Mais de uma centena de botos mortos: as cenas que mostram o drama na seca da Amazônia
Em meio à segunda maior seca na Amazônia em 13
anos, pesquisadores e ribeirinhos da região de Tefé, no interior do Amazonas,
registraram a morte de pelo menos 110 botos de diferentes espécies ameaçadas de
extinção.
A contagem foi feita por pesquisadores do Instituto
Mamirauá, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Informações (MCTI).
Eles avaliam que a seca intensa na região pode ter desencadeado as mortes dos
animais.
Diante à mortandade, organizações
não-governamentais e agências do governo federal avaliam a realização de uma
operação de ajuda para remover animais das áreas mais secas e tentar evitar
novas mortes.
Procurado pela reportagem da BBC News Brasil, o
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) enviou uma
nota informando o deslocamento de técnicos para a região e a realização de uma
operação de resgate para os animais encalhados.
Ainda segundo a nota, "há indícios de que o
calor e a seca histórica dos rios estejam provocando as mortes de peixes e
mamíferos na região". O ICMBio é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente
(MMA).
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado
de Meio Ambiente do Amazonas (Sema) afirmou que "tem monitorado a situação
nas Unidades de Conservação Estaduais sob gestão da pasta".
"No momento, a Sema vem realizando esforços no
sentido de articular ações junto aos órgãos fiscalizadores de fauna, como o
Ibama, a fim de encontrar estratégias emergenciais e de remanejamento de
botos", acrescentou em nota.
De acordo com especialistas da secretaria, "no
caso dos botos, os eventos podem estar associados à estiagem, à escassez de
alimentos com a morte de peixes ou, ainda, ao aumentos da temperatura de rios e
lagos com a seca. Entretanto, há a necessidade de mais estudos para compreender
melhor as causas".
As mortes dos botos foram registradas no Lago de
Tefé, que se forma em frente ao município de mesmo nome, a pouco mais de oito
quilômetros da confluência com o rio Solimões.
As carcaças, segundo pesquisadores, começaram a ser
avistadas pelos ribeirinhos a partir do sábado (23/09). Em apenas um dia, pelo
menos 70 animais mortos teriam sido avistados.
Tefé fica a 521 quilômetros de distância de Manaus,
capital do Amazonas. O estado, por sua vez, é um dos mais afetados pela
estiagem deste ano. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(Inpa), esta é a segunda maior seca na região desde 2010.
No Amazonas, já são 15
municípios em situação de emergência em razão da seca severa. Segundo levantamento realizado pela Defesa Civil do Estado, as cidades mais
atingidas pela baixa das águas estão nas calhas dos rios Juruá e Solimões, nas
regiões do Alto e Médio Solimões, exatamente a região onde as mortes dos botos
foram registradas.
Outros 40 municípios estão em estado de alerta e
cinco em atenção.
De acordo com o coordenador do grupo de pesquisas
em geociências e pesquisador titular do Instituto Mamirauá, Ayan Fleischman, as
duas espécies encontradas mortas são o boto tucuxi (Sotalia fluviatilis) e o
boto vermelho (Inia geoffrensis). As duas são consideradas ameaçadas de
extinção e estão na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da
Natureza.
"A situação é grave. É um número muito
expressivo de botos mortos e a gente fala com os moradores e os ribeirinhos da
região e eles dizem que nunca viram algo parecido", afirmou", o
pesquisador.
·
Possíveis causas: aumento de
temperatura e agente infeccioso
Ao se depararem com as carcaças de botos na orla do
Lago de Tefé, pesquisadores do Instituto Mamirauá começaram a se perguntar
sobre o que teria causado essa quantidade aparentemente anormal de mortes
dessas espécies.
A pesquisadora do instituto e líder de um grupo de
pesquisas sobre mamíferos aquáticos amazônicos, Míriam Marmontel, diz que ainda
não é possível afirmar quais as causas específicas das mortes, mas, segundo
ela, essa mortandade pode ter sido desencadeada pela seca prolongada na região.
"Não posso dizer nesse momento qual é a causa,
mas a estiagem e a elevação da temperatura, certamente são fatores que estão
levando às mortes", disse a pesquisadora.
