acordo de leniência com a
força-tarefa.
Os arquivos de Deltan vazados posteriormente
mostram que o procurador se prontificou à época a fazer uma manifestação
pública dura contra Dantas, supostamente a pedido de Moro.
O tribunal de contas avaliava à época que os
valores a serem ressarcidos pelos envolvidos eram bem superiores. Em artigo
publicado na Folha no final de 2017, Dantas já havia dito considerar que
"o acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar
integralmente o dano causado".
Devido a essas conversas de 2018, o hoje presidente
do TCU requereu em julho de 2023 acesso completo aos dados da Spoofing, o que
foi concedido pelo STF.
Já em 2021, Dantas acatou representação do
Ministério Público junto à corte e determinou um pente-fino nos gastos da Lava
Jato com viagens e diárias.
Em agosto de 2022, a Segunda Câmara do TCU
determinou que Deltan e outros procuradores devolvessem mais de R$ 2,8 milhões
ao erário. Deltan conseguiu a suspensão da condenação na Justiça do Paraná. Em
junho de 2023, porém, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) negou recurso de
Deltan e confirmou decisão anterior.
Maior investigação sobre corrupção conduzida no
Brasil, a Lava Jato iniciou-se em 2014 no Paraná e, sob o comando de Deltan na
Procuradoria e Moro como juiz do caso, mostrou a existência de um vasto esquema
de corrupção na Petrobras. Acabou sendo determinante, entre outros movimentos,
para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016.
Em julho de 2017, Moro sentenciou Lula a 9 anos e 6
meses de prisão e, em abril de 2018, determinou a sua prisão após a confirmação
da sentença na segunda instância.
Com Lula fora do páreo eleitoral, Jair Bolsonaro
(então no PSL) derrotou Fernando Haddad (PT) no segundo turno e virou
presidente da República. Dias depois, Moro abandonou a magistratura e se tornou
ministro da Justiça de Bolsonaro.
A operação sofreu seu maior baque em junho de 2019,
quando o site The Intercept Brasil divulgou pela primeira vez mensagens
evidenciando uma ação alinhada entre Ministério Público e Moro.
Desde então a operação e seus integrantes perderam
sustentação política e no Judiciário e sofreram uma série de reveses, em
especial a anulação das condenações contra Lula, a declaração pelo STF de que
Moro foi um juiz parcial nos casos do atual presidente e a cassação do mandato
de deputado de Deltan.
Deltan
planejou usar ONG para receber prêmio, abastecer fundo e evitar impostos
Um novo lote de conversas obtidas na "operação
spoofing", às quais a revista eletrônica Consultor Jurídico teve acesso,
revelam o plano do ex-chefe da autodenominada força-tarefa da "lava
jato", Deltan Dallagnol, para usar a Transparência Internacional como
intermediária no recebimento de um prêmio, abastecer o fundo que ele pretendia
criar em sociedade com a ONG e, em último caso, evitar o pagamento de impostos.
Em 2017, a "lava jato" foi indicada ao
Allard Prize, prêmio promovido pela University of British Columbia, no
Canadá. Enquanto o resultado não saía,
Dallagnol sonhou alto. E se preocupou com os detalhes da logística para trazer
o dinheiro para o Brasil depois de receber uma mensagem dizendo que, se a
"lava jato" não pudesse receber o prêmio, os organizadores só
poderiam doá-lo a uma entidade de caridade registrada no país ou fazer o
depósito para uma entidade externa — algo que, nesse caso, não seria
caracterizado como doação.
Em 27 de junho daquele ano, em conversa com Bruno
Brandão, diretor da TI com quem desenhava o fundo da "lava jato", o
ex-procurador perguntou: "Estou pensando se a TI não poderia receber no
Canadá e transferir para cá, para fazer o fundo, ainda que deconte taxas ou o
que for cabível. E vcs poderiam formar o fundo? Pode ser basicamente uma conta,
formar uma comissão e abrir um edital para apresentação de projetos..." —
os diálogos são reproduzidos nesta reportagem em sua grafia original.
Brandão confirmou haver representação da TI no
Canadá ("Fraquinha, mas tem") e sugeriu a doação do dinheiro para uma
bolsa de estudos destinada a brasileiros. Em suas palavras, "podemos
tentar fazer esta transferência sim, dos recursos, pro fundo que queremos abrir
no Brasil". Dallagnol respondeu que "tínhamos pensado em fazer algo
para ganhar créditos pra FT". E arrematou: "Se o dinheiro fica no
Canadá, não ganhamos créditos. Não dá ibope".
O representante da TI prometeu conversar com seus
pares para viabilizar o plano de Dallagnol, que insistiu: "Vc checa com a
TI se a TI-Canadá poderia receber e transferir para cá? Ou se recebendo lá, o
funding que iria para ela da TI geral poderia vir para o Brasil?". Brandão
ressalvou que a universidade canadense teria de autorizar a doação para a ONG
no Canadá e a transferência do prêmio ao fundo administrado pela TI no Brasil.
Na conversa, Dallagnol cobrou Brandão sobre a
formulação de um regulamento para o fundo e insistiu no contato com a TI
Canadá. O representante da ONG pediu mais uma vez para o ex-procurador checar a
viabilidade do plano com a própria universidade. "Então, eles falaram
isto. Creio que a primeira opção é indicarmos a TI canadá, informando que vai
transferir, e vemos o que eles dizem. Na pior das hipóteses, pelo que entendi,
não será legalmente uma doação, mas um pagamento e prov haverá tributos. Se for
assim, creio que será o caso de fazer de qq modo. Mas pra isso presiamos do ok
da TI Canadá. Acho melhor ter o ok e a identificação certinho da TI Canadá pra
então pedirmos análise deles, pra não pedir algo que não seja factível pela
TI...".
O assunto voltou à pauta das conversas dos dois em
10 de julho de 2017, quando Dallagnol cobrou Brandão: "Alguma novidade
sobre a questão do premio do Canada? E se usássemos o valor pra fazer um premio
brasileiro? Se conseguissemos um matching, alcançariamos perto de 500 mil.
Daria pra gastar 25k num premio anual brasileiro anticorrupção, a ser dado pela
TI a partir do fundo... é uma opção tb". "Ideia muito boa. Acho que
seria uma opção interessante. Vou falar com nossa consultora que está na UNC
para ver se tem novidade e lhe conto", respondeu Bruno.
O assunto se encerrou em 25 de julho de 2017,
quando Dallagnol revelou sua principal preocupação: não ter de pagar impostos.
"Bruno, na questão do Allard Prize, preciso preencher um formulário para wire
transfer...conseguiu ver a questão do pagamento à transparência do Canadá, para
ser transferido para a Brasil, para instituir um prêmio anual?". Bruno
Brandão explicou que enfrentava dificuldade no contato e reafirmou que "a
melhor ideia é a da premiação no Brasil".
"Não entendi muito bem o que quis dizer,
porque o problema é operacional. Se nós recebermos e doarmos, perderemos uma
grana em tributos (pelo menos cerca de 1/3). Por isso seria importante que a
doação vá direto pra Vcs... se Vc me autorizar, começo a articular isso com
eles e copio Vc no email para Vc esclarecer tb... pode ser? (isso se ganharmos
é claro)."
Não ganharam. O prêmio principal, cem mil dólares
canadenses (R$ 372 mil, em valores atuais), acabou ficando com uma jornalista
do Azerbaijão, Khadija Ismayilova, e os procuradores de Curitiba tiveram de se
contentar com uma menção honrosa e dez mil dólares canadenses (R$ 37,2 mil).
Transparência
Internacional temia não receber dinheiro de fundação lavajatista
Diálogos entre procuradores da finada "lava
jato" apreendidos na "operação spoofing", aos quais a revista
eletrônica Consultor Jurídico teve acesso, mostram que a organização não
governamental Transparência Internacional tinha receio de não receber recursos
de uma fundação criada com recursos do acordo de leniência da J&F.