Marmontel afirma que uma das principais suspeitas é
a de que os animais possam ter morrido de hipertermia, que é quando há uma
elevação intensa da temperatura corporal causada por causas internas ou
externas.
"A série histórica aponta que a temperatura
máxima do lago era de 32ºC. Nós fizemos medições agora e encontramos
temperaturas de 39ºC e 40ºC. Imagina-se que qualquer um de nós sentiria essa
diferença de sete ou oito graus Celsius e que isso gera um stress para os
organismos. Agora, ainda não sabemos se isso causou a hipertermia", afirma
a pesquisadora.
Segundo ela, pesquisadores e ribeirinhos têm notado
um comportamento atípico desses animais.
"Nós temos visto eles adotando um
comportamento errático. Aparentemente, eles não conseguem mergulhar e ficam se
movimentando em círculos, o que não é normal do comportamento deles",
disse.
Outro elemento investigado pelos pesquisadores é a
possibilidade de que algum agente infeccioso esteja causando as mortes.
"No meu entendimento, acho que é algo exacerbado
pela temperatura. Pode ter sido algum organismo ou alguma toxina presente na
água que anteriormente não causava nada nos animais mas que pela concentração
física e pelo aumento da temperatura acabou sendo potencializado e está
causando esses problemas", explicou a pesquisadora.
Marmontel afirmou que os pesquisadores estão
coletando amostras de tecidos dos botos para serem analisadas em laboratórios.
O objetivo é que essas análises possam indicar as reais causas da mortandade.
·
Operação de resgate
De acordo com Míriam Marmontel, uma operação de
resgate organizada pelo ICMBio e entidades parceiras deverá começar no domingo
(1º/10). A operação terá o objetivo de desencalhar botos que estejam em bancos
de areia ou em áreas muito rasas.
A informação foi confirmada pela nota enviada pelo
ICMBio à BBC News Brasil.
A pesquisadora, no entanto, diz que há elementos
que dificultam essa ação de resgate.
Um deles é a incerteza sobre as causas das mortes e
o que será feito com os animais resgatados.
Segundo ela, como há a possibilidade de que os
animais tenham sido infectados com algum agente externo, a remoção deles para
áreas como o leito do rio Solimões poderia colocar em risco outros animais.
A BBC News Brasil indagou o ICMBio sobre o destino
dos animais eventualmente resgatados, mas não houve resposta.
·
El Niño e águas mais quentes
no Atlântico
Ayan Fleischman explica que o aumento da
temperatura da água no Lago de Tefé é resultado da seca intensa registrada na
Amazônia. Segundo ele, essa estiagem é causada pela fenômeno climático
conhecido como El Niño, que é o aquecimento das águas do Oceano Pacífico.
Ele explica, no entanto, que além do El Niño, a
região também estaria sendo afetada pelo aquecimento das águas do Oceano
Atlântico.
Em entrevista à BBC News Brasil nesta semana, José
Genivaldo Moreira, doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos e
professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), disse que embora os períodos
de seca sejam sazonais na Amazônia e o El Niño seja um fenômeno
recorrente, haveria um
aumento na frequência de eventos climáticos extremos na Amazônia. Segundo ele, isso poderia estar relacionado com o avanço das mudanças
climáticas geradas pela ação humana.
"Antes víamos eventos extremos acontecerem a
cada 15 anos. Hoje não, vemos acontecer a cada cinco anos e às vezes até
menos", diz Moreira, lembrando que Rio Branco também sofreu com enchentes
sem precedentes no primeiro semestre.
Especialistas afirmam que a combinação do El Niño
com o aquecimento das águas do Atlântico pode levar a um atraso no início da
temporada chuvosa na Amazônia, que normalmente começa no mês de outubro.
Para Miriam Marmontel, do Instituto Mamirauá, um
possível atraso no início da estação chuvosa na Amazônia poderia ter efeitos
ainda mais dramáticos em relação às mortes dos botos.
Segundo ela, os especialistas temem que o
prolongamento da estiagem possa levar a mais mortes.
"A expectativa é de que haja mais mortes. Tem
mais um mês de seca e o panorama é muito sombrio", disse a pesquisadora.
Fonte: BBC News Brasil
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