Em mensagens de 29 de novembro de 2018, um
procurador identificado como Paulo, possivelmente Paulo Roberto Galvão de
Carvalho, relata como tinha sido uma reunião no mesmo dia com Bruno Brandão, da
TI, e Michel Freitas Mohallem, professor da Fundação Getulio Vargas — que
acusou a ONG de ter usado mão de obra, expertise e instalações da própria FGV
para cumprir um memorando firmado com a "lava jato" firmado sem o seu
consentimento.
Paulo aponta que a J&F entendia que o dinheiro
que pagasse deveria ser totalmente destinado aos cofres públicos. Mas ressalta
que a TI queria ficar com parte da verba.
"Não deixar o dinheiro se diluir. Carimbar → no nosso caso, o dinheiro virá de uma vez VER
PROPOSTA. Por enquanto pedem para não ser compartilhada com Petrobras. TI tem receio de
ficar fora da possibilidade de receber recursos Possibilidade de questionamento
do modelo – na J&F há gente querendo dizer que o dinheiro deveria ser usado
integralmente para ressarcimento ao erário – mas não afeta o nosso caso",
afirma o procurador em trecho da mensagem — os diálogos são reproduzidos nesta
reportagem em sua grafia original.
O integrante do MPF também narra que havia receio
de o acordo ter que ser submetido ao Tribunal de Contas da União. Outras
mensagens mostram que lavajatistas tentaram fazer com que o TCU aderisse à
proposta de criação da fundação, com direito a pressão e chantagem.
Recentemente, a corte disse que a "lava jato" movimentou R$ 22
bilhões obtidos por meio de acordos de leniência sem qualquer transparência.
O pacto entre a Transparência Internacional e os
procuradores quase resultou na formação de uma fundação. A nova instituição
teria um orçamento bilionário controlado pela ONG e tarefeiros, e seria
supostamente dedicada a disseminar práticas de "combate à corrupção".
A ConJur noticiou o caso em dezembro de 2020 e, na
ocasião, o procurador-geral da República, Augusto Aras, bloqueou um repasse de
R$ 270 milhões para a fundação gestada por MPF e TI. O arquiteto da operação
seria o conselheiro da TI e assessor informal da "lava jato" Joaquim
Falcão.
Em um memorando, foi registrada a pretensão de
destinar parte dos recursos do acordo, no valor total de R$ 10,3 bilhões, a um
projeto de investimento na prevenção e no "controle social da
corrupção". Custo dessa "campanha educativa": R$ 2,3 bilhões.
O acordo firmado pelos procuradores do consórcio da
capital federal previa que a ONG Transparência Internacional colaborasse com o
desenho e a estruturação do sistema de governança e fundação de uma entidade
"para atender a imposição de investimentos sociais" das obrigações
impostas à J&F.
Tal parceria é uma espécie de "clone" da
fundação que seria criada pelos procuradores de Curitiba com recursos da
Petrobras.
• Acordo
da Petrobras
Em mensagens de 21 de setembro de 2018, Paulo
afirma que o acordo da Petrobras com o Departamento de Justiça dos EUA
"não ficou bom". "Eles aceitaram apenas o que era inadmissível
para a gente. Mas rejeitaram muitas sugestões."
Quatro dias depois, Paulo relata que informou a
Procuradoria-Geral da República sobre o andamento do acordo com os EUA. A
procuradora Laura Tessler então questiona se não é melhor aguardar aprovação do
termo pelo conselho de administração da estatal antes de falar com a PGR,
"para evitar que Raquel Dodge [então procuradora-geral da República] tente
mudar algo para que ela apareça". Paulo ri: "rs boa".
Em 26 de setembro, o então chefe da "lava
jato", Deltan Dallagnol, manifesta sua insatisfação com o acordo.
"Não gostei da ideia de falar de global
resolution conosco. Não há nada disso. Ainda podemos atuar no procedimento de
mercado de capitais. E além disso da impressão de que estamos ferrando a
Petrobras. Tem que mudar esse tom."
Lavajatistas assinaram acordo com a Petrobras para
a criação de uma fundação que permitiria ao grupo de procuradores gerir
recursos bilionários. Em troca, a estatal repassaria informações confidenciais
sobre seus negócios ao governo americano. A manobra foi bloqueada por decisão
do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Fonte: FolhaPress/Conjur
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